Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
850/23.0PKLSB.L1-5
Relator: SANDRA OLIVEIRA PINTO
Descritores: MEDIDA DA PENA
NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CUMPRIMENTO EFETIVO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I- Face à reiteração dos comportamentos criminais do arguido – que regista 12 condenações anteriores pela prática de crimes de furto, furto qualificado e roubo, atividade que iniciou em 2012, e que veio retomando ao longo dos anos, sendo que lhe havia sido concedida liberdade condicional em 22.02.2023, e, menos de três meses depois de ter sido restituído à liberdade, já o arguido regressara a tal atividade – é manifesto que os factos não consentem a formulação de qualquer juízo favorável, no sentido de que tenha ocorrido alguma interiorização da censurabilidade dos comportamentos.
II- Uma suspensão da execução da pena de prisão em circunstâncias como as que temos em presença, não deixaria de ser percecionada, pelo arguido e pela comunidade, como manifesta impunidade de um comportamento que todos reconhecem como nefasto. Com efeito, «nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia».
III- A operação de determinação e escolha da pena concreta a aplicar traduz-se num exercício vinculado, que impõe que, uma vez verificados os respetivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição que satisfaça as exigências legais, podendo incorrer em omissão de pronúncia (geradora de nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, a qual deve ser conhecida oficiosamente, como decorre do nº 2 do preceito citado), se não se pronunciar, especificamente, quanto à possibilidade de a pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no artigo 43º do Código Penal, quando o mesmo seja admissível..
IV- Tal não significa, porém, que o Juiz tenha de percorrer exaustivamente cada uma das penas de substituição que, por se verificar o respetivo pressuposto formal, são, em abstrato, aplicáveis ao caso antes de se decidir pela aplicação de uma delas. Ponto é que da fundamentação da sentença resulte sem margem para dúvidas que o tribunal considerou imperioso o cumprimento efetivo da pena de prisão, afastando a aplicação de qualquer pena de substituição, em sentido próprio ou impróprio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
O arguido AA, filho de BB e de CC, natural da ..., nascido a ........1986, solteiro, estudante, residente na ..., foi julgado1 no processo comum coletivo nº 850/23.0PKLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 22, tendo sido condenado, por acórdão datado de 07.11.2023, pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime de furto simples, p.p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (ano) e 9 meses de prisão.
Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“1. É excessiva e desajustada, salvo o devido respeito, a condenação pelo crime de furto simples na pena de um (1) ano e nove (9) meses de prisão efetiva.
2. Refere o artigo 71º, do Código Penal que a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes. Temos pois que a culpa do agente é a medida da pena concreta nunca podendo esta ultrapassar os limites daquela – culpa referida à personalidade do agente revelada no facto (Figueiredo Dias, in as Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Noticias, Lisboa, 1993, pág 129).
3. Ao invés do que se refere na decisão recorrida e atenta a função ressocializadora aí expressa e ainda o afastamento dos fins retributivos, deveria o julgador, ao invés do que decidiu, mesmo não afastando a utilização de uma pena não privativa de liberdade tivesse aplicado a sua suspensão, atenta a vida atual do recorrente e, atento o tipo de bens que foram furtados pelo arguido – bens de primeira necessidade, alimentação e higiene.
4. Invés de condenar este arguido a uma pena de prisão deveria existir uma solução social de lhe prover condições de ressocialização e de acompanhamento para integração no meio laboral e social.
5. Socorre-se ainda o julgador do critério da prevenção especial e apesar de referir o carater ressocializador deste tipo de prevenção decide aplicar ao recorrente uma pena privativa de liberdade de um ano e nove meses de pena efetctiva. Que salvo o devido respeito, é uma contradição nos seus puros termos, violadora do artigo 71º do Código Penal.
6. A circunstancia de ter praticado os factos por que é condenado nos presentes autos no decurso de uma pena de prisão em que fora condenado por si só não demonstra ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, pois tal só aconteceu em razão do contexto pessoal de se encontrar em situação de absoluta miséria e sem condições económicas ou suporte familiar bem diferente do contexto em que agora se encontra.
7. Atenta a perspetiva de vida atual do recorrente, afigura-se-nos que mesmo não afastando a utilização de uma pena não privativa de liberdade deverá conceder-se ao recorrente condenado, porque adequado e verdadeiramente ressocializadora uma pena de prisão suspensa na sua execução.
8. A pena aplicada ao recorrente é excessiva pugnando-se por uma redução para uma pena, ainda que de prisão, esta seja suspensa, sujeita a regime de prova ou em alternativa o cumprimento dessa pena em regime de permanência na habitação dos seus pais, com a possibilidade de trabalhar, tudo com registo de controlo de vigilância por meio de comunicação à distancia (pulseira eletrónica).
9. A decisão recorrida ao decidir condenar o recorrente numa pena de um (1) ano e nove (9) meses, violou o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deverá conceder-se provimento ao recurso e pugnando-se por uma redução para uma pena, ainda que de prisão, esta seja suspensa, sujeita a regime de prova ou em alternativa o cumprimento dessa pena em regime de permanência na habitação, com a possibilidade de trabalhar, tudo com registo de controlo de vigilância por meio de comunicação à distancia (pulseira eletrónica).
Assim se fazendo a boa e acostumada JUSTIÇA”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela respetiva improcedência, e concluindo:
“1. O arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime de furto simples, p.p. pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (ano) e 9 meses de prisão;
2. Tendo o recorrente agido com desconsideração pelos valores mais básicos que regem a vida em sociedade, tais como o respeito pela pelo património alheio, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, não só pela forte incidência que estes tipos de crime apresentam na sociedade, mas também pela necessidade de incutir na sociedade a necessidade de responsabilização criminal efetiva do arguido, visando-se assegurar a confiança geral na garantia da boa e eficiente realização da justiça, entende-se ajustada a opção pela por uma pena privativa de liberdade;
3. O mesmo se verifica em relação às exigências de prevenção especial, as quais, tendo em conta o caso concreto, se revelam de extrema acuidade, dado o desrespeito, por parte do arguido em relação às normas penais vigentes, reiteradamente;
4. A finalidade de “reintegração do agente na sociedade” traduz a necessidade de socialização do agente (prevenção especial positiva ou de integração) e de advertência individual ou inocuização (prevenção especial negativa) - entendendo-se na prevenção especial positiva ou de integração que a pena tem como finalidade reinserir socialmente o agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, evitando cometer novos crimes e na prevenção especial negativa que a pena tem como objectivo neutralizara perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retractivo;
5. Tendo presente o exposto, importa agora fazer um juízo de adequação/inadequação da suspensão para através dela serem alcançadas as finalidades da punição, designadamente a “reintegração do agente na sociedade”, não olvidando que a tal juízo não deve ser alheio que a pena de prisão é a ultima ratio e que só in extremis, quando todas as demais penas falecem para atingir as finalidades de punição, deve ser aplicada;
6. O arguido com 37 anos de idade, tem averbadas no seu registo criminal, inúmeras condenações, por crimes contra o património – furto e roubo – onde foi condenado em penas de multa, penas de prisão suspensa na sua execução e em pena de prisão efetiva;
7. Resulta, ainda, do Certificado de registo criminal do arguido, que lhe foram dadas todas as oportunidades para interiorizar o desvalor da sua conduta, nunca tendo demonstrado, com o seu comportamento, tal interiorização;
8. O modo de vida do arguido resume-se á prática de ilícitos contra o património, senão vejamos: o arguido praticou os factos, pelos quais foi condenado nos presentes autos, em 9.5.2023, ou seja, no decurso da concessão da liberdade condicional, concedida a partir de 22/02/2023, pelo tempo de prisão que, a contar da sua libertação, lhe faltaria cumprir, ou seja até 14/01/2025, á ordem do Processo 2339/21.2T8LRS, do Juízo Central Criminal de Loures – Juiz 4;
9. Entendemos que não se mostra viável efetuar um juízo de prognose favorável, com vista a ponderar uma eventual suspensão da pena, uma vez que esse mesmo juízo foi infirmado, há muito pelo comportamento do arguido;
10. A aplicação de uma qualquer pena de substituição, incluindo a prevista no atual art. 43º do Código Penal, depende de um juízo de adequação às finalidades da punição, que apenas pode ser formulado na sentença, no momento da escolha da pena, e pelo tribunal do julgamento, não podendo ser aplicada num momento posterior à sentença condenatória;
11. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido não merece provimento, devendo manter-se integralmente o douto acórdão recorrido.
V. Ex.as, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!”
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Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, subscrevendo a argumentação apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, e aditando:
“Na verdade, à data do cometimento destes novos factos delituosos o recorrente estava em (recente) liberdade condicional, concedida no âmbito doutro processo e condenação, aposta do TEP que, obviamente, frustrou e, certamente, lhe acarretará a revogação desse regime de flexibilização de que vinha beneficiando (arts 61º e 64º, CP), reclusão que se irá somar a outras já cumpridas anteriormente pelo mesmo arguido, em regra por crimes (como agora) contra o património (e, ainda, nalguns outros casos, contra as pessoas: art 210º, CP).
São vastos os averbamentos criminais registados, que dão conta de sanções gradualmente crescentes (penas de multa e de prisão, suspensas e efectivas), evidenciando a incapacidade do arguido para agir responsavelmente em meio livre, antes expressando uma personalidade vincadamente anti-normativa, insensível ao dever-ser jurídico-penal, fruto da sua impreparação para manter comportamento lícitos, exteriorizando, outrossim, uma forte energia criminosa, sobretudo na vertente tipológica contra o património alheio.
A reincidência que lhe foi declarada traduz essa conclusão, porquanto, numa avaliação casuística e ponderada, de modo justificado, o Colégio de Julgadores reputou censurável a sua recidiva delituosa, perscrutando uma “culpa agravada” fundeada na incapacidade para interiorizar o gravoso desvalor dos seus actos, que, nessa medida, impõe uma atitude reflexiva por parte do infractor, para reforçar essa consciência auto-crítica, na actualidade inexistente, até por carência de factores contentores endógenos ou exógenos e de valências e competências pessoais e laborais, que urge adquirir, sem olvidar a presença de problemas aditivos, potenciadores ou incrementadores deste tipo de delitos.
Neste contexto, o Tribunal equacionando, em tese, a viabilidade de uma pena substitutiva (art 50º,1, CP), logo, motivadamente, a arredou pela frontal colisão com as finalidades da própria punição (art 40º,1, CP), de vinculação indeclinável, pela desacreditação que uma nova e “derradadeira oportunidade” implicaria aos “olhos comunitários”, com a afectação, insustentável, da confiança no sistema de justiça, que sinalizaria tolerância e compreensão, em detrimento da assertividade do Ordenamento Jurídico-Penal, aqui se relembrando que ao dever geral de fundamentação acresce o dever específico de aplicação do “Direito Penal Reeducativo-Pedagógico” (art 50º,4, CP).
Noutro plano, quanto à pretensão subsidiária do recorrente (art 43º, CP), no sentido de lhe ser concedida a oportunidade de expiar a pena de prisão sob confinamento domiciliário, de facto inexiste qualquer abordagem do Tribunal “a quo”, que, não obstante, deveria ter sido objecto de análise.
Bem compreendemos, convenhamos, que o raciocínio que levou os Julgadores a excluir o acionamento daqueloutro instituto (art 50º,1, CP) poderá estender-se, com o mesmo cepticismo, a estoutro regime (de permanência na habitação: art 43º, CP), mas a verdade é que neste último o prognóstico não tem o foco sobre a viabilidade de realização dos fins das penas (art 40º,1, CP), mas, algo diferentemente, visa, sim, apurar da conciliação com os fins da execução da pena de prisão (arts 42º,1, e 43º,1, CP).
Ou seja, sendo seguro que esse juízo de prognose terá resposta negativa, competiria a pronúncia expressa (arts 410º,2,a) e 379º, 1,c), CPP), o que acarreta a nulidade do Acórdão, na nossa observação, impondo-se a completude do Acórdão nesse segmento, até porque só na peça recursória se conhece o seu assentimento para essa forma de execução da pena de prisão.
Numa apertada síntese, consignamos que o “quantum” se revela ajustado e circunscrito ao perímetro da culpa (art 40º,2, CP), abaixo do que se precludiria a obtenção dos próprios fins da pena (art 40º,1, CP), não acautelando as exigências preventivas (gerais e especiais), enquanto a efectividade da reclusão se mostra incontornável, pelo percurso e personalidade do arguido, sem embargo de haver necessidade de explicitação judicial das razões que (efectivamente) impedem o regime de permanência na habitação, como assinalado, no mais estando cumprido o dever de fundamentação subjacente ao concreto regime sancionatório eleito (arts 71º,3, CP, e 375º,1, CPP).”
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II. Questões a decidir
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso2.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – o acórdão proferido nos autos – as questões a examinar e decidir prendem-se, por um lado, com a escolha e determinação da medida da pena aplicada, e, por outro lado, com a possibilidade de suspensão da respetiva execução, ou, ainda, do respetivo cumprimento em regime de permanência na habitação.
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III. Da decisão recorrida
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Em momento não concretamente apurado, mas próximo das 12h45m do dia 09.05.2023, o arguido AA, acompanhado pelo arguido DD, dirigiu-se ao supermercado “...”, sito na ..., explorado pela ofendida “...”, com o intuito de se apoderar de artigos que ali se encontrassem expostos para venda sem preceder ao respectivo pagamento.
2. Na execução do referido desígnio, enquanto o arguido DD permanecia no exterior da loja, o arguido AA dirigiu-se aos expositores, de onde retirou e colocou num saco que trazia consigo os seguintes artigos, no valor global de € 128,70 (cento e vinte e oito euros e setenta cêntimos):
− Oito pastas dentífricas, cada uma das quais no valor de € 2,40;
− Duas pastas dentífricas, no valor unitário de € 4,40;
− Duas pastas dentífricas, no valor individual de € 4,19;
− Três embalagens de laca, cada uma das quais no valor de € 4,99;
− Dois champôs, no valor individual de € 4,99;
− Cinco champôs, no valor unitário de € 8,79;
− Um champô, no valor de € 5,99;
− Três latas de atum, cada uma das quais no valor de € 3,65;
− Duas latas de cavala, no valor individual de € 1,55;
− Uma cerveja, no valor de € 0,59;
− Um desodorizante, no valor de € 2,79.
3. Entretanto, EE, funcionário do estabelecimento e que se havia apercebido do sucedido, abordou AA junto à linha das caixas de pagamento.
4. De imediato, o arguido assumiu postura corporal de superioridade física e disse a EE “Sai da frente se não levas uma facada!”, causando neste receio e inquietação e impedindo-o de esboçar qualquer reacção, logrando deste modo o arguido conservar os mencionados bens na sua posse.
5. Na posse dos referidos artigos, o arguido AA dirigiu-se para a saída da loja, sem proceder ao respectivo pagamento.
6. Chamada a Polícia ao local e após perseguição a AA, veio este a ser interceptado ainda na posse das referidas latas de conserva, cerveja e desodorizante.
7. O arguido agiu com o propósito concretizado de se apoderar daqueles artigos pelo modo descrito, muito embora soubesse que aqueles não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade da respectiva proprietária.
8. Mais quis, mediante a utilização da referida expressão, manter-se na posse dos referidos bens, através da dissuasão do funcionário da ofendida a reagir, por recear pela respectiva vida e integridade física, como veio a suceder.
9. O arguido actuou de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Das condições pessoais e económicas do arguido AA
10. AA é natural da ..., onde viveu até aos 2 anos de idade, altura em que veio para Portugal com a mãe e uma irmã para juntar-se ao pai, na ocasião comerciante de produtos alimentares, atividade que exercia em regime de intercâmbio com o país de origem.
11. O agregado fixou inicialmente residência na zona de ..., onde decorreu a infância e adolescência do arguido, em contexto habitacional de cariz social, em casa camarária.
12. Em 2006, mantendo a integração no agregado de origem, passou a residir em ....
13. Integra uma fratria de oito elementos, sem que tal representasse privações significativas quanto à satisfação das suas necessidades básicas.
14. A figura parental feminina mantinha igualmente ocupação laboral de forma vinculada como empregada de limpeza.
15. A separação dos pais e o regresso do pai ao país de origem, quando o arguido tinha cerca de 19 anos, é pelo próprio referenciado como marcante no seu trajeto de vida, pela repercussão na situação financeira da família, cuja subsistência passou a depender exclusivamente da mãe.
16. O arguido apresenta um percurso escolar e profissionalmente desinvestido.
17. Abandonou a escolaridade aos 20 anos, sem completar o 3º ciclo do ensino básico.
18. A par de um trajeto estudantil caracterizado por absentismo elevado e desinteresse, com retenções sucessivas, a ausência de formação profissional traduziu, ao nível laboral, um percurso de instabilidade e intermitência ocupacional, remetendo os dados disponíveis para a ausência de hábitos de trabalho.
19. Referencia, todavia, o exercício de tarefas diferenciadas como auxiliar em armazéns de logística e no período mais próximo da anterior reclusão, em 2013, como auxiliar de ação médica em unidade hospitalar na zona de residência.
20. Paralelamente, em termos sociais sobressai um estilo de vida pautado pela interação e/ou vinculação a pares com comportamentos desviantes, conotados com o consumo de álcool e estupefacientes, nomeadamente, haxixe e cocaína, cuja experimentação iniciou com cerca de 17 anos de idade.
21. Desde ... que o arguido mantém um percurso delituoso predominantemente associado aos crimes patrimoniais, aparentemente condicionado pela adição estupefaciente e influenciado pelo grupo de pares.
22. Desde 22 de Fevereiro de 2023, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo período remanescente, no âmbito do processo de liberdade condicional n.º 25/14.9TXLSB-B, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 7, que o arguido integrava o agregado da mãe, cuja dinâmica relacional se mantinha aparentemente estruturante, não obstante, negativamente afetada por uma economia doméstica marcada por questões de sobrevivência quotidiana, tendo por única fonte de rendimento, o RSI de que a mãe é beneficiária, por vezes complementado pelo apoio económico proporcionado pelas irmãs do arguido, emigrantes no ... e em ....
23. Em fase de consumos aditivos e sem atividade laboral, o arguido vivenciava uma situação de desemprego, dependendo economicamente da mãe, subsistia num quadro de precariedade económica, tendo por referência relacional, um quotidiano centrado no convívio com outros indivíduos com condições existenciais semelhantes.
24. Os familiares, mãe e irmãos, mantêm-se como a principal estrutura de suporte do arguido no exterior, aparentando o relacionamento entre estes elementos pautar-se pela vinculação e reciprocidade afetiva.
25. No entanto, a mãe do arguido que na sua anterior reclusão, constituía presença assídua nas visitas ao estabelecimento prisional, deixou de o fazer na atual situação de reclusão do arguido
26. O arguido, não obstante, manifeste capacidade para reconhecer a ilicitude dos comportamentos desviantes protagonizados, apresenta um discurso tendencialmente desculpabilizante, autocentrado, acarretando prejuízo quanto à consciencialização da efetiva gravidade e/ou impacto da prática dos mesmos para si, terceiros e/ou sociedade em geral.
27. Em meio prisional o arguido vem mantendo um comportamento adequado, não havendo registo de qualquer sanção ou infração disciplinar, encontrando-se inativo laboralmente, por se encontrar preventivo há menos de seis meses.
(…)
Dos antecedentes criminais dos arguidos
45. Por sentença proferida em 04.10.2012, transitada em julgado na mesma data, no âmbito do processo n.º 723/12.1S6LSB que correu termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 2.º Juízo 1.ª Secção, o arguido AA foi condenado na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 5€, o que perfaz o valor de 250,00€, pela prática em 25.06.2012, de um crime de furto simples (em supermercado);
46. Por acórdão proferido em 20.11.2012, transitado em julgado no dia ........2012, no âmbito do processo n.º 481/11PAVFX que correu termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de ..., o arguido AA foi condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 13.09.2011, de um crime de furto qualificado na forma tentada; por decisão datada de 21.10.2014, foi revogada a suspensão da pena de prisão;
47. Por acórdão proferido em 29.01.2013, transitado em julgado no dia 06.03.2013, no âmbito do processo n.º 603/11.8PAVFX que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de ..., o arguido AA foi condenado na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 16.11.2011, de um crime de roubo; por decisão datada de 21.10.2014, foi revogada a suspensão da pena de prisão;
48. Por sentença proferida em 16.05.2013, transitada em julgado no dia 17.01.2014, no âmbito do processo n.º 412/13.0S5LSB que correu termos no Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 3, o arguido AA foi condenado na pena de 19 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a deveres, pela prática em 10.04.2013, de um crime de roubo (por esticão); tal pena extinguiu-se em 10.10.2016;
49. Por sentença proferida em 04.07.2013, transitada em julgado no dia 19.09.2013, no âmbito do processo n.º 33/13.7SHLSB que correu termos no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 1.º Juízo 1.ª Secção, o arguido AA foi condenado na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática em 21.04.2013, de dois crimes de roubo; por decisão datada de 08.09.2015 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão;
50. Por sentença proferida em 29.11.2013, transitada em julgado a 24.02.2014, no processo sumário n.º 1315/13.3PBLSB, da 1.ª Secção do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado pela prática, em 10.11.2013, de um crime de roubo, na pena de 16 meses de prisão efectiva; tal pena extinguiu-se, pelo cumprimento, em 14.03.2015;
51. Por acórdão proferido em 03.03.2014, transitado em julgado a 28.04.2014, no processo comum colectivo n.º 659/12.6JDLSB, do Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Loures, o arguido foi condenado, pela prática em 13.10.2012, de 2 crimes de roubo e de 2 crimes de coação agravada, na pena única de 4 anos de prisão efectiva;
52. Por acórdão proferido em 23.04.2014, transitado em julgado a 09.06.2014, no processo comum colectivo n.º 964/13.4PFLSB, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido foi condenado, pela prática em 15.11.2013, de 1 crime de roubo qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva; tal pena extinguiu-se, pelo cumprimento, em 28.04.2016;
53. Por acórdão proferido em 25.02.2015, transitado em julgado a 27.03.2015, no processo comum colectivo n.º 745/12.2PAVFX, do Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Loures, o arguido foi condenado, pela prática em 25.12.2012, de 2 crimes de roubo, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva;
54. Por sentença proferida em 19.05.2015, transitada em julgado a 18.06.2015, no processo comum singular n.º 628/11.3PAVFX, do Juiz 1 do Juízo Local Criminal de ..., o arguido foi condenado, pela prática em 28.11.2011, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão efectiva.
55. Por sentença datada de 18.12.2015, transitada em julgado a 01.02.2016, no processo comum singular n.º 628/11.3PAVFX, foi efectuado o cúmulo da pena aqui aplicada com as dos processos n.os 723/12.1S6LSB, 481/11.7PAVFX e 603/11.8PAVFX, tendo sido aplicada a pena única de 2 anos e 4 meses e 33 dias de prisão subsidiária; tal pena extinguiu-se pelo cumprimento em 26.03.2019;
56. Por sentença proferida em 03.12.2015, transitada em julgado a 15.01.2016, no processo comum singular n.º 128/11.1PAVFX, do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de ..., o arguido foi condenado, pela prática em 05.03.2011, de um crime de furto simples, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 5€, o que perfaz o valor de 1.200,00€; neste processo o arguido cumpriu a pena de prisão subsidiária de 160 dias; tal pena extinguiu-se em 03.11.2017;
57. Por sentença proferida em 03.06.2016, transitada em julgado a 04.07.2016, no processo comum singular n.º 828/13.1PILRS, do Juiz 4 do Juízo Local Criminal de Loures, o arguido foi condenado, pela prática em 25.09.2013, de um crime de furto simples (em supermercado), na pena de 13 meses de prisão;
58. Por sentença datada de 04.05.2017, transitada em julgado a 05.06.2017 no processo comum singular n.º 828/13.1PILRS, foi efectuado o cúmulo da pena aqui aplicada com as dos processos n.os 1315/13.3PBLSB e 964/13.4PFLSB, tendo sido aplicada a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva; tal pena extinguiu-se pelo cumprimento em 26.03.2019;
59. Por acórdão de 25.06.2021, transitado em julgado a 10.09.2021, no âmbito do processo n.º 2339/21.2T8LRS do Juízo Central Criminal de Loures Juiz 4, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão efectiva.
60. O arguido cumpriu sucessivamente as penas que lhe foram aplicadas nos sobreditos processos n.os 828/13.1PILRS, 628/11.3PAVFX, 128/11.1PAVFX e 2339/21.2T8LRS, esta com termo previsto para 14.01.2025.
61. AA cumpriu a referida pena até 22.02.2023, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo período remanescente, no âmbito do processo de liberdade condicional n.º 25/14.9TXLSB-B, do Juiz 7 do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa.
62. O arguido DD não tem antecedentes criminais.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os seguintes factos:
1. Os arguidos agiram na sequência de um plano previamente delineado entre ambos.
2. O arguido AA passou as linhas de caixa e só então foi confrontado pelo funcionário da loja, EE.
(…)
ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Para determinação da medida concreta da pena a aplicar devem ser seguidos sequencialmente os seguintes passos: primeiro, determina-se a moldura abstrata aplicável ao crime em causa; em segundo lugar, estando prevista para o tipo legal em apreço uma pena compósita alternativa, de prisão ou de multa, deve proceder-se à escolha da natureza da pena a aplicar; por fim, determina-se, dentro da respetiva moldura, o quantum, a medida concreta da pena que se vai aplicar.
O crime de furto simples, previsto e punido pelo art. 203.º, n.º 1 do Código Penal, é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Para aferir da medida da pena, importa chamar à colação o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, o qual estabelece como finalidades da punição a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Nos termos dos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena terá sempre como limite inultrapassável a culpa do agente e as exigências de prevenção geral e especial positivas:
A prevenção geral positiva, pressupõe que o tribunal, quando aplica uma pena, tem por finalidade restaurar a confiança que a comunidade deve ter naquela determinada norma que foi violada; no que concerne à prevenção especial positiva, visa-se a reintegração do autor do facto ilícito na sociedade, por forma a que não volte a cometer mais crimes.
A culpa, como vertente pessoal do crime, limita as exigências de prevenção, na medida em que a pena jamais poderá ultrapassar essa culpa sob pena de se desrespeitar o princípio basilar da dignidade humana.
Em síntese, dentro desse limite máximo inultrapassável que é a medida da culpa, a pena é determinada “no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico”3 e em função de exigências de prevenção especial.
Culpa e prevenção, são, portanto, os principais critérios que permitirão chegar à determinação concreta da pena a aplicar, devendo ainda ser conjugados com a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes.
Na opção entre a aplicação da pena de prisão ou da pena de multa, há que apurar se a pena não detentiva se mostra suficiente para que, no caso concreto, sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com qualquer reacção criminal. O que se mostra necessário é que a multa seja legalmente conformada e concretamente aplicada em termos que permitam a plena realização, em cada caso concreto, das finalidades das penas, em particular da de prevenção geral positiva, limitada pela culpa do agente.
No caso sub judice, são elevadas as exigências de prevenção geral, na medida em que se trata de um tipo de crime praticado com frequência e susceptível de causar inquietação na comunidade.
Quanto a factores relativos à execução do facto, relevam o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução e a gravidade das suas consequências, os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.
Já no que diz respeito aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais e económicas do mesmo, à eventual falta de preparação para manter uma conduta lícita e ao comportamento anterior ao crime.
Com efeito, o art. 71.º, n.º 1 do Código Penal, prescreve que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 acrescenta que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, elencando de seguida, de forma meramente exemplificava, algumas dessas circunstâncias.
Face ao que acabou de se expor, importa ter em atenção o seguinte:
- a vontade criminosa do arguido, que actuou com dolo direto, tendo representado os factos que preenchem o tipo de crime em causa e agido com a intenção de os realizar;
- o grau de ilicitude dos factos, revelado pela quantidade de produtos furtados e respectivo valor, e ainda na ameaça contra a integridade física que dirigiu ao funcionário da ofendida;
- as condições sócio-económicas do arguido, acima dadas como provadas e que aqui se reiteram;
- a conduta anterior aos factos, plasmada no seu extenso registo criminal;
- a prática dos factos em liberdade condicional;
- as necessidades de prevenção geral, que são elevadas, não só devido à natureza dos bens jurídicos tutelados, mas também devido ao alarme social que rodeia este tipo de condutas.
Desta forma, a pena a aplicar tem que ter um efeito dissuasor sobre o comportamento do arguido, sendo notório que as anteriores condenações que sofreu, não constituíram advertência suficiente para que o arguido se integrasse na comunidade e não cometesse mais crimes, o que afasta no caso a condenação do arguido em pena de multa, devendo ser condenado em pena de prisão efectiva. Na verdade, existem no caso, relativamente ao arguido AA, especiais exigências de prevenção especial, espelhadas nos vastos antecedentes criminais daquele pela prática, também, do crime de furto.
Fixada que está a espécie da pena aplicável ao arguido pela prática do crime de furto, há que determinar a respectiva medida concreta.
Como se estabelece no art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, a pena concreta deve ser fixada em função da culpa do agente revelada no facto e das exigências de prevenção. Em caso algum a pena pode exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal, que é a dignidade da pessoa humana, tal como resulta do art. 40.º, n.º 2, do Código Penal. Nas exigências de prevenção, incluem-se tanto as vertentes da prevenção especial como as da prevenção geral, entendida aquela com o sentido de tentar que o agente não volte a cometer novos ilícitos criminais e esta com o sentido da denominada prevenção geral positiva ou de integração, ou seja, de garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.
Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.
No entanto, como refere FIGUEIREDO DIAS, a intimidação da generalidade, sendo sem dúvida um efeito a considerar – e seria hipocrisia desconhecê-lo ou ocultá-lo – dentro da moldura de prevenção geral positiva, não constitui, todavia por si mesma uma finalidade autónoma da pena, apenas podendo surgir como um efeito lateral (porventura, em certos ou em muitos casos desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos (cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte Geral II: as consequências jurídicas do crime, Lisboa: Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 72 e 73).
Assim, a aplicação de penas e de medidas de segurança é comandada exclusivamente por finalidades de prevenção, nomeadamente de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial positiva ou de socialização; a culpa, segundo a função que lhe é político-criminalmente determinada, constitui somente condição necessária de aplicação da pena e limite inultrapassável da sua medida.
À prevenção geral positiva corresponderiam três funções:
informativa, advertindo o cidadão do que está proibido e do que deve fazer; a missão de reforçar e manter a confiança na capacidade do ordenamento jurídico para impor-se e triunfar; por último, a tarefa de fortalecer na população uma atitude de respeito ao Direito.
A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e esta medida não será um acto de valoração in abstracto (essa foi levada a cabo pelo legislador ao determinar a moldura pena aplicável), mas um acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso. Factores, por isso, da mais diversa natureza e procedência – e, na verdade, não só factores do «ambiente», mas também factores directamente atinentes ao facto e ao agente concretos – podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos e da necessidade da pena.
Na síntese de FIGUEIREDO DIAS toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; 2) a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; 4) dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais. (in Direito Penal – Parte Geral…, p. 81.: 1.)
Da reincidência
No que ora releva, dispõe o art. 75.º do Código Penal:
1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2. O crime anterior por que o arguido tiver sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
3. As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa.
4 A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência”.
A reincidência é uma qualificativa que depende da verificação de pressupostos de facto e da formulação de um juízo sobre o inêxito da admonição anterior, indiciando uma maior culpa relativa ao facto podendo ser sinal de maior perigosidade, mobilizadora e potenciadora da prevenção especial.
Para a jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações (suposta uma sua correcta narrativa) não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação – cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 20.09.1995, processo n.º 48167 e de 12.03.1998, processo n.º 1404/97 in BMJ n.º 475, pág. 492; e 15.12.1998, processo n.º 1131/98 in CJSTJ 1998, Tomo 3, pág. 241 (a mera falta de prova do requisito de que as condenações ou condenação anteriores não foram advertência suficiente para o arguido não continuar a delinquir, afasta a aplicação da circunstância modificativa da reincidência, por esta não operar automaticamente).
Com o Código Penal de 1982 incluiu-se na reincidência a sucessão de crimes, circunstâncias qualificativas previstas nos artigos 35.º e 37.º, ambos do Código Penal de 1886, equiparando-se as duas figuras e tendo-se abandonado a exigência da prática de crimes – anterior e posterior – da mesma natureza, ou seja, protegendo idêntico interesse jurídico, para configuração da reincidência, cessando a distinção entre a reincidência específica, própria ou homótropa e a genérica, imprópria.
No Código Penal de 1886 a verificação da reincidência dependia apenas de requisitos objectivos: “após condenação por sentença passada em julgado por algum crime, prática de outro crime da mesma natureza, antes de terem passado oito anos desde a anterior condenação, ainda que a pena do primeiro crime tivesse sido prescrita ou perdoada” - assim rezava o art. 35.º.
O Código Penal de 1982 introduziu um novo requisito de índole subjectiva: “Se as circunstâncias do caso mostrarem que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime” – art. 76.º, o qual, com ligeira alteração de redacção, foi mantido no Código Penal de 1995.
Como referia o Ac. do STJ de 19.11.1997 in SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, págs. 175 e seguinte “Presentemente, pode haver reincidência no caso de crimes de natureza diversa e quando aqueles são da mesma natureza não ser de a considerar tudo dependendo da averiguação se, perante as circunstâncias do caso, ele merece censura agravativa”.
No condicionalismo da parte final do n.º 1 do art. 75.º do Código Penal encontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo exactamente face à necessária análise casuística, que se distinguirá o reincidente do multi-ocasional.
No Ac. do STJ de 24.05.1995 (citado por Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal, volume I, pág. 607), pode ler-se:
“1. O elemento fundamental do instituto da reincidência é o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior;
2. Por isso, é exigido, para que seja dada por existente, a verificação concreta, com respeito pelo princípio do contraditório, de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime”.
Assim, é de rejeitar uma concepção puramente fáctica da reincidência que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais sendo necessária uma específica comprovação factual e uma avaliação judicial concreta e exigindo-se ponderação, em concreto, sobre a verificação ou não verificação do referido pressuposto material porquanto não é de funcionamento automático sendo necessário demonstrar que as condenações anteriormente sofridas pelo agente não se mostraram bastantes para o demover da prática de outro ou outros ilícitos criminais – cfr. Acs. do STJ de 05.12.1989 in CJ 1989, Tomo 5, pág. 18; 03.01.1991 in CJ 1991, Tomo 1, pág. 12; 12.05.1993, CJSTJ 1993, Tomo 2, pág. 230; 23.06.1993 in BMJ n.º 428, pág. 316; 16.04.1998 in BMJ n.º 476, pág. 253 (Para haver condenação como reincidente é necessário que a matéria de facto esteja incluída na acusação e seja considerada como provada e na sentença/acórdão fiquem verificados os pressupostos e a conexão entre a falta de efeito da condenação anterior e o novo crime), ou seja, a reincidência assenta em factos concretos dos quais se intui que o arguido não sentiu a advertência da condenação anterior tendo os mesmos, forçosamente, de constar do despacho de acusação/pronúncia.
Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta do pleno das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada devendo, por força de tal, o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra a prática de novo ou novos ilícitos criminais por revelar um maior grau de censura.
A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas que não encontrem causa na personalidade do agente tratando-se, apenas e tão só, de repetição da actividade criminosa.
Não olvidemos, como ensina o Prof. Figueiredo Dias (obra supra citada, pág. 269), que o juízo necessário quanto à verificação do pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria, havendo que ter em atenção que para tal exercício de indagação se mostra necessário especificar no elenco das condenações o tipo, natureza e espécie dos crimes anteriores de modo a poder relacioná-los com os recentes.
Do exposto decorre que não sendo de aplicação automática a agravante respeitante à reincidência está sempre sujeita a avaliação judicial sendo elemento fundamental o desrespeito pela advertência feita pela condenação ou condenações anteriormente sofridas e, bem assim, a indagação sobre o modo de ser do arguido, da sua personalidade e do sua postura face aos ilícitos criminais cometidos de molde a podermos concluir que a condenação ou condenações anteriores lhe serviram, ou não, de suficiente advertência dissuasora contra a prática de outros ilícitos criminais.
Em conclusão é pressuposto material da reincidência a especial censurabilidade da conduta do agente que apenas existirá quando o Tribunal concluir que a repetição delituosa não é ocasional ou fortuita mas antes resulta de uma culpa agravada fundada na incapacidade do agente para interiorizar a advertência que a condenação anterior constituía e de levar uma vida conforme ao direito.
Revertendo ao caso ora em apreço cumprirá aferir se os pressupostos de tal circunstância agravante se mostram preenchidos, a saber:
1. Pressupostos formais:
- prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”;
- o crime agora cometido tê-lo sido dolosamente (em qualquer das suas modalidades);
- o crime que se mostra imputado seja punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- que o arguido tenha sido anteriormente condenado, por decisão transitada em julgado, em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, pela prática de outro ou outros ilícitos criminais dolosamente;
- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, sendo que este prazo se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança. Assim sendo, para aferir deste pressuposto, interessam a data da prática do crime anterior (e não a da sentença/acórdão condenatório) e a data da prática do crime actual.
2. Pressuposto material:
- que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de advertência suficiente para não incorrer na prática de outro ou outros ilícitos criminais assim evolando uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente espelhando uma íntima conexão entre os crimes reiterados relevante para o juízo de censura e, consequentemente, de culpa agravada daquele.
Esta doutrina tem sido sufragada, sem dissidências, pelo STJ, donde se pode retirar que a reiteração criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto –, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.
Ora, neste particular está provado que por sentença datada de 18.12.2015, transitada em julgado a 01.02.2016, no processo comum singular n.º 628/11.3PAVFX, foi efectuado o cúmulo da pena aqui aplicada com as dos processos n.os 723/12.1S6LSB, 481/11.7PAVFX e 603/11.8PAVFX, tendo sido aplicada a pena única de 2 anos e 4 meses e 33 dias de prisão subsidiária; tal pena extinguiu-se pelo cumprimento em 26.03.2019;
Por sentença proferida em 03.12.2015, transitada em julgado a 15.01.2016, no processo comum singular n.º 128/11.1PAVFX, do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de ..., o arguido foi condenado, pela prática em 05.03.2011, de um crime de furto simples, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 5€, o que perfaz o valor de 1.200,00€; neste processo o arguido cumpriu a pena de prisão subsidiária de 160 dias; tal pena extinguiu-se em 03.11.2017;
Por sentença proferida em 03.06.2016, transitada em julgado a 04.07.2016, no processo comum singular n.º 828/13.1PILRS, do Juiz 4 do Juízo Local Criminal de Loures, o arguido foi condenado, pela prática em 25.09.2013, de um crime de furto simples (em supermercado), na pena de 13 meses de prisão;
Por sentença datada de 04.05.2017, transitada em julgado a 05.06.2017 no processo comum singular n.º 828/13.1PILRS, foi efectuado o cúmulo da pena aqui aplicada com as dos processos n.os 1315/13.3PBLSB e 964/13.4PFLSB, tendo sido aplicada a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva; tal pena extinguiu-se pelo cumprimento em 26.03.2019;
Por acórdão de 25.06.2021, transitado em julgado a 10.09.2021, no âmbito do processo n.º 2339/21.2T8LRS do Juízo Central Criminal de Loures Juiz 4, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão efectiva.
O arguido cumpriu sucessivamente as penas que lhe foram aplicadas nos sobreditos processos n.os 828/13.1PILRS, 628/11.3PAVFX, 128/11.1PAVFX e 2339/21.2T8LRS, esta com termo previsto para 14.01.2025.
Estão assim verificados os pressupostos formais para condenar o arguido como reincidente, descontado o tempo em que esteve em cumprimento de pena (art. 75.º, n.º 2 do Código Penal). A reincidência tem como efeito a elevação do limite mínimo da pena aplicável ao crime elevado de um terço, permanecendo o limite máximo inalterado (art. 76.º, n.º 2 do Código Penal).
Ora, ponderando as necessidades de prevenção especial ajustadas ao caso vertente (o arguido AA não se mostra profissional ou familiarmente inserido e regista vastos antecedentes criminais, também pela prática do crime de furto, entende o tribunal dever graduar em 1 (um) ano e 9 (nove) meses a pena concreta a aplicar ao arguido.
*
Cumpre, agora, cuidar de apurar se será, ou não, de suspender a execução da pena de prisão ora vinda de aplicar.
Nos termos do disposto no art. 50.º do Código Penal:
1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.
É hoje líquido que a suspensão da execução da pena de prisão constitui, ela própria, uma verdadeira pena (de substituição), não é uma modificação da pena de prisão, mas uma pena autónoma.
As penas de substituição ganham particular importância por força da orientação político-criminal de restrição de aplicação da pena de prisão, orientação esta que o Código Penal inequivocamente seguiu no que concerne à pequena e média criminalidade.
A suspensão da execução da execução da pena de prisão assenta, pois, num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente efectivado no momento da decisão.
O juízo de prognose fundamentar-se-á, cumulativamente, na ponderação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto (ainda que posteriores ao facto e que já valoradas em sede de medida concreta da pena).
Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao agente pela fundada expectativa de que o mesmo, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme ao Direito e aos valores socialmente erigidos.
A finalidade do instituto é, pois, a de afastar o delinquente da criminalidade. Todavia, ainda que em tal sentido apontem as considerações retiradas da prevenção especial de socialização, a suspensão não deverá ser decretada se com ela se postergarem as necessidades de reprovação e de prevenção do crime: encontram-se aqui em causa não quaisquer considerações de culpa mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica.
Do exposto se retira que a culpa não é o critério de escolha de uma pena de substituição, sendo que a mesma apenas pode e deve ser ponderada no momento da determinação da pena concreta de prisão. Ressalta da lei – cfr. art. 71.º do Código Penal – que esta se orienta por critérios de prevenção especial que só não determinarão, sendo caso disso, a escolha de uma pena de substituição quando colidam, irremediavelmente, com as exigências de prevenção geral. O juízo de culpa é, pois, totalmente irrelevante para decidir da escolha da pena.
No caso objecto dos presentes autos julga o Tribunal que a aplicação desta pena de substituição mais grave não realiza o limiar mínimo de defesa da ordem jurídica a que supra se fez referência, ou seja, posterga as exigências de prevenção geral.
Por outras palavras, o castigo e reprovação pública que se exprimem através da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução – e suspensa, portanto, sob a condição de o arguido manter um comportamento social adequado – não satisfaz in casu as necessárias exigências de justiça que o sentimento jurídico da comunidade requer.
Desta sorte, o Tribunal entende não ser de suspender a pena de prisão aplicada ao arguido.”
*
IV. Fundamentação
iv.1. Da medida da pena
Insurge-se o recorrente contra a pena em que foi condenado, que reputa excessiva, muito embora dirija as respetivas críticas especificamente contra a circunstância de tal pena não ter sido substituída por pena de prisão suspensa na respetiva execução, antes se tendo determinado o seu cumprimento efetivo, o que entende desajustado e potencialmente inibidor da respetiva reinserção social.
Vejamos, então.
Na apreciação da questão importa lembrar que, como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.20214, “os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.”
Neste contexto, é de considerar que só em caso de desproporcionalidade manifesta na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª instância alterando o quantum da pena concreta.
Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
Como se sabe, o artigo 40º do nosso Código Penal, a propósito das finalidades das penas e medidas de segurança, estabelece que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade” (nº 1), e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).
O modo de determinação da medida da pena está legalmente definido, no artigo 71º do Código Penal, que dispõe que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1)
E ainda, “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.” (nº 2)
Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” (nº 3)
O modelo de prevenção acolhido pelo Código Penal – porque de proteção de bens jurídicos – determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro dessa medida de prevenção (proteção ótima e proteção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afetados – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.10.20095.
Lida a decisão recorrida, vemos que, ao contrário do alegado pelo recorrente, todos os parâmetros expostos foram ponderados pelo Tribunal a quo, levando-o a concluir pela aplicação da pena de 1 ano e 9 meses de prisão para o arguido AA, condenado como reincidente (circunstância determinante de agravação que não vem posta em causa no recurso). E, face à factualidade apurada e examinada a argumentação exposta no acórdão (que acima transcrevemos), afigura-se-nos que é de sufragar a decisão proferida na 1ª instância.
Apesar de a reputar «exagerada», o arguido não esclareceu que circunstâncias deveriam ter determinado a fixação da pena num patamar inferior, limitando-se a aludir, em termos vagos, à «perspetiva de vida atual do recorrente» (sem adiantar que perspetiva seria esta) mais aditando que “a circunstância de ter praticado os factos por que é condenado nos presentes autos no decurso de uma pena de prisão em que fora condenado por si só não demonstra ausência de interiorização do desvalor das suas condutas, pois tal só aconteceu em razão do contexto pessoal de se encontrar em situação de absoluta miséria e sem condições económicas ou suporte familiar bem diferente do contexto em que agora se encontra” (mais uma vez, sem caracterizar «o contexto em que agora se encontra», nem esclarecer em que medida o mesmo difere do que se verificava à data da prática dos factos).
A propósito de tal argumentação, há a dizer que, face à reiteração dos comportamentos criminais do arguido – que regista 12 condenações anteriores pela prática de crimes de furto, furto qualificado e roubo, atividade que iniciou em 2012, e que veio retomando ao longo dos anos, sendo que lhe havia sido concedida liberdade condicional em 22.02.2023, e, menos de três meses depois de ter sido restituído à liberdade, já o arguido regressara a tal atividade – é manifesto que os factos não consentem a formulação de qualquer juízo favorável, no sentido de que tenha ocorrido alguma interiorização da censurabilidade dos comportamentos.
Mais: dos factos provados o que resulta é que o apoio familiar de que o arguido foi gozando ao longo dos últimos 10 anos, provavelmente mercê do «cansaço» infligido aos familiares pela repetição das condutas do arguido, mostra sinais de esboroamento e descrença na mudança de atitudes (veja-se o que se deu como provado no ponto 25 dos factos provados).
Face às apuradas circunstâncias, ponderada a reincidência do arguido, é de considerar que a fixação da pena concreta em 1 ano e 9 meses de prisão (abaixo do ponto médio da moldura penal aplicável), só pode justificar-se por não dever considerar-se expressivo o significado económico dos factos praticados, e, a pecar, será sempre por defeito.
Assim, a pena escolhida pelo Tribunal a quo mostra-se fixada com respeito pelos parâmetros legais a que fizemos referência, não tendo sido ignorada nenhuma circunstância relevante, e inexistindo, por isso, motivo para que deva ser alterada por este Tribunal de recurso.
iv.2. Da (não) suspensão da execução da pena
Como acima se referiu, o recorrente pugna pela suspensão da execução da pena em que foi condenado.
Ora, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
Como se ponderou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.20216, “Para a aplicação da suspensão da execução da pena (artigo 50.º, do CP), a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais – os que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.
Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.
Estão em causa, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.
Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Professor Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanóia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência».
Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobre-expostos, importa, pois, determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade.
Nos termos prevenidos no artigo 50.º, do CP, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou.
Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.”
Assim, subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever – no momento em que essa decisão é tomada – que o mesmo não cometerá futuros crimes.
No caso, tendo sido fixada uma pena de 1 ano e 9 meses de prisão (portanto, não superior a 5 anos de prisão), é, em abstrato, admissível a aplicação daquela pena de substituição.
O Tribunal a quo entendeu, no entanto, que, “a aplicação desta pena de substituição mais grave não realiza o limiar mínimo de defesa da ordem jurídica a que supra se fez referência, ou seja, posterga as exigências de prevenção geral.
Por outras palavras, o castigo e reprovação pública que se exprimem através da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução – e suspensa, portanto, sob a condição de o arguido manter um comportamento social adequado – não satisfaz in casu as necessárias exigências de justiça que o sentimento jurídico da comunidade requer”.
Não vemos que tal avaliação se mostre desajustada da realidade que aqui enfrentamos.
As exigências de prevenção geral quanto a este tipo de criminalidade são, tal como se assinalou, muito fortes, em face da proliferação de crimes de natureza idêntica e do alarme social pelos mesmos gerado. E, in casu, são notoriamente acentuadas as necessidades de prevenção geral, como decorre do que já se deixou dito, sendo que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA dificilmente seria compreendida pela comunidade, tendo em conta a sua conduta anterior à prática do crime.
Os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, reclamam, pois, uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena responda às necessidades de tutela dos bens jurídicos, assegurando a manutenção, apesar da violação da norma, da confiança comunitária na prevalência do direito.
Por outro lado, não se podem desprezar as necessidades de prevenção especial, atento o passado criminal do arguido, assumindo particular relevo que já foi alvo de repetidas intervenções do sistema sancionatório penal e, até à data, permaneceu insensível à censura que lhe foi dirigida, denunciando de forma exuberante a impossibilidade da formulação de um prognóstico favorável quanto ao seu comportamento futuro.
Não se evidencia, no contexto de vida do recorrente, que existam condições mínimas para crer que a censura da condenação e a ameaça da execução da pena possam surtir qualquer efeito no afastamento do mesmo da prática de crimes no futuro. Na verdade, os factos provados dão conta de que “O arguido, não obstante, manifeste capacidade para reconhecer a ilicitude dos comportamentos desviantes protagonizados, apresenta um discurso tendencialmente desculpabilizante, autocentrado, acarretando prejuízo quanto à consciencialização da efetiva gravidade e/ou impacto da prática dos mesmos para si, terceiros e/ou sociedade em geral” (facto provado nº 26) – o que constitui indicador claro da insuficiência de qualquer pena de substituição na salvaguarda do cumprimento das finalidades das penas.
Uma suspensão da execução da pena de prisão em circunstâncias como as que temos em presença, não deixaria de ser percecionada, pelo arguido e pela comunidade, como manifesta impunidade de um comportamento que todos reconhecem como nefasto. Com efeito, «nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia»7.
Motivos que chegam para manter a condenação do arguido em prisão efetiva, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida neste aspeto.
iv.3. do regime de cumprimento da pena
No recurso interposto, reclama o arguido a possibilidade de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, posto que foi a mesma fixada em medida inferior a 2 anos de prisão, alegando singelamente que “A pena aplicada ao recorrente é excessiva pugnando-se (…) em alternativa [pel]o cumprimento dessa pena em regime de permanência na habitação dos seus pais, com a possibilidade de trabalhar, tudo com registo de controlo de vigilância por meio de comunicação à distancia (pulseira eletrónica)”.
Vejamos, então.
De acordo com o disposto no artigo 43º, nº 1 do Código Penal, “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no nº 2 do artigo 45º”.
No acórdão recorrido o Tribunal não se pronunciou expressamente sobre a inviabilidade de aplicação de tal instituto no caso concreto.
Neste contexto, atendendo a que a operação de determinação e escolha da pena concreta a aplicar se traduz num exercício vinculado, que impõe que, uma vez verificados os respetivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição que satisfaça as exigências legais – caberia equacionar a eventual omissão de pronúncia (geradora de nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, a qual deve ser conhecida oficiosamente, como decorre do nº 2 do preceito citado), na medida em que a decisão recorrida, apesar de ter afastado expressamente a suspensão da execução da pena de prisão (em moldes que, como se referiu, não nos merecem censura), não se pronunciou, especificamente, quanto à possibilidade de a pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no artigo 43º do Código Penal (uma vez que foi fixada em medida não superior a dois anos).
Como decorre do regime legal que se deixou descrito, deve entender-se que, no exercício de tal poder-dever, não pode o Tribunal omitir a apreciação, em sede de fundamentação da medida e natureza da pena, a possibilidade de substituição da mesma pena. Tal não significa, porém, que o Juiz tenha de percorrer exaustivamente cada uma das penas de substituição que, por se verificar o respetivo pressuposto formal, são, em abstrato, aplicáveis ao caso antes de se decidir pela aplicação de uma delas. Ponto é que da fundamentação da sentença resulte sem margem para dúvidas que o tribunal considerou imperioso o cumprimento efetivo da pena de prisão, afastando a aplicação de qualquer pena de substituição, em sentido próprio ou impróprio – neste sentido, vd. o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 25.10.20118, onde se lê que “a circunstância de uma sentença não mencionar expressamente cada uma das penas de substituição, em sentido próprio ou impróprio, que seriam abstractamente aplicáveis, percorrendo exaustivamente o catálogo legal, não determina, por isso, a verificação do vício de omissão de pronúncia, desde que, da fundamentação apresentada, resulte com toda a clareza que o tribunal considerou imperioso o cumprimento efectivo e contínuo da pena de prisão, afastando a aplicação de qualquer pena de substituição, em sentido próprio ou impróprio”; cf., também, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.09.20109, em que se considerou que “a lei não impõe um afastamento discriminado e específico de todas as penas substitutivas. Antes o que releva, nos termos da lei, é a fundamentação da espécie (e medida) da pena aplicada, e, nos casos em que tratando-se de pena de prisão, tal substituição é possível, das razões que determinaram a não aplicação de pena substitutiva”.
Ou seja, o julgador, quando pondera a aplicação de uma pena de prisão, deve preferir à pena detentiva uma pena de substituição e assegurar-se de que esta pena substitutiva se revela adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, que são exclusivamente preventivas (de prevenção especial de socialização e de prevenção geral de integração). Se no caso concreto for possível aplicar mais que uma das penas de substituição, o julgador aplicará aquela que melhor realize essas finalidades, sem ter que justificar por que não aplicou outra.
Se, pelo contrário, preterir a pena de substituição (em sentido próprio ou impróprio) em favor de uma pena detentiva, deve fundamentar, clara e convincentemente, porque considera imperioso o cumprimento efetivo dessa pena, mesmo que não afastando, sucessivamente, cada uma das penas de substituição em abstrato aplicáveis.
Lido o acórdão recorrido, constatamos que, muito embora não se tenha referido expressamente a possibilidade de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, o Tribunal a quo, de forma sucinta, mas clara, mostrou ter ponderado todas as circunstâncias em presença e ter considerado imperioso o cumprimento efetivo da pena aqui em causa.
O regime do artigo 43º visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se, portanto, na substituição do meio prisional pela residência.
A aplicação do regime do artigo 43º do Código Penal, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional. Ou seja, não se visa descaracterizar a pena de prisão, no que ela tem de privação de liberdade, nem criar um regime de execução desproporcionadamente excecional, face ao cumprimento efetivo da pena de prisão em estabelecimento próprio para tal fim – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.11.200910.
Ora, no caso concreto, não é relevante o efeito criminógeno da reclusão porque, mesmo em liberdade, o arguido continua a delinquir. Não há nada a preservar. O arguido já sofreu várias condenações, tendo cumprido penas de prisão efetiva, ao que se tem mostrado alheio e indiferente. O ingresso num estabelecimento prisional não lhe vai provocar males criminógenos que ele já não revele.
Ao arguido já foram aplicadas penas de carácter não detentivo – que deveriam constituir solene e adequada advertência quanto à prática de novos ilícitos criminais – e as mesmas provaram ser ineficazes para o efeito. Pelo que se impõe a conclusão de que tal modo de execução da pena não permite assegurar de modo eficaz as finalidades da punição, tal como se ponderou na decisão proferida em 1ª instância.
A conduta do arguido nos últimos 10 anos e, bem assim, a circunstância de ter praticado os factos quando se encontrava em liberdade condicional – o que não foi bastante para evitar que se envolvesse em nova atividade criminosa – tornam evidente a impossibilidade de formular um prognóstico favorável no sentido de que qualquer pena executada na comunidade possa mostrar-se eficaz na prevenção da reincidência e reintegração do agente, não se mostrando a reação penal de modo algum desajustada ou desproporcional, pelo que inexiste motivo válido para que a decisão seja alterada.
Em suma, apenas o efetivo cumprimento da pena, em estabelecimento prisional, é suscetível de permitir alcançar as finalidades da punição.
O recurso improcede.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida.
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Lisboa, 19 de março de 2024
Sandra Oliveira Pinto
João Ferreira
Sandra Ferreira
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1. Juntamente com o arguido AA, que viria a ser absolvido a final.↩︎
2. Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»↩︎
3. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pp. 110 e 111.↩︎
4. No processo nº 10/18.1PELRA.S1, Relatora: Conselheira Ana Barata Brito, acessível em www.dgsi.pt.↩︎
5. No processo nº 589/08.6PBVLG.S1, Relator: Conselheiro Pires da Graça, em www.dgsi.pt↩︎
6. No processo nº 381/16.4GAMMC.C1.S1, Relator: Conselheiro António Clemente Lima, acessível em www.dgsi.pt↩︎
7. Cf. Costa Andrade, RLJ, 134º, pág. 76.↩︎
8. No processo nº 96/10.7PTFUN.L1, Relator: Desembargador Jorge Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt.↩︎
9. No processo nº 64/09.1PTCTB.C1, Relator: Desembargador Brízida Martins, também em www.dgsi.pt.↩︎
10. No processo nº 97/05.7GACBT.G1, Relator: Desembargador Estelita de Mendonça, em www.dgsi.pt↩︎