Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4488/20.5T8ALM-A.L1-8
Relator: MARIA TERESA LOPES CATROLA
Descritores: DANOS PATRIMONIAIS DE PERSONALIDADE
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
AUTOR RESIDENTE EM PORTUGAL
TRIBUNAL COMPETENTE
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: «1.–Para que existisse omissão de pronúncia, teria a decisão recorrida de ter assumido, o que não fez, como ratio decidendi, a interpretação normativa cuja constitucionalidade a recorrente questiona.

2.–Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62-b) do CPC para decidirem uma ação em que o autor, um jogador de futebol que reside em Portugal, e onde jogou durante várias épocas, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, da sua imagem e nome, nos jogos eletrónicos da FIFA, produzidos pela ré nos EUA e divulgados por todo o mundo.»

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I.–Relatório


A…, de nacionalidade portuguesa e com residência na Rua …., Corroios, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra B…., com sede em…, EUA, pedindo a condenação da ré a pagar ao autor:
- a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 51.877,48 (cinquenta e um mil, oitocentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos), tudo no total de € 195.877,48 (Cento e noventa e cinco mil, oitocentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.
- montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.935,34 (dois mil, novecentos e trinta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), tudo no total de € 7.935,34 (sete mil, novecentos e trinta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.
Para tanto, invocou, em síntese, que a ré, sociedade norte-americana, no exercício da sua actividade comercial de desenvolvimento e fornecimento de jogos, utiliza a imagem e o nome do autor, cidadão português, jogador de futebol, para desenvolver e fornecer os jogos Fifa, Fifa Manager, Fifa Ultimate Team-Fut, contando a ré com várias subsidiárias, entre as quais a EA Swiss Sarl, com sede em Genebra, Suíça, que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, sem ter solicitado autorização para o efeito.
Citada, a ré contestou a acção, defendendo-se por excepção e impugnação, tendo, na primeira das defesas, arguido a exceção dilatória de incompetência internacional e as excepções peremptórias da prescrição do direito invocado pelo autor, do licenciamento dos direitos de imagem a favor da ré e do abuso de direito.
No que respeita à alegada incompetência internacional dos Tribunais portugueses, alega a ré que não se verificam nenhum dos factores de atribuição de competência, nos termos dos artigos 59º, 62º e 63º do Código de Processo Civil, pugnando pela sua absolvição da instância (cf. artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 98.º, 1.ª parte, e 278.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil).
O autor apresentou requerimento de resposta, defendendo a competência internacional dos Tribunais portugueses para conhecer da ação, alegando, em síntese, que é cidadão português, reside e tem toda a sua vida organizada em Portugal, os jogos podem ser adquiridos em todo o mundo, e que, não se admitindo o exercício do direito perante os tribunais portugueses, está ameaçado o mesmo na sua praticabilidade e exercício.
Apreciada a referida excepção, veio o Tribunal recorrido a proferir a seguinte decisão (referência 427021002):
«julgo improcedente a excepção dilatória de incompetência internacional (absoluta) deste tribunal, o qual declaro competente para a tramitação e decisão desta acção».
Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de apelação da parte do despacho proferido em 3 de setembro de 2023 (referência 427021002) pelo Tribunal a quo, com subida imediata em separado, que julgou o Tribunal a quo internacionalmente competente para a tramitação e decisão desta ação.
A recorrente apresentou as seguintes conclusões:
IV– Conclusões
a)- O presente recurso de revista impugna o despacho de 03.09.2023, pelo qual se declarou a competência internacional do Juízo Central Cível de Almada para tramitar esta ação, recurso admissível nos termos do art.º 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC já que está em causa a infração de regras de competência internacional.
b)- A ré considera a decisão ilegal, com base na violação de lei substantiva, processual e da própria Constituição da República Portuguesa, destacando-se, entre outros, as seguintes normas e princípios jurídicos:
princípio da causalidade, princípio da coincidência, princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros, princípio do Estado de Direito, princípio da proteção ou tutela da confiança, princípio da soberania, princípio da igualdade, princípio do processo equitativo e da igualdade das partes, princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio do dispositivo, princípio do contraditório, princípio do dever de obediência dos tribunais à lei, princípio da separação dos poderes e o princípio do primado do direito europeu;
art.º 2.º, 8.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa;
art.º 62.º do CPC;
art.º 22.º e 38.º, n.º 1 da LOSJ;
art.º 351.º do CC.
c)- A apreciação da competência internacional é efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou aplicação de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e, entre muitos outros, acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1.
d)- Sucede que os únicos factos que o despacho em crise utilizou para declarar a competência internacional são os relativos à nacionalidade, ao domicílio e carreira profissional, como futebolista, do autor em Portugal, ignorando-se o que o mesmo autor refere logo no art.º 2.º da sua petição inicial que a ré apenas tem atividade nos EUA, Japão e Canadá e, por isso, não pratica qualquer ato em nenhuma outra parte do mundo e, ainda, que ao longo da sua carreira, o autor passou cerca de 10 anos, no estrangeiro, contra cerca de 7 anos e meio, em Portugal.
e)- Acresce que o despacho revidendo, ao sustentar a decisão em citações jurisprudenciais, acaba por se basear na existência não invocada de um centro de interesses do autor em Portugal e em factos presumidos, factos não articulados na petição inicial e factos que não integram a causa de pedir.
f)- A causa de pedir deste pleito é a alegada violação do direito de imagem do autor, pela aposição não autorizada da sua imagem nos jogos FIFA, não devendo ser considerados outros factos que não a integrem, como sejam a sua nacionalidade, o seu domicílio ou o local onde, em determinado período, exerceu a sua atividade profissional.
g)- Acresce que as vendas dos jogos FIFA não constituem conexão suficientemente relevante para se afirmar a competência internacional porque (i) não são imputadas à ré, (ii) não assumem nenhuma particularidade sobre todas as demais vendas noutros países e (iii) são factos que não integram a causa de pedir.
h)- A par do erro de julgamento, a decisão revidenda está eivada do vício de nulidade por omissão de pronúncia sobre o pedido da ré de apreciação das questões de inconstitucionalidade na base do sentido decisório adotado pelo tribunal a quo, declarando a competência internacional, pretensão deduzida nos autos nos requerimentos de 01.07.2022 (ref.ª Citius n.º 33014839), 13.10.2022 (refª. Citius n.º 33853294), 07.11.2022 (refª. Citius n.º 34089315).
i)- O despacho sob recurso adere aos fundamentos dos acórdãos do STJ aí citados, apesar de ser inaplicável o regulamento n.º 1215/2012, incluindo o seu art.º 7.º, n.º 2 porque este só abrange casos em que a entidade demandada tem sede num Estado-Membro (quando a ré tem sede nos EUA).
j)- Ao abrigo do princípio da interpretação autónoma do direito nacional dos Estados-  Membros, não há que convocar a jurisprudência do TJUE sobre diplomas europeus, para interpretar a lei portuguesa.
k)- Incluir no critério da causalidade do art.º 62.º, alíneas a) ou b) do CPC, o centro do interesse do autor constitui violação manifesta das regras de interpretação jurídica e de normas e princípios constitucionais, como acima se detalhou e para onde se remete – reiterando-se o pedido de pronúncia expressa deste Tribunal a quibus também nesse conspecto.
l)- No art.º 62.º do CPC, o legislador define quais os fatores de atribuição da competência internacional, o qual têm de ser interpretado e aplicado de acordo com os critérios legais de interpretação das normas fixado no art.º 9.º do CC: elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, sendo inconstitucional e ilegal qualquer interpretação contra ou praeter legem.
m)- A apreciação da competência internacional nestes autos deve ser dirimida exclusivamente à luz do art.º 62.º do CPC e critérios aí elencados, a saber: – alínea a): critério da coincidência;
– alínea b): critério da causalidade; e
alínea c): critério da necessidade.
n)- Estes critérios devem ser ponderados à luz da factualidade constante da petição inicial, assumindo-a, para este efeito como verdadeira, e sem proceder a quaisquer indagações probatórias.
o)- Destes factos, constata-se que:
a ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América
nenhum facto territorialmente localizado em Portugal foi alegado pelo autor;
não se imputa à ré a prática de atos ou a existência de atividade em Portugal (artigo n.º 2 da petição inicial),;
não há na petição inicial concretização de danos em Portugal;
não há alegação do momento e lugar do sofrimento desses danos;
não se invoca qualquer dificuldade na demanda da ré no local da sua sede.
p)- De acordo com o critério da coincidência, o tribunal português será internacionalmente competente se esta ação puder ser proposta no nosso país, segundo as regras de competência territorial do CPC, valendo, nesta ação de responsabilidade civil extracontratual, a regra do art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o tribunal competente é o do lugar onde o facto ocorreu.
q)- O autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem atividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA.
r)- Os tribunais portugueses não são, desta forma, competentes ao abrigo da alínea a) do art.º 62.º.
s)- Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) – critério da causalidade –, impunha-se ao autor alegar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país.
t)- Sucede que não há, em toda a petição inicial, um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido especificamente em Portugal e que não ocorra noutras jurisdições, exceto nos territórios onde a ré tem atividade: EUA, Canadá e Japão.
u)- Sem a alegação do “quando” e “onde” do dano do autor, é impossível afirmar que este ocorreu em Portugal para efeitos de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses.
v)- Não alegando o autor onde se encontrava quando sofreu danos, não compete ao Tribunal efetuar qualquer análise jurídica para indagar o local da verificação dos danos e pressupor que “se o autor vivia em Portugal, foi aqui que sofreu os danos” ou “se o autor exercia a sua atividade num clube de futebol português, foi em Portugal que sofreu os danos”.
w)- O autor não alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal.
x)- Não é lícito inferir que o autor terá sofrido danos em Portugal, porque isso traduz o emprego de presunção judicial de factos, o que é vedado na apreciação da competência – art.º 38.º, n.º 1 LOSJ e art.º 351.º do CC.
y)- É igualmente proibido, à luz dos critérios de interpretação consagrados no direito português, utilizar conceitos jurisprudenciais do TJUE, sobre normas de regulamentos europeus inaplicáveis, nomeadamente o conceito de centro de interesses.
z)- Constituindo conclusão jurídica o estabelecimento da existência de um centro de interesses, numa determinada jurisdição, não se identificam na petição inicial quaisquer factos que permitam suportar factualmente a existência desse centro de interesses em território nacional, que não se confunde com os conceitos de domicílio ou residência.
aa)- O conceito de “centro de interesses” é uma figura trabalhada pela jurisprudência do TJUE e indevidamente aplicada pelo tribunal a quo pois não existe qualquer lacuna na lei portuguesa que requeira integração através daquela figura – vide Parecer do Ilustre doutrinário, Prof. Doutor Teixeira de Sousa.
bb)- Em face da (i) ausência de alegação, na petição inicial, de atos praticados pela ré em território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC e (iii) não alegação de danos em Portugal, inexistem elementos de conexão à luz do princípio da causalidade.
cc)- Caso este Tribunal se pronuncie sobre o art.º 62.º, alínea c) do CPC – princípio da necessidade –, cumpre ressalvar que o autor não invocou que o direito que aqui peticiona não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro.
dd)- Não bastando, seguramente, ao autor ter nacionalidade ou domicílio português, para daí se reconhecer, em todos os seus futuros litígios, competência internacional aos nossos tribunais.
ee)- O direito que o autor pretende fazer valer é amplamente reconhecido pelas várias jurisdições do mundo, sendo que da sua alegação na petição inicial não resulta qualquer concretização acerca do que seja a dificuldade objetiva que possa gerar uma limitação no exercício dos seus direitos.
ff)- O autor chega a alegar factos na petição inicial que comprovam que os direitos que pretende exercer são reconhecidos na jurisdição norte-americana.
gg)- Daí que não se verifiquem nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC e não possa ser mantida, por ser inconstitucional a interpretação e aplicação das alíneas a) ou b) pelas razões acima detalhadas, o que deve determinar a revogação do despacho em crise e a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses.
hh)- São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais, factos que não estejam referidos na petição inicial e factos que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios:
princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas);
princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório);
princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e
– princípio do primado do direito europeu.
ii)- Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 62.º do CPC, 38.º, n.º 1 da LOSJ e 351.º do CC foi suscitada para conhecimento expresso do Tribunal a quo, que sobre ela não se pronunciou, sendo agora reiterada para conhecimento do Tribunal a quibus, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º- A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82 porque na formulação de critérios interpretativos do princípio legal da causalidade não cabe, por contrariar os princípios constitucionais acima elencados, o critério do centro de interesses, nem o emprego de factos presumidos, factos não alegados e factos que não integram a causa de pedir.
Nestes termos requer a V. Exas., face a tudo o que foi supra alegado, se dignem conceder provimento ao recurso, revogando a decisão sindicada e proferindo acórdão no sentido adrede pugnado.”

Com as alegações a ré junta três documentos.

Contra-alegou o recorrido, pugnando pela improcedência do recurso, sustentando-se nas seguintes conclusões:
a)-Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos que julgou o tribunal a quo (português) internacionalmente competente e, em consequência, determinou o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.
b)- Ora, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento a pretensão da recorrente.
c)- Na verdade, não há qualquer ligeireza de raciocínio por parte do Tribunal a quo, nem o Autor, aqui Recorrido, vislumbra qualquer vício na decisão proferida, muito antes pelo contrário.
d)- Assim, é evidente que a douta decisão recorrida fez correcta e sapiente aplicação do direito, sem violação de quaisquer normas, designadamente, as constantes dos preceitos apontados pela Apelante.
e)- A decisão sufragada pelo Tribunal a quo no que respeita à declarada competência internacional dos Tribunais Portugueses não padece de qualquer falta de substrato justificativo – com efeito, a referida decisão invoca factos concretos do caso sub judice, e baseia-se em elementos Jurisprudenciais e Doutrinários inabaláveis.
f)- Com efeito, o próprio dano/facto danoso resultante a exploração indevida da imagem do Autor mostra-se, também, consumado em Portugal.
g)- E tal está, efectivamente, alegado nos artigos 16.º, 19.º, 103.º e 187.º, todos da petição inicial.
h)- A competência do Tribunal, como medida da sua jurisdição é aferida em função dos factos alegados na petição inicial, considerando o pedido do autor, não interessando quaisquer outros pressupostos processuais, ou os termos da contestação ou oposição deduzida.
i)- Isto porque, no que respeita ao caso concreto e ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o conteúdo lesivo, são difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em vários instrumentos tecnológicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar.
j)- É o que sucede, por exemplo, com a colocação dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expansão do uso da Internet e da qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgação e exploração comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros daí advenientes.
k)- Acresce que, conforme demonstrado nos autos, inclusive, através de diversa documentação junta com a petição inicial, os jogos da ré são comercializados em suporte físico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo, nas lojas da especialidade, nas grandes superfícies, na Worten, na Fnac, na Mediamarket, entre tantas outras.
l)- E imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso não autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatória dessa mesma personalidade “A”.
m)- Apenas não poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilização ilícita da sua imagem, se tal livro e tal quadro não saíssem nunca da casa do seu autor.
n)- O mesmo já não se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo o mundo, inclusive, no local de residência daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie.
o)- É assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercialização e divulgação tivesse lugar.
p)- Esta lógica é, pois, plenamente aplicável aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponíveis a nível mundial, o dano não é provocado só nos Estados Unidos.
q)- Por isso, a tese sufragada no recurso interposto, apenas faria sentido, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte- americano e não transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo o mundo sob todas as formas disponíveis, ou seja, online e em suporte físico.
r)- E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.
s)- Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, sendo que a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua acção, nos jogos de que é proprietária com vista à sua divulgação mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.
t)- O Julgador não pode deixar de estar atento à evolução tecnológica e à expansão dos fenómenos dela resultantes, de forma a evitar decisões totalmente desfasadas da realidade em que vivemos actualmente.
u)- O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se à produção e divulgação dos jogos utilizando a imagem e o nome do Autor, sem sua autorização, mas – ao contrário do referido no recurso interposto - a sua divulgação não se localiza, exclusivamente, em solo norte-americano.
v)- Conforme demonstrado, essa divulgação ocorre em todo o mundo e, também, em Portugal, pelo que há, obviamente, uma repercussão do facto danoso, também, em todo o território nacional.
w)- Numa ação de responsabilidade civil por facto ilícito, cujo processo causal foi iniciado nos Estados Unidos, mas em que se produziram danos decorrentes da violação de direitos de personalidade do Autor, residente em Portugal, é evidente que a lesão se verifica no local onde o bem da personalidade é explorado economicamente.
x)- Para além disso, a obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem.
y)- O centro de interesses do Autor, cidadão português, é em Portugal, pelo que estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção.
z)- É, também, em Portugal que o Autor exerce e exerceu maioritariamente a sua profissão de jogador, como se mostra alegado nos artigos 5.º, 7.º, 8.º e 9.º da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
aa)- E, in casu, é à luz do disposto do aludido artigo 62.º, do Código de Processo Civil que deve ser aferida a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses se nada for estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários, ou outro instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária.
bb)- Sendo que é de atender à jurisprudência do TJUE sobre normas europeias que estabeleçam critérios idênticos às normas de direito interno, na aplicação e interpretação do direito interno, sobre competência internacional em prol da certeza uniformidade e seguranças jurídicas, só assim se evitando soluções desencontradas com os princípios que regem o direito europeu nessa matéria.
cc)- Por sua vez, se os danos invocados se prolongaram no tempo, localizando-se em diferentes Estados, mas também em Portugal, onde o Autor exerce e exerceu maioritariamente a sua profissão de jogador, existem elos suficientemente fortes entre os factos da causa e os tribunais portugueses, devendo dar-se como verificados, pelo menos, os critérios da coincidência e da causalidade, constantes das alíneas a) e b) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.
dd)- E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil e sendo arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.
ee)- Mais se diga ainda que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.
ff)- Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação dos factores de conexão consagrados nas alíneas a) e b) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.
gg)- Resultando à saciedade, face a todo o exposto que, andou bem, aliás, refira-se muito bem, a decisão Tribunal a quo!
hh)- Quanto à questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 351.º, do CC, art.º 5.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 do CPC, 674.º, n.º 1 e 3 do CPC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todos da Lei n.º 28/82, não há qualquer vício de interpretação em sentido desconforme com a Constituição, nem quaisquer outras interpretações inconstitucionais que importe conhecer, tal como os doutos arestos do Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional, têm entendido de forma unânime.
ii)- Finalmente, apenas cabe referir que os documentos juntos como recurso pela apelante, não têm o condão de sustentar a sua pretensão recursória, muito pelo contrário, conforme se mostra acima, cabalmente, demonstrado.
TERMOS EM QUE, nos mais de direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao recurso e mantida a douta decisão recorrida, assim se fazendo a costumada,
JUSTIÇA!”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.Âmbito do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
1.- Da nulidade da decisão;
2.- A incompetência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa.
Como questão prévia, importa apreciar a admissibilidade da junção de documentos pela recorrente com as suas alegações.

III–Fundamentação De Facto
São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do seu elemento narrativo, destacando-se:
1.- Na petição inicial:
1.1.- O autor alega que é jogador profissional de futebol e conta com uma longa e ilustre carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família (artigo 5 da p.i).
2.2.- O autor é cidadão nacional (artigo 3 da p.i.).
2.3.- O autor representou diversas equipas de futebol portuguesas e estrangeiras e integrou seleções nacionais de futebol, pelo que adquiriu no exercício dessa atividade adquiriu notoriedade a nível nacional e internacional (artigos 7 a 10 da p.i.).
2.4.- A ré, com sede nos Estados Unidos da América, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo, mundialmente reconhecida pela produção e desenvolvimento de jogos para computadores, jogos de vídeo e aplicações diversas os quais comercializa e distribui por todo o mundo, em suporte físico e online, fazendo-o diretamente nos mercados dos Estados Unidos da América, Canadá e Japão e através da sua “subsidiária” EA Swiss Sàrl,, para todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, (artigos 1º, 2º, 14º, da p.i).
2.5.- A ré, sem qualquer autorização, utilizou o nome, imagem e caraterísticas pessoais do A. na criação dos jogos FIFA em diversas edições desde Outubro de 2005 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 06) (artigo 11º e 25.º da p.i).
2.6.- Estas edições dos jogos para computador e videojogos contendo o nome e imagem não autorizadas do autor foram, e continuam a ser, difundidas em Portugal e em todo o mundo (artigos 26.º, 149.º da p.i.).
2.7.- Em Portugal a liga profissional de futebol promoveu um torneio denominado enominado “FIFA 20”, em que cada clube participante foi representado por um dos seus jogadores (artigo 30.º da p.i.).
2.8.- O mesmo aconteceu com o canal de TV Eleven Sports (artigo 31º).
2.9.- O A. sente-se perturbado, desgostoso, triste e revoltado, em consequência da referida conduta (artigo 181.º da p.i.).
2.–É do seguinte teor o despacho recorrido: Excepção de incompetência internacional (absoluta) do tribunal:
O autor …., português e com domicílio na Rua … Corroios, em Portugal, veio demandar a ré …, com sede em …, Califórnia, 94065, nos Estados Unidos da América, pedindo seja a acção julgada procedente, por provada, e, em consequência:
a)- Seja a ré condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil euros) de capital, acrescida de juros vencidos, no montante de € 51.877,48 (cinquenta e um mil e oitocentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos), tudo no total de € 195.877,48 (cento e noventa e cinco mil e oitocentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos), e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei;
b)- Seja a ré condenada a pagar-lhe montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros vencidos, no montante de € 2.935,34 (dois mil e novecentos e trinta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), tudo no total de € 7.935,34 (sete mil e novecentos e trinta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.
Para sustentar as sobreditas pretensões, invocou o autor, muito em síntese, que é um jogador de futebol, tendo permanecido vinculado a diversos clubes, entre 2001 e 2020, incluindo Senegal, Roménia, França, Inglaterra, Índia e, durante oito épocas desportivas, em Portugal, sendo que, por causa da sua carreira, conta com a exposição pública da sua imagem e sucedendo que a ré, nos jogos electrónicos, vídeos e aplicativos que desenvolve e fornece, incluindo os denominados Fifa ou Fifa Football ou Fifa Soccer, utilizou e continua a utilizar a imagem, nome e as características pessoais e profissionais do autor, o que faz em todo o Mundo, sem a sua autorização e contra a sua vontade, desde, pelo menos, 2005, com o que obtém proventos ilícitos e prejudica a imagem e o nome do autor.
Na contestação que ofereceu, entre o mais, veio a ré invocar que este tribunal é internacionalmente incompetente, pois entende que não existe qualquer factor legal atributivo de competência aos tribunais portugueses, ponderando que a ré é uma sociedade norte-americana, com actividade nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, não actuando em Portugal e sequer na Europa, além de que a produção dos jogos que o autor entende que lesam a sua imagem não se desenvolve em Portugal, nem aqui são pela ré vendidos, mas por terceiros, não alegando o autor a produção de danos em Portugal.
Foi exercido o contraditório, pugnando o autor pela competência internacional deste tribunal, em consonância com a posição constante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Importa decidir.
É consabido que a incompetência internacional do tribunal (incompetência absoluta) deve ser conhecida nesta sede, isto é, na fase de saneamento do processo, e constitui excepção dilatória, a qual, neste caso, é de conhecimento oficioso, podendo ser conhecida até à sentença, mas foi, de todo o modo, alegada em tempo (na contestação), determinando a sua verificação a absolvição do réu da instância (art.ºs 59.º, 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 98.º, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 279.º, 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea a), 578.º e 595.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
Impõe-se, assim, encetar pelo exame da excepção de incompetência absoluta deste tribunal para a tramitação e decisão da presente acção, a qual, a ser declarada, impede a prolação de decisão que incida sobre o mérito da causa.
Tem sido posição constante e uniforme aquela que estabelece que a competência do tribunal se afere em função do objecto processual que é configurado nos autos pelo autor na sua petição inicial, isto é, a competência deve analisar-se no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir tal como são representados pelo autor no articulado inicial.
Da antecedente asserção decorre que a questão da competência internacional terá que ser apreciada independentemente do mérito da acção.
Assim sendo, é em função do thema decidendum representado nesta acção pelo autor que deve ser aferida a competência internacional do tribunal.
Nesse sentido, pode ver-se, entre tantos outros arestos e a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2020 (acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 12223/16.6T8PRT.P1.S1), no qual, em síntese e entre o mais, se decidiu que “I– A competência internacional deve ser aferida em função do pedido e da causa de pedir.”, bem como se poderá tomar em consideração o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2021 (acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1), no qual ficou decidido, de igual modo, que “I- A competência internacional dos Tribunais Portugueses afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida, pressupondo que o litígio apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.”
Nestes termos, a materialidade com relevância para a apreciação da excepção de incompetência material deste tribunal é a que resulta da alegação factual oferecida pelo autor na sua petição inicial, a qual se encontra já expressa e cuja reiteração se revela despicienda, mas para cujo teor se remete e se considera reproduzido.
Dessa alegação, destaca-se, contudo, porquanto relevante para a decisão, o seguinte enquadramento feito pelo autor e decorrente do seu articulado inicial:
a)- O autor é português e tem domicílio em Portugal;
b)- O autor permaneceu vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2001 e 2020 incluindo Senegal, Roménia, França, Inglaterra, Índia e, durante oito épocas desportivas, em Portugal.
c)- O autor invoca que a lesão do seu nome e imagem ocorreu em todo o Mundo, através dos produtos produzidos e comercializados pela ré, incluindo em Portugal;
d)- A ré tem sede e desenvolve a sua actividade nos Estados Unidos da América.
Face ao enquadramento precedentemente plasmado, verifica-se, portanto, que, nesta acção declarativa de condenação, está desde logo em causa a alegada violação, pela ré, de direitos de personalidade (pessoais) do autor, conduta essa que sustenta um pedido de indemnização, para ressarcimento dos danos decorrentes da alegada conduta ilícita, culposa e geradora de danos perpetrada pela ré.
Ante o exposto, no caso em apreço, terá que se concluir que a responsabilidade civil assacada à ré, independentemente de se encontrar ou não assente o rigoroso enquadramento jurídico dos factos que integram a causa de pedir, tem claramente natureza estritamente extracontratual.
Também não é menos óbvio que a relação material controvertida, para além da ordem jurídica portuguesa, apresenta conexão com várias ordens jurídicas estrangeiras, tendo presente que o autor reside e trabalhou durante oito épocas desportivas em Portugal e que a ré tem sede e desenvolve a sua actividade nos Estados Unidos da América, tendo-se os alegados factos ilícitos e culposos geradores de danos sido consumados ao longo dos anos em todo o Mundo.
Neste conspecto, deflui do disposto no art.º 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), que a competência internacional dos Tribunais portugueses, se deverá fixar de acordo com os factores de conexão definidos pela lei do processo.
Decorrência de tal estipulação, teremos que concluir que é o regime processual civil interno que estabelece as normas que atribuem ou denegam a competência aos tribunais nacionais, quando em causa estejam litígios transfronteiriços.
Aqui chegados, importa então convocar o regime plasmado no art.º 59.º, do Código de Processo Civil, o qual, sob a epígrafe “competência internacional”, preceitua que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.”
Decorre de tal norma (art.º 59.º, do Código de Processo Civil), conjugada com o que preceituam o art.º 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e o art.º 8.º, n.º 4 da Constituição de República Portuguesa, que, para efeito de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, a regra é a de que, quando a matéria discutida não esteja abrangida pela competência exclusiva dos tribunais portugueses, prevalece sobre os elementos de conexão mencionados nos art.º 62.º e 63.º, do Código de Processo Civil, e também predomina sobre a celebração de pacto atributivo de competência, nos termos do artigo 94.º, do mesmo Código, o regime que para o mesmo efeito (atribuição de competência internacional) se mostre estabelecido nos regulamentos europeus ou noutros instrumentos internacionais, quando aqueles regulamentos não tenham aplicação e estes a tenham.
A propósito, pode ver-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07.12.2017 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt – processo n.º 6919/16.0T8PRT.G1), com a seguinte síntese, para o que ao caso importa:I– Coexistem na nossa ordem jurídica dois regimes gerais de competência internacional: o regime interno estabelecido no CPC e o regime comunitário.
II– O regime interno de competência internacional só será aplicável quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior e face ao princípio do primado do direito europeu (cfr. arts. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, 8.º, n.º 4 da Constituição de República Portuguesa e 1ª parte do art. 59º do CPC).
III– O regime comunitário aplicável é, atualmente, o definido pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, que revogou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, aplicável às ações instauradas a partir de 10 de Janeiro de 2015.
IV– Como manifestação do princípio da consensualidade ou da autonomia privada, o art. 25º do Regulamento n.º 1215/2012 prevê a possibilidade de as partes poderem convencionar quais os tribunais que serão internacionalmente competentes para dirimirem relações jurídicas plurilocalizadas ou transfronteiriças em caso de litígio.
V– Como requisito formal, o pacto de jurisdição só será válido se tiver sido celebrado por escrito ou verbalmente, com confirmação escrita. (...)”
Assim, quando as partes numa acção judicial se encontrem domiciliadas em diferentes Estados-Membros da União Europeia e inserindo-se a relação jurídica controvertida em matéria civil, mostra-se excluída a competência exclusiva dos tribunais nacionais, havendo que atender, nessa circunstância e em primeira linha, quanto à determinação da competência internacional, às regras que se mostrem estabelecidas nos regulamentos europeus e, perante a inexistência destes, noutros instrumentos internacionais.
Posto isto, para efeito de aferir se ao caso tem aplicação o regime em matéria de competência internacional que se mostre estabelecido nos regulamentos europeus ou noutros instrumentos internacionais, importa elucidar que, nos termos do disposto no art.º 38.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, a competência do tribunal (incluindo a internacional) fixa-se no momento em que a acção é proposta (princípio da perpetuatio fori ou jurisdictionis), sendo irrelevantes as modificações de facto, salvo nos casos especialmente previstos na lei, ou de direito ocorridas na sua pendência, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.
Tendo por ajustado que a lei processual civil aplicável a esta acção é a vigente à data da sua instauração, sabemos que, na situação vertente, não se estabelece um diferendo entre partes que se encontrem ambas domiciliadas em estados-membros da União Europeia, pois só Portugal é um estado-membro, não sendo, portanto, aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 (na versão do Regulamento(UE) n.º 281/2015, de 25 de Fevereiro), relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, o qual, de acordo com o seu art.º 81.º, é aplicável às acções judiciais entradas desde 10 de Janeiro de 2015 e veio revogar, no seu art.º 80.º, o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, que, por sua vez, veio substituir, entre os Estados-Membros, as Convenções de Bruxelas e de Lugano de 16.09.1988.
Também não existe instrumento internacional que regule a competência dos tribunais portugueses no caso vertente.
Perante o exposto, não estando configurada qualquer situação atributiva de competência exclusiva aos tribunais portugueses, à luz dos critérios ínsitos no art.º 63.º, do Código de Processo Civil, essa competência só pode ser afirmada por efeito de alguma das normas consagradas no art.º 62.º, do Código de Processo Civil, o qual sob a epígrafe “factores de atribuição da competência internacional”, assim dispõe:
“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a)- Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b)- Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c)- Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”
Ora, em situações análogas àquela que nos ocupa, principiou a jurisprudência dos tribunais das Relações por defender, muito em síntese, que não existia qualquer um dos critérios legais alternativos atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses, consagrados no art.º 62.º, do Código de Processo Civil, por não se verificarem nem os pressupostos integradores do critério da coincidência contido na sua alínea a), nem os da causalidade previsto na sua alínea b), nem os da necessidade estabelecido na alínea c), competência essa que, por isso, foi sendo declinada.
Nesse sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes arestos, todos com texto integral acessível in www.dgsi.pt: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2021, no processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.01.2022, no processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.02.2022, no processo n.º 637/20.1T8PRT.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.02.2022, no processo n.º 4157/20.8T8STB.E1.
No entanto, tal jurisprudência sofreu clara inversão quando apreciada a mesma questão pelo Supremo Tribunal de Justiça, mormente desde a prolação do Acórdão de 24.05.2022, no processo n.º 3853/20.2T8BRG.G1.S1, assim sumariado:
I.– São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos mundialmente difundidos, os tribunais do país onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa.
II.–Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, para decidirem uma ação em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo.”
Foi, pois, o enfoque colocado no critério do centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados pela ofensa dos seus direitos de personalidade que teve papel preponderante na orientação seguida pela jurisprudência mais recente e constante do Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, aliás, no mesmo sentido, os seguintes doutos arestos, entre tantos outros, pugnando todos pela competência internacional dos tribunais portugueses em situação claramente análoga àquela sobre a qual nos detemos nos presentes autos, assim sumariados:
  • Acórdão de 23.06.2022, no processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1:
I.– De acordo com a jurisprudência anterior do STJ: (i) São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos mundialmente difundidos, os tribunais do país onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa; (ii) Os tribunais portugueses são, pois, internacionalmente competentes, nos termos do art. 62.º, b), do CPC, para decidirem uma acção em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem em videojogos produzidos nos ... e divulgados por todo o mundo.
II.– Nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a acção em que se reclama o pagamento de uma indemnização por tais danos poderá ser intentada em qualquer uma das respectivas jurisdições, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais.
III.– No caso dos autos, constata-se que não é possível seguir-se o critério enunciado em I., uma vez que, entre os diferentes países em que o lesado desenvolveu a sua actividade profissional, não é possível identificar um que seja entre todos prevalecente e, portanto, não é possível identificar a existência de um centro de interesses predominante.
IV.– Quanto à aplicação do critério enunciado em II., considera-se que, ao interpor a presente acção nos tribunais portugueses, optou o autor por uma das jurisdições nas quais os danos terão ocorrido (art. 62.º, al. b), do CPC), a qual configura, no contexto concreto da factualidade alegada, um elo suficientemente intenso entre a acção e o foro escolhido, que, por isso mesmo, merece acolhimento.”
  • Acórdão de 27.09.2022, no processo n.º 637/20.1T8PRT.P1.S1:
I-A norma do art. 62.º do CPC, que estabelece os critérios de conexão para a competência internacional legal dos tribunais portugueses, deve ser interpretada de forma sistemática e actualista a partir do direito comunitário e da jurisprudência do TJUE e do princípio da interpretação conforme, nomeadamente quando esteja em causa situações plurilocalizadas do dano, devido, por exemplo, à ubiquidade do fenómeno digital.
II-Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do art. 62.º, al. b), do CPC, para decidirem uma ação em que o autor, um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos pela demandada nos E.U.A. e divulgados por todo o mundo, com base na responsabilidade civil extracontratual, por violação dos direitos de personalidade, e no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção no direito de personalidade ao nome e à imagem).
III- Os danos por violação dos direitos de personalidade, no tocante à imagem e ao nome, na sua vertente patrimonial, podem der ressarcidos em sede de responsabilidade civil extracontratual (arts. 70.º e 483.º do CC), como no âmbito do enriquecimento sem causa (art.473.º do CC), na modalidade de enriquecimento por intervenção.
IV- Enquanto na responsabilidade civil releva a perda ou diminuição verificada no património do lesado, já no enriquecimento por intervenção a indemnização contende com o enriquecimento injustificado do interventor, devendo corresponder à situação hipotética do património do enriquecido.”
  • Acórdão de 15.02.2023, no processo n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1:
I- Sobre o Tribunal impende a obrigação de julgar, na devida obediência à lei, não se podendo obliterar que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito, numa tutela dos vetores da certeza e da segurança jurídica na aplicação da lei e na resolução dos conflitos, mas sem questionar o primado da lei sobre a jurisprudência.
II- A competência do tribunal, como medida da sua jurisdição é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, considerando o pedido do autor, isto é, o direito a que se arroga e que quer ver reconhecido ou declarado judicialmente, não estando dependente de outros pressupostos processuais, dos termos da contestação ou oposição deduzida.
III- Estabelecida uma hierarquia entre as fontes da atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, prevalece o que se acha estabelecido em tratados, convenções e regulamentos comunitários, sobre as normas internas da regulação da competência em termos internacionais, não existindo nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária, será à luz do disposto do aludido art. 62.º, do CPC que deve ser aferida.
IV- O critério da causalidade, constante da alínea b) do art. 62.º, diz-nos que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes desde que tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram, resultando de forma clara da parte final desta norma, a plena aplicação aos casos em que haja uma causa de pedir complexa, constituída por uma pluralidade de atos ou factos jurídicos relevantes com ligação a mais do que um ordenamento jurídico ou jurisdição nacional.
V- Enunciado na petição inicial que o A. pretende efetivar a responsabilidade da Ré por facto ilícito, decorrente da violação dos direitos à sua imagem e nome, enquanto jogador futebol, a nível nacional e mundial, por utilização daqueles em jogos de vídeo pertencentes à Ré, que os produz e desenvolve, sendo vendidos em Portugal e em todo o mundo, e os conteúdos utilizados em plataformas informáticas, configura-se a existência de uma causa de pedir complexa.
VI- Os danos decorrentes da apontada violação de direitos de personalidade correspondem ao aproveitamento económico da personalidade do Autor e assim a lesão verifica-se no local onde o bem da personalidade é explorado economicamente, na vertente patrimonial, de forma plurilocalizada, em Portugal e no resto do Mundo, e os danos não patrimoniais, da afetação do mesmo pela utilização não autorizada da sua imagem e nome.
VII- Para a atribuição da competência internacional do Tribunal Português configura-se adequado o critério da causalidade, alínea b), do art.º 62, do CPC, tendo em conta a alegada concretização da violação do direito ao nome e imagem do Autor. assim como a verificação, pelo menos em parte, dos danos patrimoniais e não patrimoniais, e o desenvolvimento da sua profissão de jogador de futebol, invocada como seu sustento, em Portugal.”
  • Acórdão de 25.05.2023, no processo n.º 3729/21.6T8BRG.G1-A.S1:
I.–De harmonia com os critérios de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, estabelecidos no artigo 62º do Código de Processo Civil: citério da coincidência (al. a)), critério da causalidade (al. b)) e critério da necessidade (al. c)), mostra-se suficiente que no caso submetido a juízo se identifique um dos fatores enunciados.
II.–Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, em aplicação do fator da causalidade, para decidirem em acção de responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade, alegando o Autor ser jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a atividade em Portugal, e reclama da Ré indemnização devida por danos provocados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos produzidos nos E.U.A., comercializados em todo o mundo e cujos conteúdos são utilizados em plataformas informáticas.”
É, portanto, claramente maioritária a constante a jurisprudência que pugna pela competência internacional dos tribunais portugueses em situação análoga àquela que nos ocupa, a qual, em detrimento da circunstância de o facto ilícito e culposo gerador dos danos pelos quais o autor quer ser indemnizado ter alegadamente origem nos Estados Unidos da América, onde os jogos, vídeos, aplicações e demais produtos são produzidos e comercializados, faz prevalecer os já mencionados critérios atributivos da competência plasmados no art.º 62.º, alínea a) e alínea b), do Código de Processo Civil, correspondentes, respectivamente, ao critério da coincidência e ao critério da causalidade, previamente enunciados.
Tal controvérsia redundou na problematização do também já aludido critério do centro de interesses, utilizado no direito comunitário, porquanto, como se elucidou previamente, em situação como aquela que analisamos não está em causa um litígio entre pessoas com domicílio em dois estados-membros, ao qual possam ser aplicadas as regras do direito comunitário.
No que a esta particular questão concerne, bem elucida o precedentemente citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.02.2023, proferido no processo n.º 4239/20.4T8STB.E1.S1, no qual se argumenta que não está em causa e não têm aplicação as regras de direito comunitário, mas antes a interpretação das regras atributivas de competência aos tribunais portugueses à luz dos cânones do direito internacional, aliás, em consonância com as regra plasmada no art.º 8.º, n.º 3, do Código Civil, segundo a qual “(..) o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, nesse douto aresto se argumentando que se justifica o recurso a tal normativo “(...) na necessária abrangência que esta temática implica, no sentido da aludida e tendencial, aplicação uniforme do direito, em prol da certeza e seguranças jurídicas”.
Não merece a questão que nos ocupa resposta linear, tendo até presente o inflamado debate jurisprudencial que sobre a mesma tem recaído e os argumentos expendidos a favor de uma tese e de outra, bem como contra as mesmas.
Não obstante, concorda este tribunal com a douta fundamentação clara e desenvolvidamente expressa nos arestos que pugnam pela competência internacional dos tribunais nacionais, em consequência do que se entende que os critérios atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses, a adoptar na situação vertente, não podem deixar de ser os critérios da coincidência e da causalidade que vêm respectivamente plasmados no art.º 62.º, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, porquanto, de acordo com a configuração que o autor dá à presente acção na sua petição inicial, isto é, olhando à situação de facto que vem delineada nesse articulado, constata-se efectivamente que, tal como é caracterizada pelo autor, o mesmo é português, tem domicílio em Portugal e tem trabalhado em Portugal, tendo permanecido vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2001 e 2020, incluindo clubes portugueses, o que sucedeu no nosso país durante oito dessas épocas desportivas, tendo-se os efeitos da alegada lesão dos seus direitos de personalidade produzido na sua esfera jurídica ao longo do tempo e em vários países, incluindo predominantemente em Portugal, país onde reside e tem trabalhado e, logicamente, se tem centrado não só a sua vida profissional, mas também e inerentemente a sua vida social e até a familiar.
Conclui-se, assim, pela competência internacional deste tribunal, atentos os enunciados critérios legais pelos quais o autor (licitamente) optou.
Pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, julgo improcedente a excepção dilatória de incompetência internacional (absoluta) deste tribunal, o qual declaro competente para a tramitação e decisão desta acção.
Sem custas.
Notifique.”

IV.Fundamentação de Direito

Questão Prévia: a admissibilidade da junção de documentos pela recorrente com as suas alegações.
A recorrente junta com as alegações de recurso três documentos- um Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional datado de 21 de dezembro de 2022, um despacho saneador-sentença datado de 13 de outubro de 2022 e proferido pelo Juízo Central Cível e Criminal de Braga- Juiz 3,  e uma página do Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil) com um artigo datado de 6 de fevereiro de 2023, com o título “Futebolistas, videojogos e competência internacional”.
Vejamos.
O artigo 651/1 do CPC admite a junção de documentos às alegações: (i) nas situações a que se refere ao art.º 425º ou (ii) no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Destes normativos decorre que a junção (excepcional) de documentos com as alegações apenas pode ter lugar: (i) se tratar de documento objectiva ou subjectivamente superveniente (tendo como ponto de referência o momento temporal “encerramento da audiência final”), ou (ii) cuja necessidade de junção seja ditada em função da sentença proferida.
Sucede que a eventual admissão de documentos na fase de recurso prende-se com a defesa dos fundamentos a ação ou da defesa que o recorrente pretende fazer. Ora, a recorrente apresenta três documentos com os quais apenas pretende consolidar o seu argumento da incompetência internacional dos Tribunais portugueses. Os mesmos não têm a ver com a apreciação do mérito da causa.
Para qualquer um dos três documentos não existe fundamento legal para a sua apresentação neste momento: o facto da decisão proferida contrariar a tese da recorrente não significa que esta possa enviar para os autos documentos que comprovam os seus argumentos.
Apenas em casos excepcionais a lei permite a apresentação de documentos com as alegações.
E não se verifica nos autos qualquer situação excepcional que permita a sua admissibilidade.
Por conseguinte e sem necessidade de outros considerandos, resta concluir pela inadmissibilidade dos documentos apresentadas com as alegações da recorrente, devendo os mesmos serem desentranhados.

1.Da nulidade da Decisão
Nas alegações e conclusões do recurso (cf. pontos 23, 145 e 146 e conclusão h) e ii)), a recorrente menciona a violação do disposto no artigo 615º, n.º 1, al, d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, preceito este que comina com a nulidade a sentença quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer, ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento.
Constitui entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o disposto no n.º 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil – que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso) –, constituindo, assim, a sanção prevista na lei processual para a violação do estabelecido neste preceito.
No caso concreto, a recorrente refere a violação da 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do referido artigo 615º do Código de Processo Civil, que se reporta à nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Sustenta a recorrente que o tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões de inconstitucionalidade de aplicação dos artigos 351 do Código Civil, 5/1, 608/2, 674/1 e 3 do CPC e artigo 38 da LOTJ, sendo que deduziu tal pretensão nos requerimentos datados de 1 de julho de 2022, 13 de outubro de 2022 e 7 de novembro de 2022.
Ora, para que existisse omissão de pronúncia, teria a decisão recorrida de ter assumido, o que não fez, como ratio decidendi, a interpretação normativa cuja constitucionalidade a recorrente questiona.
A aplicação do Direito não é uma dissertação e por isso não tem o Tribunal de, ao tomar determinada posição, pronunciar-se sobre tema suscitado por uma das partes, e que não releva para a decisão proferida.
Vejamos.
Alega a recorrente que o tribunal a quo no despacho recorrido interpretou os artigos 351 do Código Civil e 38/1 da LOTJ no sentido de que é possível trazer ao processo em última instância factos presumidos, não alegados na petição inicial, e o artigo 62-b) do CPC no sentido de que esta norma deve ser interpretada à luz de um critério normativo de centro de interesses de fonte europeia e sem consagração na lei nacional.
Tendo por referência o juízo subjacente à decisão de verificação da competência internacional dos tribunais portugueses para dirimir o litígio que opõe a recorrente e o recorrido, as interpretações expostas não foram aplicadas no despacho de 3 de setembro de 2023. Na decisão proferida pela 1.ª instância o Tribunal a quo, ao concluir pela competência internacional dos Tribunais portugueses fundamentou  a sua decisão em factos alegados pelo autor. Repare-se no seguinte trecho da decisão recorrida:
“(…)Tem sido posição constante e uniforme aquela que estabelece que a competência do tribunal se afere em função do objecto processual que é configurado nos autos pelo autor na sua petição inicial, isto é, a competência deve analisar-se no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir tal como são representados pelo autor no articulado inicial.
Da antecedente asserção decorre que a questão da competência internacional terá que ser apreciada independentemente do mérito da acção.
Assim sendo, é em função do thema decidendum representado nesta acção pelo autor que deve ser aferida a competência internacional do tribunal”.
E mais à frente:
“(…)Dessa alegação, destaca-se, contudo, porquanto relevante para a decisão, o seguinte enquadramento feito pelo autor e decorrente do seu articulado inicial:
a)- O autor é português e tem domicílio em Portugal;
b)- O autor permaneceu vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2001 e 2020 incluindo Senegal, Roménia, França, Inglaterra, Índia e, durante oito épocas desportivas, em Portugal.
c)- O autor invoca que a lesão do seu nome e imagem ocorreu em todo o Mundo, através dos produtos produzidos e comercializados pela ré, incluindo em Portugal;
d)- A ré tem sede e desenvolve a sua actividade nos Estados Unidos da América (…)”.
E da petição inicial consta a identificação do autor e da ré:
- O autor é Portador do Passaporte n.º …., emitido a 18 de Fevereiro de 2016 e válido até 18 de Fevereiro de 2021, é o contribuinte fiscal número … e reside na Rua…., Corroios.
- A ré tem sede em…, California, 94065, EUA.
E os factos alegados na petição inicial a este respeito são:
3.º
O Autor é um jogador de futebol de nacionalidade Portuguesa, nascido a …. no Senegal.
4.º
Actualmente representa o Mumbai City FC da India.
5.º
O Autor conta com uma longa e ilustre carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família.
(…)
9.º
Conforme resulta, também, desse Doc. 1, o Autor esteve vinculado em aos seguintes clubes e nas seguintes épocas:
2019/20 - Mumbai City Índia
2018/19 - Mumbai City Índia
2016/17 - Moreirense Portugal
- Sheffield Wed. Inglaterra
2015/16 - Sheffield Wed. Inglaterra
2014/15 - Évian TG França
2013/14 - Évian TG França
2012/13 - Marseille França
- CFR Cluj Roménia
2011/12 - CFR Cluj Roménia
2010/11 - Académica OAF Portugal
2009/10 - Académica OAF Portugal
2008/09 - Académica OAF Portugal
2007/08 - UD Leiria Portugal
2006/07 - UD Leiria Portugal
2005/06 - V. Setúbal Portugal
2004/05 - UD Leiria Portugal
2003/04 - AS Douanes Senegal
2002/03 - AS Douanes Senegal
2001/02 - AS Douanes Senegal
(…)
16.º
Acrescente-se à informação acima, os dados constantes nos documentos 22 e 33, os quais referem os elevados resultados financeiros da Ré, decorrentes das actividades exploradas, entre elas, através dos jogos de vídeo identificados nesta petição e que se tornaram mundialmente conhecidos, de modo que a repercussão da imagem do Autor não se insere apenas ao âmbito nacional, mas é utilizada pela Ré a nível global.
(…)
26.º
E, tais jogos, mesmo de anos anteriores, continuam a ser difundidos e vendidos, em Portugal e em todo o mundo, sendo que as versões mais antigas dos jogos FIFA e FIFA MANAGER continuavam a ser vendidas em 2019, por exemplo, conforme documentos 8 e 9 ora juntos, e, portanto, continuam no mercado”.
Percorrida a fundamentação da decisão recorrida não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha recorrido a qualquer presunção nos factos que considera provados: a identificação das partes é requisito obrigatório da petição inicial (artigo 552/1-a) do CPC), que a ré não põe em causa; aliás, na sua própria identificação na contestação, a ré indica a mesma morada constante da petição inicial, apenas com a alteração de um algarismo no número postal (64065), ao invés do indicado pelo autor- 94065.
Relativamente aos demais factos os mesmos resultam do alegado pelo autor na petição inicial, salientando-se que para a decisão o Tribunal se socorre dos factos alegados pelo autor e como este configura a ação (nem poderia ser de outra maneira).
Ou seja, o Tribunal a quo não decidiu com fundamento em factos que não foram alegados e /ou incluídos na causa de pedir. Os factos foram alegados; fazer prova dos mesmos é questão que deve ser apreciada em sede de decisão final e não de despacho saneador (exceptuando os casos em que se conhece do mérito). Como refere expressamente o acórdão do STJ de 10 de janeiro de 2023, «[a] competência internacional afere-se pelos termos como o autor configura a relação jurídica controvertida, e não, pelo que, mais tarde, será a realidade que se vier a apurar em julgamento».
Assim se conclui que o Tribunal a quo não recorreu a quaisquer presunções para decidir a questão da competência internacional dos tribunais portugueses para os termos da causa.
Por isso, é inútil esse Tribunal pronunciar-se no despacho recorrido sobre matéria alegada pela ré nos requerimentos referidos- 1/7/2022, 13/10/2022 e 7/11/2022-, pois a decisão proferida assenta em outros fundamentos.
O mesmo se verifica, mutatis mutandis, relativamente à alegada inconstitucionalidade do artigo 62-b) do CPC no sentido de que esta norma deve ser interpretada à luz de um critério normativo de centro de interesses de fonte europeia e sem consagração na lei nacional.
O Tribunal a quo não sustentou, na decisão recorrida, que poderia utilizar um critério de atribuição de competência internacional – concretamente o de «centro de interesses», apesar de não consagrado na lei nacional. O que ali se escreveu foi que, «em consequência do que se entende que os critérios atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses, a adoptar na situação vertente, não podem deixar de ser os critérios da coincidência e da causalidade que vêm respectivamente plasmados no art.º 62.º, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, porquanto, de acordo com a configuração que o autor dá à presente acção na sua petição inicial, isto é, olhando à situação de facto que vem delineada nesse articulado, constata-se efectivamente que, tal como é caracterizada pelo autor, o mesmo é português, tem domicílio em Portugal e tem trabalhado em Portugal, tendo permanecido vinculado a diversos clubes de futebol, entre 2001 e 2020, incluindo clubes portugueses, o que sucedeu no nosso país durante oito dessas épocas desportivas, tendo-se os efeitos da alegada lesão dos seus direitos de personalidade produzido na sua esfera jurídica ao longo do tempo e em vários países, incluindo predominantemente em Portugal, país onde reside e tem trabalhado e, logicamente, se tem centrado não só a sua vida profissional, mas também e inerentemente a sua vida social e até a familiar.

A expressão …e, logicamente, se tem centrado não só a sua vida profissional, mas também e inerentemente a sua vida social e até a familiar” apenas permite concluir que  o Tribunal a quo utilizou o local de residência e trabalho do autor (no nosso país durante oito épocas desportivas) para reconduzir o litígio em apreciação  ao âmbito de incidência do princípio da causalidade, que constitui, nos termos da alínea b) do artigo 62.º do CPC, um dos fatores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses.
Assim se conclui que nenhuma das interpretações das disposições legais referidas pela ré, e cuja constitucionalidade questiona, integra a ratio decidendi da decisão recorrida e por isso seria inútil o conhecimento de tal questão.
Como é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido (cfr. Acordão do STJ de 8 de fevereiro de 2011, disponível em www.dgsi.pt).
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC. Daí que, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
A decisão recorrida apreciou e decidiu a competência internacional do Tribunal recorrido, questão que havia sido suscitada pela ré na sua contestação. Se o fez por erro de interpretação e/ou de aplicação das normas em causa ao caso concreto, como alega a recorrente, tal constitui erro de julgamento, mas nunca nulidade da sentença.
Não existe, consequentemente, omissão de pronúncia, e por isso se julga improcedente a nulidade arguida.
2.–A incompetência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da causa.
2.1.-A questão que se coloca consiste em saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar e decidir a presente acção, em que o autor, jogador de futebol profissional, cidadão português, demanda a ré, empresa estrangeira, com sede nos EUA, reclamando uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, decorrentes da utilização pela ré do nome do autor e da sua imagem nos jogos Fifa, Fifa Manager e Fifa Ultimate Team-Fut, que desenvolve e fornece, contando com várias subsidiárias, entre as quais a EA Swiss Sarl, com sede em Genebra, Suíça, que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, fazendo-o sem o consentimento ou anuência do A..
No despacho recorrido, o Mmº Juiz a quo entendeu ocorrerem os elementos de conexão constantes das alíneas a) e b) do artigo 62 do CPC (princípios da coincidência e causalidade) concluindo pela competência internacional dos tribunais portugueses.
A ré, ora recorrente discorda, porquanto entende que não se verificam os referidos elementos de conexão.
Vejamos:
Se é certo que tem existido uma verdadeira saga jurisprudencial relativamente à competência internacional dos Tribunais portugueses para apreciar este tipo de ação, também é certo que nos últimos  tempos tem vindo a predominar o entendimento de que os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o mesmo (destacamos a título de exemplo, os Acordãos do STJ de 27 de setembro de 2022, 15 de fevereiro de 2023 e 30 de maio de 2023, disponíveis em www.dgsi.pt, citando este último: “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62-ab) do CPC, para decidirem uma ação em que o autor, um jogador de futebol que reside em Portugal, onde jogou ultimamente nas principais competições internacionais, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos pela demandada nos EUA e divulgados por todo o mundo”).

Também sobre situação idêntica (ações propostas por jogadores de futebol profissional portugueses contra a sociedade ré se pronunciou o STJ através dos acórdãos de 24 de maio de 2022 ( proc no 3853/20), relator João Cura Mariano, de 7 de junho de 2022 ( proc no 4157/20), relator Aguiar  Pereira, de 7 de junho de 2022 (proc no 24974/19), relator Fernando Baptista de Oliveira, de 23 de junho de 2022  (proc 3239/20), relatora Maria da Graça Trigo, disponíveis em www.dgsi.pt,  e nos quais o Supremo Tribunal concluiu uniformemente que:São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos mundialmente difundidos, os tribunais do país onde se encontra o centro de interesses do lesado, durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa por violação de direitos de personalidade através de conteúdos mundialmente difundidos, os tribunais do país onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa”.
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.º, b), do Código de Processo Civil, para decidirem uma ação em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua atividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos FIFA, produzidos nos ... e divulgados por todo o mundo”.

O juízo de aferição da competência internacional legal e, portanto, dos factores de conexão, faz-se- como é sabido- a partir da alegação do autor na petição inicial, logo independentemente do mérito ou até das vicissitudes processuais que ela possa conter. “[A] competência do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respectivos fundamentos (causa de pedir), independentemente da apreciação do seu acerto substancial” (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2021, Proc. n.º 20526/18.9T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Com base nesta premissa, assente está que os tribunais portugueses só podem conhecer de litígio emergente de uma relação transnacional quando forem internacionalmente competentes.
Acompanhamos por isso o Acordão do STJ de 27 de setembro de 2022 que assim entende:A resolução do problema terá que ser encontrada, não pelas regras de conexão do direito internacional (por inexistir instrumento internacional, para o efeito), mas pelas regras de conexão estabelecidas pelo direito interno, ou seja, os artigos 62 e 63 do CPC, por força do artigo 37/2 da LOSJ (“A lei de processo fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais.
Também o Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 dispõe no seu artigo 6.º que não tendo o demandado domicílio num dos Estados membros (no caso a ré tem sede nos EUA), que a competência dos tribunais dos Estados Membros é a definida pelas leis internas destes.
O legislador nacional estabeleceu no Código de Processo Civil regras delimitadoras da competência internacional, consagrando no artigo 59º que: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º”.

Por conseguinte, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeiro lugar, do que resultar de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus sobre a matéria (que prevalecem sobre o direito interno dos respectivos Estados Contratantes/Outorgantes ou Estados-Membros) e, depois, da integração de algum dos segmentos normativos dos artigos 62º (factores de atribuição da competência internacional) e 63º (competência exclusiva dos tribunais portugueses), sem prejuízo da que possa emergir de pacto atributivo de jurisdição, nos termos do artigo 94º.
No caso, atenta a matéria em causa, não se afigura aplicável qualquer instrumento internacional (convenção ou regulamento (EU)) que disponha sobre a questão da competência em razão da nacionalidade, as partes nada convencionaram em matéria de competência internacional e o referido artigo 63.º do CPC não tem aplicação, termos em que importa considerar tão-só o artigo 62.º daquele diploma legal.
O artigo 62º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “factores de atribuição da competência internacional”, dispõe que:
«Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a)- Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b)- Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
c)- Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.»
Tais elementos de conexão não são de aplicação cumulativa, bastando que se verifique no caso concreto uma das situações previstas em qualquer uma das alíneas referidas para que se fixe a competência.

A respeito da alínea a) do citado artigo 62º, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, 4ª edição, 2018, Almedina, pág. 154), que, “[a] alínea a) consagra, nos mesmos termos que no direito anterior, o critério da coincidência, pelo qual se determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que a acção possa ser proposta em Portugal segundo as regras específicas de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa … Atribui-se assim a este último conjunto de regras uma dupla funcionalidade.”
No mesmo sentido, salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição actualizada, 202º, pág. 98), que: “A competência internacional acompanha, desde logo, a competência interna de raiz territorial; se, de acordo com as regras da competência em razão do território, algum tribunal português for territorialmente competente, também lhe é atribuída a competência internacional por via do principio da coincidência.”
No que se reporta à alínea b) do artigo 62º do Código de Processo Civil, onde se consagra o principio da causalidade, existe competência internacional se o facto que serve de causa de pedir (causa de pedir simples) ou algum dos factos que a integram (causa de pedir complexa) tiver sido praticado em Portugal (Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, ob. cit., pág. 98).
E, como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, (ob. cit., pág. 156), citando Anselmo de Castro, o intuito legislativo é o de evitar que os tribunais portugueses recusem competência quando um só dos factos tenha ocorrido em território estrangeiro.
Quanto ao critério previsto na alínea c) do artigo 62º do Código de Processo Civil, como referem, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, ob. cit., pág. 99, “[a] al. c) contém uma cláusula de salvaguarda tendente a evitar que, atenta a impossibilidade de ordem prática ou jurídica (v.g. recusa de competência), ou a grave dificuldade na instauração da acção num tribunal de outro Estado, o direito em causa pudesse ficar sem tutela efectiva (v.g. casos de guerra ou outras calamidades). Concretiza o princípio da necessidade, mas a atribuição da competência aos tribunais nacionais exige uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa […] seja de ordem pessoal (v.g. nacionalidade ou residência das partes), seja de natureza real (v.g. o facto de se situar em território nacional o bem que é objecto imediato ou mediato da acção.)”

Enquadremos esta ação:
A pretensão do Autor radica na violação ilícita do direito de personalidade, concretamente no direito ao nome e à imagem, e ainda no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção).
Com efeito, alegou que a Ré, sem o seu consentimento, utilizou a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais nos jogos eletrónicos denominados FIFA.
O direito à imagem e ao nome são direitos fundamentais da pessoa, com protecção Constitucional (art.26 nº1 CRP) e civil (arts 70 e 79 nº1 CC).
À responsabilidade civil por ofensas à personalidade física ou moral (art. 70 nº 1 e 2, 1ª parte) são aplicáveis, em termos gerais, os arts.483 e segs. do CC.
São pressupostos do direito da responsabilidade civil extracontratual ou delitual, o facto ilícito ligado ao agente por nexo de imputação subjectiva (a culpa) e a existência de danos causados adequadamente por esse mesmo facto. Incumbe ao Autor, como facto constitutivo do seu direito (art.342 nº1 do CC) a alegação e prova destes pressupostos.
Acresce que o Autor baseia ainda o seu pedido, máxime quanto aos danos patrimoniais, no enriquecimento sem causa (art.473 CC).
Sendo este, em traços largos, o enquadramento jurídico da acção, tal como é configurada pelo Autor, vejamos os critérios de conexão legal.
Considerando a alegação do Autor, o facto voluntário (produção de jogos electrónicos, com o nome, a imagem e características do Autor) foi feita pela Ré (empresa líder global em entretenimento digital interactivo) nos EUA, local do evento causal.
Por seu turno, a ilicitude consubstancia-se na violação do direito ao nome, à imagem, pois a Ré utilizou a imagem individualizada do Autor, o seu nome, as suas características pessoais e profissionais nos jogos denominados FIFA, sem o seu consentimento.
Na verdade, o Autor alegou que jamais concedeu autorização para ser incluído nos jogos electrónicos, nem conferiu poderes aos Clubes, para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome para tal, que nos jogos em que aparece e que a sua imagem individualizada é utilizada pela Ré pelo menos desde outubro de 2005 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 06).
Nas situações de responsabilidade civil extracontratual o lugar do facto ilícito causal pode não coincidir com lugar do dano, sobretudo em casos plurilocalizados com diferentes jurisdições. Uma vez que os direitos de personalidade são bens incorpóreos, a localização geográfica do dano nem sempre é fácil de determinar, dada a ubiquidade do fenómeno digital.
É neste contexto que se convoca o direito comunitário, realçando-se o Regulamento (CE) no 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro 2000, conhecido por Regulamento Bruxelas I, e posteriormente substituído pelo Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012), actualmente em vigor, em matéria de competência internacional, tanto fundada na responsabilidade civil extracontratual, como no enriquecimento sem causa.
Importa acentuar que o direito comunitário faz parte do direito interno, logo a interpretação sistemática e actualista da norma do art. 62 CPC deve ser feita, também por razões sistemáticas, a partir do direito comunitário, da orientação jurisprudencial do TJUE, e do princípio da interpretação conforme.
De resto, fala-se hoje, cada vez mais, da “comunitarização” do Direito Internacional Privado e “a jurisprudência da União viria a condicionar a aplicação das regras de direito internacional privado dos Estados Membros em domínios não abrangidos pela competência da União e, portanto, limitar também por essa forma, a aplicação dos sistemas de direito internacional privado da natureza estadual que haviam sido criados por aqueles “ (MOURA RAMOS Estudos Direito Internacional Privado da União Europeia, pág. 66 e 67 ).
O Tribunal de Justiça tem interpretado autonomamente o segmento “lugar onde ocorreu o facto danoso”, constante do n.º 2 do art. 7.o, do Regulamento no 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, e no sentido de abranger tanto o local onde se produz o evento causal, como o local onde se materializa o dano. E se não houver coincidência, o lesado pode escolher entre a jurisdição de cada um deles.
A chamada à colação do direito comunitário, não se destina à sua directa e imediata aplicação ao caso, mas como elemento indispensável à plena e actual compreensão dos factores de conexão estabelecidos no art.62 CPC, designadamente da alínea b). Aliás, foi esta a metodologia seguida nos acórdãos do Supremo, já citados. Quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram, revelando-se uma tarefa impossível avaliar com certeza e fiabilidade os danos causados em cada um dos países onde o conteúdo que utilizava o seu nome e imagem foi exposto, deve seguir-se o critério apontado pela jurisprudência do TJUE, segundo o qual, em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos satisfaz o objetivo da boa administração da justiça.
Nos casos em que os danos se prolongam no tempo e o centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a ação em que se reclame o pagamento de uma indemnização desses danos poderá ser intentada em qualquer uma das jurisdições desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa e o foro escolhido para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta restrição, os inconvenientes do denominado forum shopping.”
Na presente ação, durante os anos em que o Autor situa a violação do direito ao seu nome e imagem (pelo menos desde outubro de 2005), e com excepção das épocas desportivas em que o autor jogou em equipas estrangeiras, o seu centro de interesses localizava-se em Portugal, uma vez que era aí que o Autor praticou, profissionalmente, a sua atividade desportiva, onde residia e reside.
Nessa conformidade, aplicando ao factualismo retratado na petição inicial, sem envolvência de qualquer ilação presuntiva factual, o critério normativo aqui adotado, mantendo a posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça em todos os acórdãos antecedentes sobre iguais casos, constata-se que a localização predominante do centro de interesses do Autor em Portugal durante aquele longo período em que este imputa à Ré a violação do seu direito à imagem, é decisiva para reconhecermos aos tribunais portugueses competência para apreciar mérito da presente ação indemnizatória.
Por conseguinte, e como está amplamente justificado nos acórdãos do Supremo já referenciados, o critério jurisprudencial seguido pelo TJUE para a aplicação da jurisdição é do centro da vida do lesado, onde tem o seu “centro de interesses”, pois “é nele que existe a relação social mais premente com os outros (ambiente social) e onde naturalmente a repercussão negativa da agressão à personalidade se faz sentir, porque é precisamente nele que se localiza o centro principal das relações sociais do lesado”.
No caso do direito à imagem, na concepção abrangente, a lesão não se dá apenas com a produção do jogos, mas também com a distribuição, e foi alegado que, pelo menos desde outubro de 2005, a imagem do Autor é utilizada pela Ré, ou seja, não obstante o Autor alegar que a comercialização era efectuada por empresas subsidiárias da Ré, a verdade é que imputou a divulgação apenas à Ré, pelo que, segundo a alegação da petição inicial (e é isto que releva, e não o mérito) a Ré é responsável pela produção e distribuição dos tais jogos FIFA.
Por conseguinte, tendo sido alegado que a Ré utiliza ilicitamente a imagem do Autor a nível global, também em Portugal ocorre a lesão do bem jurídico, a violação dos direitos de personalidade do Autor.
Além disso, pode afirmar-se que é também em Portugal que se consubstancia o dano, pois é aqui que o Autor tem o seu “centro de interesses”, na acepção definida.”
No presente caso, o Autor que indicou a sua residência em Portugal, foi um jogador de futebol com uma extensa carreira, que jogou em diversos clubes, incluindo em clubes portugueses, Como assim, considerando que o autor jogou em Portugal, onde reside, temos de concluir que o seu centro de interesses da repercussão do seu nome e imagem se situa em Portugal e que foi no nosso país que sofreu (tem sofrido) as desvantagens da lesão aos seus direitos de personalidade.

Retomando a transcrição do citado acórdão do STJ de 27 de setembro de 2022, a que se adere:
“Contrariamente à objecção da Ré, o Autor alegou danos patrimoniais e não patrimoniais.
Os danos patrimoniais correspondem ao aproveitamento económico da personalidade do Autor e a lesão verifica-se no local onde o bem da personalidade é explorado economicamente. Como acentua ELSA OLIVEIRA - “A lesão do bem de personalidade, na sua vertente patrimonial, ocorre no lugar onde se sofre a agressão, onde o bem é utilizado sem autorização, e o dano verifica-se no lugar onde o titular do direito que tem por objecto o bem em causa, devido a essa actuação, sofre uma perda ou uma desvantagem”(Da Responsabilidade Civil Extracontratual Por violação dos Direitos de Personalidade em Direito Internacional Privado, 2011, pág. 408)”.
Continua o citado Acórdão:
O dano à personalidade do Autor, no tocante à imagem, nome e dados pessoais, na sua vertente patrimonial, corresponde ao valor do uso que o detentor (a Ré) dela fez (arts.483, 562 e 566 do CC), ou seja à sua exploração económica.
Por outro lado, o Autor fundamentou o dano patrimonial no enriquecimento indevido por parte da Ré, com a exploração económica, não autorizada, da sua imagem.
Ao lado da responsabilidade civil delitual tem-se admitido o concurso do instituto do enriquecimento sem causa, na modalidade de enriquecimento por intervenção. Nestes casos (de intervenção ilegítima), mesmo que a pessoa afectada nenhum proveito tire dos bens, sempre o intrometido estará obrigado a indemnizá-la, restituindo-lhe o valor do uso de que ilegitimamente beneficiou.
Argumenta-se, para o efeito, que segundo a teoria da destinação, afectação ou ordenação que caracteriza determinados direitos, como os direitos absolutos, tudo quanto diga respeito à rentabilização e ao destino dos bens cabe, em princípio ao respectivo proprietário, de maneira que se um terceiro se intromete no uso do bem, sem consentimento daquele, ficará obrigado a indemnizá-lo, restituindo-lhe o valor da exploração, ainda que o proprietário não tenha tirado qualquer proveito desses bens.
Deste modo, está em causa a aplicação do enriquecimento por intervenção no tocante às lesões dos direitos de personalidade, que, tendo em conta a dimensão económica, é hoje admitida pela jurisprudência alemã, pelo que “não há, assim, qualquer obstáculo em que a intervenção em direitos de personalidade seja abrangida na cláusula geral do art.473 nº1 do Código Civil”. E mesmo nas situações de pessoas notórias, impõe-se fazer uma interpretação restritiva do art.79 nº2 CC e “reconhecer a aplicação do enriquecimento por intervenção em todas as hipóteses em que segundo as concepções da sociedade seja comum pagar uma contrapartida comercial pela utilização da imagem” (MENEZES LEITÃO, O Enriquecimento sem causa no Direito Civil, pág.709 e segs.).
Enquanto na responsabilidade civil releva a perda ou diminuição verificada no património do lesado, já no enriquecimento por intervenção a indemnização contende com o enriquecimento injustificado do interventor, devendo corresponder à situação hipotética do património do enriquecido.
Portanto, sendo alegado a sua imagem individualizada “é utilizada pela Ré a nível global”, pelo menos desde 28/9/2010 (data de lançamento do jogo vídeo FIFA 2011)[no caso dos autos desde 2003] - e dado que a repercussão profissional (da imagem enquanto futebolista) ocorre sobretudo em Portugal, e os valores alegados para a venda em Portugal dos jogos, também por esta via, a do enriquecimento por intervenção, se dá a conexão com os danos.
Neste contexto, verifica-se que a acção assume relevante e suficiente conexão com Portugal, pelo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, por força do art.62 alínea b) CPC”.

Assim se conclui que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer desta ação, e por isso resta concluir pela manifesta improcedência do recurso interposto, devendo manter-se a decisão recorrida.

VI.–Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta 8.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.–Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.



Lisboa, 7 de dezembro de 2023

Maria Teresa Lopes Catrola
Maria do Céu Silva
Teresa Prazeres Pais