Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7233/20.1T8LRS.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: PROPOSTA RAZOÁVEL DE INDEMNIZAÇÃO
ONEROSIDADE EXCESSIVA
VALOR VENAL DE VEÍCULO
VALOR DE USO
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- O Capítulo III do SORCA (DL 291/2007, de 21/08), incluindo o seu art.º 41º, é relativo à fase do procedimento pré-judicial de regularização do sinistro automóvel, que se consubstancia na apresentação, ao lesado, de Proposta Razoável de indemnização, pela empresa de seguros e, não afasta nem impede, na falta de acordo, que o tribunal venha a decidir por diferentes valores de indemnização, em virtude da aplicação das regras gerais de cálculo da indemnização, previstas na lei civil, mormente nos art.ºs 562º e 566º do CC.
2- Os tribunais, lançando mão do regime do art.º 566º do CC, vêm entendendo que a onerosidade excessiva tem de ter em conta não só o valor venal do veículo, mas ainda o valor que, em concreto, esse veículo teria para o seu proprietário. No fundo, o valor do uso, visto que um valor venal diminuto pode corresponder a uma grande utilidade para o utilizador.
3- Sendo a reparação do veículo excessivamente onerosa, desproporcionada e, apurando-se que as necessidades de uso e de utilização do veículo pelo lesado ficam igualmente asseguradas mediante o pagamento de uma indemnização que lhe possibilite adquirir um outro veículo idêntico ou similar ao acidentado, não pode condenar-se o obrigado (seguradora) a proceder à reparação (excessivamente onerosa), mas tão-só a indemnizar o lesado por equivalente.
4- Verificado o dano de privação do uso do veículo, na falta de sua quantificação objectiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a respectiva compensação e tendo em conta casos análogos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

1-E. Unipessoal, Lda., instaurou acção declarativa, com processo comum, contra Companhia de Seguros SA, pedindo:
- A condenação da ré a:
- Pagar o valor de 35.683,60€ correspondente ao valor da reparação de 52.425,60€ deduzido do valor já pago de 16.742,00€.
- Pagar paralisação de 42 dias vencida até pagamento, ou seja 10.591,14€.
- Pagar ao A. o valor do parqueamento até à data, ou seja, 3.000,00€.
- Pagar a paralisação vencida até à data de hoje no valor de 30.725,26€
- Acrescidos dos correspondentes juros de mora, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido,
- Bem como em danos futuros materiais ou morais, nos quais o A venha a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos, nomeadamente 200€ por dia até ao recebimento do valor da reparação.

Alegou, em síntese, ser da responsabilidade de segurado da ré o acidente de viação, ocorrido no dia 24/06/2019, no qual interveio o seu veículo pesado de mercadorias, de matrícula 10-…-…; a seguradora, ré, realizou peritagem ao veículo sinistrado no dia 04/07/2019, mas não deu autorização de reparação; em 26/07/2019, a ré assumiu a responsabilidade da sua segurada na produção do acidente; a reparação foi avaliada em 52 425,60€; a ré atribuiu à viatura um valor de mercado de 19.000€ e ao salvado o valor de 3.258€, considerando perda total, por o valor da reparação exceder, em muito, o valor de mercado da viatura e, propôs-se indemnizar a autora em 15.742€ que posteriormente subiu para 16.742€, valor que a autora recebeu a 05/08/2019. Entende ter direito a que a ré suporte a reparação da viatura. A ré não atribuiu veículo de substituição ou qualquer valor pela paralisação do veículo; entre o acidente e o pagamento da indemnização, decorreram 42 dias de paralisação que deve ser valorada em 252,17€/dia num total de 10.591,14€; desde 05/08/2019 até à propositura da acção decorreram mais 406 dias que, à razão de 252,117€/dia perfaz 102 381€. Tem igualmente a autora de suportar o parqueamento da viatura à razão de 200€/mês
Menciona que, em termos de equidade, tem direito a uma indemnização de 80.000€.
A reparação do veículo é possível e a indemnização atribuída pela seguradora não repõe a situação da autora lesada antes do acidente.

2- Citada, a ré contestou.
Aceita a responsabilidade da sua segurada na produção do acidente.
A pretendida reparação do veículo da autora é desproporcionada; o valor da reparação, de 52.425,60€ é muito superior ao valor de mercado do veículo que é de 19.000€ e o salvado avaliado em 3.258€. O veículo da autora era do ano de 2009, foi importado do Luxemburgo e tinha 850.000Km. Propôs a indemnização de 16.742€ e o salvado, o que a autora aceitou, pelo que está totalmente ressarcida quanto aos danos no veículo.
Atendendo à jurisprudência maioritária, a autora tinha de provar a necessidade do veículo e a existência de prejuízos. Além disso o indicado período de paralisação mostra-se desrazoável e excessivo atendendo à perda total e à indemnização à autora em 05/08/2019, data a partir da qual não pode ser imputável à ré responsabilidade por privação do uso. Nem há lugar ao pretendido parqueamento.

3- Por requerimento de 17/10/2022, a autora ampliou o pedido, nos termos que constam de fls. 143 e seguintes, concluindo pela condenação da ré no pagamento:
- da quantia de €53.235,50 (cinquenta e três mil, duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos) [e já não €35.683,60], correspondente ao valor da reparação do veículo, de €69.977,00 (e não €52.425,60), deduzido do valor já pago, de €16.742,00;
- da quantia de €10.591,14, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, no total de quarenta e dois (42) dias, desde a data do acidente até à data do recebimento da quantia de €16.742,00, à razão diária de €252,17 (valor que já havia sido pedido na petição inicial);
- da quantia de €30.725,26, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde 6/8/2019 até à data da propositura da presente acção, à razão diária de €252,17(valor que já havia sido pedido na petição inicial);
- da quantia de €30.000,00, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde a data da propositura da presente acção, com recurso à equidade;
- do valor do parqueamento da viatura, a liquidar em execução e sentença [e já não na quantia de €3.000,00, correspondente ao valor do parqueamento até à data da propositura da acção];
- do valor do IUC, a liquidar em execução de sentença;
- da quantia de €300,00, a título de despesas com o “abate e venda da viatura” e “despesas e tempo despendido na procura e aquisição de uma nova viatura”, na contratação de “novos seguros e registo da nova viatura”, o que “representa um mínimo 24 horas de trabalho, ou seja, 3 dias de trabalho (8 horas/dia), estimado em €220,00, ao qual acresce o valor do registo automóvel de €80.00;
- dos juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, contados até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal;
- da quantia de €200,00 por dia até ao recebimento do valor da reparação, a título de danos futuros, materiais ou morais, nos quais a autora venha a incorrer, decorrentes do acidente objecto destes autos.

4- Na sessão de audiência final de 15/11/2022, foi admitida a requerida ampliação do pedido.

5- Em 12/11/2022, pediu a condenação da ré como litigante de má-fé.

6- Foi ordenada perícia ao veículo, que teve lugar, conforme Ofício de 17/03/2022.

7- Teve lugar a audiência prévia.

8- Realizada a audiência final, na qual a ré pediu a condenação da autora como litigante de má-fé.
Foi proferida sentença, datada de 12/12/2022, com o seguinte teor decisório (alterado, posteriormente, por despacho de 01/06/2023, a redacção das alíneas a) e b), por via de correcção de lapso de escrita, já aqui incluída):
 “IV- Decisão
Nestes termos e com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente por provada a presente acção proposta pela autora “E Unipessoal Lda.” contra a ré “Companhia de Seguros, S.A.” e, em consequência, decide-se:
a. condenar a ré “Companhia de Seguros S.A.” a pagar, à autora “E Unipessoal Lda.”, a título de indemnização a quantia de €1.758,17 (mil, setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos), acrescida dos juros de mora, contados desde a data da citação até integral vencimento, à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/2003 de 8/04 – art.ºs 805.º, n.º 3, 806.º, nºs 1 e 2, e 559.º, nº1, do Código Civil);
b. condenar a ré “Companhia de Seguros, S.A.” a pagar, à autora “E Unipessoal Lda.”, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, desde a data do acidente até 5 de Agosto de 2019, a quantia de €5.040,00 (cinco mil e quarenta euros), acrescida dos juros de mora, contados desde a data da citação até integral vencimento, à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/2003 de 8/04 – art.ºs 805.º, n.º 3, 806.º, nºs 1 e 2, e 559.º, nº1, do Código Civil);
c. absolver a ré “Companhia de Seguros, S.A.” dos demais pedidos deduzidos pela autora “E Unipessoal Lda.”;
d. julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé, deduzido pela autora “E Unipessoal Lda.” contra a ré “Companhia de Seguros S.A.” e, em consequência, absolvo esta do pedido de indemnização formulado pela primeira;
e. julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé, deduzido pela ré “Companhia de Seguros, S.A.” contra a autora “E Lda.” e, em consequência, absolvo esta do pedido de indemnização formulado pela primeira.”

9- Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O A entende que a decisão padece dos seguintes vícios:
Deve ser alterada a seguinte matéria de facto e dado como provado:
- A reparação é tecnicamente possível com um custo de €52.425,60.
- A R não disponibilizou a totalidade do valor adequado para comprar uma
viatura à A.
Matéria de Direito
Deve ser alterada a matéria de Direito no que toca à aplicação do critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação de indemnização em dinheiro e não através da reparação do veículo, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do DL 291/2007 de 21/08 em detrimento das regras gerais enunciadas nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil.
Deve a R ser condenada como litigante de má fé.
2. Decorre à saciedade dos autos a seguinte factualidade:
3. A A contactou a seguradora para esta avaliar os danos, conforme relatório de peritagem:
4. A R. realizou a peritagem à viatura da A, concluindo-se que a reparação ascendia a € 52,425.60.
5. A viatura não podia circular.
6. A reparação é tecnicamente possível,
7. Tudo isto foi reconhecido pela R no seu relatório de peritagem.
8. Apesar de assumir a responsabilidade, a R não deu ordem de reparação, nem atribuiu
uma viatura de substituição,
9. Diz o povo que: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte.”
10. A R não é tola e tem arte, pelo que os serviços da R determinaram unilateralmente o seguinte:
11. A cotação da viatura da A. no mercado é de €19.000,00, para efeitos de perda total
12. O salvado tem um valor de €3.258,00.
13. Assim, a R. Seguradora, apesar de reconhecer que a reparação é possível com um custo de €52.425,60, entende que a mesma é uma "Perda Total" por o seu valor exceder o valor de mercado da viatura (€19.000,00) deduzindo o valor de salvado (€3.258,00), ou seja €15.742,00.
14. Aplicando a perda total, a R encerraria o sinistro pagando apenas €15.742,00.
15. A R com este sistema realiza uma verdadeira proeza jurídica:
- impõe unilateralmente ao A a venda da sua viatura e a determina a comprar outra, tudo nas condições por si definidas.
- não suporta os quaisquer custos com estas operações (deslocações e taxas de registo e abate).
- fica isenta da obrigação de atribuir ou indemnizar qualquer viatura de substituição.
-  realiza uma poupança de €35.683,60, conforme mapa infra:
Valor devido                     Valor proposto
Reparação €52.425,60      Perda total €16.742,00
16. Este entendimento foi comunicado a A. em 05/08/2019
17. À data do sinistro, o veículo da A. encontrava-se em bom estado de conservação.
18. Nunca tinha intervindo em qualquer acidente.
19. A A. não dispunha, nem dispõe, de capacidade financeira para mandar reparar a sua viatura, ou para comprar outra, nem sequer para alugar um veículo, pelo que está numa posição de inferioridade face à R.
20. No que reporta à perda total, é totalmente diferente comprar um carro em 2ª mão a um desconhecido, ou reparar uma viatura que se conhece, que tem um bom motor, cujas revisões foram acompanhadas pela A. e que se encontrava em bom estado de conservação.
21. O A não pretendia vender ou comprar uma viatura.
22. Pretende tão só reparar a sua viatura, que conhece e estima - nada de tão estranho?
23. Atento o mercado de usados o valor venal é uma abstracção.
24. Alguma jurisprudência fala em valor de substituição, o que implica que o A tenha a mesma confiança numa viatura desconhecida, que tinha na sua viatura, que apesar de antiga era conhecida e estimada.
25. É completamente diferente o mercado de usados e o mercado de novos.
26. Uma viatura nova é sempre igual, sendo fácil avaliar o seu valor, tem garantia que cobre os riscos de defeitos.
27. Uma viatura usada pode ser óptima ou péssima e há um risco ao comprar-se viaturas via internet/standvirtual, etc.
28. Se a viatura fosse reparada na Scania tinha uma garantia, facto da maior importância para a A.
29. A R. pretende que o A compre a viatura a um particular via internet, sem garantia.
30. Esse o risco não é ponderado pela R, para quem todas as viaturas usadas são iguais.
31. Tendo a A. ficado em situação de precariedade, com um acidente do qual não teve qualquer culpa, e tendo a R. tardado em dar resposta atempada face a uma viatura que ficou sem capacidade para circular.
32. Tal valor oferecido pela R é manifestamente insuficiente para repor a situação o mais próximo possível do que estaria se não se tivesse dado o acidente, conforme dispõe o art.º 562º CC, e o A não conseguiria comprar carro igual.
33. A A. não dispunha, nem dispõe, de capacidade financeira para mandar reparar a sua viatura, ou para comprar outra, nem sequer para alugar um veículo, pelo que está numa posição de inferioridade face à R.
34. No que reporta à perda total, é totalmente diferente comprar um carro em 2ª mão a um desconhecido, ou reparar uma viatura que se conhece, que tem um bom motor, cujas revisões foram acompanhadas pela A. e que se encontrava em bom estado de conservação.
35. A A não pretendia vender ou comprar uma viatura.
36. Pretende tão só reparar a sua viatura, que conhece e estima - nada de tão estranho?
37. Atento o mercado de usados o valor venal é uma abstracção.
38. Alguma jurisprudência fala em valor de substituição, o que implica que o A tenha a
mesma confiança numa viatura desconhecida, que tinha na sua viatura, que apesar de antiga era conhecida e estimada.
39. O valor venal indicado pela R é aliás inferior ao valor indicado pelo perito nomeado pelo tribunal.
40. Daqui decorre à saciedade que a R nunca disponibilizou o valor da indenização a 100% à A.
41. Assim, e numa lógica de aplicação do DL 291/2007, bem como nos termos gerais do Artigo 805.º - (Momento da constituição em mora) ainda impende sobre a R a obrigação de prestar um veículo de substituição, pois para tal foi interpelada e sem o pagamento o A não pode nem reparar a viatura, nem comprar outra viatura.
42. A A veio peticionar os dias vencidos desde o pedido até à efectiva reparação ou colocação à disposição do A do pagamento da indemnização, que ainda não ocorreu..., pelo que é devido o valor de paralisação até à disponibilização, se se entender aplicar o DL 291/2007 e até à efectiva reparação se se aplicarem os critérios gerais da responsabilidade civil.
43. Na nossa opinião não se devia aplicar o DL 291/2007, mas caso se entenda ser de aplicar o mesmo o Tribunal fez uma interpretação errada do artigo 42, pois ainda se mantém a obrigação de facultar à A uma viatura de substituição.
44. De facto, a R está numa posição desigual face ao A e a sua postura extra-judicial e mesmo na fase judicial será de aceitar pagar, sob a condição encerrar o processo, ou seja, obrigando a A a prescindir de toda e qualquer indemnização para além do valor proposto.
45. Há que frisar que a A está numa situação de precariedade, pois ficou sem poder dispor
da sua viatura, sem ter viatura para se deslocar, que hoje bem ou mal, são bens de quase “primeira necessidade”.
46. A R não pretende cumprir as suas obrigações, nem indemnizar a A, assim condiciona
qualquer pagamento à obrigação de a A a renunciar aos seus direitos.
47. Apesar de não ser elegante, não podemos deixar de apelidar tais comportamentos, como aquilo que, o povo e com razão chama de “chantagem” ….
48. Esta situação é decerto violadora dos princípios da boa fé e consiste num abuso do direito, na modalidade de venire contra factum próprio, ao aceitar a responsabilidade e ao mesmo tempo fazer uma proposta, que não é uma proposta, mas sim um ultimatum…, quando em bom rigor ao aceitar a responsabilidade, deveria disponibilizar um valor.
49. De facto, a R está numa posição desigual face ao A, e a sua postura extra-judicial, pois quem avalia o dano e nomeou os peritos foi a Seguradora, sendo que em momento algum, quer o perito da seguradora, quer os peritos do Tribunal alegaram uma situação de perda total técnica.
50. Noto que estes conceitos são definidos na Lei e não estão na disponibilidade das partes, tendo aliás uma relação de exclusão recíproca. A perda total ou é económica ou é técnica.
51. Neste processo, a R nunca alegou uma perda total técnica.
52. Ora, em todos os relatórios há referências a valores de reparação, logo não há uma perda total técnica.
53. Importa frisar que a A, encontra-se numa situação de precariedade, pois ficou sem poder dispor da sua viatura.
54. A R. alega agora que era necessário desmontar partes da viatura e que tal não foi efectuado. Da leitura do artigo 36 tal obrigação impende sobre a R.
55. Esta situação é, decerto, violadora dos princípios da boa fé e consiste num abuso do direito, na modalidade de venire contra factum próprio.
56. Todos os relatórios escrevem que a reparação é tecnicamente possível.
57. Perito nomeado pelo Tribunal, a minutos 19.36 a minutos diz: Pergunta do mandatário: A reparação realizada na Scania garante que a viatura fica bem reparada e tem uma garantia?
Obviamente a Scania garante a reparação com os padrões de qualidade do serviço.”
58. Decorre da sentença que o valor venal atribuído pela R é inferior ao valor atribuído
pelo perito. Cito fls 39:
Tende presente o valor médio de €21.776,66 [entre €20.900 e €22.800], necessário para a aquisição de um veículo equivalente ao veículo da autora, atento os critérios da marca, do modelo, da quilometragem que o veículo tinha, à data do acidente, e da data da matrícula, este é o valor a considerar para efeitos de indemnização à autora.
Assim, o valor da indemnização a atribuir à autora, pelo veículo, corresponde à quantia de €21.776,66, subtraído o valor do salvado [€3.266,49] – por o salvado continuar a ser propriedade da autora -, por referência à data do acidente, ou seja, a quantia de €18.500,17.
Tendo a autora recebido a quantia de €16.742,00, assiste-lhe o direito a receber a quantia de €1.758,17 [€18.500,17 - €16.742,00 = mil, setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos/€1.758,17].”
59. Assim, com o adiantamento nunca poderia a A comprar uma viatura de substituição, pelo que é devida ainda a paralisação até ao pagamento da indemnização arbitrada.
60. Igualmente, deve ser dado como provado que:
- A reparação é tecnicamente possível,
- A R não disponibilizou a totalidade do valor adequado para comprar uma viatura à A.

***

10- A ré/apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. Vem a Autora interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo a 12 de dezembro de 2022, sustentando, em suma, que a Mmª. Julgadora a quo errou
na análise e interpretação da prova produzida nos autos, e, bem assim, na aplicação do Direito quanto ao caso em apreço.
2. Neste sentido, a A. requer a revisão do entendimento pelo Tribunal ad quem entendendo ser de considerar a quantia indemnizatória nunca inferior ao valor de 52.425,60, deduzido do valor já pago pela Ré de 16.742,00€, referente à reparação, não aceitando uma perda total, e todas as despesas daí resultantes.
3. No dia 24 Junho de 2019 ocorreu um sinistro entre os veículos com matrícula 10- …-… e 88-…-…, relativamente ao qual a Recorrida assumiu a responsabilidade e autorizou a peritagem do veículo em causa.
4. O orçamento demonstrou que o valor necessário para a reparação dos danos peritados, sem desmontagem, seria de 52.425,60€, valor este que poderia ser aumentado aquando da desmontagem da viatura, pois alguns danos apenas são percetíveis aquando da desmontagem dos veículos, nomeadamente os danos no chassi.
5. Deste modo, demonstrou-se que o valor da reparação seria muito mais elevado do que o valor venal, pelo que, se verificou uma situação de perda total, podendo a Recorrente manter o salvado na sua posse e tendo a Recorrida pago a diferença: 16.742,00€.
6. Esta interpretação resulta da conjugação do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, dos artigos 562º e 566º CC.
7. Com o pagamento do valor venal deduzido o valor do salvado a Recorrente foi compensada e reconstituída a situação económica em que a Recorrente se encontrava caso o sinistro não tivesse ocorrido.
8.  A reconstituição in natura, ou seja, a reparação do veículo, nunca seria possível, não só pela excessiva onerosidade da mesma, uma vez que o valor orçamentado, sem desmontagem, é quase três vezes superior ao valor venal do veículo;
9. Mas igualmente pelo facto de, através dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente dos dois peritos, se poder concluir, sem margem para dúvidas, que a reparação do chassi não seria tecnicamente possível e que não poderia haver garantia das condições de segurança para um veículo circular na estrada sem qualquer constrangimento.
10. Face ao exposto, salvo o devido respeito, o recurso não poderá proceder por falta de fundamento dos argumentos apresentados, não se vislumbrando que a douta sentença recorrida tenha feito uma interpretação errada da prova apresentada nos autos, nem violado as disposições legais invocadas, pois operou a justa subsunção do Direito aplicável à matéria de facto provada.
Termos em que, Venerandos Juízes Desembargadores deve ser confirmada a douta sentença recorrida.

***

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (art.ºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A Impugnação da matéria de Facto;
b)- A Revogação da Sentença com a condenação da ré no pedido.

***

2- Matéria de Facto.

A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto:
Factos provados
1. No dia 24.06.2019, pelas 07h50m, ocorreu um acidente na saída 4 da Auto Estrada A1, ao km 31,000, no Carregado, concelho Vila Franca de Xira, no qual interveio o veículo pesado de mercadorias com matrícula 10-…-... e o veículo pesado de mercadorias com matrícula 88-…-….
2. O veículo pesado de mercadorias, com a matrícula 88-…-…, era propriedade de T - Transportes Mercadorias Lda., estando a sua responsabilidade civil emergente de sinistro com intervenção desse veículo pesado de mercadorias transferida para a ré, através da apólice nº 20328399500022; e a responsabilidade civil emergente de sinistro com intervenção do veículo pesado de mercadorias com matrícula 10-…-…, estava transferida para a companhia de seguros “Seguradora…”, através da apólice nº 4512889.
3. Do referido acidente resultaram danos materiais em ambos veículos.
4. O veículo com matrícula 10-…-… é um pesado de mercadorias, propriedade do A. e, no momento do sinistro, era conduzido por MM.
5. O acidente ocorreu quando o veículo com a matrícula 10-…-…, propriedade da autora, saiu da A1, após as portagens do Carregado, no sentido Sul/Norte, em direcção a Alenquer/Azambuja, e o veículo com a matrícula 88-…-… circulava em sentido contrário.
6. Por motivos não apurados, o condutor do veículo 88-…-… despistou-se, entrou na via de circulação onde seguia o veículo da autora e colidiu violentamente com este.
7. O condutor do veículo da autora não conseguiu evitar a colisão, tal foi a imprevisibilidade do despiste.
8. A ré realizou peritagem ao veículo pesado de mercadorias com matrícula 10-…-…, no dia 05.07.2019, não tendo a Seguradora dado autorização para a sua reparação.
9. Nessa peritagem, a ré concluiu que o custo estimado de reparação do veículo pesado de mercadorias com matrícula 10-…-… era no valor de €52.425,60, constando do item “observações” que “estamos perante uma possível perda total. Reparador não tem interesse em reparar o veículo por valores finais acordados”. Atribuiu ao veículo, considerando o valor venal de mercado, no momento anterior ao acidente, o valor de €19.000,00 e ao salvado, o valor de €3.258,00.
10. Por email de fls. 22, datado de 11/7/2019, a ré informou que “de acordo com os elementos que nos foram presentes, até ao momento, não poderemos assumir a regularização dos danos da viatura de V. Exas., sendo que os mesmos não constituem prova bastante da responsabilidade do nosso segurado.
Todavia, informamos que ainda nos encontramos a aguardar mais elementos/meios de prova, já requeridos.
Da peritagem realizada ao veículo em referência, na oficina Scania Portugal, SA, resultou a perda total do veículo face aos danos verificados.
Assim, caso venhamos a assumir a responsabilidade no sinistro tomaremos em consideração os seguintes valores: - Estimativa de reparação: 52.425,60 euros. - Valor venal: 19.000,00 euros.
Cotação p/Salvado: 3.258,00 euros.
Deste modo, apuramos, nesta data, o valor total CONDICIONAL de 15742.00 euros a título de indemnização de perda total.
Importa informar que a Seguradora SA não poderá ser responsável pelo pagamento de qualquer verba relacionada com o parqueamento do veículo na oficina ou em qualquer outro local."
11. Por email datado 26.07.2019, a ré tomou posição e apresentou a proposta de indemnização de perda total “do veículo com a matrícula 88-…-…, sendo por si proposto “o montante de Eur. 15.742,00 (…). Importa informar que a Seguradora SA não poderá ser responsável pelo pagamento de qualquer verba relacionada com o parqueamento do veículo na oficina ou em qualquer outro local”.
12. A autora transmitiu à ré a sua discordância quanto ao entendimento perfilhado por aquela de “perda total” do veículo.
13. Nessa sequência, a ré, por email datado de 2 de Agosto de 2019, comunicou à autora que “o valor proposto para a indemnização de perda total do seu veículo está enquadrado na Lei vigente para a regularização de sinistros automóveis”, tendo proposto então “alterar o valor venal para 20.000,00 euros. Assim, totalizamos uma indemnização de 16.742,00 euros (...). Desta forma, iremos, de imediato, emitir uma indemnização de 16.742.00 euros, relativamente à perda total do veículo em epígrafe, por transferência bancária. Encontramo-nos disponíveis par analisar uma reclamação de paralisação que nos entenda apresentar”.
14. Na carta, datada de 5/8/2019, enviada pela ré a dar conhecimento da transferência da quantia de €16.742,00, fez constar “O recebimento desta quantia por V. Exa(s). exonera a Companhia de Seguros, S.A. do pagamento de qualquer outra importância relativa ao presente processo de sinistro”.
15. A autora, sem assinar qualquer documento de quitação, recebeu, da ré, a quantia de €16.742,00, que aceitou a título de adiantamento das demais quantias que, no seu entendimento, tinha direito, tendo lhe transmitido a sua discordância quanto ao “valor de perda total, pois não posso comprar uma viatura igual por 19.000,00 euros e queria reparar a minha conheço”; e que, em 29/7/2029, quantificava em €62.260,60 (sessenta e dois mil, duzentos e sessenta euros e sessenta cêntimos) o valor da indemnização a receber, composto pelas seguintes parcelas:
“Valor de reparação: 52.425,60€;
Paralisação ao valor diário de 255€:
37 dias de 24/06/2019 a 31/07/2019: 9.435,00€
Parqueamento 200€/mês: €400.00”
16. A autora não pretende vender o seu veículo pesado de mercadorias com matrícula 10-…-… ou comprar um veículo em substituição, mas a reparação do mesmo por conhecer o estado em que esse veículo se encontrava e por a aquisição de um veículo, em substituição daquele, envolver um custo adicional com a análise da parte mecânica do veículo a adquirir.
17. O veículo com a matrícula 10-…-…, da autora, circulava antes do acidente e deixou de circular devido à dimensão dos danos provocados com o acidente e assim se encontra até à presente data.
18. Apesar de interpelada para o fazer, a ré não deu ordem de reparação, nem atribuiu uma viatura de substituição ou qualquer valor de paralisação, tendo decorrido, desde a data do acidente - 24.06.2019 - até ao dia da carta informativa da transferência de indemnização - 5.08.2019 -, quarenta e dois (42) dias.
19. O veículo da autora permanece nas instalações Oficinas da Scania Portugal, em Vialonga.
20. Em consequência do acidente, o veículo da autora apresenta danos (i) no lado esquerdo da cabine, encontrando-se partidos os apoios que prendem a cabine ao chassi; (ii) no motor, encontrando-se partidos os pontos de fixação do mesmo; e (iii) no chassi que se apresenta empenado relativamente ao eixo longitudinal.
21. São tecnicamente reparáveis os danos que o veículo apresenta, localizados na cabine e no motor, não se mostrando possível aferir se é susceptível de reparação, em termos técnicos e de segurança, os danos provocados na componente do chassi - desempeno e alinhamento do chassi - sem a desmontagem da cabine, operação que não foi efectuada e que envolve custos.
22. O custo da reparação dos danos verificados na cabine e no motor foi estimado em €69.977,50, não se encontrando incluído, nesse valor, o custo da reparação do “desempeno e alinhamento do chassi”.
23. Um veículo da marca Scania, modelo do veículo pesado de mercadorias com matrícula 10-…-…, com a quilometragem que este tinha, à data do acidente e com matrícula de 2009/2010, tinha, à data do acidente, o valor entre €20.900 e €22.800.
24. O salvado do veículo 10-…-…, à data do acidente, tinha o valor de €3.266,49, e de €2.800, por referência à data da elaboração do relatório pericial.
25. A autora adquiriu o veículo 10-…-…, no ano de 2018, pelo preço de €19.500,00, tendo, posteriormente, despendido a quantia de €9.000,00, na reparação do motor e aquisição de pneus.
26. Na data em que ocorreu o acidente, a autora dispunha de três veículos pesados para o exercício da sua actividade de transporte internacional de mercadorias. Após o acidente, adquiriu, ainda no ano de 2019, dois veículos.
*
- Factos não provados
De relevante, considera-se não provado o seguinte:
a. O veículo da autora, à data do acidente, tivesse um bom motor e se encontrasse em bom estado de conservação.
b. A autora não dispusesse de possibilidades financeiras para pagar a reparação.
c. No Acordo de Paralisação, estabelecido entre APS/ANTRAN, o valor fixado para este tipo de veículos é de €252.17 por dia.
d. A autora tenha suportado despesas de parqueamento do veículo no parque da SCANIA, no valor de €200,00 por mês, onde o veículo se encontra até à data.
e. A autora tenha reconhecido que o estado do seu veículo configurava uma situação de perda total.

***
3- A Questões Enunciadas.

A autora/apelante nos pontos 1 e 60 das suas Conclusões pretende seja dada como provada a seguinte factualidade:
-A reparação é tecnicamente possível com um custo de €52.425,60.

-A R não disponibilizou a totalidade do valor adequado para comprar uma
viatura à A.
Haverá fundamento para aditar estes factos?
Pois bem, como é sabido, o art.º 640º do CPC impõe ao recorrente, que impugne matéria de facto, o cumprimento de certos ónus sob pena de rejeição do recurso quanto a essa impugnação.
Concretizando.
Estabelece o art.º 640º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Por comparação com o art.º 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço desse ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição:
(i)- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
(ii) especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
(iii) indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. E,
(iv) “…relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes…” (Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs, mormente a 139 e seg.). 
Saliente-se ainda que o legislador optou por rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 137).
Além disso, relembre-se, que não existe despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da matéria de facto (Abrantes Geraldes, Recursos…cit., pág. 141).

Comecemos pelo segundo ponto.
No caso dos autos, a recorrente, relativamente ao segundo ponto de facto que pretende ver aditado - A R não disponibilizou a totalidade do valor adequado para comprar uma viatura à A - limitou-se a referir, que resulta de fls 39 da sentença que o valor venal atribuído pela ré é inferior ao valor atribuído pelo perito; transcreve a passagem da sentença e, dai, conclui que deve ser aditado   o mencionado ponto de facto.  
Haverá fundamento para determinar o pretendido aditamento: “A R não disponibilizou a totalidade do valor adequado para comprar uma viatura à A.”?
Entendemos que não, pelas seguintes razões.
Primeira, o ponto que a autora pretende ver aditado constitui um raciocínio conclusivo.
Segunda, os factos dados como provados na sentença, concretamente o ponto 23 - Um veculo da marca Scania, modelo do veículo pesado de mercadorias com matrícula 10-…-..., com a quilometragem que este tinha, à data do acidente e com matrícula de 2009/2010, tinha, à data do acidente, o valor entre €20.900 e €22.800– permitiram sustentar o raciocínio da 1ª instância, transcrito pela autora, quando elevou o valor de indemnização pela perda total, em mais 1.758,17€, como decorre do ponto a) do decisório.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, conclui-se não haver fundamento para o pretendido aditamento daquele ponto.

Quanto ao primeiro ponto.
Entende a autora/apelante que deve ser aditado que: “A reparação é tecnicamente possível com um custo de €52.425,60.”
Para fundamentar essa sua pretensão de aditamento deste facto, a autora/apelante invoca o depoimento do Sr. Perito e transcreve (apenas) a seguinte passagem do depoimento gravado desse Perito (ponto 114 da alegação):           
“…a minutos 19.36 a minutos diz: “Pergunta do mandatário: A reparação realizada na Scania garante que a viatura fica bem reparada e tem uma garantia?
Obviamente a Scania garante a reparação com os padrões de qualidade do serviço e garantia.”
Não indica qualquer outro meio de prova ou outras concretas passagens do depoimento do Perito.
Pois bem, como é bom de ver, daquele singelo segmento transcrito do depoimento do Sr. Perito não se retira o facto que a autora/apelante pretende ver aditado. Na verdade, a questão que foi colocada ao Sr. Perito e a que ele respondeu, não teve a ver com o concreto veículo de transporte de mercadorias, mas, em abstracto, sobre se as reparações efectuadas pela Scania garantem padrões de qualidade e têm garantia. Nada é mencionado, naquele trecho transcrito do depoimento gravado do Sr. Perito, sobre o valor/custo da reparação ou, sequer, sobre se a reparação é tecnicamente possível. De resto, foram dados como provados pontos de facto que incidem sobre a questão de saber se os danos são tecnicamente reparáveis (ponto 21 dos factos provados) e os respectivos custos (ponto 22). E desse dois pontos de facto, que não foram impugnados, não se retira, antes pelo contrário, o ponto que a autora/apelante pretende ver aditado.
Finalmente, importa salientar que este pretendido aditamento de facto - A reparação é tecnicamente possível com um custo de €52.425,60. – estaria em contradição com o primeiro pedido da ampliação do pedido feito pela autora, em que pretende: - a quantia de €53.235,50 (cinquenta e três mil, duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos) [e já não €35.683,60], correspondente ao valor da reparação do veículo, de €69.977,00 (e não €52.425,60), deduzido do valor já pago, de €16.742,00;. Na verdade, no pedido ampliado, a autora pretende que a reparação do veículo seja de 69.977€ e afasta o valor de 52.425,60€ que agora pretende ver aditado. Algo confuso (no mínimo) diga-se.
A esta vista, resta concluir que não há fundamento para aditar este facto.

Em suma: improcede a pretendida impugnação da matéria de facto.

***
3.2- A Revogação da Sentença com condenação da ré no pedido.

Antes de mais, recordemos os pedidos feitos pela autora em ampliação do pedido que foi aceita:
- da quantia de €53.235,50 (cinquenta e três mil, duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos) [e já não €35.683,60], correspondente ao valor da reparação do veículo, de €69.977,00 (e não €52.425,60), deduzido do valor já pago, de €16.742,00;
-da quantia de €10.591,14, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, no total de quarenta e dois (42) dias, desde a data do acidente até à data do recebimento da quantia de €16.742,00, à razão diária de €252,17 (valor que já havia sido pedido na petição inicial);
- da quantia de €30.725,26, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde 6/8/2019 até à data da propositura da presente acção, à razão diária de €252,17(valor que já havia sido pedido na petição inicial);
- da quantia de €30.000,00, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde a data da propositura da presente acção, com recurso à equidade;
- do valor do parqueamento da viatura, a liquidar em execução e sentença [e já não na quantia de €3.000,00, correspondente ao valor do parqueamento até à data da propositura da acção];
- do valor do IUC, a liquidar em execução de sentença;
- da quantia de €300,00, a título de despesas com o “abate e venda da viatura” e “despesas e tempo despendido na procura e aquisição de uma nova viatura”, na contratação de “novos seguros e registo da nova viatura”, o que “representa um mínimo 24 horas de trabalho, ou seja, 3 dias de trabalho (8 horas/dia), estimado em €220,00, ao qual acresce o valor do registo automóvel de €80.00;
- dos juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, contados até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal;
- da quantia de €200,00 por dia até ao recebimento do valor da reparação, a título de danos futuros, materiais ou morais, nos quais a autora venha a incorrer, decorrentes do acidente objecto destes autos.

A 1ª instância, na sentença, enunciou as seguintes questões que importam conhecer:
“- a) a dinâmica do acidente de viação ocorrido no dia 24/06/2019, pelas 07h50m, na saída 4 da Auto Estrada A1, ao km 31,000, no Carregado, concelho Vila Franca de Xira, no qual interveio o veículo pesado de mercadorias, com matrícula 10-...-..., e o veículo pesado de mercadorias, com matrícula 88-…-...; a responsabilidade do condutor do veículo pesado de mercadorias, com matrícula 88-…-…, na ocorrência do mencionado acidente, e concorrência de culpa do condutor do veículo pesado de mercadorias, com matrícula 10-…-…;
- b) a indemnização na quantia de €53.235,50 (cinquenta e três mil, duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos), correspondente ao valor da reparação do veículo [€69.977,00], deduzido do valor já pago pela ré [€16.742,00], e a excessiva onerosidade da reparação;
- c) a indemnização pela privação do uso do veículo, sendo:
(i) a quantia de €10.591,14, correspondente à indemnização pela privação do uso do veículo, no total de quarenta e dois (42) dias, desde a data do acidente até à data do recebimento da quantia de €16.742,00, à razão diária de €252,17;
(ii) a quantia de €30.725,26, correspondente à indemnização pela privação do uso do veículo, desde 6/8/2019 até à data da propositura da presente acção, à razão diária de €252,17;
(iii) a quantia de €30.000,00, correspondente à indemnização pela privação do uso do veículo, desde a data da propositura da presente acção, com recurso à equidade;
(iv) o valor do parqueamento da viatura que quantificou, na petição inicial, no valor de €3.000,00, calculado até à data da propositura da acção e, posteriormente, requereu a condenação da ré na quantia a liquidar em execução de sentença;
(v) o valor do IUC, a liquidar em execução de sentença;
- d) a quantia de €300,00, a título de despesas com o “abate e a venda da viatura”, bem como “despesas e tempo despendido na procura e aquisição de uma nova viatura” e com a contratação de novos seguros e registo da nova viatura, o que “representa um mínimo 24 horas de trabalho, ou seja, 3 dias de trabalho (8 horas/dia), estimado em €220,00”, acrescida do custo do registo automóvel, de €80.00;
- e) todas estas quantias acrescidas dos juros de mora, contados até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal;
- f) a quantia de €200,00 por dia até ao recebimento do valor da reparação, a título de danos futuros, materiais ou morais, nos quais a autora venha a incorrer, decorrentes do acidente objecto destes autos.
- g) Da litigância de má fé da autora e da ré.”

Das questões suscitadas pela autora na sua alegação, importa analisar:
a)- A obrigação de indemnizar em valor correspondente ao valor da reparação do veículo (69 977 €), deduzido do valor já entregue (16.742,00€), no montante de 53.235,50€;
b)- A indemnização de 300€ correspondentes à soma de 220€ correspondente ao tempo gasto em contactos para a regularização do sinistro, com 80€ relativos ao registo automóvel;
c)- A privação do uso do veículo, correspondente ao tempo decorrente desde a data do acidente até à reparação ou à indemnização por equivalente.

Vejamos então cada uma destas questões.

3.2.1- A obrigação de indemnizar em valor correspondente ao valor da reparação do veículo (69.977€), deduzido do valor já entregue (16.742,00€), no montante de 53.235,50€.

A autora/apelante defende que a ré deve reconhecer que a reparação apenas é inviável economicamente porque jamais foi afirmado que a reparação técnica é inviável. E, por isso, pede a condenação da ré a pagar a quantia necessária à reparação do veículo, de 69.977€, deduzidos os 16.742€, já recebido pela autora, num total de 53.235,50€. Diz que não pretende vender o veículo e apenas o pretende reparar e não tem capacidade económica para o efeito.
A ré diz que não está obrigada a reparar o veículo, por o valor da reparação ser excessivamente oneroso e desproporcionado ao valor económico do veículo. Que os danos da viatura consubstanciam uma perda total e que a autora foi ressarcida em 16 742,20€, que aceitou.
A 1ª instância, depois de afastar a aplicação do art.º 41º do DL 241/2007 e de ter afirmado que a indemnização deveria ter lugar mediante a aplicação das regras dos art.ºs 652º  e 566º do CC, entendeu que a reparação natural se mostrava excessivamente onerosa e que o prejuízo da autora com os danos no veículo poderiam ser reparados mediante a atribuição de um valor que permitia à autora adquirir um veículo com características idênticas  ao do acidentado, considerando a marca, modelo e os quilómetros, para o exercício da sua actividade e satisfação das suas necessidades e, fixou esse valor em 21.776,66€, subtraiu-lhe o valor do salvado (3.266,49€) e o valor já entregue pela ré, de 16.742,00€ e, fixou um remanescente indemnizatório de 1.758,17€
Na fundamentação da sentença, a 1ª instância, além do mais, aduz:
“…O ónus de prova da excessiva onerosidade da reconstituição natural, sendo matéria de excepção, recai sobre o sujeito da obrigação de indemnização (art.º 342º, nº 2, do CC).
Transpondo tais princípios para os presentes autos e tendo presente que a aferição da excessiva onerosidade não se pode basear num raciocínio meramente aritmético de confronto entre o valor do veículo e o custo da sua reparação, vejamos a matéria de facto considerada assente.
A autora adquiriu o veículo com matrícula 10-…-…, no ano de 2018, pelo preço de €19.500,00, tendo, posteriormente, despendido a quantia de €9.000,00, na reparação do motor e aquisição de pneus.
Pretende a reparação do seu veículo por conhecer o estado em que o mesmo se encontrava e por em caso de aquisição de um veículo, em substituição daquele se mostrar necessário a análise da parte mecânica do veículo a adquirir, o que envolve um custo.
Em consequência do acidente, o veículo com matrícula 10-…-… apresenta danos no lado esquerdo da cabine, encontrando-se partidos os apoios que prendem a cabine ao chassi; no motor, encontrando-se partidos os pontos de fixação do mesmo; e no chassi que se apresenta empenado relativamente ao eixo longitudinal.
Da matéria de facto assente resulta que são tecnicamente reparáveis os danos que o veículo apresenta, localizados na cabine e no motor, e que o custo da reparação de tais danos mostra-se no valor de €69.977,50. A esse valor, acresce o custo da reparação do “desempeno e alinhamento do chassi”. Contudo, a reparação do desempeno e alinhamento do chassi não é “tecnicamente avaliável sem a desmontagem da cabine e a sua posterior avaliação.
Por referência à data do acidente, o valor de um veículo marca Scania, modelo do veículo da autora; com matrícula de 2009/2010; e com a quilometragem que o veículo tinha, à data do acidente; situa-se entre €20.900 e €22.800.
O valor do salvado é €3.266,49, por referência à data do acidente.
Na data em que ocorreu o acidente, a autora dispunha de três veículos pesados para o exercício da sua actividade. Após o acidente, adquiriu, ainda no ano de 2019, dois veículos.
Resulta do exposto que o valor da reparação dos danos que o veículo apresenta na cabine e motor representa valor superior a três vezes o valor do veículo da autora, à data do acidente, aferido em função da marca, modelo, data da matrícula e quilómetros que apresentava. Trata-se de uma desproporcionalidade acentuada. Ao custo da reparação da cabine e do motor acresce o custo da reparação do “desempeno e alinhamento do chassi”, caso se mostre tecnicamente viável.
A autora não logrou demonstrar que o veículo estava em “bom estado de conservação” e que se encontrava “em bom estado” o motor desse veículo – cfr. artigo 23 da petição inicial. De harmonia com a factualidade provada, a sua opção pela reparação do veículo prende-se com a circunstância de conhecer o estado em que se encontrava o veículo com a matrícula 10-…-... e de a aquisição de um veículo, em substituição, implicar o custo adicional para averiguação do estado em que o mesmo se encontra.
Resulta, ainda, da factualidade provada que o veículo com a matrícula 10-…-… pode ser substituído por outro, da mesma marca e modelo, data de matrícula e quilómetros, por preço idêntico ao valor de mercado do veículo sinistrado (entre 20.900,00/€22.8000,00).
Sendo esta a matéria de facto provada e considerando que a quantia de €20.900,00/€22.800,00 permite a aquisição de um veículo com características idênticas ao acidentado, considerando a marca, o modelo, a data de matrícula e os quilómetros [desconhecendo o tribunal o estado de conservação em que se encontrava o veículo da autora], para o exercício da actividade da autora e que de igual modo satisfaça as necessidades desta, entende este tribunal que, nestas condições, é de concluir no sentido da excessiva onerosidade da reconstituição natural.
Improcede, assim, o pedido da autora de condenação da ré no pagamento da quantia de €53.235,50 (cinquenta e três mil, duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos) [e já não €35.683,60], correspondente ao valor da reparação do veículo [€69.977,00], deduzido do valor já pago [€16.742,00]. Tende presente o valor médio de €21.776,66 [entre €20.900 e €22.800], necessário para a aquisição de um veículo equivalente ao veículo da autora, atento os critérios da marca, do modelo, da quilometragem que o veículo tinha, à data do acidente, e da data da matrícula, este é o valor a considerar para efeitos de indemnização à autora.
Assim, o valor da indemnização a atribuir à autora, pelo veículo, corresponde à quantia de €21.776,66, subtraído o valor do salvado [€3.266,49] – por o salvado continuar a ser propriedade da autora -, por referência à data do acidente, ou seja, a quantia de €18.500,17.
Tendo a autora recebido a quantia de €16.742,00, assiste-lhe o direito a receber a quantia de €1.758,17 [€18.500,17 - €16.742,00 = mil, setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos/€1.758,17].
Pois bem, entendemos que a 1ª instância decidiu correctamente.
Na verdade, entendemos por correcto o afastamento da aplicação do art.º 41º do DL 291/2007- (Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, doravante SORCA) relativo à “Proposta Razoável” de regularização de sinistros.
 Como é conhecido, o DL 291/2007 (SORCA) transpôs para a ordem jurídica nacional a 5ª Directiva do Seguro Automóvel (2005/14/CE) e introduziu diversas alterações extra-Directiva, uma das quais, em sede do regime da regularização dos sinistros no âmbito do seguro automóvel, que provinha já do DL 83/2006, de 03/05.
Anteriormente a este DL 83/2006, vigorava, no que concerne ao “Procedimento de Oferta Razoável” (para regularização de sinistro), o art.º 44º do DL 522/85, na redacção dada pelo DL 72-A/2003 de 14/04, por transposição da 4ª Directiva do Seguro Automóvel (2000/26/CE), que estabelecia, em síntese, o prazo de 30 dias, após recolha dos elementos indispensáveis para regularização, para a seguradora proceder à reparação dos danos e, por outro lado, para os acidentados residentes no espaço económico europeu, o prazo de 3 meses para apresentação de uma proposta razoável ou recusar indemnização, contados desde a apresentação do pedido de indemnização.
No âmbito do DL 83/2006, ocorreu um alargamento, generalizado, do “Procedimento de Oferta Razoável”, a todos os acidentes automóveis, independentemente da nacionalidade das vítimas, retirando-se, porém, do seu campo de aplicação, os acidentes com danos corporais, danos em mercadorias e bens transportados no veículo sinistrado, danos por imobilização do veículo e acidentes cujos danos ultrapassassem o capital mínimo do seguro (art.º 20-B).
Por sua vez, com o DL 291/2007, caíram, parcialmente, as limitações referidas em sede de “Procedimento de Oferta Razoável” do DL 83/2006 e foram introduzidas normas relativas à actuação das seguradoras, aos prazos para regularização de sinistros, à qualificação do acidente (se perda total do veículo), obrigação de atribuição de veículo de substituição enquanto não ocorre reparação, e ainda sobre sanções para as empresas de seguros que não cumprirem prazos de regularização.
Pois bem, esta brevíssima resenha de regimes permite compreender a preocupação do legislador, quer da União, quer Nacional, com a necessidade de as seguradoras solucionarem, rapidamente, os sinistros automóveis, através da introdução da figura do “Procedimento da Proposta Razoável” de indemnização dos danos.
Estabelece o art.º 41º do SORCA:
1- Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2- O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.
3- O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização.
4- Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado:
a) A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade;
b) O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente;
c) A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.
5- Nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119.º do Código da Estrada.”
No entanto, é imprescindível perceber que o art.º 41º do DL 291/2007- SORCA (supra transcrito) se insere no Capítulo III desse diploma legal, que é destinado à Regularização de Sinistros, e diz respeito ao estabelecimento de “…regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros a garantir, de forma pronta e diligentes, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas…” (art.º 31º do SORCA), impondo uma série de prazos procedimentais à empresa de seguros, com vista à sua diligência e prontidão (art.º 36º do SORCA) visando a apresentação de Proposta Razoável de Indemnização, sob pena de sanções pecuniárias legais (art.º 38º do SORCA).
Justamente, desse art.º 38º do SORCA, principalmente dos seus nºs 2, 3 e 4, decorre que a Proposta Razoável feita pela seguradora ao sinistrado respeita à fase extrajudicial de Regularização do Sinistro e destina-se a ser apresentada uma (simples) proposta de solução do sinistro e ressarcimento dos danos.
Ora, como sucede nos termos gerais com qualquer proposta negocial, pode ser ou não aceita pelo destinatário (art.º 235º do CC).
Essa possibilidade, de rejeição da Proposta Razoável pelo sinistrado e subsequente litígio (judicial), resulta do art.º 38º nºs 2 e 3 do SORCA onde se faz referência ao “…montante de indemnização fixado pelo tribunal…) (nº 2) e, ao “….montante fixado na decisão judicial…” (nº 3), por contraposição com os montantes propostos pela Proposta Razoável.
Aliás, este entendimento é, ao que sabemos, constante na jurisprudência das nossas Relações (Cf., entre outros, Acs. da RP, de 07/09/2010, Henrique Araújo; RC, de 09/01/2012, Carlos Querido; RC, de 16/09/14, Teles Pereira; RL, de 15/12/2016, Pedro Martins; RC, 08/04/12, Fonte Ramos; RC, de 07/09/2021, Fonte Ramos; RL, de 25/05/17, Jorge Leal; RL, de 04/07/13, Fátima Galante; RE, de 02/10/2018, Mário Coelho; RP, de 11/01/2021, Joaquim Moura; RL, de 09/06/2022, Maria de Deus Correia; TRL. De 11/10/2018, relatado pelo ora relator, todos disponíveis em www.dgsi.pt;).
Por conseguinte e sintetizando: o art.º 41º do SORCA é relativo à fase do procedimento pré-judicial de regularização do sinistro automóvel e não afasta nem impede, na falta de acordo, que o tribunal venha a decidir por diferentes valores de indemnização, em virtude da aplicação das regras gerais de cálculo da indemnização, previstas na lei civil, mormente nos artºs 562º e 566º do CC.

Fora de qualquer dúvida, a indemnização deve reconstruir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento danoso (art.º 562º do CC).
Os tribunais, lançando mão do regime do art.º 566º do CC, vêm entendendo que a onerosidade excessiva tem de ter em conta não só o valor venal do veículo, mas ainda o valor que, em concreto, esse veículo teria para o seu proprietário. No fundo, o valor do uso, visto que um valor venal diminuto pode corresponder a uma grande utilidade para o utilizador. (Sobre a questão, veja-se Arnaldo Filipe da Costa Oliveira, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Síntese das alterações de 2007 – DL 291/2007, 21 Ago., Almedina, pág. 66 e segs.).
Com efeito, o nº 1 do art.º 566º do CC consagra o princípio da indemnização em espécie ou reconstituição natural. E esta só não terá lugar quando não for possível ou for “excessivamente onerosa para o devedor”. A formulação literal da lei aponta para uma onerosidade grave, violadora da boa fé ou do princípio da proporcionalidade, não bastando uma diferença pouco significativa de valores.
De resto, a doutrina aponta no mesmo sentido: “…a excessiva onerosidade ocorre quando a indemnização específica, sendo possível, acarrete, no entanto, para o obrigado a indemnizar, um esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem acarretada para o lesado, ou seja, quando a sua exigência atente gravemente contra o princípio da boa fé.” (Cf. entre outros, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 402; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, pág. 403 e seg; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 638; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, pág. 864).
Júlio Vieira Gomes (Custo das reparações, valor venal ou valor de substituição, anotação ao Ac. do STJ de 27/02/2003, Cadernos de Direito Privado, nº 3 Julho/Setembro 2003, pág. 61 e segs.) salienta que o “…juízo da excessiva onerosidade não se reduz a uma mera verificação de que o custo da reparação é superior ao da substituição ou a considerações do que é ou não razoável em termos de racionalidade económica.” (…) “…A excessiva onerosidade só se pode decidir no caso concreto, atendendo e confrontando os interesses do lesado e os do lesante, determinando até que ponto é que é exigível ao lesante suportar o custo das reparações por tal corresponder a um interesse digno de tutela do lesado na integridade do seu património…” (…) “Neste sentido não nos repugna sequer considerar que há aqui um certo paralelo com o abuso de direito e que é quando a exigência da reparação natural se apresenta abusiva, confrontando o benefício comparativamente reduzido do lesado e o sacrifício do lesante, que tal exigência não deve ter tutela legal.” Por isso, continua, “…afigura-se-nos muito mais completa a protecção que ao lesado é concedida, se se atender, em regra, não apenas ao valor venal do veículo, mas ao seu custo de substituição. (Cf. Júlio Vieira Gomes, Anotação…, cit., pág. 58).
No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência, de que pode ver-se, entre outros, o acórdão do TRP, de 09/03/2020 (Carlos Gil), de que se salienta a seguinte parte do respectivo sumário:
“- I - No direito da responsabilidade civil vigora o princípio do primado da reconstituição natural, ou seja, “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil), primado que também se retira do que se prescreve no nº 1, do artigo 566º do Código Civil, já que a indemnização apenas é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
II - Para se concluir pela excessiva onerosidade da reconstituição natural, além de não bastar um qualquer excesso do custo da reparação, face ao valor do veículo sinistrado, necessário se torna apurar que o valor apontado como venal ou comercial permite efetivamente a aquisição de um veículo idêntico ou similar ao acidentado e que de igual modo satisfaça as necessidades do lesado.
(…)
Em suma, sendo a reparação do veículo excessivamente onerosa, desproporcionada e, apurando-se que as necessidades de uso e de utilização do veículo pelo lesado ficam igualmente asseguradas mediante o pagamento de uma indemnização que lhe possibilite adquirir um outro veículo idêntico ou similar ao acidentado, não pode condenar-se o obrigado a proceder à reparação (excessivamente onerosa), mas tão-só a indemnizar o lesado por equivalente.
No caso dos autos, como bem salienta a 1ª instância, apurou-se, com relevância para a questão, que:
“- Em consequência do acidente, o veículo da autora apresenta danos no lado esquerdo da cabine, encontrando-se partidos os apoios que prendem a cabine ao chassi; no motor, encontrando-se partidos os pontos de fixação do mesmo; e no chassi que se apresenta empenado relativamente ao eixo longitudinal.
-São tecnicamente reparáveis os danos que o veículo apresenta, localizados na cabine e no motor, não se mostrando possível aferir se é susceptível de reparação, em termos técnicos e de segurança, os danos verificados na componente do chassi - desempeno e alinhamento do chassi - sem a desmontagem da cabine, operação que não foi efectuada e que envolve custos.
- O custo da reparação dos danos verificados na cabine e no motor foi estimado em €69.977,50, não se encontrando incluído, nesse valor, o custo do “desempeno e alinhamento do chassi”, não sendo tecnicamente avaliável a reparação do desempeno e alinhamento do chassi sem a desmontagem da cabine.
- Por referência à data do acidente, o valor de um veículo marca Scania, do modelo do veículo da autora, com a quilometragem que o veículo da autora tinha, à data do acidente e com a data da matrícula 2009/2010, situa-se entre €20.900 e €22.800.”
A este facto acrescenta-se um outro igualmente dado como provado:
25. A autora adquiriu o veículo 10-…-…, no ano de 2018, pelo preço de €19.500,00, tendo, posteriormente, despendido a quantia de €9.000,00, na reparação do motor e aquisição de pneus.
Pois bem, desta factualidade decorre que só a reparação da cabina e do motor do veículo ascenderiam a de 69.977,50€. E que a esse valor acresceria o custo da reparação do “desempeno e alinhamento do chassi” que, segundo o Sr. Perito, seria muito elevado e desconhece-se, sem a desmontagem, se seria tecnicamente possível.
O custo de reparação da cabina e do motor, no montante de 69.977,50€ é manifestamente oneroso e desproporcionado face ao valor de indemnização, por equivalente, necessário para a aquisição de um outro veículo que satisfaz integralmente o uso e interesses da autora. Seria abusivo e contrário à boa fé que a ré tivesse de suportar aquele valor de 69.977,50€ – que de resto seria muito superior com a reparação/desempeno do chassi – quando a satisfação das necessidades e interesses da autora lesada ficam igual e totalmente asseguradas (indemnes) mediante a indemnização por valor correspondente a um veículo em tudo similar ao acidentado, pelo valor de 21 776,66€.
Daí, ter-se dito concordar-se com a decisão da 1ª instância quanto a este aspecto:
Assim, o valor da indemnização a atribuir à autora, pelo veículo, corresponde à quantia de €21.776,66, subtraído o valor do salvado [€3.266,49] – por o salvado continuar a ser propriedade da autora -, por referência à data do acidente, ou seja, a quantia de €18.500,17.
Tendo a autora recebido a quantia de €16.742,00, assiste-lhe o direito a receber a quantia de €1.758,17 [€18.500,17 - €16.742,00 = mil, setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos/€1.758,17].

A esta luz, resta concluir que, quanto a esta questão, o recurso improcede.

3.2.2- A indemnização de 300€ correspondentes à soma de 220€ correspondente ao tempo gasto em contactos para a regularização do sinistro, com 80€ relativos ao registo automóvel.

A autora apelante pretende a atribuição desta quantia, alegando que despendeu três dias de trabalho, a 8 horas por dia, na pesquisa de veículos e seguros respectivos, no montante de 220€ e, 80€ como registo automóvel.
A 1ª instância julgou este pedido improcedente, escrevendo:
É ao proprietário do salvado que incumbe dar destino ao mesmo, recaindo sobre o mesmo as despesas daí decorrentes.
Em segundo lugar, nenhuma prova foi feita quanto ao custo do registo do veículo.
A quantia peticionada a título de tempo despedido na procura e aquisição de uma nova viatura, contabilizado pela autora em “24 horas de trabalho, ou seja, 3 dias de trabalho (8 horas/dia)”, não encontra suporte em nenhum facto concreto que tenha ficado provado e que se pudesse integrar na categoria de dano patrimonial ou não patrimonial indemnizável. É certo que situações como a dos autos geram, notoriamente, transtornos, incómodos e preocupações. Porém, não assumem a gravidade de forma a merecer a tutela do direito.
Improcede, assim, o pedido nessa parte.”
Pois bem, concorda-se inteiramente com esta decisão: não foi feita a mínima prova de a autora ter despendido 3 “dias de trabalho” com as actividades que menciona. Nem foi feita prova do custo do registo do veículo, ou sequer que a autora o tivesse registado.
Sem necessidade de outros considerandos, conclui-se pela improcedência desta pretensão indemnizatória da autora/apelante.


3.2.3- A privação do uso do veículo, correspondente ao tempo decorrente desde a data do acidente até à reparação ou à indemnização por equivalente.

A autora defende que em virtude de a ré não lhe ter reparado o veículo nem atribuído a indemnização que lhe possibilitaria a aquisição de outro veículo, nem ter disponibilizado viatura de substituição, tem direito a ser indemnizada, pela privação do veículo, desde a data do acidente até à reparação do veículo ou ao pagamento da indemnização por equivalente.
Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe:
- a quantia de €10.591,14, correspondente à indemnização pela privação do uso do veículo, no total de quarenta e dois (42) dias, desde a data do acidente até à data do recebimento da quantia de €16.742,00, à razão diária de €252,17, tendo por referência o valor constante do Acordo entre ANTRAM e a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) quanto aos valores de paralisação;
- a quantia de €30.725,26, correspondente à indemnização pela privação do uso do veículo, desde 6/8/2019 até à data da propositura da presente acção, à razão diária de €252,17;
- a quantia de €30.000,00, correspondente à indemnização pela privação do uso do veículo, desde a data da propositura da presente acção, com recurso à equidade.

A 1ª instância, depois de desenvolver bem fundamentada argumentação, concluiu:
No citado Acórdão de 8/3/2022, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou adequado o valor de 120€ diário, reportando-se o acidente a 2020.
No caso dos autos, a autora tem por actividade o transporte internacional de mercadorias. O acidente ocorreu em Junho de 2019. Assim, a título de indemnização pelos dias de paralisação do veículo, no total de quarenta e dois (42) dias, desde a data do acidente até à data do recebimento da quantia de €16.742,00, a autora tem direito à quantia de €5.040,00 (cinco mil e quarenta euros).
Concordamos com a decisão da 1ª instância.
Na verdade, sobre a problemática do dano de privação de uso do veículo automóvel, duas posições se têm afirmado no STJ: uma primeira que reconhece o direito de indemnização relativamente a situações em que o veículo é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo sinistrado foi causa de despesas acrescidas; outra, mais benévola para o lesado, faz corresponder à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente da prova de uma utilização quotidiana do veículo, ainda que com recurso à equidade e ponderação das precisas circunstâncias que rodeiam cada situação (Cf. Abrantes Geraldes, Responsabilidade Civil Extracontratual – Quadro Normativo e Papel do Supremo Tribunal de Justiça na Evolução do Instituto, in Colóquio sobre o código civil (no âmbito do cinquentenário), 27/10/2016, disponível online; ver ainda, entre outros, acórdão da Relação de Lisboa, de 11/12/2019, Carlos Castelo Branco, e a resenha jurisprudencial e doutrinária ai referidas; www.dgsi.pt).
Salienta Abrantes Geraldes (A Responsabilidade Civil Extracontratual…, cit., pág. 36 e segs.)Inequívoco é que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de fruição exclusiva que envolve até o direito de não usar, já que a opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectada pela privação do bem. (…) “…sendo a disponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excepcionalmente, num quadro factual mais complexo, ao qual não deverá ser alheio o sujeito passivo, será possível afirmar que a concreta privação do uso durante um determinado período não foi causa adequada de danos significativos merecedores de ajustada indemnização” (…) “a simples falta de prova de danos concretos não deve conduzir necessariamente à improcedência da pretensão indemnizatória, não devendo descartar-se o recurso à equidade para, no balanceamento dos factos e das regras de experiência, encontrar um valor razoável e justo que permita a reintegração da situação perturbada…”. Veja-se no mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 20/12/2017 (Ondina Carmo Alves, in www.dgsi.pt) que decidiu: “A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade”.
O dano a ressarcir é, precisamente, a indisponibilidade daquele concreto veículo, qualquer que fosse a utilização a que estava afecto e, por isso, esse dano não se anula pela utilização de um outro veículo. Embora “…se tal utilização não erradica o dano consistente na impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, ainda assim, tal utilização deverá ser atendida na fixação do quantum indemnizatório, chegando-se à conclusão que tal montante será inferior face aos casos em que o sinistrado não tenha outro veículo com o qual possa suprir a utilidade decorrente da realização de viagens. VI) À míngua de outros elementos, com recurso à equidade, afigura-se ser razoável atribuir ao autor o quantitativo de €9,00 (nove euros) diário, desde a data do acidente, devendo a ré assumir a responsabilidade por esse dano que o autor sofreu, de privação do uso do veículo sinistrado, não integralmente compensado pela utilização de um outro veículo.” (Ac. Rel. Lisboa, de 11/12/2019, Carlos Castelo Branco, www.dgsi.pt.).
Concordamos com esta segunda posição, como, de resto, optou também a 1ª instância.
Ora, no caso dos autos, a autora pretende a indemnização da “privação de uso” do veículo pela quantia diária de 252,17€, por recurso ao valor constante do acordo entre APS/ANTRAM.
Porém, conforme decorre do ponto c) dos factos não provados, não ficou demonstrado que “No acordo de Paralisação, estabelecido entre a APS/ANTRAM, o valor fixado para este tipo de veículos é de 252,17€.”
Assim, há que lançar mão da equidade, nos termos do art.º 566º nº 3 do CC “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Quer dizer, verificado o dano de privação do uso do veículo, na falta de quantificação objectiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a respectiva compensação e tendo em conta casos análogos.
Assim, conforme acórdão do TRG, de 27/02/2020 (Joaquim Boavida) arbitrou-se pela paralisação diária de um veículo pesado de mercadorias, que realizava transportes nacionais e internacionais, o valor de 100€ por cada dia útil de imobilização, sendo certo que se refere precisamente a factos ocorridos no ano de 2015.
No acórdão TRC, de 08/03/2022 (João Moreira do Carmo) considerou-se adequando um valor diário de 120€.
Concordamos, assim, com a 1ª instância quando atribui o valor de 120€ diários pela paralisação do veículo da autora.

Quanto ao período de paralisação ressarcível.
Mais uma vez, concorda-se com a bem fundamentada decisão da 1ª instância quando refere:
“…concluindo o tribunal no sentido da excessiva onerosidade da reconstituição natural, é devida indemnização por privação de uso do veículo até ao momento em que seja satisfeita ao lesado indemnização correspondente.
Sobre a questão decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 12 de Janeiro de 2012, no processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1: “O específico dano da privação do uso do veículo destruído subsistirá, com autónoma vocação indemnizatória, até que o lesado seja ressarcido, nomeadamente por mero equivalente (em dinheiro), da perda total. Apenas a partir desse momento deixa de poder falar-se de privação do uso do veículo, posto que reconstituída - por equivalente, repete-se - a situação que existiria se não fosse o facto do lesante e a perda do automóvel (artigos 562.º e 566.º do Código Civil). Em conclusão, é configurável a possibilidade de existência de um dano indemnizável, correspondente à paralisação do veículo, entre a data do acidente (26 de Abril de 2005) e a data de pagamento da indemnização por “perda total” do veículo (31 de Março de 2006)”.
Improcede, assim, o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de €30.725,26, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde 6/8/2019 até à data da propositura da presente acção, à razão diária de €252,17(valor que já havia sido pedido na petição inicial), bem como da quantia de €30.000,00, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde a data da propositura da presente acção, com recurso à equidade.
Concluindo o tribunal que assiste direito, à autora à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, no total de quarenta e dois (42) dias, desde a data do acidente até à data do recebimento da quantia de €16.742,00, importa aferir qual o quantum dessa indemnização.”
A esta luz, a autora tem direito a ser indemnizada pela privação do uso, por um período de 42 dias, à razão de 120€/dia, o que perfaz a quantia de 5.040€.
Em suma, também quanto a esta questão temos de concluir que o recurso não pode proceder.

O recurso improcede totalmente.

***

III- DECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso totalmente improcedente e, por consequência, mantém integralmente a sentença sob recurso.

Custas na instância de recurso, pela apelante, na vertente de custas de parte (as custas na vertente da taxa de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não foram praticados actos, nesta instância, tributáveis como encargos).

Lisboa, 12/10/2023
Adeodato Brotas
Eduardo Petersen
Anabela Calafate, com a declaração de voto que segue:
Com a declaração de que entendo que o direito à indemnização depende da demonstração de um dano concreto, devendo o lesado demonstrar que se tivesse disponível o seu veículo dele teria retirado as utilidades que está apto a proporcionar.