Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8790/23.6T8LSB.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
DENÚNCIA PELO SENHORIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/17/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário: (art.º 663º nº 7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)
1. O recurso deve ser rejeitado, apenas na parte relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quando as conclusões da apelação apresentada sejam completamente omissas sobre essa concreta matéria, pois não é legalmente possível o despacho de aperfeiçoamento para suprimento dessa omissão e as conclusões tem por efeito a delimitação do objeto do recurso.
2. O contrato de arrendamento para habitação, celebrado em 2002, portanto, na vigência do R.A.U. aprovado pelo Dec.Lei n.º 321-B/90 de 15 de outubro, pelo qual foi convencionado que vigoraria pelo prazo de 5 anos, renovável por períodos de 3 anos, pode ser denunciado pelo senhorio, por oposição à sua renovação (cfr. Art. 26.º n.º 1 e n.º 3 do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro), respeitando-se as formalidades legais e a antecedência prevista no Art. 1055.º n.º 1 al. b) do C.C.).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
F, S.A. veio intentar a presente ação de despejo, em processo declarativo comum, contra VA e JA, pedindo que seja declarada a caducidade do contrato celebrado com os R.R., com efeitos a 30/11/2022; e que os R.R. sejam condenados a entregar à A. o locado, livre e devoluto de pessoas e bens; a pagar a quantia de €448,00, a título de indemnização devida pela mora na entrega da restituição do locado desde o dia seguinte à data do termo do contrato (1.12.2022) até à data da presente ação (31.03.2023); a pagar a indemnização mensal €112,00, devida pela mora na entrega da restituição do locado a partir da data da presente ação e até à sua efetiva desocupação e entrega à A., livre e devoluto de pessoas e bens; e a pagar juros de mora, à taxa de 4%, sobre essas quantias referidas até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, que é proprietária do prédio urbano sito na … Rua …, n.º 281, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Ajuda sob o artigo …, o qual é composto por 26 moradias com utilização independente, sendo os R.R. arrendatários da moradia n.º 292, qualidade que lhe adveio de terem celebrado, em 09/11/2002, contrato de arrendamento com os primitivos proprietários, o qual foi estabelecido pelo prazo de cinco anos, com início em 01/12/2002 e termo em 01/12/2007, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de 3 anos.
No entanto, por carta registada com aviso de receção, a A. comunicou a oposição à renovação do contrato de arrendamento, pelo que o contrato deixou de produzir efeitos em 30/11/2022, não tendo, porém, os RR. desocupado o locado.
Na sequência, a A., em 09/01/2023, enviou comunicações a interpelá-los para entrega do locado, sendo que até à presente data os R.R. não responderam à A., nem tão pouco entregaram o locado livre e devoluto de pessoas e bens.
Mais alega que não tenho sido entregue o locado em 30/11/2022, os R.R. entraram em mora quanto a essa obrigação, pelo que a A. tem direito a uma indemnização mensal equivalente ao dobro da renda, desde a data em que se iniciou a mora até à entrega efetiva do locado, o que equivale ao montante de €56 a contar de 01/12/2022 e perfazia, até à data da propositura da ação, a quantia de €448.
Citados os R.R. contestaram, alegando que o R. vive na moradia em causa desde que nasceu com os seus avós, que eram os arrendatários da mesma, tendo-se transmitido o arrendamento para o R., nos termos do R.A.U., após o óbito da sua avó, que veio a falecer posteriormente ao seu avô. No entanto, as herdeiras da primitiva senhoria convenceram o R. a assinar o contrato em causa nos autos, para que pudesse continuar a habitar no locado, pelo que esta situação determina a anulabilidade do contrato. Mas, ainda que assim se não entendesse, parte da casa é constituída por uma edificação levantada pelos R.R., em terreno municipal, com ligação interior à parte que a A. afirma ser proprietária, tendo sido feitas obras modo a dotar a habitação de mais um piso habitável, pelo que sempre seria exigível que se procedesse à prévia separação física, antes de qualquer entrega.
Deduziram ainda reconvenção, alegando que procederam a benfeitorias necessárias no locado, sem oposição do senhorio, nomeadamente a instalações elétricas, a construção de rede interna de água e esgotos, a construção de uma casa de banho, reboco de toda a construção que se encontrava em tijolo, e a pintura, por várias vezes, de todas as divisões, o que avaliam em €30.000,00.
Concluem pedindo que se reconheça e se declare que o primitivo contrato de arrendamento não caducou por morte da avó do R., …, e se lhe transmitiu nos termos do n.º 4 do art.º 85.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10; que o contrato de arrendamento invocado pela A., como fundamento do pedido, seja anulado e de nenhum efeito, por ter sido subscrito pelo aqui R., apenas e tão só, porque foi intencionalmente induzido em erro pelas herdeiras do primitivo senhorio, DM e GM que lhe declararam que à morte da sua avó, o contrato de arrendamento caducara - o que não era verdade; caso assim se não entendesse, que se procedesse à prévia separação física entre o locado e a construção feita pelos RR. em terreno municipal, antes de se fazer a entrega do locado; e, a efetuar-se o despejo, deveriam os R.R. ser indemnizados pelo valor das benfeitorias necessárias no locado, realizadas sem oposição do senhorio, valor que os R.R. estimam em €30.000,00.
A A. replicou, impugnando os factos relativos à reconvenção e alegando, no essencial, que os R.R. não comunicaram à primitiva senhoria a realização de benfeitorias, nem alegam factos que permitam qualificar tais benfeitorias como necessárias. No final, conclui pedindo que seja julgada improcedente a reconvenção e, em consequência, que a A. seja absolvida da reconvenção.
Findos os articulados, realizou-se a audiência prévia, admitindo-se a reconvenção e procedendo-se à identificação do litígio e dos temas de prova, fixando-se logo os factos assentes e, na sequência, admitindo-se os meios de prova requeridos pelas partes, designou-se a audiência final.
Produzida a prova e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decidiu:
«a) Declarar a caducidade do contrato de arrendamento para habitação celebrado no dia 09 de Novembro de 2002, com o R., com efeitos a 01/12/2002, o qual teve por objeto a moradia n.º 292 do prédio urbano sito na …, Rua …, n.º 281, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e, inscrito na matriz predial urbana da freguesa da Ajuda sob o artigo …;
«b) Condenar o R. a proceder à entrega de imediato da moradia n.º 292 referida na alínea a) livre e devoluta de pessoas e bens;
«c) Condenar o R. no pagamento à A. da quantia de €448 (quatrocentos e quarenta e oito euros), a título de indemnização devida pela mora na entrega da restituição da moradia referida em a) e b);
«d) Condenar o R. no pagamento à A. da indemnização mensal de €112,00 (cento e doze euros) devida pela mora na entrega da restituição da moradia referida em a) e b) a partir de 31/03/2023 até à efetiva desocupação e entrega à A., livre e devoluta de pessoas e bens; absolvendo-se, no mais, os RR. dos pedidos deduzidos pela A.».
Mais julgou a reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a A. do pedido reconvencional deduzido pelos R.R..
É dessa sentença que os R.R. vem agora interpor de recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A) A M. Juiz a quo violou as regras respeitantes à transmissão por morte dos arrendamentos para habitação, nomeadamente os artigos n.ºs 1111.º do Código Civil, na sua redação originária bem como a disposição do n.º 4 do art.º 85.º do Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15/10 (alterado pela Lei n.º 135/99, de 28/08, ao decidir que o contrato de arrendamento de que fora titular o avô do R. aqui recorrente não se transmitira para este. Com efeito,
B) O avô do R. JA, tomou de arrendamento a moradia n.º 292 …, …, em Lisboa, ao respetivo proprietário, AM, pelo menos desde 1949.
C) O AA1 faleceu em 21/02/1977, no estado de casado com AA2, avó do R. JA.
D) Por morte do AA1 o arrendamento da moradia 292 transmitiu-se para a sua viúva, a referida AA2, por força do art.º 1111.º/1 dp Cód. Civil, na sua redação originária.
E) Esta AA2 veio a falecer em 22/09/2002.
F) À data do óbito de sua avó, era o R. JA o único parente em linha reta que com ela coabitava, como aliás acontecia desde que nasceu, e sem que alguma vez tenha residido noutro local.
G) O arrendamento que se transmitira do seu avô para sua avó, transmitiu-se, à data do óbito desta para o R. JA, seu neto, por força do disposto no n.º 4 do art.º 85.º do Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15/10 (alterado pela Lei n.º 135/99, de 28/08).
H) Porque não estava devidamente informado e as herdeiras do AM o informaram erradamente de que o contrato não passaria da avó para o neto, o R. JA aceitou subscrever o contrato que a A. deu aos autos, de duração limitada de cinco anos, após a promessa de que o arrendamento se manteria enquanto a renda fosse regularmente paga.
I) O que não aconteceu, culminando na oposição à renovação do contrato.
J) Só após ter recebido a declaração da oposição à renovação do contrato é que os RR. - que até aí não sentiram necessidade de o fazer, confiados que estavam na informação recebida das herdeiras de AM - procuraram aconselhamento profissional e se deram conta do erro em que o R. JA caíra, e com base no qual formou a sua vontade.
K) Porque o contrato de arrendamento subscrito pelo R. JA em 08/11/2002, no qual este se limitou a apor a sua assinatura - tratava-se de um modelo pré-impresso com as partes variáveis já preenchidas pelo primeiro outorgante, AG - o foi devido a erro na formação da sua vontade, tal contrato é anulável.
L) Ao longo de muitos anos, como as testemunhas provaram sem margem para dúvidas, os senhorios não procederam a quaisquer obras de manutenção ordinária ou extraordinária, tendo sido os moradores a proceder às obras necessárias, desde o abastecimento de água, de eletricidade, as canalizações para as casas de banho que tiveram de construir fora de casa, pinturas, telhados, etc. Todos e cada um dos moradores se viram constrangidos a essas obras e também o avô do R. JA e ele próprio.
M) Tais obras decorreram ao longo do tempo, num ambiente de economia informal em que não eram emitidos documentos ou não se procedia à sua guarda.
N) Se o despejo requerido procedesse haveria que indemnizar o arrendatário pelas obras efetuadas, o que foi pedido em reconvenção.
O) Não havendo base segura para o cálculo desse indemnização, nem por isso deveria a M. Juiz a quo abster-se de condenar nessa indemnização, relegando-se esse cálculo para a liquidação a requerer nos termos do disposto no art.º 716.º CPC.
Pedem assim a procedência do recurso, reconhecendo-se o vício de vontade que conduziu a que o R. subscrevesse um contrato de arrendamento para habitação de duração limitada, anulando-se tal contrato subscrito em 08/11/2002 e reconhecendo-se a transmissão do arrendamento por morte da avó do R., JA, para ele, absolvendo-se os RR. do pedido. Mas, caso assim se não entendesse, deveria a reconvenção ser julgada procedente, condenando-se a A. no pagamento de justa indemnização, após liquidação a requerer nos termos do Art. 716.º do C.P.C..
A A. respondeu ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
A. Os Apelantes interpuseram recurso da Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 08.11.2024, que veio julgar a ação parcialmente procedente, por provada, declarando a caducidade do contrato de arrendamento para habitação objeto dos presentes autos e condenando os Réus a proceder à entrega do Locado livre e devoluto de pessoas e bens, a pagar a quantia de €448,00 (quatrocentos e quarenta e oito euros) a título de indemnização devida pela mora na entrega da restituição do Locado, bem como indemnização mensal de €112,00 (cento e doze euros) devida pela mora na entrega da restituição do Locado a partir de 31.03.2023 até à efetiva desocupação e entrega à Autora, livre e devoluta de pessoas e bens.
B. A sentença ora em crise julgou ainda totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção apresentada pelos Réus, absolvendo a Autora do pedido reconvencional naquela deduzido.
C. No entender da Apelada, a Sentença não merece qualquer reparo ou censura, devendo ser mantida na íntegra.
D. Os Apelantes procedem a uma verdadeira impugnação da matéria de facto, sem, contudo, cumprir os requisitos exigidos pelos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil.
E. De facto, amiúde se verifica que a impugnação não especifica de forma clara os concretos pontos de facto incorretamente julgados, os meios probatórios que imporiam decisão diversa nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida.
F. Verifica-se, assim, a violação dos ónus de alegação e formulação de conclusões previstos no artigos 639.º do CPC, bem como o consagrado no artigo 640.º do CPC, o que impõe a rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
G. Ainda que se admitisse a reapreciação da matéria de facto, a alteração pretendida pelos Apelantes seria irrelevante para o desfecho da causa, pois não altera a fundamentação jurídica adotada pelo Tribunal a quo.
H. Não se verifica qualquer erro manifesto na apreciação da prova que justifique a modificação da decisão sobre a matéria de facto nos termos do artigo 662.º do CPC.
I. O recurso deve, pois, ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por incumprimento dos requisitos legais e por inoperância das modificações pretendidas.
J. A circunstância de a Apelada ter comunicado a oposição à renovação e intentado a presente ação contra ambos os Apelantes não implica a admissão de que o Locado objeto dos presentes autos constitui casa de morada de família.
K. Ainda que os Apelantes pretendessem provar que o Locado é a casa de morada de família dos Apelantes, não foram oferecidos meios de prova com vista a provar esse facto, como lhes incumbia, tendo, assim, de improceder por completo esta pretensão, devendo a Sentença ser mantida.
L. A tentativa dos Apelantes de contrariar o facto não provado n.º 2 assenta em documentos cuja junção aos autos foi rejeitada por despacho proferido em audiência final, decisão essa que transitou em julgado.
M. Nos termos dos artigos 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 2, al. d), e 628.º do CPC, o prazo para interposição de recurso desse despacho era de 15 dias, tendo os Apelantes deixado ultrapassar esse prazo, tornando definitiva a decisão de desentranhamento.
N. Consequentemente, os Apelantes não podem agora, em sede de recurso de sentença, pretender a valoração dos documentos rejeitados, por se tratar de questão extemporânea e estranha aos autos.
O. Ademais, ainda que se considerasse provado o facto em questão, tal não alteraria a solução jurídica adotada pelo Tribunal a quo quanto à caducidade do contrato de arrendamento, tornando-se, por isso, irrelevante para a decisão final do presente recurso.
P. Os Apelantes não lograram demonstrar que o contrato de arrendamento foi transmitido para AA2.
Q. A documentação apresentada pelos Apelantes – uma comunicação da Câmara Municipal de Lisboa sobre a inumação de AA1 – não permite comprovar o estado civil deste à data do óbito.
R. Não tendo sido feita prova concludente da transmissão da posição de inquilino, o Tribunal a quo decidiu corretamente ao considerar não provado o facto alegado pelos Apelantes.
S. Os Apelantes alegaram que o Réu JA era o único descendente que residia com a sua avó à data da morte desta, facto que, por inferência, levaria à conclusão de que também residia com os avós aquando do falecimento do avô, AA1.
T. No entanto, os Apelantes não fizeram prova concludente desse facto, não juntando aos autos qualquer elemento que demonstrasse que (i) o Réu JA sempre residiu com os seus avós no Locado ou (ii) que era o único descendente que habitava com a sua avó à data da morte do seu avô.
U. A mera invocação da norma jurídica aplicável não é suficiente para provar os factos que fundamentam a transmissão do contrato de arrendamento por morte do primitivo arrendatário, incumbindo aos Apelantes o ónus da prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
V. Assim, não tendo sido feita a necessária demonstração probatória, o Tribunal a quo decidiu corretamente ao considerar não provado o facto alegado, pelo que deve ser mantida a decisão da 1.ª Instância.
W. Os Apelantes pretendem que se dê como provado que o primitivo arrendatário, AG, preencheu as partes variáveis do contrato de arrendamento, baseando-se no depoimento da testemunha JF.
X. Contudo, da gravação da audiência final resulta apenas que a testemunha reconheceu a assinatura dos seus tios, sem que tenha afirmado que foram estes a preencher as partes variáveis do contrato.
Y. Nos termos dos artigos 388.º do Código Civil e 482.º do Código de Processo Civil, a prova pericial é o meio adequado para aferir a autoria da caligrafia, não bastando um simples exame visual do documento.
Z. Ainda que este facto fosse considerado provado, o que não se admite, tal não sustentaria a alegação dos Apelantes de que o Réu assinou o contrato sem conhecimento do seu conteúdo ou sob assédio, sendo estas alegações infundadas.
AA. Tribunal a quo decidiu corretamente ao dar este facto como não provado, devendo a sentença ser mantida.
BB. Os Apelantes não lograram provar que as herdeiras do primitivo senhorio, DM e GM, assediaram o Réu JA, tentando convencê-lo de que teria de assinar um novo contrato de arrendamento para permanecer no Locado.
CC. O Tribunal a quo concluiu, de forma fundamentada, que não foi feita prova de qualquer conduta semelhante a assédio por parte de DM e GM, nem de que o Réu JA tenha assinado o contrato em erro, nos termos do artigo 253.º do Código Civil.
DD. Não se provou que as referidas herdeiras persuadiram o Réu JA de que o contrato de arrendamento anterior não se lhe transmitira por morte da sua avó.
EE. O Tribunal a quo, corretamente, concluiu que não há qualquer meio de prova que sustente as alegações dos Apelantes sobre um suposto erro na formação da vontade do Réu JA ao assinar o contrato de arrendamento.
FF. A argumentação dos Apelantes, baseada em considerações subjetivas sobre a posição imobiliária do Locado e a situação do Réu, não encontra qualquer suporte probatório nos autos.
GG. Não há qualquer indício nos autos que demonstre que a Autora, que adquiriu o imóvel apenas em 2020, teve qualquer envolvimento na celebração do contrato de arrendamento em 2002.
HH. O próprio Réu JA, em sede de declarações de parte, confirmou que celebrou conscientemente um novo contrato de arrendamento com os primitivos proprietários, sem qualquer erro ou vício da vontade.
II. Não se verificam indícios de que as proprietárias DM e GM tenham agido dolosamente para enganar o Réu JA, nem de que tenha havido qualquer ameaça de despejo para forçá-lo a assinar o contrato.
JJ. O contrato de arrendamento celebrado em 09.11.2002 entre o Réu JA e os primitivos proprietários é válido e eficaz, tendo caducado por oposição à renovação.
KK. Os Apelantes alegam, em síntese, que realizaram obras no Locado e que, consequentemente, têm direito a uma indemnização no valor de €30.000,00.
LL. O Tribunal a quo considerou, de forma fundamentada, que os Apelantes não provaram a realização das referidas obras nem o seu custo, não logrando demonstrar que se tratavam de benfeitorias necessárias.
MM. A Apelada demonstrou que: (i) nunca teve conhecimento da realização de obras de benfeitoria pelos arrendatários; (ii) não foi apresentado qualquer meio de prova que confirmasse a realização de tais benfeitorias; (iii) não há evidências de qualquer despesa nesse sentido; e (iv) as supostas obras não configuram benfeitorias necessárias.
NN. O único documento apresentado para sustentar a realização de obras, uma planta desenhada à mão, é manifestamente insuficiente para fazer prova do alegado.
OO. Os depoimentos das testemunhas GF e JF não permitem concluir que os Apelantes tenham efetuado qualquer obra no Locado, sendo que a testemunha GF apenas referiu que os inquilinos vizinhos costumavam realizar obras sem conhecimento dos proprietários.
PP. A prova testemunhal permitiu ao Tribunal a quo concluir que, caso tenham existido obras no Locado, estas foram realizadas por anteriores arrendatários há mais de 48 anos.
QQ. O Tribunal a quo concluiu, com base nos depoimentos das testemunhas, que não há elementos que permitam identificar com certeza quais obras foram realizadas pelos Apelantes, nem quando foram feitas, impossibilitando qualquer reconhecimento da alegada indemnização.
RR. Mesmo que se admitisse a realização de obras, o que se equaciona apenas por cautela de patrocínio, não há qualquer fundamentação jurídica para classificá-las como benfeitorias necessárias, dado que não se provou que fossem indispensáveis à conservação do Locado nos termos do artigo 216.º, n.º 3, do Código Civil.
SS. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que o ónus da prova sobre a natureza e necessidade das benfeitorias recai sobre quem reivindica a indemnização, cabendo aos Apelantes alegar e provar que as obras eram essenciais à preservação do imóvel – o que não foi feito.
TT. A testemunha JF confirmou que nunca autorizou quaisquer obras no Locado, nem foi informado sobre a sua realização, reforçando a inexistência de qualquer direito indemnizatório por parte dos Apelantes.
UU. A Cláusula Oitava do contrato de arrendamento exige autorização escrita para a realização de obras, o que os Apelantes não solicitaram nem obtiveram, inviabilizando qualquer pretensão indemnizatória.
VV. Assim, a pretensão dos Apelantes deve improceder, devendo ser mantida na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo – tal como, importa referir, se aplicará a todos os aspetos aqui abordados.
Pede assim a improcedência total do recurso.
         Por despacho do Relator foram os Recorrentes convidados a exercer o contraditório relativamente às questões suscitadas nas contra-alegaões relacionadas com a rejeição do recurso por extemporaneidade e por falta de cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto.
Os R.R. vieram então pugnar  pela tempestividade do recurso nos termos do Art. 638.º n.º 1 e n.º 7 do C.P.C. e, quanto ao cumprimento dos ónus de impugnação, expressaram o entendimento que deram cumprimento suficiente do estipulado no Art. 640.º do C.P.C., identificando os factos que
consideraram incorretamente julgados, as provas documentais e testemunhais gravadas e o sentido em que, no seu entender, aquela concreta matéria de facto deveria ter sido julgada.
O Relator, em decisão singular, ao apreciar a admissibilidade do recurso, já se pronunciou sobre a tempestividade do recurso assim interposto.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5.º n.º 3 do C.P.C.). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A impugnação da matéria de facto e sua eventual rejeição e influência sobre a tempestividade do recurso apresentado;
b) A transmissão do direito ao arrendamento para o R.;
c) O erro-vício na celebração do contrato de arrendamento com o R.;
d) A caducidade desse contrato de arrendamento; e
e) A reconvenção relativa a indemnização por benfeitorias.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A A. é dona do prédio sito na …, Rua …, n.º 281 (número de polícia), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, freguesia da Ajuda e, inscrito na matriz predial da freguesia da Ajuda sob o artigo ….
2. O prédio referido em 1) é composto por 26 moradias com utilização independente e, o R. é arrendatário da moradia n.º 292.
3. Em 09.11.2002, o R. celebrou com os donos primitivos, acordo escrito denominado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO EM PERÍODO LIMITADO (5 anos)”, nos termos do escrito n.º 3 junto com a petição inicial que se dá por reproduzido.
4. O acordo referido em 3) foi celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início em 01.12.2002 e termo em 01.12.2007, renovável, de forma automática, por períodos iguais e sucessivos de 3 anos, o qual se transmitiu para a A. por força da aquisição do prédio referido em 1) em 27.12.2019, a qual foi comunicada aos RR..
5. Por força do acordo referido em 3), bem como das atualizações levadas a cabo pela A. e pelos primitivos donos, o R. encontrava-se obrigado ao pagamento da renda mensal no valor de € 56,00 (cinquenta e seis euros).
6. De carta registada, datada de 20 de Maio de 2022, remetida pela A. ao R. e, por este recebida, consta:
“Assunto: Oposição à renovação / Contrato de arrendamento – Rua ..., n.º 281, …
Ex.mo Senhor,
Dirijo-me a V. Exa na qualidade de administrador da Fórmula Especial, S.A., proprietária do prédio urbano sito na …. Rua …, n.º 281, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia da Ajuda e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo urbano …, do qual V. Exa. é arrendatário da moradia com o n.º 292 (o “Locado”) por força do contrato de arrendamento para fim habitacional celebrado em 01.12.2002 (“Contrato”).
O Contrato foi celebrado em 01.12.2002, pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início a 01.12.2002 e termo em 30.11.2007, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de 3 anos. Considerados os prazos contratualmente previstos para as renovações do contrato, este cessará em 30.11.2022, caso qualquer uma das partes se oponha à sua renovação com a antecedência contratualmente devida 120 dias.
Nestes termos, serve a presente para notificar V. Exa., com a antecedência devida, da oposição à renovação do contrato, solicitando-se desde já que o Locado seja entregue até 30.11.2022, livre de pessoas e bens, com conjunto com os meios de acesso à moradia.
Na disponibilidade para prestar quaisquer esclarecimentos que entenda necessários, subscrevo-me com os melhores cumprimentos, (…)”.
7. De carta registada, datada de 20 de Maio de 2022, remetida pela A. à R. e, por esta recebida, consta:
“Assunto: Oposição à renovação / Contrato de arrendamento – Rua …, n.º 281, …
Ex.mo Senhor,
Dirijo-me a V. Exa na qualidade de administrador da Fórmula Especial, S.A., proprietária do prédio urbano sito na …, Rua …, n.º 281, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, da freguesia da Ajuda e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo urbano .., do qual V. Exa. é arrendatária da moradia com o n.º 292 (o “Locado”) por força do contrato de arrendamento para fim habitacional celebrado em 01.12.2002, com o seu cônjuge, JA (“Contrato”).
O Contrato foi celebrado em 01.12.2002, pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início a 01.12.2002 e termo em 30.11.2007, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de 3 anos. Considerados os prazos contratualmente previstos para as renovações do contrato, este cessará em 30.11.2022, caso qualquer uma das partes se oponha à sua renovação com a antecedência contratualmente devida 120 dias.
Nestes termos, serve a presente para notificar V. Exa., com a antecedência devida, da oposição à renovação do contrato, solicitando-se desde já que o Locado seja entregue até 30.11.2022, livre de pessoas e bens, com conjunto com os meios de acesso à moradia.
Na disponibilidade para prestar quaisquer esclarecimentos que entenda necessários, subscrevo-me com os melhores cumprimentos, (…)”.
8. Em 09.06.2022, o R. respondeu à A. nos termos de carta registada, recebida pela A., da qual consta:
“(…) Exmos Senhores
Recebedor das v/ comunicações de oposição à renovação do contrato de arrendamento habitacional relativo ao fogo constituído pela moradia 292, da Rua …, …., em Lisboa, cumpre-me referir o seguinte.
Fui criado, desde a nascença, pela minha avó que era arrendatária do fogo, há décadas.
A minha referida avó faleceu no ano de 2002.
Determinava-se no artigo 85º do RAU – Regime do Arrendamento Urbano -, então vigente, que a posição de arrendatário se transmitia, para descendente que vivesse com o arrendatário há mais de um ano.
Ora, como referi, à data da morte da minha avó, residia com ela, no locado, há trinta anos, sendo que não havia qualquer outra pessoa com direito à transmissão do arrendamento, nos termos da supracitada disposição legal.
Comunicado o óbito, prontamente os anteriores proprietários reconheceram o meu direito à transmissão da posição de arrendatário.
Por sugestão deles, acedi a formalizar a relação contratual com a subscrição de um documento pré formatado denominado “Contrato de Arrendamento Para Habitação em Período Limitado (5 anos) Fi-lo convicto de que tal contrato tinha as mesmas características, em termos de vigência, do contrato da minha avó, cuja posição se me transmitira.
O que, aliás me foi asseverado pelos então proprietários que me garantiram que me manteria na casa enquanto cumprisse a minha obrigação de pagamento da renda.
Promessa que cumpriram enquanto o imóvel se manteve na sua propriedade.
Na parte em que fixa um prazo de vigência do contrato de arrendamento sujeito a oposição à renovação, o contrato deve considerar-se nulo por evidente vício na formação da vontade.
As partes contratantes, pelo menos no que me diz respeito, agiram em erro que conduziu a clara divergência entre a declaração e a real vontade ou intenção subjacente ao dito contrato.
Para ilustrar a afirmação de que resido no fogo em apreço, há 54 anos anexo fotocópias de:
a) Boletim de vacinas;
b) Certificado Escolar;
c) Cartão de atleta de andebol;
d) Caderneta Militar
e) Correspondência
f) Correspondência da Tranquilidade
g) Correspondência do Centro Regional de Lisboa e Vale Tejo da Segurança Social
Em suma, pelas razões expostas, não aceito a oposição à renovação do contrato, pois que beneficio das prerrogativas de um contrato sem termo ou por tempo indeterminado. (…).”
9. A A. respondeu à carta referida 8), por carta datada de 04/08/2022 nos termos de fls. 36 dos autos que se dão por reproduzidos, comunicação que foi recebida pelos R.R..
10. Os R.R. não desocuparam a moradia referida em 2) em 30.11.2022.
11. Pelo motivo referido em 10), em 09.01.20023, a A. enviou aos R.R. as comunicações de fls. 33 a fls. 35 verso dos autos que se dão por reproduzidas.
12. Em 31.01.2023, os R.R., na pessoa do seu mandatário, remeteram à A. a carta de fls. 38 dos autos que se dá por reproduzida.
13. Face à comunicação referida em 12), em 09.02.2023, a A. respondeu aos R.R., na pessoa do seu mandatário, nos termos de fls. 39 dos autos que se dão por reproduzidos, comunicação que foi recebida pelos R.R., na pessoa do seu mandatário, em 13.02.2023.
14. Até à presente data, os R.R. não responderam à A., nem entregaram a moradia referida em 2), livre e devoluta de pessoas e bens.
15. AA1, avô do R., faleceu em 21/02/1977.
16. O R. nasceu em 10/10/1968 e, desde então até à presente data sempre residiu na moradia 292.
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Foram julgados por não provados os seguintes factos:
1. A moradia referida em 2) é casa de morada de família do R..
2. A moradia n.º 292 é aquela que AA1 tomou de arrendamento a AM pelo menos desde 1949.
3. Transmitiu-se a titularidade do referido em 2) para AA2.
4. O R. era, à data referida em 15) dos factos provados, o único descendente que residia com AA2.
5. Após o falecimento de AA2, as herdeiras do primitivo senhorio DM e GM passaram a assediar o R., logrando convencê-lo de que teria que assinar um acordo de “arrendamento” para continuar a habitar a moradia referida em 2) dos factos provados.
6. Foi apenas porque DM e GM o convenceram e, com a intenção deliberada de celebrar acordo de “arrendamento” a termo, de que o acordo de “arrendamento” não se lhe transmitira por óbito de sua avó que o R. apôs a sua assinatura no acordo referido em 3) dos factos provados.
7. As partes variáveis do acordo referido em 3) dos factos provados, foram preenchidas pelo primeiro outorgante AG.
8. Parte da moradia referida em 2) dos factos provado é constituída por uma edificação levantada pelos RR. em terreno municipal, com ligação interior à parte que a A. afirma ser dona.
9. Foi construído um quarto em terreno municipal, com ligação interior na moradia referida em 2) dos factos provados.
10. Os R.R. procederam a instalação elétrica, a construção da rede interna de água e esgotos, a construção de uma casa de banho, o reboco de toda a construção que se encontrava em tijolo e a pintura na moradia referida em 2) dos factos provados, por várias vezes, avaliada em cerca de €30.000,00.

Tudo visto, cumpre apreciar.
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões suscitadas pelas partes nesta apelação, cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a sua ordem de precedência lógica.

1. Da impugnação da matéria de facto, sua rejeição e influência na questão da tempestividade do recurso.
Tendo em atenção a reprodução integral que fizemos das conclusões apresentadas pelos R.R., aqui Recorrentes, pode parecer muito estranho que um dos temas da presente apelação seja a impugnação da decisão sobre a matéria de facto da sentença recorrida, pois essas conclusões são completamente omissas relativamente a essa temática.
A verdade é que, os R.R., na motivação do recurso que apresentaram, praticamente limitam-se apenas a aí fazer uma espécie de impugnação da matéria de facto, que não tem qualquer respaldo nas conclusões. Sendo certo que, nestas últimas, os Recorrentes debruçam-se depois apenas sobre os aspetos jurídicos da causa, que curiosamente praticamente não são aflorados na motivação do recurso.
Dito por outras palavras, não existe coerência interna entre a motivação e as conclusões do recurso, tendo os Recorrentes optado por uma técnica, a todos os títulos processualmente deficiente, na medida em que restringem a alegação da sua discordância com o julgamento da matéria de facto à parte das alegações de recurso destinadas a expor a motivação da apelação, reservando os argumentos relacionados com o mérito da causa apenas para as conclusões. O que retrata uma clara disfuncionalidade entre a motivação e as conclusões de recurso.
Efetivamente, como se estabelece no Art. 639.º do C.P.C.:
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
«2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
«a) As normas jurídicas violadas;
«b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
«c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
«3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
«4- (…)
«5(…)»
Nesta sequência, o Art. 641.º do C.P.C. admite o indeferimento do requerimento de recurso se este não contiver, objetivamente, alegações ou quando as alegações não tenham conclusões (cfr. Art. 641,º n.º 2 al. b) do C.P.C.).
O que significa que a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso, o que até deve ser logo declarado pelo juiz a quo (vide, a propósito: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4.ª Ed., pág. 144).
No caso dos autos não é exatamente isso que se verifica, porque existem alegações e existem conclusões, não existindo uma omissão totalmente absoluta de qualquer dessas partes componentes de um recurso. O que não existe, desde logo, é uma ligação lógica e direta entre as alegações e as conclusões, porque cada uma dessas partes do recurso, tal como configuradas pelos Recorrentes, incidem sobre aspetos diversos das questões pretendidas apresentar ao Tribunal de Relação.
No fundo, as conclusões apresentadas não funcionam como uma verdadeira síntese conclusiva da motivação do recurso constante das alegações, porque se reportam a aspetos e fundamentos diversos da sentença recorrida, sem que tenha sido feita uma devida articulação entre elas.
Pode, no entanto, dizer-se que, na parte do recurso destinada a expor a motivação, há uma omissão completa da especificação de quaisquer dos elementos que as alíneas do n.º 2 do Art. 639.º n.º 2 do C.P.C. obrigam aos Recorrentes indicar, pois praticamente nada aí se diz sobre o mérito da causa e sobre os aspetos jurídicos que poderiam determinar uma decisão diversa. Embora se possa dizer que, implicitamente, se adivinhe, do sentido da motivação assim apresentada, que é pretendida uma alteração da decisão sobre o mérito da causa que seja conforme. Por outro lado, na parte do recurso destinada a expor as conclusões, há uma omissão completa de todos e quaisquer elementos exigidos nas alíneas do n.º 1 e o n.º 2 do Art. 640.º do C.P.C. e que os Recorrentes deveriam observar se pretendessem efetivamente obter uma alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Quanto à omissão na motivação de recurso das especificações previstas nas alíneas do n.º 2 do Art. 639.º do C.P.C. – ou seja, quanto às questões de direito –, a falta não é tão grave, porque o que consta explicitado nas conclusões é mais que suficiente para suprir esse vício.
Aliás, o n.º 3 do Art. 639.º do C.P.C., permite ao Relator suprir essas situações mediante o convite ao aperfeiçoamento do recurso com vista a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões, sob pena de se não conhecer do recurso na parte afetada. Ou seja, as omissões na motivação do recurso sobre a matéria de direito são supríveis através da sua especificação nas conclusões de recurso, sendo que se a lei processual permite ao Relator convidar ao aperfeiçoamento com esse propósito, por maioria de razão esse vício não se verifica se das conclusões apresentadas resultar que as especificações do n.º 2 do Art. 639.º do C.P.C. já se mostram satisfeitas.
Dito isto, em matéria de direito, não só não se justificaria no caso o convite ao aperfeiçoamento, como, cum grano salis, se pode interpretar a motivação do recurso apresentada como já contendo uma implícita a alegação duma alteração da decisão de mérito que se adivinha e depois é explicitada nas conclusões, não se podendo, portanto, falar em omissão absoluta de alegação.
A solução já não pode ser a mesma para o caso de haver omissão absoluta nas conclusões dos aspetos que constam da motivação de recurso sobre a decisão da matéria de facto.
É que está firmemente assente na doutrina e na jurisprudência que as matérias relacionadas com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto em sede de recurso de apelação são insuscetíveis de despacho de aperfeiçoamento, porquanto este expediente processual está restrito à matéria de direito e nunca se aplica à matéria de facto (Vide: Ac. S.T.J. de 13/9/2016 - Revista n.º 166472/13.7YIPRT.P1.S1 – Relator: Hélder Roque – disponível em sumário do S.T.J.; e Ac. S.T.J. de 18/6/2019 – Proc. n.º 152/18.3T87GRD.C1.S1 – Relator: José Rainho – disponível em www.dgsi.pt; Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Ed., pág. 157; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, pág. 770, nota 2; e Amâncio Ferreira in “Manual de Recursos em Processo Civil”, 7.ª Ed., pág. 176, nota 355).
De facto, o Art. 652.º n.º 1 al. a) do C.P.C. apenas permite ao Relator poderes de aperfeiçoamento relativamente às conclusões das alegações nos termos do n.º 3 do Art. 639.º do C.P.C., sendo que o corpo dos n.º 1 e n.º 2 do Art. 640.º do C.P.C. fulminam essas situações com a rejeição imediata do recurso, não permitindo assim o convite à correção desse tipo de vícios.
A tudo acresce que as conclusões das alegações têm um efeito processual relevante no sentido de delimitar o objeto do recurso de apelação, pois nos termos do Art. 635.º n.º 4 do C.P.C.: «Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso».
Ora, a Recorrida veio precisamente suscitar a questão da rejeição do recurso, em matéria da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, apontando a omissão de formulação de conclusões nos termos previstos no Art. 639.º do C.P.C., para além de sustentar a violação dos ónus de alegação consagrados no Art. 640.º do C.P.C. (v.g. conclusão “F” supra transcrita das contra-alegações).
Neste contexto, conforme escreve Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Ed., pág. 158), a rejeição total ou parcial do recurso, respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve verificar-se nas seguintes situações:
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b));
«Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
«c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registos escritos, etc.);
«d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
«e) Falta de exposição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação» (sublinhados e negritos nossos).
Aliás, quanto à inserção sistemática do cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos no Art. 640.º n.º 1 do C.P.C., o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu que a rejeição da apelação respeitante à impugnação da matéria de facto pode radicar na falta de especificação, nas conclusões do recurso, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, pois os demais ónus relativos à falta de especificação dos meios de prova e sentido da decisão a proferir, apenas se revelam indispensáveis na “motivação” ou “corpo alegatório” (Vide: Ac. S.T.J. de 19/6/2019 – Proc. n.º 7439/16.8T8STB.E1.S1 – Relator: Hélder Almeida – disponível em www.dgsi.pt).
Já no acórdão do S.T.J. de 31/10/2018 (Proc. n.º 2820/15.2T8LSB.L1.S1 – Relator: Chambel Mourisco) defendeu-se que da conjugação do Art. 640.º n.º 1 al.s a) e c) e Art. 639.º n.º 1 do C.P.C. resulta que para impugnar a matéria de facto devem constar das conclusões os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar e a decisão que no entender do recorrente deverá ser proferida (no mesmo sentido: Ac.s STJ de 18/2/2016 – Proc. n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1 e de 13/11/2019 – Proc. n.º 4946/05.1TTLSB-C.L1.S1 – em ambos os caso o Relator foi o Senhor Conselheiro António Leones Dantas).
No entanto, há que ter em atenção que, entretanto, foi produzido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023 pelo Supremo Tribunal de Justiça (publicado no DR n.º 220 de 14 de novembro de 2023, pág. 44), do qual resulta que: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do Art. 640.º do CPC, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
O entendimento assim expresso neste AUJ do STJ não se aplica, ainda assim, aos casos em que não existem, pura e simplesmente, quaisquer conclusões sobre a impugnação da matéria de facto e, portanto, consequentemente nelas também não se chega a especificar quais concretos factos cujo julgamento se pretende alterar (v.g. Art. 640.º n.º 1 al. a) do C.P.C.).
Nestas situações, perante essa omissão absoluta de conclusões nas alegações sobre a matéria de facto pretendida impugnar e, em face da impossibilidade legal de convite ao aperfeiçoamento das conclusões nessa parte, a consequência só pode ser a necessária exclusão do objeto do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a sua rejeição nessa parte.
Cumpre ainda referir que a Recorrida havia suscitado a questão da extemporaneidade do presente recurso, nomeadamente por não terem sido cumpridos os ónus de impugnação previstos no Art. 640.º do C.P.C., expressando assim o entendimento que o prazo de interposição do recurso seria apenas de 30 dias (cfr. Art. 638.º n.º 1 do C.P.C.), não sendo assim de considerar a extensão do prazo prevista no n.º 7 do Art. 638.º do C.P.C., tal como os Recorrentes defendem.
Neste contexto, cumpre esclarecer o motivo pelo qual o Relator do presente acórdão admitiu o presente recurso por tempestivo, por ter tido em consideração a aplicação ao caso do disposto no Art. 638.º n.º 1 e 7 do C.P.C.. Ou seja, apesar de tudo o exposto, não deixou de se entender que os Recorrentes beneficiavam da extensão legal de 10 dias, ao prazo geral de 30 para interpor recurso, porquanto das alegações apresentadas havia uma intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, com reponderação da prova gravada.
De facto, não existe qualquer contradição entre a rejeição do recurso nesta parte e o reconhecimento da extensão do prazo de recurso prevista no Art. 638.º n.º 7 do C.P.C., porquanto a aplicação desta não está dependente do conhecimento do mérito da impugnação, nomeadamente quanto ao cumprimento formal preciso dos ónus previstos no Art. 640.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C., mas apenas da constatação objetiva de que nas alegações se suscita uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto com base em prova que tenha sido gravada (neste sentido: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª Ed., pág. 138, citando Acórdãos uniformes do STJ de 15/12/2015 in CJSTJ, Tomo III, pág. 163; de 28/4/2016 in CJSTJ, Tomo I, pág. 213; de 6/12/2016, de 3/3/2016, de 26/11015 e de 22/10/2015 disponíveis em www.dgsi.pt).
Nestes casos deve prevalecer o critério da segurança e da certeza jurídica, não sendo legítimas interpretações fundadas em pretextos que não se extraiam nas normas aplicáveis.
No caso, é claro que está preenchido o requisito objetivo de aplicação do Art. 638.º n.º 7 do C.P.C., independentemente do mérito da impugnação apresentada sobre a decisão sobre a matéria de facto e, em particular, sobre a apreciação do facto de os Recorrentes terem, ou não, cumprido pontualmente os ónus estabelecidos no Art. 640.º do C.P.C..
Desde que não se possa concluir que foi feito uso abusivo do disposto no Art. 638.º n.º 7 do C.P.C., com o único propósito de ver estendido ilegitimamente o prazo de recurso, deve entender-se que a extensão de 10 dias aí prevista tem aplicação, mesmo que o recurso seja rejeitado por falta de cumprimento do disposto no Art. 640.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C..
Ora, no caso dos autos, não há motivos para se entender que houve qualquer procedimento abusivo por parte dos Recorrentes. Logo, o prazo do recurso a considerar seria de 40 dias (30+10).
Visto isto, a sentença foi notificada aos Recorrentes por registo de 11 de novembro de 2024 (cfr. “Not da sentença” de 11-11-2024 – Ref.ª n.º 440051350 - p.e.), presumindo-se a notificação feita no dia 14/11/2024 (cfr. Art. 248.º n.º 1 do C.P.C.). Suspendendo-se a contagem do prazo durante as férias judiciais de Natal (cfr. Art. 138.º do C.P.C.), os 40 dias de prazo para recorrer terminariam no dia 7 de janeiro de 2025 (2.ª Feira), tendo sido precisamente nesse dia que os Recorrentes apresentaram as suas alegações de recurso por via eletrónica (cfr. “Recurso” de 07-01-2025 – Ref.ª n.º 41515514 - p.e.), sendo certo que objetivamente entraram em juízo no dia anterior às 23h23m24s.
Em face disso, a apelação foi efetivamente apresentada em tempo, sem prejuízo de, no caso, dever julgar-se que a matéria da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deva ter-se por excluída do objeto do recurso e este deva ser rejeitado na parte que se refere à impugnação dos factos.
Em suma, é essa a decisão que se impõe no caso concreto e, por consequência, rejeita-se o recurso nesta parte, concordando-se apenas com as conclusões apresentadas pela Recorrida que vão neste último sentido.

2. A transmissão do direito ao arrendamento para o R..
Fixamos definitivamente os factos relevantes para o conhecimento do mérito da causa, passamos agora ao conhecimento das questões de direito suscitadas no recurso.
Em primeiro lugar, nas conclusões A) a G) das alegações de recurso, vêm os Recorrentes sustentar que o contrato de arrendamento inicialmente celebrado com o avô do R. se transmitiu por força do óbito daquele para a avó do mesmo e, depois, em consequência do decesso desta última, para o próprio R..
Esta tese já havia sido sustentada na contestação dos R.R. e não veio a merecer acolhimento na sentença recorrida, por aí se ter entendido que não lograram os R.R. fazer prova da factualidade pertinente.
Os Recorrentes insistem de novo na procedência da defesa por si apresentada, pugnando pela procedência da exceção que determinaria o reconhecimento da qualidade do R. como arrendatário do imóvel a que se reporta a presente ação de despejo.
Apreciando, temos de reconhecer que a factualidade provada não reflete o que foi alegado a esse respeito pelos R.R..
É certo que os R.R. juntaram para o efeito, com a sua contestação, um recibo de renda de casa, datado de 1 de junho de 1949, passado a favor de …, no valor de Esc.: 90$00 (cfr. “Recibo de renda” de 10-11-2023 – Ref.ª n.º 37557017 - p.e.).
Por outro lado, importa relembrar que, em 1949, nos termos do Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 2:030 de 22 de junho de 1948, era estabelecido que: «O contrato de arrendamento de prédios urbanos não carece de ser reduzida a escrito; mas na falta de título, o arrendatário só pode fazer prova do contrato desde que exiba recibo de renda, assinado pelo proprietário ou por quem suas vezes fizer». Portanto, o recibo de renda era prova suficiente da existência do vínculo contratual locatício.
Sucede que o recibo assim junto não identifica com precisão a casa a que se reporta esse pagamento de renda, sendo que foi julgado por não provado que a moradia a que se reporta o contrato de arrendamento celebrado com o R. corresponda exatamente àquela que AA1 tomou de arrendamento a AM, pelo menos desde 1949 (cfr. facto não provado 2 na sentença recorrida).
Também não ficou provado que o contrato de arrendamento que vinculou AA1, na qualidade de inquilino, e AM, na qualidade de senhorio, tivesse sido transmitido para AA2 (cfr. facto não provado 3 da sentença recorrida).
Tal como foi julgado ainda por não provado que o R. era, à data do óbito do seu avô, o único descendente que residia com AA2 (cfr. facto não provado 4 da sentença recorrida).
Em face da circunstância de todos esses factos terem sido julgados por não provados, os R.R. não cumpriram o ónus de prova da exceção que alegaram (cfr. Art. 342.º n.º 2 do C.C.) e, consequentemente, a mesma teria de ser julgada por improcedente, como foi.
Não há como, perante a factualidade provada e não provada, concluir que o contrato de arrendamento, que alegadamente vinculou o avô do R., se transmitiu para a sua avó e depois, com o falecimento desta última, para o próprio R.. Na verdade, nem sequer poderemos dizer que o R. alguma vez reuniu as condições legais para esse efeito.
É certo que o Art. 85.º do R.A.U., vigente em 2002 – data em que alegadamente terá falecido a avó do R. – estabelecia o seguinte:
«1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:
a) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto;
b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano;
c) Pessoa que com ele viva em união de facto há mais de dois anos, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens;
d) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;
e) Afim na linha reta, nas condições referidas nas alíneas b) e c);
2 - Caso ao arrendatário não sobrevivam pessoas na situação prevista na alínea b) do n.º 1, ou estas não pretendam a transmissão, é equiparada ao cônjuge a pessoa que com ele vivesse em união de facto.
3 - Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respetivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o parente ou afim mais próximo e mais idoso.
4 - A transmissão a favor dos parentes ou afins também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento».
Simplesmente, não ficou provado que o R. convivesse com os seus avós no locado e há mais de 1 ano (v.g. facto não provado 4 da sentença recorrida). Pelo que, não provou ter direito à transmissão do direito ao arrendamento por óbito de sua avó.
Em conformidade, improcedem todas as conclusões que suportam entendimento diverso do exposto.

3. O erro-vício na celebração do contrato de arrendamento com o R..
O que resulta da matéria de facto provada é que o R. sempre viveu, desde que nasceu, em 1968, na moradia a que os autos se reportam (cfr. facto provado 16), sendo que, em 9 de novembro de 2002, celebrou com os donos primitivos desse imóvel um acordo escrito, denominado “Contrato de Arrendamento para Habitação em período limitado (5 anos)” (cfr. “Contrato de arrendamento” de 10-11-2023, junto à contestação dos R.R. – Ref.ª n.º 37557017 - p.e.).
Sustentaram os R.R., na sua contestação, que o R.-marido foi levado a celebrar esse contrato de 2002 por erro, porque tinha direito à transmissão do direito ao arrendamento por óbito da sua avó, por ser o único descendente que com eles morava nessa habitação, tendo as herdeiras do primitivo senhorio enganado aquele ao informarem-no que não lhe assistiria esse direito.
A sentença recorrida também julgou essa exceção por improcedente por falta de prova da factualidade pertinente, mas os R.R., aqui Recorrentes, voltam a insistir na alegação e procedência da mesma, como resulta da conclusão “H” das alegações de recurso.
Ocorre que, para além de não se terem provado a factualidade de onde poderia decorrer a transmissão do direito ao arrendamento para o R. (cfr. factos não provados nos pontos 2, 3 e 4 da sentença recorrida), também não provaram que as anteriores proprietárias desse imóvel tenham assediado o R. para assinar o contrato de arrendamento de 9 de novembro de 2002 que se mostra junto aos autos, enganando-o sobre a circunstância de que o direito ao arrendamento não se transmitiria por óbito de sua avó (cfr. factos não provados nos pontos 5 e 6 da sentença recorrida). Logo, também nesta parte não lograram os R.R. provar o alegado erro, motivado por dolo, nos termos dos Art. 247.º, 250.º ou 252.º, conjugado com o Art. 253.º, todos do C.C., tal como era seu ónus (cfr. Art. 342.º n.º 2 do C.C.).
Em face disso, também improcede a conclusão que defende entendimento diverso do exposto, devendo a sentença recorrida ser confirmada igualmente nesta parte.

4. A caducidade do contrato de arrendamento.
Assente fica, portanto, a validade do contrato de arrendamento celebrado entre o R. e os anteriores proprietários da vivenda a que os autos se reportam (cfr. facto provado 3).
Esse contrato de arrendamento, para habitação, foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início em 1 de dezembro de 2022 e termo em 1 de dezembro de 2007, renovável por períodos de 3 anos (cfr. cit. doc. a facto provado 4).
Entretanto, esse imóvel foi adquirido pela A., que assim assumiu “ex lege” a posição contratual de senhoria (cfr. Art. 1057.º do C.C.), em 27/12/2019 (cfr. facto provado 4). Tendo esta, por carta de 20 de maio de 2022, comunicado ao inquilino a sua oposição à renovação do contrato, com efeitos para o dia 31 de novembro de 2022 (cfr. factos provados 6 e 7).
De facto, o contrato renovou-se, nos termos convencionados, em 1 de dezembro de 2007, por sucessivos períodos de 3 anos, que terminavam em 31 de novembro de 2010, de 2013, de 2016 e de 2019. De igual modo, poderia ter-se renovado no dia 1 de dezembro de 2022, não fora a comunicação e oposição à renovação feita pela A..
Há que ter em consideração que o contrato de arrendamento em menção foi celebrado pelo R. em 2002, portanto no âmbito da vigência do R.A.U., aprovado pelo Dec.Lei n.º 321-B/90 de 15 de outubro. Em consequência, por força do Art. 26.º n.º 1 da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, ficou sujeito ao NRAU, aprovado por essa mesma lei (cfr. Art. 1.º da Lei n.º 6/2006 de 27/2).
O mesmo preceito – Art. 26.º n.º 1 do NRAU – salvaguarda à regra da aplicação da nova lei o que vem disposto nos números seguintes. Sendo que o n.º 3 limita-se a estabelecer que: «3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto».
Ora, no caso, o contrato de arrendamento foi celebrado por prazo certo, portanto, com duração limitada, e com previsão explicita de sucessivas renovações por prazos convencionados de 3 anos, podendo assim ser objeto de “denúncia”, por oposição à sua renovação, nos termos das disposições do Código Civil que foram aprovadas e aí introduzidas pelo NRAU (cfr. Art.s 2. e 3.º da Lei n.º 6/2006 de 25/2).
De acordo com o Art. 1051.º al. a) do C.C., o contrato de locação caduca assim que finde o prazo estipulado ou estabelecido por lei. No entanto, o Art. 1054.º n.º 1 do C.C., ressalva que: «1- Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei». Acrescentando o Art. 1055.º n.º 1 al. b) do C.C. que: «1- A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte: (…) b) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; (…)».
Foi isso que foi respeitado através da formalidade cumprida pelas cartas datadas de 20 de maio de 2022, dirigidas a ambos os R.R. (cfr. doc.s n.º 5 e 6 juntos ao Requerimento de 14-04-2023 – Ref.ª n.º 35693089 - p.e.), pelas quais se pretendia dar conta ao inquilino, e à sua esposa, que o contrato de arrendamento não se iria renovar, após o termo do prazo de renovação que iria ocorrer no dia 31 de novembro de 2022 (cfr. factos provados 6 e 7).
Veja-se que os R.R. receberam essas cartas e até responderam por carta de 9 de junho de 2022 (cfr. doc. n.º 7, igualmente junto com o Requerimento de 14-04-2023 – Ref.ª n.º 35693089 - p.e. e a que se reporta o facto provado 8 da sentença recorrida).
Nestes termos, só resta reconhecer que a oposição à renovação foi feita de forma válida e eficaz, tendo o contrato de arrendamento cessado em 31 de novembro de 2022, tal como decidido na sentença recorrida que assim deve ser confirmada.
Os fundamentos opostos pelos R.R. à oposição à renovação do arrendamento não são atendíveis, desde logo por pressuporem a prova dos factos e a procedência das exceções que atrás apreciámos, e que, como vimos, não podem merecer acolhimento.
As demais consequências do reconhecimento da caducidade do contrato de arrendamento, com o consequente despejo e obrigações de entrega do locado e de pagamento de indemnizações, nem sequer foram postas em causa na motivação ou conclusões da apelação, pelo que as correspondentes decisões constantes da sentença não fazem parte do objeto do recurso.
Portanto, a sentença deve ser integralmente confirmada, também nesta parte, improcedendo as conclusões apresentadas pelos Recorrentes de que pudesse resultar posição diversa da exposta.

5. A reconvenção relativa a indemnização por benfeitorias.
Resta finalmente apreciar o mérito do pedido reconvencional formulado pelos R.R. na sua contestação e que a sentença também julgou improcedente, desde logo por falta de cumprimento dos ónus de prova dos factos que permitiram considerar que aqueles poderiam ter direito ao reembolso pelo valor das benfeitorias que realizaram no locado.
E, de facto, só podemos concordar com a sentença recorrida, pois não consta da matéria de facto provada que os R.R. tenham feito quaisquer obras no locado, sendo que foi julgado por não provado que os R.R. edificaram em terreno municipal uma construção que faz ligação à vivenda da A. (cfr. factos não provados 8 e 9). Tal como foi também julgado por não provado que tenham procedido à instalação elétrica, à construção da rede interna de água e esgotos, à construção de uma casa de banho, ao reboco de toda a construção que se encontrava em tijolo e à pintura da moradia, por várias vezes, no que teria despendido cerca de €30.000,00 (cfr. facto não provado 10).
Visto isto, para além de se evidenciar, da própria alegação dos R.R., que estaria em causa uma construção clandestina em terreno camarário, pela qual a senhoria, em caso algum, poderia ser responsabilizada, pois o seu destino só pode ser a sua irremediável destruição, temos de realçar que no próprio contrato de arrendamento ficou consignado, na cláusula 8.ª, que: «a) Ao segundo outorgante [ou seja, ao inquilino] não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização dos primeiros outorgantes [ou seja, do senhorio], por escrito e devidamente autorizadas, a não ser as da conservação e limpeza necessárias que, desde já, se estipulam serem da obrigação do inquilino; b) Todas as obras de conservação e limpeza, bem como as autorizadas nos termos da alínea anterior, ficam a pertencer ao prédio em que se integram, sem que o inquilino possa alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização». Ora, os R.R. nem sequer invocaram que as alegadas obras que realizaram no locado tivessem sido autorizadas (e por escrito) pelos senhorios.
Em suma, é evidente que a reconvenção teria necessariamente de improceder, devendo a sentença recorrida ser confirmada também nesta parte, pois improcedem totalmente as conclusões L) a O) que sustentam posição diversa da exposta.
Em função de tudo o exposto, só poderemos confirmar a sentença recorrida, improcedendo todas as conclusões que sustentam o contrário.
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V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em rejeitar a apelação quanto à impugnação da matéria de facto e julgar a apelação improcedente por não provada, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
- Custas pelos Apelantes (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.), sem prejuízo da isenção de pagamento emergente da decisão de concessão do benefício de apoio judiciário que lhes foi deferida pela Segurança Social (cfr. “Apoio Judiciário” de 10-11-2023 – Ref.ª n.º 37557017 - p.e.).
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Lisboa, 17 de junho de 2025
Carlos Oliveira
Luís Pires de Sousa
Luís Lameiras