Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1302/06.8TBOER.L1-2
Relator: MAGDA GERALDES
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRÉDIO URBANO
CÔNJUGE
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
REGIME DA SEPARAÇÃO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A reapreciação de toda a matéria de facto e prova produzida não é consentida pelo Código de Processo Civil, na medida em que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto visa apenas detetar erros pontuais na apreciação da matéria de facto e não converter a reapreciação da prova produzida na 1.ª instância na realização de um novo julgamento ex novo.
2. No regime de separação de bens, reunidos os respetivos pressupostos, qualquer dos cônjuges pode adquirir por usucapião o direito a metade indivisa da casa de morada da família.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



I-RELATÓRIO:



Rui..., identificado nos autos, interpôs recurso de apelação da sentença proferida nos autos de acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, que intentou contra Maria..., também identificada nos autos, e que julgou improcedente a acção e julgou procedente o pedido reconvencional, tendo declarado que “a R., Maria.., adquiriu, por usucapião, metade indivisa do prédio urbano sito na Rua Vasco da Gama, …, Paço de Arcos, encontra-se descrito na 1ª conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº 3527, da freguesia de Paço de Arcos e inscrito a favor do A. desde 11/05/1979 (G19790511012), sendo que a sua posse teve início na data de 02 de Julho de 1979.”

Em sede de alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

“a) No plano factual

I. A resposta aos 3 primeiros quesitos apenas teve em conta a peritagem realizada pelos peritos da Ré e pelo perito nomeado pelo Tribunal;
II. Consequentemente, terão nesta parte de ser reanalisados por forma a incluir a “versão” dos peritos do Autor;
III. Os depoimentos das testemunhas que seguem em anexo ao presente recurso não vão permitir chegar às conclusões vertidas nas respostas aos quesitos 4º, 5.°, 6.°, 7.° e 8.°;
IV. Todas as testemunhas apresentadas pelo Autor referem expressamente que este possuía, ao tempo, possibilidades de, per si, fazer face às despesas de aquisição do terreno e construção da moradia;
V. Para além do mais, o facto de ter liquidado o empréstimo contraído junto do BPA, através do financiamento da CGD, faz com que a resposta ao quesito 8.° seja falsa;
VI. Quanto aos quesitos 10.°, 11.° e 13.°, não foi feita prova pela Ré de que tenha contribuído com qualquer montante para liquidação ou reforma das livranças;
VII. A resposta ao quesito 15.° terá se ser revista, porquanto nos autos nada permite concluir que a Ré tenha comparticipado em 50% na aquisição do terreno e construção da moradia;
VIII. Nem em 50% de coisa nenhuma;
IX. Quanto aos quesitos 17.° e 18.°, o facto de terem sido dados como provados é inaceitável, porquanto nada ficou demonstrado que tenha sido a Ré a pagar;
X. Quem fez o trabalho afirmou peremptoriamente que quem o pagou foi o Autor;
XI. O mesmo se aplica aos quesitos 19.° e 20.°;
XII. Nada existe nos autos que permita chegar à conclusão vertida nas respostas à matéria de facto que deu como provados os artigo 21.° e 22.°;
XIII. Os trabalhos realizados são os constantes do termo de transacção junto aos autos;
XIV. Não prova qualquer intervenção da Ré, nem a mesma, como se vê, percebeu a obra que foi efectuada, e muito menos o seu custo;
XV. Todos os intervenientes na obra reiteram que quem a pagou e acompanhou foi o Autor;
XVI. Quer quem fez o muro de gabions, quer quem fez a ligação ao colector da rua de baixo;
XVII. O preço dessa obra orça em cerca de 20.000,00 €;
XVIII. Nunca o colector de esgoto esteve ligado ao esgoto do vizinho!
XIX. O Autor contraiu um empréstimo de 1.500 contos junto da CGD para fazer face à obra resultante da transacção judicial;
XX. Tendo ainda utilizado suprimentos que tinha na sua sociedade GERMOR;
XXI. A resposta ao quesito 23.° terá igualmente de ser revista, pois a Ré nunca deu quaisquer instruções aquando da obra de construção da moradia;
XXII. Tal foi referido pela testemunha que construiu a casa, José Cirilo Soares;
XXIII. Nunca o Autor fez crer à Ré que a casa era de sua propriedade;
XXIV. Era a sua casa porque lá vivia;
XXV. Mas era propriedade do Autor;
XXVI. Nunca sequer essa situação se pôs;
XXVII. A própria Ré o afirma na contestação que apresentou;
XXVIII. Ao defender-se por excepção, dizendo expressamente que não era proprietária da casa e, consequentemente, não tinha interesse na demanda;        
XXIX. Estão prejudicadas as respostas dadas aos quesitos 25.°, 26.°, 21°, 28.° e 29.°;
XXX. Relativamente aos quesitos 30.° a 65.°, não existe um documento que seja...;
XXXI. Nem uma factura, nem nada.
XXXII. Mas mesmo assim foi dado como provado não só que os trabalhos foram feitos, quanto terão custado e quem os pagou...
XXXIII. A Mãe do Autor vivia na casa e sustentava-se com a sua reforma;
XXXIV. Aquando da sua morte a Ré levantou o dinheiro que existia na conta da Mãe do Autor;
XXXV. Tal quantia, mais do que suficiente para pagar a obra da casa de banho, pertencia ao Autor, único herdeiro da sua Mãe;
XXXVI. Tal quantia nunca foi entregue ao Autor;
XXXVII. A Ré realizou obras que deixaram a casa em desconformidade com as telas finais aprovadas;
XXXVIII. Tal desconformidade impede a obtenção da licença de utilização;
XXXIX. O Autor fez prova dos rendimentos por si auferidos e que lhe permitiram tomar a decisão de adquirir o terreno e construir a moradia;
XL. Nunca a Ré teve rendimentos que lhe permitissem adquirir tal terreno ou lá construir uma moradia;
XLI. Todas as testemunhas do Autor clarificam as possibilidades que este tinha não só para realizar a obra que realizou, mas também para andar bem vestido e bem calçado e frequentar restaurantes bons;
XLII. Já as testemunhas da Ré vieram dizer que tais gastos eram pagos pelas amantes;
XLIII. A Ré nunca pagou qualquer taxa de esgoto ou qualquer imposto municipal sobre o imóvel;
XLIV. Todas as despesas do prédio foram sempre pagas pelo Autor até à data de hoje;
XLV. Face ao exposto, é forçoso concluir que existe uma deficiente apreciação das provas carreadas para os autos que importa verificar e reavaliar;
XLVI. O Autor identifica, no capítulo III alguns conceitos que o Tribunal a quo manifestamente não entendeu ou acabou por confundir;
XLVII. De igual modo, e para que se possa compreender melhor o que na realidade aconteceu, as afirmações mais relevantes dos peritos estão identificadas no capítulo VI e permitem uma melhor percepção do trabalho por estes realizado e sua metodologia;
XLVIII. As análises das testemunhas constantes do capítulo V das presentes alegações, permite compreender quanto está errada a apreciação da prova produzida e a necessidade premente em que a sua qualificação seja alterada.

            b) No plano jurídico

XLIX. A errada interpretação da prova carreada para os autos pelas partes provocou, inevitavelmente, uma errada qualificação jurídica dos factos;
L. Originando, forçosamente, uma decisão para além de profundamente injusta, violadora da lei;
LI. Com efeito, ao considerar como considerou que a Ré, desde o início, participou quer no financiamento quer na construção da moradia, e como tal legitimando a sua posse desde o início para efeitos de aquisição por usucapião, a sentença recorrida viola desde logo o direito de propriedade do Autor;
LII. Nunca a Ré revelou um animus consentâneo com a aquisição por usucapião;
LIII. Na verdade, das poucas vezes que teve que demonstrar tal animus, a sua posição foi a oposta;
LIV. A Ré veio a Tribunal dizer expressamente que não era proprietária do prédio em questão e, por consequência, era parte ilegítima na acção que o vizinho lhe moveu;
LV. De igual modo, a mesma falta de animus é revelada no processo de divórcio relativamente à casa de morada de família;
LVI. Veja-se o acórdão junto aos autos a fls. 114;
LVII. Até à saída de casa do Autor, em 1998, nunca a Ré teve qualquer papel activo na manutenção da casa, vivia lá…
LVIII. A sentença sob recurso violou expressamente o disposto nos artigos 1305º, 1287º, 1255º, als a) e b) e bem assim o disposto no nº1 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa e, por maioria de razão, o disposto no artº 7º do Código do Registo Predial.
São termos em que, encontrando-se violadas todas as referidas disposições legais, para além do presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão proferida e substituindo-se a mesma por acórdão que lhe dê provimento aos pedidos formulados pelo Autor.
Já assim, efectivamente, será possível que, como se impõe e o ora Recorrente espera, em concreto se cumpra a lei, produzindo-se DIREITO e fazendo-se triunfar a verdadeira JUSTIÇA.”

            Em contra-alegações, a recorrida concluiu:

“a) Como é unânime na jurisprudência, o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente, pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultado do disposto nos artigos 690.º, n.º 1, e 684.º, n.º 3, do Cód. de Proc. Civil. 
b) As conclusões do Apelante são ininteligíveis, de tal forma que se tornam imperceptíveis os fundamentos do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto. 
c) Tendo em consideração que a acção deu entrada em juízo no dia 24-01-2006, a impugnação da matéria de facto no presente recurso deve cumprir com o disposto no art.º 690.º-A, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.08, e no art.º 522.º, n.º 2, ambos do Cód. de Proc. Civil. 
d) O Apelante não cumpriu os referidos dispositivos, limitando-se a juntar, como um documento, 1217 páginas com a transcrição integral das sessões de julgamento, sem assinalar nas alegações as concretas passagens dos depoimentos e dos esclarecimentos em que funda a sua impugnação e sem que assinale, de acordo com as regras supra referidas, o início e o termo do depoimento com referência à acta. 
e) Nas conclusões recurso o Apelante não indica de forma precisa e concreta os factos que considera incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, e aqueles que, de acordo com os argumentos indicados, considera demonstrados. 
f) O Apelante tão pouco identifica quais as respostas à matéria de facto que impugna e em que sentido pretende que os Venerandos Desembargadores alterem a matéria de facto dada como provada. 
g) Nas conclusões o Recorrente remete para as alegações e nestas para transcrição integral do julgamento. 
h) O Apelante também faz um errado uso do recurso para obter uma nova decisão no processo, desconforme com os limites do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto. 
i) Na verdade, o Recorrente pretende a alteração de sessenta e duas respostas aos quesitos, entre os setenta e nove que constituíam a base instrutória. 
j) O recurso da decisão sobre a matéria de facto não pode servir para reapreciar, de novo, toda a prova produzida. 
k) O Apelante não reclamou contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta de motivação, nos termos do art.º 653.º, n.º 4, do Cód. de Proc. Civil, pelo que a impugnação de contradições entre respostas e a não entendimento de outras é extemporâneo. 
l) O sistema não permite, nem o caso concreto motiva, que se questione o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador e a convicção que este formou sobre a prova oralmente produzida atento o princípio da imediação. 
m) O recurso deve ser rejeitado por violação do disposto art.º 690.º-A, n.º 1, a) e b), e n.º 2, do Cód. de Proc. Civil, na redacção aplicável, mantendo-se, consequentemente, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. 

            Apenas por mera cautela de patrocínio:

n) Nas alegações o Apelante distorce os depoimentos prestados em audiência, para retirar conclusões sem qualquer correspondência com os mesmos, e alega factos sem qualquer suporte probatório. 
o) Não vem provado que a Ré auferia um vencimento de seis mil escudos mensais. 
p) A testemunha Maria Helena … apenas concretizou o ordenado que ela (testemunha) auferia no ano que começou a trabalhar como professora: 1975. 
q) Sendo certo que o terreno foi adquirido em 02-07-1979 (alínea H) da matéria assente) e que moradia foi construída depois disso, e sempre depois do 25 de Abril, momento a partir do qual a aludida testemunha referiu que os vencimentos dos professores foram objecto de um aumento substancial, a asserção de que a Apelada auferia 6 contos em 1979 é completamente infundada. 
r) As testemunhas Serafim …, Carlos … e José Jesus … nada afirmaram que permita determinar as proveniências do dinheiro utilizado para a aquisição do terreno e construção da moradia. 
s) O Apelante também não fez prova de que tenha utilizado dinheiro depositado no Banco de Fomento Nacional para comprar o que quer que seja. 
t) A testemunha Serafim... nada de concreto sabia sobre os rendimentos auferidos pelo Apelante em Macau, nem que meios financeiros foram utilizados por este na construção da casa. 
u) Todavia, confirmou que o Apelante perdeu as participações sociais que detinha em empresas moçambicanas, depois da independência de Moçambique. 
v) A testemunha José Jesus … nada disse sobre “transferências de dinheiro” do Apelante. 
w) A testemunha Carlos Alberto … começou por presumir que o Apelante tivesse transferido dinheiro ilegalmente de Moçambique, sem saber para que país, mas acabou por dizer que não sabia ao certo. 
x) A mesma testemunha adiantou que saiu de Moçambique em 1974, pelo que as relatadas conversas entre a testemunha e o Recorrente sobre dificuldades em “tirar dinheiro” de Moçambique no ano em que a independência deste país ainda não havia ocorrido são, obviamente, muito duvidosas. 
y) Esta testemunha só foi peremptória quando referiu que família do Apelante perdeu todos os bens em Moçambique e que não sabia quem pagou o terreno e a construção da moradia. 
z) O Apelante não fez prova de que as suas participações sociais tivessem sido lucrativas, a ponto de se poder presumir uma distribuição de dividendos ou a recuperação dos capitais sociais, que, posteriormente, pudesse vir a utilizar na compra do terreno ou na construção da moradia. 

aa) Ao contrário do que alega o Recorrente, o empréstimo contraído junto do BPA para compra do terreno em 07-07-1979 nunca poderia ter sido integralmente pago com o empréstimo contraído junto da CGD em 07-10-1981.
A não ser que durante mais de 2 anos não tivessem sido pagas as prestações ao BPA, o que, para além de não ser plausível, não foi alegado pelo Autor e aqui Apelante. 
bb) Dos documentos de fls. 439 a 456 consta que as livranças foram subscritas por Apelante e Apelada, e não apenas pelo primeiro; 
cc) E que estes títulos de crédito se destinavam a financiar a construção de um imóvel / moradia; 
dd) Bem como que eram pagáveis numa conta conjunta aberta junto do BPA, agência de Rio Maior. 
ee) As testemunhas José de Jesus …, Ana Maria … e Serafim … não conhecimento das livranças constantes dos autos e do motivo porque foram subscritas. 
ff) Do documento de fls. 462 e ss resulta que o empréstimo era amortizado em 180 prestações mensais e que os pagamentos eram efectuados através de débito na conta a que se refere a caderneta de fls. 466 e ss. 
gg) Os movimentos efectuados nos mais de 3 anos retratados na caderneta revelam que os débitos das prestações não ocorriam na data dos respectivos vencimentos e que o capital mutuado esteve longe de ser amortizado em prestações mensais, existindo meses em que não eram debitadas prestações e outros em que eram debitadas várias prestações, ocorrendo até vários débitos na mesma data. 
hh) Os movimentos constantes do documento de fls. 1653 e ss (extracto da mesma conta bancária) revelam que entre 20-01-1990 e 10-10-1996 a situação supra descrita manteve-se. 
ii) Se as amortizações tivessem sido debitadas nos termos contratados, a conta não tinha saldo para o efeito, pelo que contabilisticamente esteve várias vezes com saldo negativo. 
jj) O próprio Apelante reconhece nas alegações que havia prestações em atraso, mas que eram pagas várias de uma só vez, sem penalização. 
kk) Considerando que a conta bancária em questão estava domiciliada no balcão de Rio Maior, localidade de onde é originária a família da Apelada, como o Recorrente se esforça em esclarecer, bastas vezes, ao longo das Alegações, conseguimos compreender a benevolência da CGD. 
ll) Estes factos são perfeitamente consentâneos com os depoimentos das testemunhas Maria de Lurdes … e Maria Irene …, pelo que o Tribunal a quo interpretou devidamente o documento e percebeu com clareza o que dele resultava, não se verificando qualquer lapso no julgamento desta questão. 
mm) Relativamente às obras de construção e de manutenção da moradia o Apelante veio agora apresentar a sua versão das obras e dos pagamentos. 
nn) O Apelante não fez prova de que os cheques preenchidos com os nomes dos empreiteiros tivessem sido pagos. 
oo) Quanto à “engenharia financeira” com sociedade a Germor, por via de facturas emitidas em nome desta sociedade, e à alegada “corroboração” do mecanismo dos suprimentos, pela testemunha Fernando Manuel …, a Apelada remete a credibilidade desta história para os documentos de fls. 1775 a 1837. 
pp) As actas das assembleias gerais da Germor (fls. 1785, 1800, 1813, 1827) apenas estão assinadas pelo Apelante, pese embora de todas elas conste que os sócios estiveram presentes (in casu o Apelante e a Apelada).
qq) No caso concreto, a “engenharia” ainda vem acompanhada de documentos que não evidenciam a verdade. Documentos que o Apelante elaborou e terá usado para justificar supostos suprimentos. 
rr) As contas retratadas nos documentos de fls. 1775 a 1837 dizem respeito a exercícios muito posteriores àqueles em que decorreu a construção da moradia identificada nos autos. 
ss) O descrédito do “relatório” de fls. 1502 a 1513 não resultou de ideia de que os peritos do Autor, por atraso ou negligência, se esqueceram de assinar o relatório unilateral dos peritos da Ré. 
tt) A convicção do Tribunal formou-se nos esclarecimentos prestados em audiência por todos, de onde resultou que os peritos estiveram reunidos no local pelo menos duas vezes, por mais quatro horas, e que o relatório de fls. 1480 e ss foi feito com base na percepção dos cinco peritos intervenientes e por unanimidade. 
uu) Mas o Tribunal a quo também teve em consideração a circunstância dos peritos indicados pelo Autor não terem dado a conhecer aos demais peritos que tinham alterado a sua posição. 
vv) Nada disto foi desmentido pelos peritos indicados pelo Autor. 
ww) O relatório de fls. 1480 e ss mostra-se subscrito pelo presidente do colégio pericial, que foi indicado pelo Tribunal. 
xx) Sobre as obras que ao longo dos anos foram executadas no imóvel, o Apelante pretende impugnar as respostas à matéria de facto dando (as suas) explicações e prestando (os seus) esclarecimentos de carácter “técnico”. 
yy) Para impugnar a prova produzida em torno da contribuição financeira das partes na construção da moradia, o Apelante decide elucidar os Senhores Desembargadores sobre as suas (não demostradas) “engenharias financeiras”. 
zz) Não contendo o processo, mormente a base instrutória, qualquer referência a obras identificadas pelo Apelante pelos números 1, 2, 3 e 4, ficam algumas dúvidas sobre o objecto da impugnação do Apelante, repleta de confusões e contradições.
 
aaa) O Apelante pretende, ainda, impugnar a decisão da 1.ª instância participando aos Exmos. Senhores Desembargadores supostas (porque não demonstradas) preocupações em matéria sucessória. 
bbb) Nesta matéria parece evidente que os entendimentos e as pretensões do Apelante também não podem ser tidos em conta no julgamento do recurso. 
ccc) Noutro passo das alegações, são questionados os depoimentos de algumas testemunhas, tentando valorizar uns e desvalorizar outros, à luz dos esclarecimentos, informações e conclusões do próprio Apelante. 
ddd) Parece inquestionável que tais esclarecimentos e considerações do Apelante são manifestamente irrelevantes para a alteração das respostas à matéria de facto.
eee) Também é possível encontrar nas Alegações a impugnação por via de “justificações” de actos praticados pelo Apelante e de afirmações por si proferidas no passado, as quais também não constam da matéria alegada e provada. 
fff) O Apelante impugna a solução jurídica da 1.ª instância partindo, apenas, do pressuposto de que será feita uma nova apreciação da prova produzida, pelo que, sem essa alteração, a sentença não mereceu qualquer reparo do Apelante. 
ggg) Em qualquer caso, a decisão recorrida não violou as normas legais referidas pelo Apelante nas suas conclusões, não merecendo qualquer reparo.
hhh) A metodologia, a impertinência dos argumentos, a desconsideração de princípios e regras processuais e a irrelevância de “factos” sobre os quais não incidiu ou não foi produzida qualquer prova, que inundam as páginas 25 a 137 das alegações, não as permitem qualificar como tal. 
iii) Aliás, não estamos, seguramente, perante uma verdadeira impugnação da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, mas sim perante uma nova contestação do pedido reconvencional. 
jjj) A Apelada pugna pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso, que tem como único intuito protelar o trânsito em julgado da sentença e, por essa via, entorpecer a acção da Justiça.  
Termos em que deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com custas pelo Apelante, para que desta forma se faça JUSTIÇA!” 

Questões a apreciar:

Impugnação da matéria de facto;
Mérito da sentença recorrida.


          FUNDAMENTAÇÃO.

          OS FACTOS:

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

“2. 1 - Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

a) O prédio urbano sito na Rua Vasco da Gama, ..., Paço de Arcos, encontra-se descrito na 1ª conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº 3527, da freguesia de Paço de Arcos e inscrito a favor do A. desde 11/05/1979 (G19790511012), cfr. certidão de registo predial de fls. 22 e ss, cujo teor aqui se reproduz integralmente;
b) O prédio referido consta da matriz urbana da Freguesia de Caxias, sob o artigo 835 (cfr. fls. 25 e ss),
c) O referido prédio destina-se a habitação, sendo composto por uma moradia familiar se 360 m2 de área de implantação e por um jardim com 559,74 m2;
d) A dita moradia tem vista para o mar e é constituída por uma cave, com uma assoalhada, um rés-do-chão, com três assoalhadas, uma cozinha e uma casa de banho, um primeiro andar, com cinco assoalhadas, três casas de banho, dois vestíbulos, uma varanda e uma garagem, e um segundo andar, com uma assoalhada, uma casa de banho e uma varanda;
e) O prédio está localizado no Alto do Lagoal, concelho de Oeiras;
f) O valor “matricial” atribuído ao referido prédio, em 2003, foi de €92.037,20 (fr. fls. 25);
g) O valor de mercado do referido imóvel não é inferior a €600.000,00;
h) Por escritura pública celebrada em 02 de Julho de 1979, Carlos Alberto … declarou vender ao A., pelo preço de PTE 1.300.000$00 o lote de terreno para construção, com área de 919,74 m2, sito ..., na Rua Vasco da Gama, freguesia de Paço de Arcos, a destacar do prédio inscrito na matriz cadastral da dita freguesia sob o art. 397 – secção 47, descrito na 1ª Secção da Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 13.097 do Livro B-42 /cfr. certidão de fls. 430 e ss, cujo teor aqui se reproduz integralmente);
i) O preço referido em h) foi pago, parcialmente, através de um empréstimo hipotecário contraído pelo A. junto do Banco Português do Atlântico (BPA), no montante de PTE 975.000$0, o qual se encontra totalmente pago;
j) Em 13/05/80, A. e R. subscreveram uma “livrança”, no montante de PTE 500.000$00, com “vencimento” a 90 dias;
l) Essa “livrança” foi “reformada” em 12/08/80, por outra livrança igualmente subscrita por ambos no valor de PTE 375.000$00 com “vencimento” a 90 dias;
m) Em 03/06/80, A. e R. subscreveram uma “livrança”, no montante de PTE 375.000$00, com “vencimento” em 02/09/80;
n) A. e R. subscreveram outra “livrança”, no montante de PTE 325.000$00, com “vencimento” em 01/10/80, a qual foi “reformada” em 01/10/80, por nova “livrança”, igualmente subscrita por ambos, no montante de PTE 250.000$00, com “vencimento” a 60 dias;
o) A. e R. subscreveram “livrança”, no montante de PTE 250.000$00, com “vencimento” em 30/11/80, a qual foi “reformada” em 30/11/80, por outra “livrança”, igualmente subscrita por ambos, no montante de PTE 230.000$00, com “vencimento” em 28/02/81;
p) Esta última “livrança” foi igualmente “reformada” em 28/02/81, por outra “livrança”, igualmente subscrita por ambos, no montante de PTE 210.000$00, com “vencimento” em 27/05/81;
q) Esta "livrança" foi "reformada", em 27/05/81, por outra "livrança" com o mesmo montante, igualmente subscrita por ambos, com "vencimento" em27107/81;
r) Em 22/10/80 A. e R. subscreveram uma "livrança", no montante de PTE 250.000$00, com "vencimento" a 90 dias;
s) Essa "livrança" foi "reformada", em 20/01/81, por outra "livrança" igualmente subscrita por ambos, no montante de PTE 230.000$00, com "vencimento" em 19/03/81;
t) A. e R. subscreveram uma "livrança", no montante de PTE 270.000$00, com "vencimento" em 10/02/81, a qual foi "reformada" em 10/02/81, por outra "livrança", igualmente subscrita por ambos, no montante de PTE 250.000$00, com "vencimento" em 09/05/81;
u) Essa "livrança" foi "reformada", em 09/05/81, por outra "livrança" igualmente subscrita ambos, no montante de PTE 235.000$00, com "vencimento" em 09/07/8l,
u1) As referidas livranças foram pagas através da conta DO 500-4218892, junto do BPA, Balcão da Rua do Ouro;
v) Para pagar o preço da construção da moradia supra referida, em 7/10/81, o A. contraiu um empréstimo hipotecário" junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD), no montante de PTE 3.000.000$00, o qual se encontra totalmente pago;
vi) Em 7/10/82, foi requerida à Câmara Municipal de Oeiras uma vistoria, para efeitos de utilização da moradia acima referida;
x) Na sequência de uma discussão familiar, no dia 28 de Janeiro de 1998, o A. saiu do supra citado prédio;
z) Ao qual nunca mais voltou;

aa) Ficando a R. e os filhos maiores de A. e R. a residir no aludido prédio, o qual a R. ainda ocupa;
bb) Alguns meses depois de o A. ter saído do prédio, a mãe do A. passou a residir neste com a R. e os filhos maiores de A. e R.;
cc) Dois filhos do A. residiram no imóvel até ao seu casamento, em 2000,
dd) A mãe do A. residiu no imóvel até ao seu falecimento, em 2004;
ee) O A. intentou uma acção de divórcio litigioso contra a R., na qual pediu que fosse decretado o divórcio entre ambos, bem como lhe fosse atribuído o direito em exclusivo de habitar a casa que foi de morada de família;
ff) Na sua contestação/reconvenção, a R. requereu ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa a "atribuição provisória do direito de utilização da casa de morada de família", sita no referido prédio;
gg) Em sede de réplica, na referida acção de divórcio, o A. pediu a restituição da "casa de morada de família";
hh) O divórcio foi decretado por sentença transitada em julgado no dia 20 de Outubro de 2003 (cfr. fls. 49 e ss.);
ii) Na referida sentença foi decidido atribuir "à R., provisoriamente, a utilização da casa de morada de família sita na Rua Vasco da Gama, ..., em Caxias";
jj) Não tendo sido determinado o pagamento de qualquer quantia como contrapartida (cfr. fls. 49 e ss.);
ll) Em sede de recurso limitado à decisão de atribuição provisória da casa de morada de família, o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão proferida em 21 de Abril de 2004, já transitada em julgado, decidiu que a “medida cautelar de atribuição provisória de casa de morada de família caducou", por não ter sido intentada a acção definitiva (cfr. fls, 114-119).          
mm) O "valor de mercado" do referido prédio é de € 640.695,00 em 2011;          
nn) A contrapartida monetária mensal em caso de cedência do prédio a terceiros, mediante contrato de arrendamento será de cerca de €1.600.000$00;          
oo) Actualmente o valor do logradouro é de €99.195,00 e o da construção €541.500,00;
pp) Em 1979, A. e R. decidiram, em conjunto, adquirir um terreno para nele construírem uma vivenda para aí instalarem a residência da família;
qq) O A. referiu à R. que a vivenda a construir seria a casa de ambos,
rr) O A. referiu à R. que a construção da vivenda implicaria o esforço financeiro de ambos, pelo que a planificação foi feita tendo em conta as economias e os rendimentos do trabalho auferidos por A. e R.;
ss) A parte do "preço" do prédio paga sem recurso ao crédito bancário, no valor de PTE 325.000$00 (trezentos e vinte e cinco mil Escudos), foi paga com fundos próprios do A. e da R.; 
tt) O empréstimo referido supra nos Factos Assentes, contraído pelo A., junto do BP A, foi integralmente pago por "débito" numa "conta solidária" titulada por A. e R. e aprovisionada por ambos;
uu) Os "financiamentos" titulados pelas referidas "livranças" foram contraídos por A. e R. e efectivamente obtidos;
vv) As "livranças" subscritas por A. e R., e referidas nas alíneas J) a U) dos Factos Assentes, destinaram-se se ao financiamento para construção da referida moradia;
xx) A referida conta era "solidária", sendo dela titulares o A. e a R.;
zz) O empréstimo referido supra nos Factos Assentes, contraído pelo A. junto da C.G.D. foi pago através de prestações "debitadas" na conta DO 29966 do Balcão de Rio Maior da C.G.D.;

aaa) A referida conta era titulada por A. e R.;
bbb) A referida conta era aprovisionada por A. e R.;
ccc) Em 1984, a R. pagou a remoção dos materiais sobrantes da construção da moradia e a colocação do corrimão e balaústres nas escadas interiores, tendo despendido € 125,00 e € 750,00 respectivamente;
ddd) A R. também custeou a pintura da fachada frontal da moradia e do interior da garagem, no montante de € 1.000,00;
eee) Na mesma altura suportou ainda a R., com fundos próprios, a alteração da casa de banho junto à cozinha, que consistiu na ampliação do espaço para fazer um chuveiro, substituição do pavimento e paredes com brecha polida, substituição das loiças e das torneiras
e pintura da parte superior das paredes;
fff) A referida alteração tinha um custo de € 1.750,00;
ggg) No segundo semestre de 1997, devido ao deslizamento de terras para cima do muro de uns vizinhos, a R. também comparticipou no pagamento da reconstrução do muro do vizinho, a Nascente, cuja obra foi no valor de, pelo menos, € 2.300,00;
hhh) Na mesma altura, a R. comparticipou na ligação do esgoto à rede pública que anteriormente estava ligado ao sistema de esgotos do vizinho, cujo valor da obra foi de pelo menos €1000,00; 
iii) A R. acompanhou as obras de construção e manutenção da moradia, designadamente quanto à escolha dos materiais;
jjj) O A. criou na R. a convicção de que a moradia pertencia a ambos;
lll) Perante amigos comuns e familiares o A. referia que a casa era do casal;
mmm) O A. afirmou junto de amigos e familiares que na "escritura de compra e venda" só figurava o seu nome porque, dessa forma, a "sisa" tinha sido menos elevada;
nnn) A R. sempre se comportou também como se fosse dona da casa;
ooo) Entre finais de 1998 e durante 1999, a R., com vista à conclusão das obras de construção da moradia, suportou os custos da aquisição e colocação do portão de 2 folhas da garagem, no valor de € 400,00;   
ppp) E de aquisição e colocação de 1 portão no muro junto à entrada do imóvel, no valor de € 100,00;     
qqq) Com a aquisição e colocação de gradeamentos nas escadas interiores, a R. despendeu cerca de €150,00;
rrr) Com a cobertura da lareira despendeu cerca de €231,00;
sss) Após Janeiro de 1998, a R. introduziu alguns melhoramentos no terreno e casa, ditados por necessidades de segurança, designadamente a subida da altura do portão e do muro exterior, em 1999, no valor de € 500,00;
ttt) E a colocação de grades em ferro forjado em 4 janelas, em 1999 e 2000, no valor de € 500,00;
uuu) Com a electrificação do portão e abertura com comando à distância, despendeu cerca de €932,00;
vvv) Para a cablagem para iluminação dos topos dos pilares a R. despendeu cerca de €95,00;
xxx) A R. custeou a remodelação da casa de banho do R/c, por necessidades de saúde da sua sogra que com ela vivia no valor de cerca de € 1.261,00,
zzz) Entre finais de 1998 e até finais de 1999, a R. suportou os custos da conclusão das reparações decorrentes do referido deslizamento de terras para cima do muro dos vizinhos, os quais consistiram em enchimento e colocação dos gabiões em rede com pedra em cerca de 30% do muro, para terminar a consolidação da encosta, no valor de € 1.250,00;

aaaa) A R. despendeu no muro lateral, o da escada de acesso ao muro de suporte a quantia de cerca de €231,00;
bbbb) Na escada de acesso ao muro de suporte (terraço inferior) construída na base da encosta, a R. despendeu cerca de €769,00;
cccc) A remoção de entulho e alisamento do terreno e reposição do jardim posterior a R. despendeu cerca de €3.077,00;
dddd) Na reparação do portão e reconstrução do muro, parcialmente destruído pela entrada e saída de camiões para remoção de entulho a R. despendeu cerca de €769,00;
eeee) A R. colocou uma separação em rede com a moradia a norte, no valor de €308,00;
ffff) Desde Janeiro de 1998 foram feitas reparações na fissuração exterior, sanadas infiltrações nas paredes, tectos, terraços e coberturas e trabalhos correntes de envernizamento periódico em madeiras;
gggg) A R. procedeu à remoção de uma palmeira que estava junto ao muro junto à cozinha, cujo custo era de €227,00;
hhhh) A pintura da fachada, reparações de fissurações em fachadas com remates posteriores parciais de tinta implicaram um custo de €435,00;
iiii) E a pintura dos muros e muretes do jardim, por duas vezes, no valor de € 1.000,00;
jjjj) Foram feitas pinturas parciais em virtude de infiltrações e que o seu custo em 1998 foi de €378,00 e em 2006 de €481,00;
llll) Desde 1998 a limpeza e pintura das janelas e portas exteriores com Bondex custou à Ré cerca de €3.200,00;
mmmm) No tratamento e pintura dos balaústres das escadas interiores para tratamento do bicho e posterior enceramento foi no valor de € 534,00;
nnnn) O arranjo dos armários da cozinha em 2000 tinha um valor de €800,00 e que, pelo menos, este valor foi suportado pela R.;
oooo) O arranjo do telhado de urna parte da sala com substituição de telhas, substituição de barrotes e aumento de inclinação, tinha um custo em 2001, no valor de € 1.176,00 e que, pelo menos, este custo foi suportado pela R.;
pppp) E um arranjo do telhado, em 2005, no valor de € 250,00;
qqqq) E o arranjo do telhado no sótão com substituição de barrotes e de telhas, em 2001, no valor de € 850,00;
rrrr) E a limpeza e impermeabilização das águas do telhado em locais com infiltrações, em 2001, no valor de € 250,00;
ssss) E a impermeabilização anual dos terraços, desde 1998, no valor de €400,00;
tttt) E a limpeza e pintura das lanternas exteriores, em 2000, no valor de € 200,00;
uuuu) E a limpeza do depósito da água e substituição da bóia do autoclismo (sistema de regulação de entrada da água), em 2002, no valor de € 125,00;
vvvv) O arranjo e substituição parcial do cano de entrada da água da rede na casa e no jardim junto à entrada, tinha um custo em 2004 de €200,00 e que, pelo menos, este custo foi suportado pela R.;
xxxx) A impermeabilização provisória do terraço grande, em 2006, teve um custo de €50,00 e que, pelo menos, este custo foi suportado pela R.;
zzzz) E a impermeabilização provisória das paredes exteriores com fendas, em 2006, no valor de € 400,00;

aaaaa) A R. sempre foi considerada por terceiros como sendo também dona do imóvel;
bbbbb) Na aquisição do terreno, materiais de construção e mão-de-obra, A. e R. despenderam, a quantia global aproximada de € 31.274,66 (trinta e um mil duzentos e setenta e quatro Euros e sessenta e seis cêntimos);
ccccc) Antes do início da realização das obras, o terreno tinha um valor aproximado de PTE 1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos);
ddddd) À data da conclusão das obras, o terreno e a moradia passaram a ter um valor não inferior a € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros);
eeeee) O valor de reparações efectuadas por A. e R., foi no montante de pelo menos € 3.300,00 (três mil e trezentos Euros);
fffff) O custo das obras de reparação, conservação e melhoramentos, efectuados exclusivamente a expensas da R. ascendeu, ao total do que resultar da resposta dada aos factos 31º a 69º;
ggggg) Os valores gastos pela R. ascendem ao total que resultar da resposta dada aos factos 31º a 69º;
hhhhh) Na época em que o terreno foi adquirido, 1979, os rendimentos do trabalho do A. eram variáveis;
iiiii) A R. sempre contribuiu para a construção, conservação, reparação e melhoramento do imóvel, com plena autorização ou sem oposição do A.;
jjjjj) O filho de A. e R., de nome Miguel, trabalha em Macau mas tem parte dos seus pertences na moradia em questão onde se mantém o seu domicílio fiscal e eleitoral, onde recebe correspondência e habita quando se encontra em Portugal;
lllll) O A. pagou referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011 o imposto municipal sobre imóveis emitidos em seu nome;
mmmmm) O A. pagou as taxas de esgotos (tarifas de conservação de esgotos) referentes aos anos de 2006, de 2001, de 2018, 2009, 2010 e 2011, remetidos para o A. para a Av. Columbano Bordalo Pinheiro, nº 11, 5º Esq.;
nnnnn) Foi o A. que, em seu nome, entregou todos os requerimentos necessários à aprovação do projecto de construção da moradia;
ooooo) O A. casou com a R. no dia 28 de Outubro de 1967, no regime de separação de bens;
ppppp) Na petição inicial de divórcio, o A. requereu a restituição do referido prédio;
qqqqq) A R. foi citada para a acção de divórcio no dia 5/4/01;
rrrrr) A R. foi notificada da réplica do A., no âmbito da acção de divórcio, no dia 20 de Junho de 2006.”

           O DIREITO.
         
          Da impugnação da matéria de facto.

Tendo os presentes autos sido instaurados em 2006 e sentença recorrida proferida em 28.09.2012, considera-se aplicável ao presente recurso as disposições do Código de Processo Civil na versão anterior à dada pelo DL 303/2007, de 24.08.

O recorrente nas conclusões I. e II. das alegações de recurso questiona as respostas que foram dadas à matéria de facto pelo tribunal recorrido, relativamente aos 3 primeiros quesitos, dizendo que terão “de ser reanalisados por forma a incluir a “versão” dos peritos do Autor”, uma vez que a “ resposta aos 3 primeiros quesitos apenas teve em conta a peritagem realizada pelos peritos da Ré e pelo perito nomeado pelo Tribunal.”.
           
Como se referirá infra, a pretensão do recorrente não colhe, pois, além de não se mostrar fundamentada, pois o relatório pericial de fls. 1480 não é o relatório dos peritos da recorrida, estando o mesmo também subscrito pelo perito designado pelo tribunal, o recorrente não indica o sentido em que pretende ver alteradas as respostas dadas, apenas referindo que devem “ser reanalisados por forma a incluir a “versão” dos peritos do Autor”.

Nas conclusões III. a XLVIII. das alegações de recurso o recorrente o recorrente impugna a matéria de facto em relação às respostas dadas aos quesitos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º. 11º, 13º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º a 65º.

Fundamenta a sua impugnação “nos depoimentos das testemunhas que seguem em anexo ao presente recurso” (cfr. conclusão III.), referindo na conclusão XLVIII. que “As análises das testemunhas constantes do capítulo V das presentes alegações, permite compreender quanto está errada a apreciação da prova produzida e a necessidade premente em que a sua qualificação seja alterada.”

Entende que existe uma deficiente apreciação das provas carreadas para os autos “que importa verificar e reavaliar” (cfr. conclusão XLV.).

Vejamos.

Como supra se referiu, ao presente recurso são aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil na versão anterior à introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08.

Nos presentes autos a audiência de julgamento foi objecto de registo, através de gravação sonora dos depoimentos prestados (cfr. artº 522º-C do CPC na redacção dada DL 183/2000, de 10.08, aplicável aos presentes autos).
Para poder ser impugnada a matéria de facto, tem o impugnante, antes de mais, que dar integral cumprimento ao preceituado nos artºs 690º-A, nºs 1 e 2 e 522º-C, ambos do CPC, na redacção anterior à dada pelo DL nº 303/07, de 24.08, e aqui aplicável.

          Dispõe o artº690º-A, nºs 1 e 2 do CPC o seguinte:

“1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C.

Ora, compulsadas as conclusões das alegações de recurso, verifica-se que o apelante não deu cumprimento ao disposto naqueles nºs 1 e 2 do citado normativo, sendo que nas conclusões se deve cumprir tal ónus, de forma sintética é certo, uma vez que são estas que delimitam o objecto o recurso – cfr. artºs 690º, nº1 e 684º, nº3 do CPC na redacção aplicável – mas sempre com enunciação dos pontos concretos de facto a reapreciar e respectivos depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, ou seja por referência ao início e ao termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, o que no caso se não verifica, nem nas conclusões nem no corpo alegatório.

Acresce que o recorrente, nas suas conclusões, não indica de forma precisa e concreta os factos que considera incorrectamente julgados pelo tribunal a quo, assim como não indica aqueles que, de acordo com os seus argumentos, considera demonstrados.

Também não indica as eventuais respostas à matéria de facto que pretende sejam alcançadas neste tribunal com tal impugnação.

O recorrente, de uma forma genérica e global, nas suas conclusões remete para “capítulos” das suas alegações e nestas para o documento que junta. Este é a transcrição integral do julgamento.

O recorrente não cumpriu nenhum dos ónus previstos n o artº690º-A, nºs 1 e 2 do CPC, limitando-se a juntar, como um documento, 1217 páginas com a transcrição integral das sessões de julgamento, sem assinalar nas alegações as concretas passagens dos depoimentos e dos esclarecimentos em que funda a sua impugnação e sem que assinale, de acordo com as regras supra referidas, o início e o termo do depoimento com referência à acta.

Por outro lado, nos referidos “capítulos” o recorrente, referindo-se, é certo a determinadas testemunhas, faz uma apreciação crítica sua dos depoimentos de tais testemunhas, descrevendo-os e formulando conclusões sobre os mesmos, o que não é o mesmo que fazer referência ao início e ao termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, tal como a lei impõe, e, relativamente a algumas respostas dadas aos quesitos que indica, limita-se a dizer que “não as percebe, que não fazem sentido, que são estranhas e até bizarras”, tal como a recorrida refere e com razão.

Também o recorrente alega factos que, de todo, não foram alegados em 1ª instância, e que neste tribunal de recurso não podem ser conhecidos.

Relativamente à prova documental, o recorrente não identifica os documentos aos quais faz alusão, ainda que vaga. 

O recorrente pretende a alteração das respostas dadas pelo tribunal a quo a 62 dos 79 quesitos constantes da base instrutória, assim justificando a sua pretensão em ver invertida a decisão ora recorrida, através de um novo julgamento, agora neste tribunal de recurso.

Como é sabido e é pacífico na jurisprudência e na doutrina, o recurso da decisão sobre a matéria de facto não pode servir para reapreciar, ex novo, toda a prova produzida, por muito que a decisão proferida em 1.ª instância e as respostas à matéria de facto se encontrassem insuficientemente fundamentadas, o que não é o caso dos autos, onde tal fundamentação é clara, objectiva e manifestamente suficiente (cfr. decisão a fls. 2153 a 2188 dos autos).

“… quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, para tal atendendo aos elementos acima enunciados. E a alusão aos «pontos da matéria de facto», contida no n.º 2 do art. 712º, visa «acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do n.º 1 do art. 690º-A: na verdade, o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente.”- cfr. Ac. do STJ de 19.03.2009, in Proc. 08B3745, disponível in www.dgsi.pt.

Sendo o presente recurso de apelação interposto da decisão que julgou a matéria de facto um recurso de reponderação, modelo de recurso que o legislador do CPC desde o CPC de 1939 tem mantido até hoje, por opção de política legislativa, (à excepção da possibilidade prevista no artº 712º, nº3 do CPC que se aproxima do recurso de reexame) a alusão da lei aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, só pode querer significar a especificação dos referidos meios probatórios de forma a que os mesmos se apresentem definidos, particulares, determinados, e não invocados de forma genérica, quando se trata de depoimentos de determinadas testemunhas, ainda que se transcrevam nas alegações, a totalidade, ou parte, dos depoimentos em causa.

Por outro lado, perante a existência do duplo grau de jurisdição quanto à apreciação da matéria de facto, tem o Tribunal da Relação como função, entre outras, o dever de alterar a decisão proferida pela primeira instância, sobre a matéria de facto, quando impugnada em sede de recurso, (e mesmo oficiosamente, conforme o estatuído no actual artigo 662.º do CPC), apresentando-se tal tarefa, na maior parte os casos como complexa, complexidade que consiste em captar, com sentido crítico, os factos controvertidos a partir da narração que é trazida, mormente, pela prova testemunhal produzida em audiência de julgamento em 1ª instância.

Efectivamente, pretendendo-se que, ao nível da decisão proferida sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação a altere, tendo em conta os depoimentos gravados, então, e para tanto, o recorrente terá que dar cumprimento aos ónus que sobre si recaem, como contrapartida legal do dever de reapreciação da matéria de facto impugnada, assim se assegurando o efectivo duplo grau de jurisdição quanto à apreciação da matéria de facto.

A inobservância de algum desses ónus tem como consequência a rejeição imediata do recurso, não sendo admissível despacho de convite ao aperfeiçoamento, como resulta do confronto com o artº 690º do mesmo CPC que apenas prevê tal despacho relativamente aos recursos da matéria de direito.

Como se considerou no Acórdão da RC, datado de 24.02.2015, in Proc. 145/12.4TBPBL.C1, disponível in www.dgsi.pt, “ (…) na vigência da redacção dada ao artº 690-A [3] pelo DL nº 183/2000, atente-se na decisão proferida pelo STJ em 14-07-2010, (Recurso n.º 3846/08.4 - 4.ª Secção) e assim sumariada [4]: «II - O ónus de especificação imposto pelo artigo 690.º-A, ns.º 1 e 2, do CPC, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto que indique, além dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova constantes da gravação, ou seja, os depoimentos em que se baseia a impugnação, o que se destina a garantir que a parte fundamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto, o que significa que a recorrente não está dispensada de, em relação a cada um dos pontos de facto, exprimir, através da análise e interpretação do teor dos depoimentos adrede convocados, as razões por que discorda da decisão.
III - A sobredita exigência não se mostra satisfeita pela mera remissão para depoimentos indicados para alicerçar a imputação de erro na apreciação da prova relativa a matéria de facto constante de outros quesitos, quando o recorrente não expressa em que medida os mesmos depoimentos comportam o sentido que se pretende fazer valer em relação a cada ponto factual impugnado, por forma a que o tribunal descortine as razões pelas quais o recorrente discorda do decidido.».[5]
Também esta Relação de Coimbra, no Acórdão de 23/02/2011 (Apelação nº 1041/05.7TBLRA.C1)[6], evidenciou que os artºs 712.º e 690.º-A do CPC, “…impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa, suficientemente enunciada e sugerida, da proferida na 1.ª Instância.”[7].
(…)

O legislador do DL 39/95, de 15 de Fevereiro, acentua, no respectivo preâmbulo, a natureza de “válvula de segurança” - para obviar à utilização abusiva do recurso sobre a matéria de facto -, que representava o ónus do recorrente, estabelecido no preceito, no que concerne à delimitação do objecto do recurso, dizendo: “Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.
Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.».
Sabendo-se que o preâmbulo não possui força vinculativa, mas que não deixa de constituir um elemento histórico importante na função de interpretar o texto legal [9], importa salientar que, “in casu”, segundo, nos parece, o texto do preceito em causa compagina-se com o desiderato referido no transcrito trecho do preâmbulo do DL 39/95.
O DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, veio, além do mais, alterar a redacção do 690º-A, deixando este preceito de impor ao recorrente o ónus de transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação dos depoimentos, passando a constar do seu nº 2: «No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.».
Coerentemente, com a alteração introduzida ao artº 690-A, o aludido DL nº 183/2000, veio aditar ao 522-C, um nº 2, determinando que, quando houvesse lugar a registo áudio ou vídeo, deveria ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.[10]
Foi esta a primeira significativa modificação ao ónus primitivamente imposto pelo Artº 690-A ao recorrente, ónus esse que, tomado o preceito “ao pé da letra”, passou a ter diminuta expressão e quase nenhum relevo em termos de cooperação com o Tribunal de recurso, pois que a indicação exigida, pouco ou nada adiantava relativamente ao que a lei determinava que constasse da acta.
Não obstante a alteração que o DL nº 183/2000 introduziu ao artº 690-A, que, sem margem para dúvidas, visou eliminar a transcrição obrigatória que originariamente este preceito previa, o recorrente que visasse impugnar a matéria de facto, não poderia deixar de fundamentar a sua pretensão demonstrando ter havido erro no julgamento de facto.
Daí que não satisfizesse a indicação pretendia pela lei, a crítica a determinado ponto da matéria de facto, alicerçada em remissão genérica para os depoimentos de determinadas testemunhas, ainda que se transcrevesse, nas alegações, a totalidade, ou parte, dos depoimentos em causa.
E é assim que, não obstante a referida alteração introduzida pelo DL nº 183/2000 ao artº 690-A, do CPC, se compreendem entendimentos como aquele que foi expresso no aresto do STJ, de 08-11-2007 (Revista n.º 3445/07 - 7.ª Secção), assim sumariado: «I - O recorrente que pretenda impugnar na apelação a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá indicar os pontos de facto que considere incorrectamente julgados e especificar ou concretizar os pontos dos depoimentos testemunhais que, no seu entender, impõem diferente resposta (art. 690.º-A, n.º 1, al. b), do CPC).
II - A mera indicação dos depoimentos prestados sobre os pontos da matéria de facto impugnados não cumpre suficientemente a exigência legal, sendo ainda necessário que se especifiquem as passagens desses depoimentos que concretamente levem à alteração da decisão de facto proferida.».
Ora, o art. 690º-A veio a ser revogado pelo DL 303/2007, de 24/08, substituindo-o o art. 685º-B, cujo nº 2, como inicialmente se disse, impunha ao recorrente que impugnasse a matéria de facto com base no erro de valoração dos depoimentos, que especificasse aqueles em que se alicerçava e que indicasse, com exactidão, as passagens da gravação em que se fundava, sem prejuízo, de, a acrescer ao assim exigido, se lhe permitir que, por sua iniciativa, procedesse à transcrição dessas passagens.
A mesma indicação é exigida, actualmente, como acima se viu, pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, que, para além dela, também possibilita ao recorrente proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Do exposto resulta, por um lado, que a exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no referido 685º-B, nº 2 e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivaleria a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens. (…) ”.

Ora, perante o modo como o recorrente impugna a matéria de facto, pode afirmar-se que não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão da matéria de facto, desde logo porque a reapreciação pretendida versa, no essencial, sobre quase toda a matéria de facto controvertida nos autos, mais propriamente sobre os factos alegados pelas partes quanto ao pedido reconvencional.  

Face aos ónus previstos na lei, se, por um lado, a reapreciação de toda a matéria de facto e prova produzida não é consentida pela lei, na medida em que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto visa apenas detectar erros pontuais na apreciação da matéria de facto e não converter a reapreciação na realização de um novo julgamento, quiçá com vista a uma inversão total do decidido pelo tribunal recorrido, por outro lado, o recorrente não cumpriu com nenhum dos ónus previstos no artº 690º-A, nºs 1 e 2 do CPC, ónus da indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que, por si só determina a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto vertida nas conclusões III. a XLVIII. das alegações de recurso.
         
Relembre-se que “Não obstante a alteração que o DL nº 183/2000 introduziu ao artº 690-A, que, sem margem para dúvidas, visou eliminar a transcrição obrigatória que originariamente este preceito previa, os recorrentes que impugnem a matéria de facto, não podem deixar de fundamentar a sua pretensão demonstrando ter havido erro no julgamento de facto.

Daí que não satisfizesse a indicação pretendia pela lei, a crítica a determinado ponto da matéria de facto, alicerçada em remissão genérica para os depoimentos de determinadas testemunhas, ainda que se transcrevesse, nas alegações, a totalidade, ou parte, dos depoimentos em causa.

Ora, a indicação dos “concretos meios probatórios” que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, impunham decisão diversa da recorrida, suficientemente enunciada e sugerida – cfr. artº 690º-A do CPC – consubstanciando um ónus deste, visa, entre o mais, que o tribunal, bem como o recorrido que pretenda usar do disposto no art.º 690º-A, nº3, do CPC, com maior facilidade e com menor dispêndio de tempo, localizem, na totalidade do depoimento constante do suporte físico em que ficou registado aquilo que, desse depoimento, o recorrente elege como determinante, para, ainda que em conjugação com outros elementos de prova, alcance a alteração pretendida, no que respeita à decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal “a quo”.

Seguramente que o Tribunal “ad quem” não ficará restringido ao exame, na prova registada, das passagens que o recorrente indica, podendo, para além da análise das mesmas, e das passagens que eventualmente o recorrido também indique, proceder à audição daquilo que entender dos depoimentos prestados, com vista a alcançar a sua convicção sobre os factos impugnados (artº712º, nº2 do CPC), o que decorre do facto de os referidos “concretos meios probatórios ”, integrarem visão atomística do depoimento em que se inserem, podendo, noutros pontos do mesmo, a pessoa que o prestou, mostrar menor segurança sobre essa matéria, rectificá-la ou, até, contradizê-la.

Ao que acresce o facto de a indicação que a norma em causa exige ter também, “a virtualidade de comprometer o recorrente com aquilo que efectivamente entende como relevante para provocar a alteração factual que pretende, obviando a que a parte se refugie numa indicação genérica, ou com uma tal amplitude que acabe por equivaler ao indicar da totalidade do depoimento, ou pouco menos.” (cfr. Ac. RC citado)
           
Não sendo de aplicar oficiosamente o disposto no artº 712º, nº1º, a) o CPC, que dispõe “A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa” e não se verificando as propugnadas alterações da matéria de facto, impõe-se concluir que o julgamento de direito constante da sentença recorrida não é passível de qualquer alteração, não tendo a mesma violado as disposições legais invocadas pela recorrente.

Nestes termos, pelos fundamentos adiantados, impõe-se a rejeição do recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se inalterado o julgamento de direito efectuado pelo tribunal a quo, devendo a sentença recorrida ser confirmada, com o não provimento do recurso quanto ao mérito da sentença recorrida.

          DECISÃO:

Acordam, pois, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, ...ª Secção Cível em:
          a) – negar provimento ao recurso de apelação confirmando a sentença recorrida;
          b) – condenar o recorrente nas custas.


LISBOA, 19.11.2015


Magda Geraldes
Farinha Alves
Tibério Silva