Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25942/17.0T8LSB.L1-8
Relator: RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PERDA DE CHANCE
DIREITO DE QUEIXA
RESPONSABILIDADE DO QUEIXOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–A oficiosidade da condenação extra vel ultra petitum prevista no art. 74.º do Código de Processo do Trabalho só ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis de lei ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, o que não sucede com os juros de mora vencidos;

II–A omissão de formulação de pedido de condenação da entidade patronal no pagamento de juros moratórios, numa acção de impugnação de despedimento colectivo, consubstancia violação do dever do mandatário de estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que foi incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, traduzindo-se, por isso, no cumprimento defeituoso do contrato de mandato e constituindo o mandatário na obrigação de indemnizar o mandante pelo dano da perda de chance, consistente na perda da possibilidade/oportunidade de obter o pagamento dos referidos juros naquela acção;

III–O seguro de responsabilidade civil profissional de advogado é um seguro obrigatório, pelo que, embora o lesado tenha o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador, pode optar por demandar o lesante/segurado isoladamente ou conjuntamente com a seguradora, em litisconsórcio voluntário;

IV–Estabelecendo-se a relação contratual de que deriva o litígio entre o advogado, em nome pessoal, e o mandante, e não entre este e a sociedade de advogados da qual o advogado é sócio, não tem aplicação a cláusula do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre o advogado e a Seguradora, que limita ou exclui a responsabilidade desta quando a actuação profissional do advogado segurado seja desenvolvida ao abrigo de sociedade de advogados;

V–O direito de queixa, com vista à instauração de procedimento disciplinar, traduz, ainda, a concretização do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, pelo que o exercício desse direito não deve gerar responsabilidade, ainda que não haja condenação, a menos que ocorra abuso de direito.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


1.1–A…… intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra E……, C……, A…… e P……, formulando os seguintes pedidos: «serem os RR. condenados a pagar, solidariamente, ao A., a quantia global de €100.000,00 (cem mil euros), correspondendo ao valor da indemnização por danos não patrimoniais a título de responsabilidade civil extracontratual, causados no âmbito do Proc. n.º ……, que correu termos na Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento sobre a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), devendo essa quantia ser acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da douta sentença condenatória, por força do artigo 829.º-A do Código Civil».

Para tanto - e após aperfeiçoamento da petição inicial -alegou, em síntese, que exerce profissão de advogado, tendo representado os RR. num processo laboral, o que fez com o máximo rigor ético e jurídico, obtendo a procedência dos pedidos aí formulados pelos ora RR., que foram efectivamente ressarcidos. Os honorários do A. foram negociados com um pagamento inicial fixo de € 500,00, acrescidos de  IVA, e um success fee de 10%, acrescido de IVA, por cada um dos representados. Sucede que os RR. apresentaram contra si uma participação disciplinar junto da Ordem dos Advogados relativa à forma como os honorários foram cobrados, invocando a violação do acordado, bem como a retenção do valor de custas pagas e o pouco empenho e incompetência demonstrados pelo A., causando-lhes danos, tendo a mesma sido arquivada liminarmente, por caducidade do direito de queixa. Essa participação é devida a oportunismo e má-fé e os RR. tinham perfeita consciência do impacto das suas alegações na honra e reputação do A., sendo que com a mesma lesaram o direito à honra e o direito ao bom nome e reputação do A., ficando abalada a confiança e a credibilidade que o mesmo tinha no meio jurídico em que se encontra inserido, para além de gerar efeitos devastadores em termos de perda ou redução de clientela. Acresce que a conduta dos RR. atingiu gravemente a autoestima do A., ferindo a sua dignidade pessoal e consideração social, e causou e continua a causar-lhe grande tristeza, angústia e sentimento de injustiça.

1.2.–Os RR. contestaram, propugnando pela improcedência da acção,  e reconvieram, pedindo a condenação do A. a pagar-lhes as seguintes importâncias:
«I)– 9.999,14 euros (nove mil novecentos e noventa e nove euros e catorze cêntimos) à Reconvinte A……, acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
II)– 10.647,80 euros (dez mil seiscentos e quarenta e sete euros e oitenta cêntimos) ao Reconvinte C……, acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
III)– 21.973,20 euros (vinte e um mil novecentos e setenta e três euros e vinte cêntimos) à Reconvinte E……, correspondente aos juros de mora (juros civis a 4%), acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
IV)– 28.544,80 euros (vinte e oito mil quinhentos e quarenta e quatro euros e oitenta cêntimos) à R./Reconvinte P……, correspondente aos juros de mora (juros civis a 4%), acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento».

Alegam, em suma, que a sentença proferida no processo mencionado pelo A., transitada em julgado, condenou a entidade patronal dos RR. a pagar-lhes indemnizações pela cessação do contrato de trabalho, mas não a condenou no pagamento dos juros vencidos, por não terem sido peticionados. O A., enquanto mandatário forense, não agiu prudentemente nem com a devida cautela, tendo a sua omissão produzido danos patrimoniais aos RR. nos montantes peticionados. Foi nesse contexto que os RR. fizeram participação à Ordem dos Advogados, na qual não pretenderam ofender a honra, a reputação, a dignidade nem o bom nome do autor, mas, apenas, que os órgãos competentes apreciassem a conduta do A., quanto à execução do mandato e à forma como os honorários foram calculados (exigindo o A. uma percentagem de 10% sobre o valor das indemnizações efectivamente recebidas, em violação da lei), sendo, por isso, lícita tal participação.

1.3.–O A. replicou, defendendo a inadmissibilidade da reconvenção; arguindo a excepção de litispendência entre a presente ação e processo n.º …… do Tribunal Judicial da Comarca de ….. – Juiz …., que os RR. propuseram contra a Seguradora, S.A., e onde peticionam as mesmas quantias peticionadas na reconvenção; pronunciando-se pela improcedência da reconvenção, por ser desnecessária a petição expressa de juros de mora em processo de trabalho, podendo o tribunal condenar ultra petitum, e por os ora RR. terem abdicado do direito de recurso, renunciando expressamente ao recebimento de juros moratórios devidos e conformando-se com a sentença nos exactos termos em que a mesma foi proferida e transitou em julgado; requerendo a intervenção principal provocada de Seguradora, S.A., por ter celebrado seguro obrigatório de responsabilidade civil com a Ordem dos Advogados, que abrangia o A. à data dos factos.

1.4.–Os RR. responderam por escrito, nada opondo à requerida intervenção, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas e informando que a chamada Seguradora, S.A. deduziu excepção de litispendência no processo contra si interposto.

1.5.–O pedido reconvencional foi admitido, por despacho de 08.01.2019.

1.6.–Foi admitida intervenção principal provocada, na posição de co-reconvinda, de Seguradora, S.A. (despacho de 08.01.2019), a qual contestou, pronunciando-se pela sua absolvição da instância e/ou dos pedidos reconvencionais, e requerendo a intervenção principal provocada passiva da Companhia de Seguros, S.A.

De relevante, alegou, em síntese, que sinistro em causa está excluído das coberturas e garantias previstas no contrato de seguro de responsabilidade civil de advogado que celebrou com a Ordem dos Advogados, por ser conhecido do advogado reconvindo em data anterior ao início de vigência do mesmo. Acresce que a cobertura da referida apólice funciona, apenas, na falta ou insuficiência da apólice de responsabilidade civil profissional que garante a sociedade de advogados em que o reconvindo exerce actividade e que foi celebrada com a Companhia de Seguros, S.A., actuando em concorrência com a mesma, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos. Defende, ainda, que não existe causalidade entre os prejuízos invocados pelos reconvintes e a conduta do reconvindo advogado, sendo certo que o exercício da advocacia tem uma margem de imponderabilidade e que os reconvintes se conformaram com o resultado da acção em que foram representados.

Os reconvintes responderam à contestação da interveniente  Seguradora, S.A., invocando, essencialmente, que o reconvindo, no patrocínio em causa, não actuou ao abrigo de uma sociedade de advogados, mas sim a título individual e que o seguro contratado com a Ordem dos Advogados é de “claims made”, assegurando indemnizações por sinistros anteriores, valendo o momento da reclamação. Acrescentam que ocorreram negociações entre os reconvintes e co-reconvinda Seguradora, S.A., em fase pré-contenciosa, tendo esta assumido a responsabilidade e feito propostas de compensação. Pedem, ainda, a sua condenação como litigante de má-fé.

A interveniente Seguradora, S.A., ainda se pronunciou sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé, argumentando que a proposta de solução consensual do litígio não constituiu assunção de responsabilidade e pugnando pela inexistência de má-fé.

1.7.–Por requerimento autónomo, o A./reconvindo requereu a intervenção principal provocada, como co-reconvindas, da Companhia de Seguros, S.A. (por ter celebrado contrato de seguro de  responsabilidade civil profissional com a sociedade de advogados …… Sociedade de Advogados, SP, RL) e da Companhia de Seguros, S.A., actual Seguros, S.A.  (que celebrou com a Ordem dos Advogados contrato de seguro de Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados para 2012 e 2013), que foram admitidas (despacho de 30.05.2019).

1.8.–A interveniente Companhia de Seguros, S.A., contestou, pronunciando-se pela improcedência da reconvenção, defendendo, em suma, que o pedido indemnizatório e os juros de mora mostram-se prescritos quanto a si, por estarem em causa factos ilícitos ocorridos em 2013 e ter sido citada em 2019. Argui, ainda, a sua ilegitimidade, por ter celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil com uma sociedade de advogados que não é parte na acção e por não poder ser demandada sozinha diretamente, quer porque não está em causa seguro obrigatório, quer porque não houve negociações prévias entre si e os lesados e seguradora. Argumenta, também, que o sinistro em causa foi reclamado à co-reconvinda depois do prazo contratual de três anos, não estando, por isso, coberto, e que inexiste causalidade entre os invocados prejuízos dos reconvintes e o comportamento do reconvindo, sendo a advocacia uma actividade com margem de risco e havendo outros meios para tutelar a sua pretensão.

1.9.–A interveniente Seguros, S.A., também contestou, defendendo ser parte ilegítima, já que o contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com a Ordem dos Advogados vigorou entre 01.01.2012 e 01.01.2014, apenas cobrindo os sinistros reclamados na sua vigência, pelo que não cobre a reclamação feita em 2017. Argumenta, ainda, que havendo coexistência de seguros de responsabilidade civil, deve prevalecer o obrigatório, celebrado com a sociedade de advogados em cuja o reconvindo se integra. Invoca a existência de causa prejudicial entre os presentes autos e o processo em que os reconvintes demandam a co-reconvinda Seguradora, S.A., pelos mesmos factos e danos. Conclui pela inexistência de erro grosseiro do advogado reconvindo causal dos invocados danos dos reconvintes.

1.10.–Os reconvintes responderam às contestações das intervenientes, pugnando pela improcedência das excepções arguidas e juntando cópia de decisão proferida no processo instaurado contra a Seguradora, S.A., que absolveu os aí réus da instância por verificação de litispendência com os presentes autos.

1.11.–Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade invocadas, tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

1.12.–Por requerimento de 17.11.2021, os reconvintes deduziram «pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória contra a co-reconvinda Seguradora, S.A., a determinar e a concretizar a final por V. Exa. de forma equitativa por critérios de razoabilidade, e contada a partir da data do transito em julgado da sentença», tendo-se a referida interveniente pronunciado pela sua improcedência e tendo sido relegado para a sentença o seu conhecimento (acta de 17.12.2021).

1.13.–Por requerimento de 17.12.2021, os reconvintes apresentaram-se a reduzir o pedido reconvencional, alterando o termo final da contagem de juros que sustenta o respetivo pedido (até 18/02/2013), pedindo, agora, a condenação do reconvindo a pagar aos reconvintes as seguintes importâncias:
«I)– 8.364,55 euros (oito mil trezentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos) à Reconvinte A……, acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
II)– 8.907,22 euros (oito mil novecentos e sete euros e vinte e dois cêntimos) ao Reconvinte C……, acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
III)– 18.381,30 euros (dezoito mil trezentos e oitenta e um euros e trinta cêntimos) à Reconvinte E……, correspondente aos juros de mora (juros civis a 4%), acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
IV)– 23.878,51 (vinte e três mil oitocentos e setenta e oito mil e cinquenta e um cêntimos) à R./Reconvinte P……, correspondente aos juros de mora (juros civis a 4%), acrescido dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento».

A apreciação de tal redução foi relegada para a sentença (acta de 17.12.2021).

1.14.–Realizou-se audiência final, após o que foi proferida sentença que decidiu da seguinte forma:
«1.– A ação:
-Julga-se a ação procedente, por provada, e condena-se solidariamente os réus em indemnização ao autor equivalente a €5.000 (cinco mil euros).
A este valor acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente e até integral pagamento.
2.– A reconvenção:
- Mais se decide julgar o pedido reconvencional procedente, por provado, e condenar-se solidariamente os reconvindos A…… e Seguradora, S.A. no pagamento das seguintes indemnizações:
- À reconvinte P……, o montante de 23.878,51 (vinte e três mil oitocentos e setenta e oito mil e cinquenta e um cêntimos), acrescido de juros moratórios desde a propositura da ação e até integral pagamento;
- À reconvinte A……, o montante de 8.364,55 euros (oito mil trezentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescido de juros moratórios desde a propositura da ação e até integral pagamento;
- À reconvinte E……, o montante de 18.381,30 euros (dezoito mil trezentos e oitenta e um euros e trinta cêntimos), acrescido de juros moratórios desde a propositura da ação e até integral pagamento;
- Ao reconvinte C……, o montante de 8.907,22 euros (oito mil novecentos e sete euros e vinte e dois cêntimos), acrescido de juros moratórios desde a propositura da ação e até integral pagamento.
- Decide-se absolver as reconvindas Seguros, S.A. e Companhia de Seguros, S.A. do pedido reconvencional. –
O supra decidido não prejudica a aplicação do disposto no art.º 829º-A n.º 4 do Código Civil para qualquer das condenações. –
Custas da ação por autor e réus, na proporção de 19/20 para o autor e 1/20 para os réus.
Custas da reconvenção pelos reconvindos condenados».

1.15.–Inconformado, apelou o A., pedindo que tal sentença seja revogada, por ter violado o disposto nos artigos 152.º, n.º 1, 154.º, n.º 1, 576º, n. 3, 615º, n. 1º, al. e) do CPC, formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
«1.–Por um lado, de acordo com o n.º 7 dos factos provados, considerou o Meritíssimo Juiz, que os RR./Reconvintes pretendiam com a participação disciplinar a apreciação do facto de os honorários serem cobrados em percentagem.
2.–Por outro lado, não ficou provado que os RR., com a participação disciplinar, pretendiam a apreciação da conduta negligente do A., ora Recorrente.
3.– A quota litis carateriza-se pelo facto de o Advogado fazer depender os seus honorários do sucesso de uma ação, portanto, a ratio desta proibição assenta precisamente no pressuposto de que se pretende evitar que o Advogado esteja disposto a obter o fim pretendido através de todas as formas possíveis, ofendendo e pondo em causa a sua função de instrumento da justiça.
4.– Tendo ficado demonstrado no facto n.º 21 da factualidade provada que teria sido estabelecido um acordo inicial para pagamento de honorários do Recorrente na quantia de € 500,00 (quinhentos euros), não se entende como é que a participação disciplinar se moveu com base na premissa de que viram os RR./Reconvintes exercer um direito, fruto da ordem jurídica democrática em que vivemos.
5.–Refere o Meritíssimo Juiz a fls. 28 da douta sentença: “O contexto de participação disciplinar será, em termos de normalidade, uma eventualidade da atividade de qualquer advogado, que terá que assumir contornos de uma contingência natural, ainda que, necessariamente, seja desagradável e causadora de sofrimento para o visado. (…) Não foi apurada, ou alegada, qualquer especial afetação ou sensibilidade do advogado autor e, por consequência, a avaliação dos danos deve fazer-se por referência à de um advogado com bom nome no meio profissional em que se insere. Os danos em causa, merecendo a tutela do direito e sendo fixados equitativamente (cf. art.º 496.º n.ºs 1 e 4 do CC) sê-lo-ão, face ao circunstancialismo apurado, necessariamente em valor muito inferior ao reclamado. Considera-se adequado o montante de €5.000 para compensar o ilícito em causa.”.
6.–Cumpre discordar deste entendimento porque não o Advogado não pode ser censurado à partida pela profissão que exerce, simplesmente porque escolheu servir a sociedade em que se insere.
7.–Em sentido diverso, concordamos com o Meritíssimo Juiz de Direito na parte em que refere que a participação disciplinar causou necessariamente desconforto e sofrimento ao visado, ora A., porque ainda que o procedimento disciplinar fosse arquivado em última instância, o A. foi forçado a experienciar todas as fases da ação disciplinar da Ordem dos Advogados, em primeiro lugar na fase de apreciação liminar da participação e, em segundo lugar, na fase do processo de inquérito, e, finalmente, na fase de decisão e recurso.
8.–O facto da participação disciplinar ter sido liminarmente rejeitada, tendo a difusão da mesma terminado no órgão com competência de fiscalização da Ordem dos Advogados, não significa que esta situação não tenha sido conhecida, designadamente no meio jurídico, nem tão pouco impede que, na realidade, se venham a contabilizar danos patrimoniais significativos a nível de clientela e de perda de prestigio, mesmo em momento em que o direito de ação com fundamento em responsabilidade civil por facto ilícito já estivesse prescrito.
9.–O conhecimento dos danos patrimoniais efetivamente produzidos só se poderá aferir com rigor num momento temporal longínquo em relação ao momento em que foi praticado o facto ilícito, porque esta informação demora tempo a difundir-se pelas pessoas até que o A. possa efetivamente constatar, e subsequentemente demonstrar, o respetivo impacto na sua atividade e contas.
10.–Relativamente à indemnização por danos não patrimoniais devidos ao A., esta foi estabelecida com base em juízos de equidade tendo como padrão de referência “um advogado com bom nome no meio profissional em que se insere.”.
11.–No entanto, salvo o devido respeito, não se pode deixar de discordar atenta a dimensão do meio profissional em que o Recorrente se insere e a idoneidade absolutamente imaculada que o mesmo alcançou ao longo de 26 anos de exercício da profissão.
12.–O A., ora recorrente, fez a sua formação em Lisboa e constituiu a Sociedade de Advogados “…… – Sociedade de Advogados, SP, RL” em 1996, sendo certo que, sempre, norteou o exercício da atividade da advocacia por todo o rigor, ético e jurídico, quer quanto a si, como Advogado, quer quanto aos restantes Advogados que consigo colaboram e que a si reportam, como sócio e fundador da referida sociedade.
13.–O Recorrente sempre residiu em Lisboa e foi nesse ambiente competitivo que conseguiu criar, manter e fazer prosperar a Sociedade de Advogados de que é sócio, tendo representado milhares de constituintes e tendo sobrevivido a uma crise nacional em 2008 e a uma pandemia que se iniciou em 2019.
14.– Nunca tinha sido apresentada uma participação disciplinar contra o Recorrente, com este motivo, sendo certo que nunca contou (razoavelmente) com essa eventualidade porque aceitou fielmente a árdua e obstinada função de prestar um serviço de excelência aos seus constituintes.
15.– Atento o exposto, salvo melhor opinião, não se entende de que forma é que a indemnização por danos não patrimoniais arbitrada, na singela quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), poderá ressarcir minimamente o Recorrente pela prática do facto ilícito em que consistiu a participação disciplinar.
16.–Nas relações com o cliente faz parte dos deveres do Advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade.
17.–A violação dos deveres que para o Advogado resultam do mandato (nos termos definidos no artigo 1157.º do Código Civil) que lhe foi conferido pelo constituinte e a violação dos deveres deontológicos impostos pelo EOA podem gerar responsabilidade civil contratual, sendo certo que considerou o Exmo. Juiz de Direito que o facto do Recorrente não ter peticionado juros de mora no âmbito do seu patrocínio forense aos Recorridos foi uma clara violação desses deveres de cuidado, zelo e estudo.
18.–Salvo o devido respeito, discorda-se inteiramente deste entendimento, senão vejamos.
19.–Ainda que concretamente existisse uma atuação profissional ilícita imputável ao Autor, ora recorrente, o que por mera cautela de patrocínio se admite, a responsabilidade civil dependeria sempre do apuramento dos danos e da relação de causalidade entre esses danos e a violação de dever decorrente de mandato forense.
20.–Assim, para que surja a obrigação de indemnizar em decorrência da responsabilidade civil do advogado, deve ficar demonstrado que o incumprimento contratual foi causa direta e exclusiva dos danos provocados.
21.–Nos termos do disposto no artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo certo que esta previsibilidade é aferida e exigida relativamente à culpa, visto constituir um elemento intelectual desta, mas não em relação aos danos.
22.–No âmbito da responsabilidade civil contratual, a culpa presume-se, no entanto, esta presunção é ilidível, recaindo o respetivo ónus sobre o Recorrente.
23.–Atenta a especificidade do contrato de mandato forense, e bem assim do exercício da atividade da advocacia, no âmbito da qual não se apontam, por regra, soluções jurídicas unívocas, coexistindo antes, e a cada momento, doutrinas e entendimentos por vezes até contraditórios sobre a mesma questão de facto, não pode exigir-se ao Advogado que adote, em cada processo, a solução que, afinal, virá a ser a acolhida pelo tribunal.
24.–O Recorrente agiu com diligência, quer porque os pedidos formulados em sede de patrocínio dos Recorridos foram procedentes, quer porque informou tempestiva e claramente os RR. da possibilidade de recurso que, diversamente do que o Exmo. Juiz de Direito defende, efetivamente existia, uma vez que existiu um decaimento no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos morais peticionados pelo ora Recorridos, preenchendo deste modo os pressupostos consagrados no artigo 629º, n. 1 do Código de Processo Civil.
25.–O facto de o direito de recurso existir e ainda assim os Recorridos terem prescindido do mesmo constituiu um facto que interrompeu o processo causal entre a alegada conduta lesiva do Recorrente e os danos alegadamente provocados aos Recorridos.
26.–A renúncia do direito ao recurso por parte dos Recorridos traduziu-se na perda de chance de “ganhar o processo”.
27.– De acordo com a ratio vertida no Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, Proc. n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, essa renúncia constitui um dano para o mandatário, sendo certo que este dano não estará no resultado final desfavorável do processo, mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável decorrente do evento lesivo dos recorridos, e por conseguinte, o que está sob indemnização é um dano intermédio em relação ao dano final: o dano autónomo e emergente da perda de oportunidade de sucesso.
28.–A chance a que nos referimos no caso em apreço, embora caraterizada pela incerteza, não era meramente eventual.
29.–Revestia o mínimo exigível porque existia uma certeza relativa fundamentada numa expectativa razoável de sucesso do recurso que poderia ter sido interposto pelos Recorridos.
30.–Tendo o Recorrente prosseguido o patrocínio dos Recorridos, de acordo com as legis artis, e tendo em conta os dados e informações objetivas de que dispunha, não lhe poderá ser, assim, imputável qualquer responsabilidade civil pelo não acolhimento judicial de uma opção técnica juridicamente admissível.
31.–No acórdão do STJ de 02.10.2008 podemos ler que: “A advocacia, como muitas outras, é uma profissão em que o risco duma solução ou de outra tem de ser percebido e assumido pelo cliente, risco esse que, por si só e mesmo que lhe cause danos, não abre caminho à indemnização. Esta só deverá ter lugar, a nosso ver, quando se tenha ultrapassado a discutibilidade das soluções ou o risco do pleito, podendo-se, então, concluir que os danos não são de imputar à natureza da atividade desenvolvida – na qual se incluem as dúvidas inerentes à aplicação do próprio direito - mas antes a conduta, então negligente para estes efeitos, do próprio advogado”.
32.–O acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2015, é o melhor exemplo da incerteza que subsiste nos tribunais quanto à questão de não serem peticionados os juros de mora e ainda assim, o Juiz poder oficiosamente condenar ao pagamento desses juros.
33.–Analisando o voto de vencido da Meritíssima Juiz Dra. Maria Clara Sottomayor podemos constatar que já se admitiu que o pedido de juros fosse entendido como um desenvolvimento do pedido de indemnização porque se reconhece que a desvalorização monetária é um facto notório, pelo que, então, não tem de ser alegado nem provado pelo autor.
34.–Desde o Acórdão Uniformizador n.º 4/2002, que se admitiu que a atribuição de juros de mora cumpre a função de “fazer face à erosão do valor da moeda no período compreendido entre a localização no tempo do evento danoso e o da satisfação da obrigação indemnizatória”.
35.–Na realidade, esta jurisprudência só veio evidenciar, em termos práticos, a função do juro de mora: compensar o dano da inflação e traduzir o valor real da moeda porque “a dívida de valor não tem por objeto diretamente uma soma de dinheiro” mas o dinheiro intervém como meio de liquidação.
36.–Neste entendimento, não admitir este facto notório comporta uma visão puramente literal do princípio do dispositivo, que não pode conduzir à sobreposição do direito adjetivo ao direito substantivo e que não é compatível com a natureza da obrigação de indemnizar enquanto dívida de valor.
37.–Assim, conclui-se que graças à analogia substancial entre os dois métodos de combate à inflação, não viola o princípio do pedido nem do dispositivo, nos termos do artigo 609º, n.º 1 do CPC, a decisão de decretar juros de mora à taxa legal sobre indemnizações decorrentes de responsabilidade civil contratual.
38.–Atento o exposto, nunca estaríamos perante uma decisão-surpresa na medida em que a inflação é um facto notório e a justiça cível deve ser efetiva, cobrindo a integralidade dos danos sofridos pelo lesado, incluindo o custo da privação daquele capital por parte do autor, ora Recorridos, desde a constituição em mora.

39.–Como se pode verificar, a fls. 17 da douta contestação dos RR. foram efetuados três pedidos pelos ora Recorridos no âmbito do presente processo, que cumpre reproduzir: “Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exa. certamente suprirá:
A)–Deverá a ação ser julgada improcedente e, em consequência, os RR absolvidos do pedido, com as legais consequências;
B)–Deverá ser julgada procedente e provada a reconvenção e, por via dela, ser o Reconvindo condenado a pagar aos Reconvintes as seguintes importâncias (…)
C)–Deve ainda o A./Reconvindo ser condenado em custas, procuradoria condigna e honorários do Advogado signatário.”.

40.–Como se pode constatar, os RR., ora Recorridos, formularam o pedido de indemnização cível contra o Recorrente na quantia total de € 71.164,94 (setenta e um mil cento e sessenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais.
41.–A obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil profissional de advogado está previsto no artigo 104º, n. 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
42.–À data da prática dos factos que fizeram, alegadamente, nascer a obrigação de indemnização por responsabilidade civil obrigacional, o Autor, ora Recorrente, tinha a sua responsabilidade transferida para a Seguradora, S.A.
43.–O seguro mencionado assegurava o capital mínimo no montante de € 150.000 (cento e cinquenta mil euros).
44.–De facto, com data de início a 1 de Janeiro de 2014, foi celebrado o primeiro contrato de seguro entre a referida seguradora e a Ordem dos Advogados, assumindo aquela até 31.12.2017, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor).
45.–Este facto é do conhecimento dos RR./reconvintes, ora Recorridos, dado que estiveram em negociações com a reconvinda Seguradora, S.A no âmbito da tentativa de resolução de litígio extrajudicial, como se pode verificar no requerimento apresentado a 01.14.2019 pelos RR./reconvintes.
46.–É sabido que no âmbito do contrato de seguro profissional de advogado, este é apenas responsável pelo pagamento dos danos que ultrapassarem o limite do capital mínimo assegurado, uma vez que é precisamente esta a função deste seguro: garantir que o advogado possa exercer livremente a sua profissão com a salvaguarda para o próprio e terceiros, designadamente os clientes, de que um terceiro é responsável pelo pagamento dos danos diretamente provocados pelo advogado.
47.–Fácil é concluir que os montantes peticionados pelos Recorridos não ultrapassam os valores fixados legalmente.
48.–É um dado objetivo que o Recorrente transferiu a responsabilidade civil decorrente da sua atividade profissional para Seguradora, S.A., cujo contrato se mostrava plenamente válido à data do alegado facto ilícito praticado pelo Recorrente, que aqui se discute, motivo pelo qual, forçosamente deveria ter sido condenada apenas a seguradora.
49.–Não tendo sido, o alegado incumprimento do Recorrente, praticado com dolo nem tendo a indemnização determinada pelo Meritíssimo Juiz ultrapassado o capital mínimo assegurado pela Reconvinda Seguradora, S.A., não podia ter sido o Meritíssimo Juiz condenado o Recorrente em solidariedade com a Reconvinda Seguradora, S.A., nos termos do artigo 512º, n. 1 do CC.
50.–A responsabilidade transferida para a reconvinda Seguradora, S.A., faz extinguir a relação de crédito que poderia existir em relação ao Recorrente, pelo que, constitui um facto extintivo da relação entre o Recorrente e os Recorridos.
51.–Nos termos do artigo 576º, n. 3 do Código de Processo Civil, as exceções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
52.–Deste modo, salvo melhor opinião, a transferência de responsabilidade civil profissional para a Reconvinda Seguradora, S.A., nos termos expostos, configura uma exceção perentória que importa a absolvição total do pedido do Recorrente».

1.16.–Também inconformada, apelou a interveniente Seguradora, S.A., pedindo que a sentença seja revogada e substituída por acórdão que julgue procedente a excepção de exclusão de responsabilidade da recorrente em virtude da atuação profissional do advogado segurado ao abrigo de sociedade de advogados, absolvendo a recorrente de todos os pedidos contra si formulados, deduzindo as seguintes conclusões:
«1.–No âmbito do pedido reconvencional, foram o Autor/Reconvindo A…… e a interveniente Seguradora S. A. condenados, por via do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil profissional daquele primeiro e subsequente transferência de responsabilidade para a segunda por via do contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil, no pagamento aos RR./Reconvintes no montante de € 59.531,58.
2.–Por seu turno foi absolvida a Interveniente e Seguradora Companhia de Seguros, S.A..
3.–Com o respeito que é devido, que é muito, não pode a Interveniente e Apelante conformar-se com a sua condenação e absolvição da Interveniente Companhia de Seguros, S.A, termos em que interpõe o presente recurso, por entender que que o Tribunal fez incorreta e/ou equivocada interpretação e aplicação do direito aos factos, em clara violação da cláusula 12.1 das condições particulares da apólice n.º ……, e do disposto no artigo 140.º, n.º 2 e 3 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-lei n.º 72/2008 de 16 de Abril), e ainda artigos 104.º, n.º 1 in fine, 213.º, n.º 5, 10 al. a) e 14 do Estatuto da Ordem dos Advogados, e artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.
4.–Nos presentes autos resultou provado que o Autor/Reconvindo violou o mandato que lhe foi conferido pelo RR./Reconvintes, não tendo peticionado os juros que seriam devidos a estes últimos, o que foi causador de dano.
5.–E resultou ainda provado que o mesmo Autor/Reconvindo “3. No exercício da sua atividade profissional, o autor advogado atua sempre em tribunal munido de procuração que lhe confere poderes pessoais de representação, sendo que todo o enquadramento organizacional e financeiro, incluindo faturação, é feito pela sociedade de advogados sociedade de advogados …… - Sociedade de Advogados, SP, RL” – cf. facto n.º 3 da sentença recorrida.
6.–Com efeito, da prova carreada para os autos (peças processuais subscritas pelo Autor/Reconvindo em nome dos RR./Reconvintes, com o timbrado da …… - Sociedade de Advogados, SP, RL; depoimento de parte do próprio Dr. A……) resultou que, não obstante os mandatos a título individual, toda a sua atividade profissional de advogado foi e é exclusivamente exercida ao abrigo daquela sociedade, da qual era e é sócio, e à qual foram liquidados os honorários por parte dos RR./Reconvintes.
Consequentemente,
7.–Em face dos elementos probatórios acima descritos, e atenta a evidente atuação profissional do Autor/Reconvindo Dr. A…… ao abrigo da sociedade de advogados …… – Sociedade de Advogados, SP, RL., o Tribunal a quo sempre teria que ter julgado procedente a exceção perentória de “Limitação e/ou exclusão de responsabilidade da ora Co-reconvinda ……, em virtude da atuação profissional do advogado segurado ao abrigo de sociedade de advogados” absolvendo a …… no pedido reconvencional.
Com efeito,
8.–Nos termos do seguro de grupo contratado entre a Seguradora, S.A., e a Ordem dos Advogados (apólice n.º ……) é estabelecido que “Nos casos em que a atividade profissional dos SEGURADOS seja desenvolvida ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, fica entendido que a cobertura providenciada pela presente APÓLICE, sem prejuízo dos respetivos Limites de Indemnização, funcionará apenas na falta ou insuficiência de Apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados, entendendo-se esta última como celebrada primeiro” – cfr. cláusula 12.1 das Condições Particulares da Apólice n.º …… (negrito e sublinhado nosso).
Ora,
9.–Resultou provado que “28. Entre a co-reconvinda Companhia de Seguros, S.A. e a sociedade de advogados …… – Sociedade de Advogados, SP, RL foi celebrado um contrato de seguro titulado pela apólice junta como doc. n.º 1 em anexo à contestação desta reconvinda, aqui dado por integralmente reproduzido.” – cf. facto n.º 28 da sentença recorrida (negrito nosso)
10.–O contrato de seguro celebrado entre a Companhia de Seguros, S.A. e a …… – Sociedade de Advogados, SP, RL, garante o pagamento de indemnizações, por danos patrimoniais e não patrimoniais, exigíveis ao segurado, mormente por conta da atuação dos seus colaboradores – de entre os quais se inclui o Autor/Reconvindo –, no exercício de funções inerentes ao exercício da atividade de prestação de serviços em regime de profissão liberal de sociedade de Advogados8,prevendo um capital seguro máximo, para responsabilidade civil profissional, no valor de €1.250.000,00 por lesado, por sinistro e período de seguro.
11.–Termos em que, em face do risco e capital garantido pela apólice n.º ……, contratada junto da Companhia de Seguros, S.A. resulta evidente que não existe falta ou insuficiência desse mesmo contrato para garantir o presente pedido reconvencional, com fundamento na responsabilidade civil profissional do A.….., que atuou e cuja atividade de advocacia exerceu ao abrigo da ……– Sociedade de Advogados, SP, RL., e que in limine responderia por via do disposto no artigo 500.º, n.º 1 e 2 do CC.
12.–Pelo que, sempre terá o Tribunal ad quem que revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine a procedência da exceção perentória de Limitação e/ou exclusão de responsabilidade da ora Co-reconvinda, em virtude da atuação profissional do advogado segurado ao abrigo de sociedade de advogados, concluindo pela absolvição da reconvinda Seguradora, S.A., e determinando a condenação da Companhia de Seguros, S.A., por via da transferência de responsabilidade operada pelo contrato de seguro celebrado com a sociedade de advogados.
Esclarecendo-se, desde já, que
13.–A Companhia de Seguros, S.A. pode estar em juízo sem necessidade de intervenção da responsável “primária” (sic. Tribunal a quo) nos termos do disposto no artigo 140.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de abril) atento carácter obrigatório deste contrato de seguro de sociedade de advogados ao abrigo da conjugação do disposto no artigo 104.º, n.º 1 in fine, 213.º, n.º 5, 10 al. a) e 14 do Estatuto da Ordem dos Advogados, e, ainda, no artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.
14.–Obrigatoriedade que, de resto, é reconhecida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pesões e confessada pela própria Companhia de Seguros, S.A. (!) na apólice n.º ……, contratada com a …… – Sociedade de Advogados, SP, RL.
15.–Entendimento distinto, como o propugnado pelo Tribunal a quo – que não se aceita, determinaria a violação do disposto nos artigos 104.º, n.º 1 in fine, e 213.º, n.º 5, 10 al. a) e 14 do Estatuto da Ordem dos Advogados, o artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro e o disposto na própria apólice contratada junto da Interveniente Companhia de Seguros, S.A..
16.–Antecipando-se, desde já, que por via da obrigatoriedade do contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado junto da Companhia de Seguros, S.A. não é oponível aos terceiros lesados – in casu os RR./Reconvintes – as vicissitudes do contrato, em concreto, a falta ou reclamação tardia do sinistro – mormente a falta de reclamação “… no prazo de 3 anos contado a partir da data de ocorrência de tais atos ou omissões”10 – , ao abrigo do disposto no artigo 101.º, n.º 4 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro – vg. Acórdão do STJ de 16.05.2019, referente ao processo n.º 236/14.7TBLMG.C1.S211.
Sem conceder e por mero dever de patrocínio,
17.–Entendendo o Tribunal que os contratos de seguro em confronto (apólice n.º …… celebrada junto da Seguradora, S.A., e apólice n.º …… celebrada junto da Companhia de Seguros, S.A.) “… contenham uma previsão respeitante à concorrência de seguros em termos idênticos à presente …” (o que não se aceita, e foi inclusivamente rejeitado pela Companhia de Seguros, S.A.) deverão as Seguradoras Intervenientes, in limine, responder proporcionalmente aos limites do capital garantido por cada uma delas».

1.17.–A interveniente Companhia de Seguros, S.A., apresentou contra-alegações ao recurso interposto pela interveniente Seguradora, S.A., defendendo a confirmação da sentença, com base nas seguintes conclusões:
«1.ª–O recurso a que ora se responde vem interposto pela Seguradora, S.A., da douta sentença de fls. que julgou o pedido reconvencional procedente, por provado, pugnando a apelante Seguradora, S.A pela revogação decisão recorrida com fundamento em virtual incorrecta aplicação do direito, defendendo por isso a sua substituição por Acórdão que julgue procedente a invocada excepção de exclusão de responsabilidade desta Seguradora em virtude da putativa actuação profissional do Advogado Segurado ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, com a consequente absolvição da mesma. Não tem qualquer razão a apelante. Senão veja-se:
2.ª–O âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, pelo que devem ser apenas apreciadas as questões que ali foram enunciadas (cfr. art.ºs 635º e 639º do C.P. Civil). Das motivações ora em resposta subentende-se que a apelante Seguradora, S.A recorre apenas de direito, encontrando-se, consequentemente, assente a matéria de facto;
3.ª–Matéria de facto estribada ou alicerçada nos elementos de prova objectivos referidos no douto aresto ora em recurso (prova documental, testemunhal, depoimentos pessoais e declarações de parte), também no bom senso, nas regras da experiência comum e na livre e íntima convicção do julgador;
4.ª–Donde, nenhum reparo merece a conclusão de que a prova documental junta pelas partes nos autos e a testemunhal produzida em sede de audiência no Tribunal a quo, bem como os depoimentos pessoais e as declarações de parte prestadas, não colocam em causa os factos provados (e não provados) na sentença, pois tais elementos probatórios corroboram os factos levados ao probatório sendo, como vimos, os que relevam como base de uma decisão conscienciosa como a tomada pela 1.ª Instância;
5.ª–Nomeadamente a de que a configuração do presente processo feita pelo Autor e pelos Reconvintes não trouxe à colação a Sociedade de Advogados;
6.ª–Assim como a de que o Autor demandou os Reconvintes na qualidade de Advogado, e foi tal-qualmente demandado por estes na qualidade de Advogado e, quando suscitou a intervenção da Companhia de Seguros, S.A., com a qual a Sociedade de Advogados contratou a assunção de riscos decorrentes de responsabilidade civil, não teve a intenção de suscitar a intervenção da própria Sociedade de Advogados.
7.ª–O que quer dizer que o litígio foi definido, inicial e supervenientemente, por todas as partes, no que à reconvenção diz respeito, como de estrito apuramento de responsabilidade do Ilustre Advogado enquanto mandatário forense dos Reconvintes o que, não é, só por si, fundamento suficiente para que o objecto do litígio a esta se estenda à Companhia de Seguros, S.A.,
8.ª–Não tendo os Reconvintes assacado qualquer responsabilidade à Sociedade de Advogados, nem o Reconvindo Advogado recusado a existência de responsabilidade por não actuar em nome próprio, mas no interesse de terceiro, ou escusando a sua responsabilidade pessoal, por a imputar à Sociedade, com qualquer outro fundamento, ou seja, não fazendo parte do litígio a Sociedade de Advogados, não se pode fazer quanto a esta qualquer apuramento autónomo de responsabilidade e, não pode também, por maioria de razão e necessariamente, ser condenada a Companhia de Seguros, S.A., que, por contrato, assumiu os riscos de responsabilidade civil dos actos daquela, porquanto,
9.ª–É o Advogado quem pratica actos próprios de Advogado, como é o caso do patrocínio forense, e nunca a Sociedade de Advogados, que não tem nem pode ter essas competências.
10.ª– O mandato é aquele «pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra», cfr. art.ºs 1154º e 1157º, do Código Civil.
11.ª–O mandato judicial ou forense é um contrato de mandato oneroso, com representação, de acordo com o estipulado pelos art.ºs 1157.º, 1158.º e 1178.º, todos do Código Civil, sendo os Advogados constituídos, e não as Sociedade onde se possam integrar, responsáveis, civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou do seu cumprimento defeituoso.
12.ª–Com o que, atendendo a que o teor do Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil de Advogado subscrito pela Ordem dos Advogados junto da Seguradora, S.A., espelha, por confronto com a Apólice da Sociedade de Advogados, o contrário do por si alegado em sede de recurso, é inaplicável a invocada cláusula de exclusão de responsabilidade desta Seguradora, tanto mais que inoponível a terceiros lesados, em virtude da putativa actuação profissional do Advogado Segurado ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, daí nada poder ser exigido à ora apelada, seja a que título for».

1.18.–Os RR./reconvintes E……, C…… e P…… interpuseram recurso subordinado, pedindo que a sentença proferida seja revogada e, em consequência, julgada a acção proposta totalmente improcedente, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª:–Os Recorrentes consideram que, no que respeita à matéria da reconvenção, o Tribunal “a quo” decidiu com todo o acerto, interpretando de forma ajustada a matéria carreada para os autos, e aplicando correcta e exemplarmente a lei, não tendo, por conseguinte, outra alternativa senão ter condenado o Recorrido A…… e Seguradora, S.A. nos termos em que o fez, pois, se tivesse de outra forma, não se faria justiça.
2.ª:–Todavia, os ora Recorrentes discordam em absoluto do entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido no que respeita à sua condenação, solidária, no pagamento ao Recorrido A…… da quantia de €5.000,00.
3.ª:–A factualidade vertida na participação dos autos (doc. n.º 1 junto com a P.I.) não constitui acto ilícito, pois encontra-se dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão.
4.ª:–A liberdade de expressão, consagrada no citado artigo 10º do CEDH, tem sido densificado de forma muito relevante pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), o qual considera a liberdade de expressão como um direito essencial cuja protecção é condição sine quod non para a existência de uma democracia verdadeiramente pluralista, necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade.
5.ª:–O pluralismo, a tolerância e o espírito da abertura implicam a consagração da liberdade de expressão, pilar inerente e fundamental numa sociedade democrática, enquanto princípio fundamental de uma democracia.
6.ª:–O direito fundamental à liberdade de expressão protege quer as opiniões e juízos de valor, mas também informações e afirmações de facto.
7.ª:–O exercício da liberdade de expressão vertida na participação dos autos (doc. 1 junto com a P.I.), embora conflituante com o direito ao bom nome e reputação do Recorrido Eduardo Serra Jorge, deve prevalecer em obediência ao artigo 10.º da Convenção dos Direitos do Homem (CEDH).
8.ª:–Os Tribunais Portugueses encontram-se vinculados à CEDH nos termos do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.
9.ª:–Efectivamente, a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna, aliás, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais, os Tribunais Nacionais devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional.”
10.ª:–A jurisprudência relativa à liberdade de expressão construída na interpretação e aplicação do artigo 10.º do CEDH oferecem critérios de grande utilidade para os tribunais nacionais.
11.ª:–A correcta interpretação a fazer ao artigo 10.º do CEDH é aquela que deve partir não a partir da tutela do direito à honra, mas sim a partir do direito à livre expressão e, só depois, averiguar se têm lugar algumas das excepções do n.º 2 do citado artigo 10.º do CEDH, caminho que saí reforçado pelo texto da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, no seu artigo 11.º, igualmente consagra a liberdade de expressão.
12.ª:–A factualidade vertida na participação dos autos (doc. n.º 1 junto com a P.I.) não constitui acto ilícito, pois encontra-se dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão, tendo os Recorrentes se limitado a fazer uma denuncia onde, de forma sustentada, criticam, de forma objectiva e equilibrada, a conduta do seu anterior Mandatário.
13.ª:–Os Recorrentes não abusaram o direito à liberdade de expressão, nem ofenderam o Recorrido A…… .
14.ª:–A participação dos autos satisfaz um propósito lícito e crítico, designadamente o exercício de um direito legítimo, na qual os ora Recorrentes se limitaram a criticar a actuação e o desempenho do profissional, e nunca ofenderam a pessoa do Recorrido A……, nem usaram qualquer expressão depreciativa da sua honra ou bom nome.
15.ª:–As críticas e os juízos de valor contidos na participação não perderam o contacto com o desempenho profissional deste causídico, i.e., não fizeram uso de qualquer expressão que se possa considerar como desproporcionada para a defesa da causa e que se situa para além dos limites da liberdade de expressão.
16.ª:–Ademais, o Recorrido A……, como Advogado que é, por exercer uma profissão com relevância e expressão pública, tem um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras que sejam, excluindo obviamente todas aquelas (críticas) que tenham como objectivo de enxovalhar, humilhar ou rebaixar.
17.ª:–Só deverá merecer a tutela jurídica plasmada no art.º 70.º do Cód. Civil a imputação de factos ou juízos de valor que, no seu sentir e compreensão, tenham associados uma carga negativa exiológica/valorativa que a comunidade comum considera intolerável e inaceitável à luz dos padrões da decência e dos bons costumes.
18.ª:–Mais, o direito constitucionalmente consagrado no art.º 37, n.º 1, da Constituição da República, de liberdade de expressão e informação, particularmente relevante no debate político, não se esgota na narração de factos, antes supõe o direito de exprimir e divulgar o pensamento, estendendo-se também ao direito de opinião, o que se exerce mediante a exteriorização de juízos de valor.
19.ª:–Assim, entendem os ora Recorrentes que a protecção civil (plasmada no art.º 70.º do Cód. Civil) dada à honra e consideração só se justifica em situações em que objectivamente as palavras proferidas não têm outro sentido e propósito que não a ofensa gratuita, ou em situações em que, uma vez ultrapassada a mera susceptibilidade pessoal, as palavras dirigidas à pessoa a quem o foram, são, indubitavelmente, lesivas da honra e consideração do lesado.
20.ª:–Efectivamente, o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades de qualquer indivíduo, pois a gravidade de qualquer expressão eventualmente potenciadora de ofender a honra ou o bom nome de alguém há-de medir-se por um padrão objectivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso e não por padrões estritamente subjectivos, resultantes de uma sensibilidade embotada ou especialmente sensível.
21.ª:–Com efeito, o art.º 70.º do Código Civil não deve ser interpretado quando se está perante uma hipersensibilidade desproporcionada de um alegado lesado relativamente à apreciação da sua própria honra social ou ao seu sentimento individual de honra.
22.ª:–A ser assim, qualquer participação à Ordem dos Advogados efectuada por um qualquer cliente insatisfeito pela actuação de qualquer Advogado seria susceptível de ferir a honra ou a reputação do Advogado visado, pois uma qualquer participação à Ordem dos Advogados tem necessariamente que conter factos que certamente não serão do agrado de qualquer Advogado participado.
23.ª:–Ora, tomando como correcta a interpretação efectuada pelo Tribunal recorrido, qualquer cidadão prejudicado por acto de Advogado ficaria fortemente condicionado em apontar um acto negligente do Advogado, pois correria o risco de ser futuramente condenado a pagar uma indemnização por ofensa à honra e reputação, mesmo que tais factos constantes da participação à O.A. fossem verdadeiros.
24.ª:–O direito, no caso o art.º 70.º do Cód. Civil só pode “actuar” quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros, e tal não se verifica no caso dos autos.
25.ª:–Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função.
26.ª:–No caso dos autos, não ficou demonstrado nem provado que os Recorrentes tivessem a intenção de ofender ou achincalhar o Recorrido A……, tampouco ultrapassaram os limites impostos pela boa-fé, ao contrário do que afirma o Tribunal recorrido.
27.ª:–Seja como for, a tutela da honra e do bom nome terá de ceder perante o exercício do direito, ou mesmo, como é o caso dos autos, do cumprimento do dever de denunciar perante a Ordem dos Advogados certos comportamentos ou atitudes dos Advogados, que, no patrocínio de uma causa, de forma negligente ou mesmo dolosa, cause prejuízos aos seus clientes, que foi exactamente o que se passou nos autos.
28.ª:–Para garantir a estabilidade, a segurança, a paz social no Estado de Direito, há que assegurar ao cidadão prejudicado por acto de Advogado, a possibilidade, quase irrestrita, de denunciar perante a Ordem dos Advogados, factos que qualquer consulente, de boa fé, entende terem sido praticados contra a legis artis da Advocacia ou que lhe tenha causado prejuízos, doa a quem doer.
29.ª:–Diz-se “quase irrestrita” por a limitação consistir em a denúncia não ser feita dolosamente (ou seja, com consciência da sua falsidade) e do teor dos seus termos.
30.ª:–Na participação dos autos, os Recorrentes estavam no uso de um exercício de um direito (participação à Ordem dos Advogados), e não alegaram factos falsos, nem nunca pretenderam ofender a honra, a reputação, a dignidade nem o bom nome do Recorrido A…… .
31.ª:–Em tal participação, os ora Recorrentes apenas tiverem como objectivo que os competentes órgãos da Ordem dos Advogados apreciassem a conduta do A., na execução do mandato no âmbito do acção 534/08.9TTCSC (incluindo todos os seus apensos), designadamente quanto à forma como os honorários foram calculados, tendo ainda feito menção ao facto do Recorrido não ter pedido juros na acção de impugnação de despedimento.
32.ª:–Qualquer pessoa, prejudicada por acto de advogado no âmbito de um contrato de mandato, não pode, em caso algum, estar impedida de afirmar que “o advogado foi incompetente e que foi pouco empenhado”, se tal imputação for verdadeira.
33.ª:–Um cliente lesado, seja ele qual for, para acionar o seguro de responsabilidade civil das Ordem dos Advogados, tem necessária e obrigatoriamente que, na participação, apontar os erros, identificar a negligência e onde “falhou” a actuação do Advogado, ou seja, tem de esclarecer onde é que o Advogado foi, no caso em concreto, incompetente.
34.ª:–É intolerável e inaceitável que qualquer cidadão querendo fazer queixa de um Advogado esteja condicionado na sua liberdade de expressão.
35.ª:–Recorrentes limitaram-se a fazer uma participação à Ordem dos Advogados Portugueses, onde relataram factos verdadeiros.
36.ª:–Ao fazer a participação dos autos, os Recorrentes asseguraram o exercício legítimo de um direito, pelo que, não estamos perante um acto ilícito como é exigido pelo art.º 70º do Cód. Civil.
37.ª:–Pelo exposto, o Tribunal “a quo” interpretou erradamente o art.º 70.º do Código Civil, tendo ainda violado o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 37.º da Constituição da República Portuguesa.
38.ª:–Ademais, não se encontram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual.
39.ª:–Não ficou demonstrada nem provada a existência de qualquer dano de natureza não patrimonial na esfera jurídica do Recorrido A……, aliás, neste sentido, até o próprio Tribunal “a quo”, refere na sua sentença que a “alegação e a prova foram escassas”.
40.ª:–Ora, entre outros, é essencial para determinar a obrigação indemnizatória dos Recorrentes (i) a existência de um dano e (ii) a demonstração do nexo de causalidade entre o evento e o dano, pelo que, inexistindo dano, a acção jamais poderá proceder.
41.ª:–Mesmo admitindo a existência do dano (que não se concede, até porque é o próprio tribunal que afirma a escassez de alegação e de prova), não ficou demonstrado um requisito essencial do instituto da responsabilidade prevista no art.º 483.º do CC, in casu, o nexo de causalidade entre o que está escrito na participação (doc. 1 junto com P.I.) com as (inexistentes) lesões, de natureza não patrimonial, alegadamente sofridas pelo autor, razão pela qual não se encontram preenchidos os pressupostos previstos no art.º 483.º do Cód. Civil.
42.ª:–Pelo exposto, ao ter condenado os Recorrentes a pagar ao Recorrido a quantia de €5.000,00, o Tribunal “a quo” interpretou incorrectamente e violou o art.º 70.º e 483.º do Cód. Civil, e, ao ter recorrido à equidade, também interpretou incorrectamente e violou o art.º 496.º do mesmo Diploma legal».

1.19.–O A./reconvindo apresentou contra-alegações ao recurso subordinado, pedindo que se mantenha «a sentença oportunamente proferida pelo Tribunal a quo, que condenou os Recorrentes a pagar ao Recorrido a indemnização de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, nos termos em que foram condenados» e formulando as seguintes conclusões:
«1-Considerou o Meritíssimo Juiz, que os Recorrentes pretendiam com a participação disciplinar a apreciação do facto de os honorários serem cobrados em percentagem.
2-Considerou, ainda, “que o exercício da queixa disciplinar excedeu claramente os limites da boa-fé, sendo evidente um propósito desfasado da finalidade legal de assegurar as boas práticas da advocacia e, pelo contrário, uma intenção de causar afetação do bom nome e reputação do advogado”.
3-Considerou o Tribunal a quo que “os danos em causa, merecendo a tutela do direito e sendo fixados equitativamente (cf. art.º 496.º n.ºs 1 e 4 do CC) sê-lo-ão, face ao circunstancialismo apurado, necessariamente em valor muito inferior ao reclamado” tendo fixado o valor a indemnizar ao Recorrido em € 5.000,00.
4-Os Recorrentes discordaram desta decisão, tendo em recurso subordinado alegado que ao pronunciar-se sobre a conduta do Recorrido, apenas o fizeram no pleno exercício do direito à liberdade de expressão.
5-Para os Recorrentes, no recurso subordinado não importa que o juízo de valor nada tenha que ver com o objecto da participação efectuada à Ordem dos Advogados, reportando-se a factos que nada tinham que ver com a fixação dos honorários reclamados e que não correspondiam à verdade.
6- Para os Recorrentes, neste recurso subordinado, não importa que, de forma abusiva e propositada, tenham ofendido a honra e bom nome do Recorrido, afectando com gravidade não totalmente apurada, os resultados da sua actividade profissional.
7-Para os Recorrentes, neste recurso subordinado, o direito à honra e bom nome, enquanto direito fundamental, constitucionalmente protegido nos termos do n.º 1, do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa e integrante da dignidade humana, considerada “inviolável” pelo artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, deve subjugar-se ao direito à liberdade de expressão dos Recorrentes.
8-Para os Recorrentes, a dignidade humana, a honra e o bom nome da pessoa humana podem ser ofendidos (“gratuitamente”!, concluímos nós) pela liberdade de expressão exercido pelos Recorrentes da forma que entenderem.
9-Os Recorrentes não têm, sequer, qualquer pejo em recorrer à jurisprudência do TEDH – que densificou a importância do direito à liberdade de expressão como essencial à existência de uma democracia verdadeiramente pluralista, tolerante e com espírito de abertura -, num aproveitamento abusivo dos seus fundamentos que, inapropriadamente, utilizam para justificar a ofensa à honra que praticaram.
10–A pretensão dos Recorrentes não pode ter vencimento pois a mesma não se fundamenta nos argumentos que invoca, verificando-se o desfasamento real entre o objectivo da participação que os Recorrentes, extemporaneamente, apresentaram à Ordem dos advogados e os juízos de valor emitidos e ofensivos da honra, reputação e bom nome do Recorrido.
11–Sustentam os Réus/Reconvintes, ora Recorrentes, em sede de alegações de recurso, que, no julgamento que fez do caso concreto, deveria o douto tribunal a quo ter dado prevalência ao direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra e ao bom nome do Autor, alegando que é nesse sentido que a jurisprudência do TEDH se tem inclinado.
12–Não poderá o raciocínio dos ora Recorrentes proceder sem mais, já que é o próprio artigo 10.º da CEDH, no seu n.º 2, que impõe determinadas restrições ao exercício do direito à liberdade de expressão, entre as quais o direito à honra de outrem.
13–Daí se infere que, apenas quando esteja em causa a protecção de um relevante interesse público, é que se poderá justificar que prevaleça o direito à liberdade de expressão, quando confrontado com o direito à honra que assista a terceiro.
14–Ora, o facto de, no âmbito da participação disciplinar apresentada à Ordem dos Advogados, os Réus/Reconvintes terem aproveitado para proferir impropérios contra o Autor/Reconvindo, que nada acrescentam a essa questão, nem com a mesma são conexos, não é minimamente adequado a proteger ou defender um relevante interesse público.
15–É, assim, evidente a intenção dos Réus/Reconvintes de causar afectação do bom nome e reputação do A., advogado, não se descortinando nenhum superior interesse que justifique tal conduta.
16–Para aquilo que para os presentes autos releva, cumpre, ainda, reiterar que a apresentação da participação disciplinar pelos Réus/Reconvintes à Ordem dos Advogados foi manifestamente extemporânea em relação ao período em que o Autor, advogado, lhes prestou os seus serviços, acrescentando-se, ainda, que da conduta dos Réus naquela altura, decorre necessariamente a convicção de que os mesmos se conformaram com os resultados obtidos com o pleito.
17–Ao extravasarem os limites impostos pelo princípio da boa-fé, os Réus incorreram em responsabilidade civil aquiliana, o que determina a sua obrigação de indemnizar o Autor pelos danos por este sofridos, os quais ficaram inequivocamente demonstrados na sequência da prova produzida nos presentes autos.
18–O montante da compensação do dano, não devendo determinar enriquecimentos injustificados, também não deverá nem poderá traduzir-se num montante absolutamente irrisório.
19–Por esta razão, no cálculo que lhe compete fazer, o tribunal deve fixar uma indemnização segundo critérios de equidade, nos termos do disposto no artigo 496.º n.º 4 do Código Civil, observando, ainda, as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. O que verificou-se no caso concreto, pelos motivos já explanados.
20–Deste modo, terá de concluir-se que o montante fixado pelo douto Tribunal a quo a título de indemnização por danos patrimoniais jamais peca por excesso – ao contrário do que pretendem faz crer os Réus, ora Recorrentes – motivo pelo qual deverá agora ser confirmado.
21–Em suma, terá necessariamente que concluir-se pela improcedência do pedido formulado pelos Recorrentes, mantendo-se a sentença quanto à parte da indemnização a título de danos não patrimoniais».

1.20.–Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II–DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo à ordem dos recursos interpostos e às conclusões supra transcritas, as questões essenciais a decidir consistem, basicamente, em saber:
a)-se o A. incumpriu ou cumpriu defeituosamente o mandato que lhe foi conferido pelos RR. no âmbito da acção laboral e, em caso afirmativo, se tal incumprimento/cumprimento defeituoso causou danos patrimoniais aos RR., que cumpra ao A. ressarcir;
b)-se a interveniente Seguradora, S.A., responde, solidariamente, com o A. pelo ressarcimento dos danos patrimoniais que tenham sido sofridos pelos RR.;
c)-se os RR., ao apresentarem participação disciplinar contra o A., cometeram um facto ilícito e, em caso afirmativo, se tal facto foi causador de danos não patrimoniais ao A. e como quantificá-los.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1.–A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
«1.–O autor/reconvindo exerce a profissão de advogado, com domicílio profissional em ……;
2.–O autor representou os réus no decurso integral do processo n.º ……, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de …… - Juízo do Trabalho de ...... - Juiz ......, mais representando nesse processo Z……, que não é parte nos presentes autos;
3.–No exercício da sua atividade profissional, o autor advogado atua sempre em tribunal munido de procuração que lhe confere poderes pessoais de representação, sendo que todo o enquadramento organizacional e financeiro, incluindo faturação, é feito pela sociedade de advogados sociedade de advogados …… - Sociedade de Advogados, SP, RL;
4.–Por escrito datado de 27 de junho de 2016 e apresentado na Ordem dos Advogados a 8 de agosto desse ano, dirigido ao Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, os réus declararam o que consta do documento n.º 1 junto com a petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido;
5.–Aí consta, além do mais, que a situação está relacionada com o processo n.º ……, Secção Única do Tribunal de Trabalho de …… e prende-se essencialmente com a forma como os honorários foram cobrados;
6.–Mais consta que o seu comportamento ao longo do processo foi pouco empenhado e até incompetente causando sérios danos que até hoje estão por resolver (…) relativo a juros civis que foram esquecidos de contabilizar, como é isto possível?
7.–Consta ainda desse escrito – mas a questão que nos leva a fazer a queixa prende-se com o facto de os honorários serem cobrados em percentagem (o que não é deontologicamente correto), algo que nunca foi dito e muito menos acordado por nós, inclusive telefonicamente foi falado em 5% e na altura sem qualquer explicação e mesmo nos manifestando contra, foram cobrados 10% do total recebido;
8.–E também como se não bastasse esta leviandade, chegou ao ponto de deduzir a percentagem inclusive nas custas do tribunal;
9.–Ainda que se não tivesse sido um advogado incompetente e que nos prejudicou imenso, provavelmente nem colocaríamos em questão esta situação;
10.–Por despacho de 2/9/2016, o Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados determinou notificação dos participantes para que (…) venham completar e aperfeiçoar a participação (segmento do documento 1 junto com a petição inicial);
11.–A ré/reconvinte respondeu, com conhecimento aos restantes réus, por correio eletrónico datado de 20 de setembro de 2016 dizendo venho manifestar a minha indignação quanto ao seu conteúdo. (…). Mais esclarecedor não podia ser, (…) cobrança dos honorários em percentagem sem ter sido acordada, e dedução da mesma percentagem nas despesas judiciais pagas pelos autores. Na realidade a carta mencionava que o advogado cometeu mais negligências nomeadamente em relação ao esquecimento de requerer os juros civis, mas este assunto está a ser tratado judicialmente e não foi o motivo de queixa (segmento do documento 1 junto com a petição inicial, dado por integralmente reproduzido);
12.–Por decisão de 26/10/2016, o Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados determinou o arquivamento liminar do expediente, por ter caducado o direito de queixa (documento n.º 2 junto com a petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido);
13.–Por correio eletrónico datado de 22/11/2016 a ré/reconvinte E…… interpôs recurso da decisão referida dizendo, além do mais, que o comportamento leviano do advogado em causa lesou-nos de tal forma que não gostaríamos de o deixar impune (e o mais que consta do documento n.º 3 junto com a petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido);
14.–O recurso foi admitido e foi ordenada notificação do aqui autor para contra-alegar, o que fez (documento n.º 4 junto com a petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido);
15.–Com data de 30/6/2017 foi elaborado pelo Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados parecer com proposta de manutenção da decisão de arquivamento liminar (documento n.º 9 junto com a petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido);
16.–Em sessão do Pleno do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de 13 de julho foi confirmada a decisão proferida de arquivamento liminar (idem – doc. n.º 9);
17.–Na ação supra referida em 2, foi proferida sentença no dia 14/2/2013, julgando a ação parcialmente procedente e condenado a aí ré ...... Turismo, Lda. no pagamento de indemnizações com fundamento em despedimento ilícito dos autores, nos demais termos constantes da certidão junta como doc. n.º 1 à contestação, aqui dada por integralmente reproduzida;
18.–Na decisão consta, expressamente, que aos montantes devidos a cada um dos autores acresceriam juros; todavia os mesmos não foram peticionados, sendo certo que relativamente aos mesmos não se mostra aplicável o disposto no artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, por não estarem em causa direitos indisponíveis. Consequentemente, tendo presente ainda o disposto no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não se condenará a ré no pagamento dos juros vencidos;
19.–O autor, por correio eletrónico, comunicou aos réus a decisão proferida e aludiu à possibilidade de interposição de recurso, tendo os réus respondido, por correio eletrónico, não pretender fazê-lo (nos demais termos das cópias de comunicações eletrónicas mantidas entre autor e réus, juntas em anexo à petição inicial, aqui dadas por integralmente reproduzidas);

20.–O autor, em representação dos réus, instaurou por apenso aos autos, incidente de liquidação dos créditos indemnizatórios dos autores, tendo sido proferida decisão de liquidação nos seguintes termos (nos termos do doc. n.º 7, junto com a petição inicial, aqui dado por integralmente reproduzido):
- P…… – para além da quantia de € 7.225,00, já liquidada na sentença –, o montante global de € 88.455,68, acrescido de juros moratórios, à taxa de 4%, vencidos desde 21/12/2013 e vincendos até integral pagamento;
- P…… – para além da quantia de € 13.800,35, já liquidada na sentença – o montante global de € 124.895,70, acrescido de juros moratórios, à taxa de 4%, vencidos desde 21/12/2013 e vincendos até integral pagamento;
- A…… – para além da quantia de € 7.323,16, já liquidada na sentença –, o montante global de € 41.261,57 (quarenta e um mil duzentos e sessenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescido de juros moratórios, à taxa de 4%, vencidos desde 21/12/2013 e vincendos até integral pagamento;
- E…… – para além da quantia de € 9.779,20, já liquidada na sentença – o montante global de € 96.986,44, acrescido de juros moratórios, à taxa de 4%, vencidos desde 21/12/2013 e vincendos até integral pagamento
- C…… – para além da quantia de € 4.668,88, já liquidada na sentença –, o montante global de € 47.067,80, acrescido de juros moratórios, à taxa de 4%, vencidos desde 21/12/2013 e vincendos até integral pagamento;

21.–Antes da propositura da ação foi acordado entre um pagamento de uma provisão inicial para honorários no montante fixo de € 500,00 (quinhentos euros), acrescidos de IVA à taxa legal de 20%, por cada um dos autores, e um valor a final, não discutido na altura;
22.–A participação dos réus na Ordem dos Advogados causou ao autor tristeza, angústia e sentimentos de afetação da sua consideração pessoal e profissional.
23.–A co-reconvinda Seguradora, S.A. celebrou com a Ordem dos Advogados um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º ……, com data de início a 1 de janeiro de 2014 (nos termos do doc. n.º 1 anexo à contestação apresentada pela reconvinda, aqui dado por integralmente reproduzido);
24.–Por tal escrito, designadamente, assumiu o pagamento de indemnizações por prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente, responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados;
25.–O limite indemnizatório máximo contratado para o período de vigência entre 1 de janeiro de 2014 e 1 de janeiro de 2015 foi fixado em €150.000,00;
26.–Em data não concretamente apurada do ano 2015 os reconvintes apresentaram reclamação junto da co-reconvinda Seguradora, S.A. com vista a compensação por invocados danos causados pela representação do reconvindo advogado no processo laboral supra referido (cf. doc. n.º 1 e 3 anexos ao articulado de resposta apresentado pelos reconvintes a 1/4/2019, aqui dados por integralmente reproduzidos);
27.–Na sequência da reclamação antes referida a Seguradora, S.A. propôs uma compensação equivalente a 50% do valor reclamado, o que não foi aceite pelos aqui reconvintes;
28.–Entre a co-reconvinda Companhia de Seguros, S.A. e a sociedade de advogados ……- Sociedade de Advogados, SP, RL foi celebrado contrato de seguro titulado pela apólice junta como doc. n.º1 em anexo à contestação desta reconvinda, aqui dado por integralmente reproduzido;
29.–Entre a Ordem dos Advogados e a Seguros, S.A. foi celebrado contrato de seguro de Responsabilidade Civil Profissional, titulado pela Apólice n.º ……, cobrindo os riscos decorrentes de ação ou omissão de advogados com inscrição em vigor na respetiva Ordem (cf. doc. n.º 1 anexo à contestação da reconvinda Seguros, S.A., aqui dado por integralmente reproduzido);
30.Deste consta, designadamente, como período de vigência 24 meses, com início no dia 1 de janeiro de 2012 e termo no dia 1 de janeiro de 2014;
31.O reconvindo A…… nunca comunicou co-reconvinda Seguros, S.A. a representação dos reconvintes, os factos e circunstâncias relativos à mesma e, designadamente, qualquer situação passível de configurar responsabilidade passível de dar origem a uma reclamação».

3.2.–A sentença recorrida não considerou provado:
«-A existência de um acordo inicial relativo a pagamento de honorários, além do pagamento de 500€ por cada autor aquando da propositura da ação, tenha estabelecido uma percentagem do sucesso da ação equivalente a 10% ou a 5%;
-A participação disciplinar dos réus/reconvindos se tenha sabido no “meio jurídico”, que não junto do órgão e respetivos membros que a apreciou;
-O autor tenha sofrido perda de clientela em razão da participação;
-Os réus/reconvintes, com a participação disciplinar que fizeram na Ordem dos Advogados tiveram como objetivo a apreciação da negligência do reconvindo no âmbito da representação forense».

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1.preciemos, agora, o mérito dos recursos interpostos.
Comecemos pela primeira ordem de questões enunciada no ponto II, suscitadas no recurso principal interposto pelo A.: terá o A. incumprido ou cumprido defeituosamente o mandato que lhe foi conferido pelos RR. no âmbito da acção laboral em causa e, em caso afirmativo, terá tal incumprimento/cumprimento defeituoso causado danos patrimoniais aos RR., que cumpra ao A. ressarcir?
O A/reconvindo sustenta que não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual, não tendo havido qualquer actuação profissional ilícita da sua parte ao não formular pedido de condenação em juros de mora na acção de impugnação de despedimento ilícito, sendo que, ainda se verificasse uma actuação ilícita da sua parte, não seria a mesma a causa directa e exclusiva dos danos provocados aos RR./reconvintes, tendo sido a renúncia destes ao direito que se traduziu na perda de chance de “ganhar o processo”.

Já sentença recorrida considerou que «a ausência de pedido de juros moratórios, numa ação ressarcitória, constitui uma falha imputável ao advogado que, ainda que seja mero lapso devido a esquecimento, ou mesmo simples erro material devido a processamento de texto, tem que ser qualificada como negligência e incumprimento dos deveres de zelo a que está adstrito no âmbito do seu contrato de mandato».
O que entender?
Através da reconvenção, pretendem os RR./reconvintes que o A./reconvindo lhes pague uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes do exercício da sua actividade de advogado.
Como é consabido, a responsabilidade civil do advogado pelo exercício da sua actividade pode ser contratual ou extracontratual. Com efeito, «se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do contrato de mandato (ou outro) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana» (cfr. Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, 2.ª ed., p. 13).

No caso dos autos, os RR. imputam ao A. o incumprimento culposo ou o cumprimento defeituoso de um mandato forense (cfr. arts. 1157.º do CC e 67.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, - EOA), pelo que se está no âmbito da responsabilidade contratual.
Da matéria de facto provada resulta que o A. representou os ora RR., na qualidade de autores, no processo n.º ……, que constituía uma acção especial de impugnação de despedimento colectivo, que correu termos no Juízo do Trabalho de …… e que foi julgada parcialmente procedente, tendo a entidade patronal dos ora RR. sido condenada a pagar-lhes indemnizações com fundamento no seu despedimento ilícito.

Aquela entidade patronal não foi, contudo, condenada no pagamento de juros de mora vencidos, por não terem sido peticionados na acção.

Pretende-se, pois, saber se a não formulação, por parte do ora A., no exercício da sua profissão de advogado e em representação dos ora RR., de pedido de condenação da entidade patronal no pagamento dos juros de mora vencidos se traduz na violação de um dever contratual.

De acordo com o disposto no art. 1161.º do CC, e para o que ora releva, são obrigações do mandatário, entre outras:
a)-praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante;
b)-prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão;
c)-comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu;
Por outra banda, o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (cfr. art. 97.º, n.º 1 do EOA).

Entre os deveres do advogado para com o seu constituinte avulta o enunciado no art. 100.º, n.º 1 al. b) do EOA, segundo o qual, nas relações com o cliente, constituem deveres do advogado(…) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade”.

A diligência requerida é a de um bom pai de família, ou seja, do homem médio, considerando as especificidades do mandato (cfr. Januário Gomes, Contrato de Mandato, 1990, p. 20).

A culpa, estando-se, como se viu, no âmbito da responsabilidade contratual, é de presumir (cfr. art. 799,º n.º 1 CC).

Desta forma, na acção para efectivação da responsabilidade civil contratual, cumpre ao A. ou reconvinte provar a verificação do facto ilícito, incumbindo ao R. ou reconvindo o ónus de provar que agiu sem culpa (cfr. art. 350.º n.ºs 1 e 2 do CC).

É consensual o entendimento de que não pode exigir-se do advogado que seja capaz de acertar com o concreto entendimento judicial das questões que lhe são confiadas. Daí que, para se considerar a conduta do advogado culposa e merecedora de censura deontológica, deve a mesma traduzir-se num indesculpável erro de ofício (cfr., por exemplo, os acórdãos do STJ de 09.01.2003, in CJ, I, p. 18, e do TRE de 24.01.2002, in CJ. I, 261), o que se verifica quando omite por completo o acto aconselhável ou pratica um acto completamente contrário aos conhecimentos adquiridos e à boa técnica jurídica.

A jurisprudência e a doutrina têm considerado, incontroversamente, que, na relação contratual a que se vincula com o mandante, representado ou patrocinado, o advogado assume uma obrigação de meios, pois que não se obriga a produzir um determinado resultado em benefício daquele, mas antes a levar a cabo determinada actividade para que o resultado pretendido venha a produzir-se, utilizando, com diligência e zelo, os seus conhecimentos jurídicos de forma a defender, da melhor maneira possível, o interesse do cliente. Por isso, se o advogado não obtiver ganho de causa, apesar de ter agido segundo as regras da arte adequadas, não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade.

Desta forma, na execução do mandato, o mandatário tem o dever de, de acordo com as regras, conhecimentos, sabedorias e ciências adquiridas e factíveis na leges artis, prover a que os interesses do mandante alcancem um resultado.

No caso que nos ocupa, acompanhamos a sentença recorrida no entendimento de que o A. violou os deveres mencionados, ao não peticionar a condenação da entidade patronal no pagamento dos juros de mora já vencidos sobre as demais quantias peticionadas.

Trata-se de uma omissão que se traduz num indesculpável erro de ofício, sendo certo que os conhecimentos jurídicos adquiridos à data dos factos e a boa técnica forense impunham - ou, pelo menos, aconselhavam fortemente - que tal pedido fosse deduzido, por forma a defender os interesses dos clientes, ora RR. (não sendo, obviamente, exigível ou necessário que, para tanto, estes tivessem dado ao seu advogado instruções expressas nesse sentido).

Na verdade, contrariamente ao que o A./recorrente defende, mesmo tendo em conta a autonomia técnica do advogado (cfr. art. 81.º, n.º 1, do EOA), a interpretação que o mesmo fez - e continua a fazer - das normas jurídica aplicáveis, no que respeita à desnecessidade de formulação de pedido expresso de juros de mora na acção laboral em causa, não tem qualquer apoio doutrinal e jurisprudencial, antes sendo completamente isolada e pouco plausível, arrepiando o sentimento geral da comunidade jurídica.

É que, tal como se afirma na sentença recorrida, «a condenação extra vel ultra petitum, possível em processo laboral, é um mecanismo de tutela de direitos indisponíveis, assegurando, face à sua importância, um corolário do favor laboratoris em sede processual, dando-lhe supremacia à estrita aplicação das regras do dispositivo. Tal não sucede no que diz respeito a direitos disponíveis (…). O pedido de juros de mora vencidos insere-se em matéria estritamente disponível e, por conseguinte, como, aliás, expressamente referido na sentença, não poderia alguma vez a ali ré, anterior entidade patronal, ser condenada no seu pagamento».

Este constitui o entendimento uniforme na jurisprudência dos nossos tribunais superiores quanto à matéria, inexistindo qualquer “discutibilidade das soluções” ou “risco do pleito” (o A./recorrente chama à colação o acórdão uniformizador do STJ de 14.05.2015, defendendo que o mesmo é o “melhor exemplo da incerteza que subsiste nos tribunais quanto à questão de não serem peticionados juros de mora e ainda assim, o Juiz oficiosamente condenar ao pagamento desses juros”, mas não só a questão abordada neste acórdão não se confunde com a relativa à possibilidade de condenação extra vel ultra petitum em processo laboral, como o referido acórdão concluiu pela não oficiosidade da condenação em juros de mora não peticionados).

Assim, por exemplo, já no acórdão de 31.10.2007, disponível em www.dgsi.pt, decidia o STJ que «I-A oficiosidade da condenação extra vel ultra petitum prevista no art.º 74 do CPT só ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis de lei ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e quando os factos em que se funda tal condenação sejam os factos provados no processo, ou de que o juiz se possa servir nos termos do art.º 514, do CPC. II-A regra de não conhecimento de “questões novas” - que resulta do n.º 2 do art. 660.º do CPC - é ultrapassada por aquela oficiosidade de conhecimento. III-A inderrogabilidade de disposições legais a que o juiz há-de atender, para efeitos do referido art. 74.º, é consequenciada pelo princípio da irrenunciabilidade de certos direitos subjectivos do trabalhador, entendendo-se existir tal irrenunciabilidade quando se colocarem casos em que, para além da sua existência, se conclui que o exercício do direito se torna absolutamente necessário, por razões inerentes a interesses de ordem pública. IV-O trabalhador pode dispor livremente do direito indemnizatório de que seja titular pela ilícita cessação do seu contrato de trabalho, pelo que, se não formula o inerente pedido na petição inicial da acção que intente após cessado o vínculo laboral contra a sua entidade empregadora, não deve o tribunal condenar esta na não peticionada indemnização. V-O art. 74.º do CPT, quando interpretado no sentido segundo o qual não cobra aplicação quando se coloquem em causa direitos disponíveis, não conflitua com os arts. 2.º, 25.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa»(vide os acórdão do STJ de 18.06.2014 e de 10.12.2017, disponíveis no mesmo sítio).

Terá, pois, de concluir-se que o A./recorrente violou os deveres de cuidado e zelo a que estava obrigado para que os interesses dos mandantes alcançassem o resultado possível, à luz das regras, conhecimentos, sabedorias e ciências adquiridas e factíveis na leges artis.

A culpa do A., como se viu, presume-se, até porque o mesmo nem sequer demonstrou a superveniência de qualquer facto que a afastasse, nomeadamente, a ocorrência de uma qualquer circunstância fortuita ou de força maior que o tivesse impedido de formular pedido de condenação nos juros vencidos, fosse na petição inicial da acção, fosse em momento posterior.

O A. argumenta que os RR. renunciaram ao direito de recorrer da sentença proferida na acção de despedimento ilícito. E, de facto, do teor das comunicações electrónicas a que se alude no n.º 19 dos factos provados, decorre que os ora RR. informaram o ora A. de que não pretendiam recorrer da sentença. Fizeram-no, todavia, após terem questionado o A. sobre a questão da não condenação da sua entidade patronal no pagamento dos juros de mora vencidos e de o A. os ter informado da desnecessidade da formulação desse pedido, reiterando, pois, a intencionalidade da omissão, chegando mesmo a referir que tais juros seriam liquidados na execução de sentença a instaurar (embora não deixando de mencionar a possibilidade de indeferimento liminar parcial por falta de título, o que evidencia, afinal, alguma insegurança na posição jurídica por si defendida).

Acresce que, tal como se escreve, lapidarmente, na sentença recorrida, «não é possível recorrer de qualquer decisão. O recurso é de decisões desfavoráveis. É tautológico afirmar que só existe ganho ou perda de causa perante pedidos expressos. Nenhum autor é vencido naquilo que não pede. Por consequência, se não é vencido, não pode recorrer quanto a segmentos de decisão não correspondentes a um pedido que tenha deduzido. O autor, ao aludir à possibilidade de recurso prestou, assim, uma informação incorreta e indutora de erro. (…) Os reconvintes não poderiam renunciar ao recurso, porque esse direito não existia. É evidente que só é possível renunciar a direitos que existam. Os reconvintes poderiam renunciar, isso sim, a qualquer crédito emergente de erro, lapso ou omissão do seu mandatário forense. Para tanto, teria o advogado que lhes dar informação precisa do direito, isto é, da sua falta, bem como das consequências económicas, ainda que meramente aproximadas, da mesma (…). Não sendo esse o contexto da informação, nunca tiveram os mandantes, aqui reconvintes, conhecimento dos elementos essenciais do seu direito e, portanto, a declaração de intenção de não interposição de recurso não equivale a qualquer renúncia de acionamento do mandante por incumprimento do zelo devido na representação forense».

Defende, ainda, o A./recorrente que o decaimento, na acção laboral em causa, no valor de € 5.000,00, relativo ao pedido de indemnização por danos morais, preenchia os pressupostos de recorribilidade previstos no art. 629.º, n.º 1 do CPC. Mas, como é óbvio, o recurso da sentença nessa parte não poderia ser aproveitado para suscitar a questão relativa aos juros de mora, uma vez que, como se referiu, os mesmo não foram pedidos na acção, inexistindo decisão desfavorável a este respeito (art. 635.º, n.º 3 do CPC).

Enfim, o A./reconvindo/recorrente praticou um facto ilícito e culposo (cumprimento defeituoso do contrato de mandato) e a sua conduta é merecedora de censura deontológica, pelo que importa verificar se sobrevieram danos patrimoniais na esfera jurídica dos RR./reconvintes/recorridos.

E a resposta não pode deixar de ser afirmativa: os RR. deixaram de receber os juros civis que eram, indubitavelmente, devidos desde a data do seu despedimento e até à data da sentença, o que constitui um prejuízo patrimonial decorrente, directa e necessariamente, da conduta omissiva do A. e, portanto, indemnizáveis no âmbito de responsabilidade contratual.

Com efeito, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. art. 563.º CC).

De acordo com a doutrina da causalidade adequada, consagrada no citado artigo, uma acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tendo em conta as circunstâncias conhecidas e as que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão for, à luz da experiência comum, adequada a produzir esse prejuízo.

Tal matéria é, especialmente, sensível no âmbito da responsabilidade do mandatário forense e muito debatida a propósito da perda de chance ou de oportunidade (traduzida num ganho de causa).

A doutrina e a jurisprudência convergem no sentido de considerar o dano da perda de chance como um dano autónomo e específico, consistente na perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável no processo em que foi cometida a falta/ilicitude por parte do mandatário.

No caso vertente, os elementos disponíveis permitem-nos prefigurar a hipótese de um ganho de causa mais favorável aos ora RR. (na sentença proferida na acção de impugnação de despedimento), caso o aqui A. tivesse praticado os actos cuja omissão lhe é imputada, ónus cuja prova competia aos RR., que a lograram fazer (cfr. acórdão uniformizador do STJ de 2/2022).

Na verdade, à luz de um juízo de prognose e atentando no que se escreveu na própria sentença proferida na acção laboral, verificou-se uma oportunidade de ganho de causa que propiciaria aos ora RR. a obtenção das quantias relativas a juros de mora vencidos, se o A. tivesse actuado diversamente.

Foi, portanto, a conduta omissiva do A. (e não a renúncia ao recurso, como defende o A./recorrente nas suas conclusões) que determinou o dano da perda de chance, pelo que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, estando o A./reconvindo constituído a obrigação de indemnizar (o quantum dos danos patrimoniais apurados na sentença recorrida não foram postos em causa).

Aduz, finalmente, o A./recorrente que, tendo transferido, validamente, a sua responsabilidade para a interveniente Seguradora, S.A., no âmbito de um seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional, e estando os danos dentro dos limites do capital assegurado, apenas a Seguradora deveria ter sido condenada, tendo-se extinguido a relação de crédito que poderia existir entre si e os RR./recorridos.

Carece, também aqui, de razão.

O seguro de responsabilidade civil profissional de advogado é um seguro obrigatório (art. 140.º do EOA), pelo que, nos termos previstos no art. 146.º, n.º 1 do RJCS (Lei n.º 72/2008, de 16.04), o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador. Tal não exclui, todavia, que o lesado possa demandar o lesante/segurado, sozinho ou acompanhado da sua seguradora.

Conforme escreve José Vasques, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, 3.ª ed., 2016, p. 462, em anotação ao referido art. 146.º, «(…) o artigo sob anotação não se refere à possibilidade de o lesado demandar o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, mas a demanda conjunta resulta, naturalmente, da articulação do direito de acção directa consagrado pelo n.º 1 do artigo com o direito de acção do lesado contra o responsável (art. 2.º, n.º 2 do CPC), sem prejuízo dos regimes processuais específicos (v.g. art. 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto)».

O direito reconhecido ao lesado de demandar directamente o segurador, ou de suscitar a sua intervenção processual passiva, justifica-se pelo facto de este, por contrato a favor de terceiro, ter-se obrigado a satisfazer a indemnização devida. No entanto, a obrigação de indemnizar constituiu-se, como se viu, na esfera jurídica ou no património do segurado e não se extinguiu com a celebração do contrato de seguro. Por isso, pode o lesado exigir do segurado a satisfação da indemnização, demandando-o isoladamente ou em conjuntamente com a seguradora, em litisconsórcio voluntário.

Improcedem, pois, todas as conclusões do A./reconvinte.

4.2.Analisemos, agora, o recurso interposto pela Interveniente Seguradora, S.A.

Trata-se, agora, de saber se a mesma responde, solidariamente, com o A./reconvindo pelo ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos pelos RR./reconvintes.

A recorrente Seguradora, S.A., defende que o Tribunal a quo «fez incorreta e/ou equivocada interpretação e aplicação do direito aos factos, em clara violação da cláusula 12.1 das condições particulares da apólice n.º ……, e do disposto no artigo 140.º, n.º 2 e 3 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-lei n.º 72/2008 de 16 de Abril), e ainda artigos 104.º, n.º 1 in fine, 213.º, n.º 5, 10 al. a) e 14 do Estatuto da Ordem dos Advogados, e artigo 38.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro», pois considera que «em face dos elementos probatórios acima descritos, e atenta a evidente atuação profissional do Autor/Reconvindo Dr. A…… ao abrigo da sociedade de advogados …… – Sociedade de Advogados, SP, RL., o Tribunal a quo sempre teria que ter julgado procedente a exceção perentória de “Limitação e/ou exclusão de responsabilidade da ora Co-reconvinda Seguradora, S.A., em virtude da atuação profissional do advogado segurado ao abrigo de sociedade de advogados” absolvendo a Seguradora, S.A., no pedido reconvencional».

Em contra-alegações, a interveniente Companhia de Seguros, S.A., sustenta que «o litígio foi definido, inicial e supervenientemente, por todas as partes, no que à reconvenção diz respeito, como de estrito apuramento de responsabilidade do Ilustre Advogado enquanto mandatário forense dos Reconvintes o que, não é, só por si, fundamento suficiente para que o objecto do litígio a esta se estenda à Companhia de Seguros, S.A. » e que «Não tendo os Reconvintes assacado qualquer responsabilidade à Sociedade de Advogados, nem o Reconvindo Advogado recusado a existência de responsabilidade por não actuar em nome próprio, mas no interesse de terceiro, ou escusando a sua responsabilidade pessoal, por a imputar à Sociedade, com qualquer outro fundamento, ou seja, não fazendo parte do litígio a Sociedade de Advogados, não se pode fazer quanto a esta qualquer apuramento autónomo de responsabilidade e, não pode também, por maioria de razão e necessariamente, ser condenada a Companhia de Seguros, S.A., que, por contrato, assumiu os riscos de responsabilidade civil dos actos daquela».

A este respeito, considerou a sentença recorrida que «a configuração destes autos feita pelo autor e pelos reconvintes não trouxe à liça a sociedade de advogados em cuja atividade se insere o exercício de advocacia do reconvinte. Ainda que tenha havido referências processuais ou alegação de tal circunstância, a verdade é que o autor demandou na qualidade de advogado, foi demandado na qualidade de advogado e, quando suscitou a intervenção da sociedade seguradora com a qual a sociedade de advogados …… - Sociedade de Advogados, SP, RL contratou a assunção de riscos decorrentes de responsabilidade civil, não teve a intenção, ou o cuidado, de suscitar a intervenção da própria sociedade de advogados. Quer isto dizer que o litígio traduzido nos presentes autos foi definido, inicial e supervenientemente, por todas as partes, no que à reconvenção diz respeito, como de estrito apuramento de responsabilidade do advogado A……enquanto mandatário forense dos reconvintes em processo laboral. O facto de a companhia de seguros Seguradora, S.A., assim como o reconvindo advogado, terem alegado que atuou no âmbito da sociedade não é, só por si, fundamento suficiente para que o objeto do litígio a esta se estenda. Para tanto, seria necessário trazê-la aos autos. Diga-se que tal definição subjetiva foi consensual para as partes, não tendo os reconvintes assacado qualquer responsabilidade à sociedade de advogados, nem o reconvindo advogado recusado a existência de responsabilidade por não atuar em nome próprio, mas no interesse de terceiro, ou escusando a sua responsabilidade pessoal, por a imputar à sociedade, com qualquer outro fundamento, que, aliás, num contexto de responsabilidade civil por ato de advogado sempre seria um exercício votado ao insucesso. A sociedade de advogados em que se insere o advogado reconvindo foi, assim, mantida fora da ação pelas partes. Por consequência, as referências que lhe foram feitas são meramente circunstanciais para a presente ação. Se era ou não responsável cumulativamente pelos danos causados pelo reconvindo advogado é algo que não foi definido para o presente litígio e dele não faz parte (…). Para se apurar a responsabilidade da seguradora, que é derivada, teria que se apurar a responsabilidade primária do responsável civil. Não fazendo parte deste litígio a sociedade de advogados não se pode fazer quanto a esta qualquer apuramento autónomo de responsabilidade».

Vejamos.

Tal como se faz notar na sentença recorrida, através da reconvenção deduzida, os RR. pretendem, apenas, efectivar a responsabilidade civil pessoal do A., enquanto advogado, e não de qualquer sociedade de advogados.

É também incontestável que o A. não fundamentou a inexistência de responsabilidade da sua parte no facto de ter actuado em nome, por conta ou no interesse de uma sociedade de advogados, não tendo recusado a sua responsabilidade pessoal, por a imputar à sociedade. Portanto, na presente acção não estava em causa, nem poderia apreciar-se a eventual responsabilidade da sociedade de advogados que o A. integra, mas apenas e tão só a existência ou não de responsabilidade profissional do A., pessoa singular.

Já não se acompanha, no entanto, a sentença recorrida quando refere que «para se apurar a responsabilidade da seguradora, que é derivada, teria que se apurar a responsabilidade primária do responsável civil. Não fazendo parte deste litígio a sociedade de advogados não se pode fazer quanto a esta qualquer apuramento autónomo de responsabilidade».

É que, quer nos termos do art. 37.º, n.º 1, do DL n.º 229/2004, de 10.12, vigente à data dos factos, quer, actualmente, dos arts. 104.º, n.º 1 in fine, e 123.º, n.º 5, 10 a) e 14, do EOA, as sociedades de advogados que optem pelo regime de responsabilidade limitada devem obrigatoriamente contratar um seguro de responsabilidade civil para cobrir os riscos inerentes ao exercício da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários, pelo que, estando-se em face de um seguro obrigatório, a seguradora poderia ser demandada, directa e isoladamente, pelo lesado, sem necessidade de fazer intervir na acção a sociedade de advogados segurada (art. 146.º, n.º 1 do RJCS).

Para nós a questão suscitada pela interveniente Seguradora, S.A., depende, isso sim, de outra questão prévia, de ordem substantiva, que é a de saber com quem foi, efectivamente, estabelecida a relação jurídica de mandato subjacente ao presente litígio.

Ora, a este respeito, e de relevante, provou-se que:
- o A. representou os RR. na acção laboral em causa (n.º 2 dos factos provados):
- no exercício da sua atividade profissional, o A. actua sempre em tribunal munido de procuração que lhe confere poderes pessoais de representação (n.º 3 dos factos provados);
- as procurações juntas ao referido processo mostram-se emitidas por cada um dos ora RR. a favor do A., sem qualquer menção a sociedades de advogados (certidão junta com a contestação dos RR.).

Em face dessa factualidade parece-nos inequívoco que a relação jurídica em apreço se estabeleceu entre o A. e os RR., tendo sido o A. que foi mandato para as finalidades sobreditas e, por conseguinte, que se obrigou perante os RR. a praticar os actos próprios do mandato (o que a própria recorrente Seguradora, S.A., acaba por reconhecer na conclusão 6, ao referir “não obstante os mandatos a título individual…”).

A circunstância de se ter provado que «todo o enquadramento organizacional e financeiro, incluindo faturação, é feito pela sociedade de advogados …… - Sociedade de Advogados, SP, RL» (n.º 3 dos factos provados), não invalida o exposto, já que os RR. não conferiram quaisquer poderes à sociedade de advogados, sendo, de resto, alheios à forma como  o A. se organiza profissionalmente, nem sequer decorrendo da matéria de facto provada que conhecessem essa forma de organização.

É certo que, de acordo com o regime legal das sociedades de advogados, então vigente, aprovado pelo DL n.º 229/2004, de 10.12 (revogado, como se sabe, pela Lei n.º 145/2015, de 09.09), os advogados deviam consagrar toda a sua actividade profissional de advogados à sociedade de advogados de que fizessem parte, salvo previsão em contrário do contrato de sociedade (cfr. respectivo art. 5.º, n.º 3, actual art. 214.º do EOA) e que as sociedades de advogados de responsabilidade limitada respondiam exclusivamente pelas dívidas sociais geradas por actos e omissões dos sócios e associados no exercício da profissão (cfr. respectivos arts. 33.º, n.º 2 e 35.º, n.º 1, actual art. 213.º, n.ºs 11 e 14 do EOA).

Sucede que a violação das referidas disposições dirigem-se ao advogado e a sua violação não pode ser imputada aos clientes, que se limitam a mandatar (passando procuração) ao advogado que contrataram e que foi quem, de resto, praticou os actos e/ou as omissões em causa.

Desta forma, tendo-se a relação contratual de que deriva o presente litígio estabelecido entre o A. e os RR., e não entre estes e a sociedade de advogados na qual é sócio, não tem aplicação ao caso a previsão da cláusula 12.1 das Condições Particulares do seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre o A. e a Seguradora, S.A., que limita ou exclui a responsabilidade desta quando a atuação profissional do advogado segurado seja desenvolvida ao abrigo de sociedade de advogados.

Improcedem, assim, as conclusões da recorrente Seguradora, S.A..

4.3.–Atentemos, finalmente, na terceira ordem de questões formulada no ponto II, decorrentes, essencialmente, do recurso subordinado interposto pelos RR., mas que também são debatidas, na parte relativa ao quantum indemnizatório, no recurso principal interposto pelo A. (muito embora este, em resposta ao recurso subordinado, acabe por defender a manutenção da sentença recorrida quanto à indemnização fixada).

Prende-se saber se os RR., ao apresentarem participação disciplinar contra o A., cometeram um facto ilícito e, em caso afirmativo, se tal facto foi causador de danos não patrimoniais ao A. e como quantificá-los.

O A. considera que os RR., na referida participação disciplinar, «ao defenderem e alegarem que o A., no decurso do processo, demonstrou pouco empenho e, até incompetência, causando assim sérios danos que até hoje estão por resolver, que os honorários foram cobrados por percentagem, o que não foi o acordado entre as partes e inclusive foi falado, telefonicamente, em 5%, tendo sido cobrados 10% do total recebido e que foi deduzida percentagem nas custas de tribunal, que foram pagas por estes e não resultaram da acção interposta, lesaram o direito à honra do A., bem como o seu direito ao bom nome e reputação» (art. 35.º da petição inicial), defendendo que «o A. foi lesado no seu direito à honra, o qual inclui o direito ao bom nome e reputação, pois os RR. chamaram-no de incompetente e ainda alegaram, a falta de empenho do A. no decorrer do processo» (art. 45.º da petição inicial)

Temos, pois, que, através da acção, o A. pretendia efectivar a responsabilidade civil extracontratual dos RR., por ofensa de direitos de personalidade, nomeadamente, a sua honra, bom nome, imagem, reputação pessoal e profissional.

Ora, dispõe o n.º 1 do art. 483.º do CC, que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

No caso presente, importa, ainda, ter presente o art. 484.º do CC, onde se prevê e se considera, especificamente, antijurídica a conduta que lese o direito ao bom nome de outrem: «quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados».

É consabido que, segundo uma posição mais tradicional, são quatro os pressupostos fundamentais em que assenta a responsabilidade civil extracontratual: o facto ilícito, o nexo de imputação subjectiva, o dano e o nexo de causalidade.

Assim, para que exista obrigação de indemnizar é necessário que o facto ilícito se ligue ao agente através de um nexo de imputação de natureza subjectiva (culpa) e que o dano se ligue ao facto por um nexo de causalidade.

Certo é, também, que incumbia ao A. a prova destes pressupostos, por constitutivos do seu direito (art. 342.º, n.º 1 do CC).

Comecemos, pois, por verificar se, no caso dos autos, está preenchido o primeiro pressuposto referido: terão os RR. praticado um facto ilícito?

Provou-se que os RR. dirigiram uma “reclamação” ao Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados (posteriormente aperfeiçoada, a convite deste organismo), referindo que a mesma se prende essencialmente com a forma como os honorários foram cobrados pelo participado (em percentagem e sem tal ter sido acordado) e como foram deduzidas despesas judicias pagas.

Mais se provou que nessa exposição, os ora RR. referiram que o comportamento do participado ao longo do processo foi pouco empenhado e até incompetente, causando-lhes sérios danos que estão por resolver, relativos a juros civis que foram esquecidos de contabilizar, e que o advogado cometeu mais negligências, nomeadamente em relação ao esquecimento de requerer os juros civis, mas que esse assunto está a ser tratado judicialmente e não foi o motivo de queixa.

Por decisão de 26.10.2016, o Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados determinou o arquivamento liminar do expediente, por ter caducado o direito de queixa, tendo a R./reconvinte E…… recorrido dessa decisão, dizendo, além do mais, que o comportamento leviano do advogado em causa lesou os participantes de tal forma que não gostariam de o deixar impune.

Em 30.06.2017 foi elaborado, pelo Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, parecer com proposta de manutenção da decisão de arquivamento liminar, sendo que, em sessão do Pleno do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de 13.07.2017, foi confirmada a decisão proferida de arquivamento liminar.

De relevante, apurou-se, ainda, que, antes da propositura da acção laboral em causa, foi acordado entre A. e RR. um pagamento de uma provisão inicial para honorários no montante fixo de € 500,00 (quinhentos euros), acrescidos de IVA à taxa legal de 20%, por cada um ora RR., e um valor a final, não discutido na altura.

Finalmente, provou-se que a participação em apreço causou ao A. tristeza, angústia e sentimentos de afetação da sua consideração pessoal e profissional.

Parece inequívoco afirmar que, ao apresentarem a referida participação disciplinar contra o A., os RR. actuaram de forma voluntária (pelo menos, nada se provou em contrário).

A questão que se coloca é a de saber se tal actuação dos RR. é ilícita.

O A. considera que sim, por ter havido um exercício ilegal e abusivo dos direitos de queixa, que, no seu entender, devem ser balizados pelo direito à honra e dignidade pessoal, ao bom nome e imagem das pessoas.

De acordo com o disposto no art. 70.º do CC, «a lei protege os cidadãos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral».

É a consagração da tutela geral da personalidade, que permite a protecção de bens pessoais como a integridade moral, a dignidade, o bom nome, a reputação, a honra, a consideração, a imagem e a reserva sobre a intimidade da vida privada de cada um, contra ofensas ilícitas e ameaças de ofensas.

Tais direitos de personalidade são reconhecidos pela própria Constituição da República, que os integra entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais (cfr. arts. 25.º e 26.º), bem como pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (cfr. art. 12.º).

O Código Civil não contém uma definição de “direito de personalidade”, abrangendo, como refere Rabindranath Capelo de Sousa, in A Constituição e os Direitos de Personalidade, Estudos sobre a Constituição, II, 1978, p. 93, todos aqueles «direitos subjectivos, privados, absolutos, extra patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida».

Certo é que os direitos de personalidade - incluindo-se nestes os direitos à honra, ao bom nome e à reputação - pertencem à categoria de direitos absolutos, como direitos de exclusão, oponíveis a todos os terceiros, que os têm de respeitar.

E, por isso, a lesão da personalidade é, em princípio, ilícita.

Não pode, contudo, olvidar-se, tal como lembra o acórdão do STJ de 13.01.2011, in www.dgsi.pt, que esse juízo de ilicitude não prescinde de uma apreciação concreta, sendo necessário «ponderar as circunstâncias, a ligação entre imputação ou a revelação feitas pelo lesante e a necessidade da conduta lesiva. Para a apreciação do grau de ilicitude deve ser ajuizado, em concreto, o modo como for feita a publicação da imagem ou a revelação dos factos da vida privada. Há muitas maneiras de revelar a imagem ou a vida privada das pessoas. Pode ser feita de modos mais ou menos ofensivos ou vexatórios, ou mesmo de modos inocentes ou inócuos. Tudo isto deve ser envolvido na apreciação da gravidade da lesão e da sua ilicitude».

No caso dos autos, terá a apresentação da participação disciplinar violado a honra, o bom nome, a imagem e/ou a reputação pessoal e profissional do A.?
Não cremos.
A apresentação de uma participação disciplinar - tal como, de resto, a propositura de uma acção cível ou a apresentação de uma queixa-crime - contém, necessariamente, a atribuição a outrem de um juízo de desvalor ou de desonra, na medida em que se lhe imputa a prática de factos que, supostamente, podem constituir a prática de ilícito disciplinar (ou de um crime ou que podem conduzir a uma condenação num pedido desfavorável).

Sucede que a apresentação de uma participação disciplinar, a propositura de uma acção cível ou a apresentação de uma queixa-crime integram o conteúdo do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo n.º 1 se dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)».

Ora, tal como se escreveu no acórdão da RP de 12.03.2014, in www.dgsi.pt., relativamente a uma denúncia criminal, a «(…) condição natural da denúncia não pode constituir um impedimento ou uma restrição ao exercício do direito: desde logo porque, na colisão entre o direito à honra do denunciado e o direito à denúncia como meio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, deve prevalecer este último; e depois porque o regular exercício do direito é causa de justificação que exclui a ilicitude. Por isso se diz que num Estado de Direito deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos» (cfr., também, o acórdão do STJ de 18.12.2008).

Sendo assim, tem-se entendido que tais actos só podem ser considerados ilícitos «se as circunstâncias do caso permitirem concluir que consubstanciaram um exercício abusivo do referido direito, isto é, que, em concreto, o agente, em vez de exercer este último para os fins visados pela norma que o atribui, utilizou a permissão legal para atingir finalidade diversa, nomeadamente para atentar contra a honra e o bom nome de outrem» (cfr., neste sentido, o acórdão da RE de 22.02.2018, in www.dgsi.pt).

Neste mesmo sentido, decidiu o acórdão da RC de 16.05.2006, in www.dgsi.pt, que «não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito (causa de exclusão de carácter geral), pelo que, sendo o direito de denúncia ou de acusação particular, com vista à instauração de procedimento criminal, uma concretização do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, o exercício desse direito não deve gerar responsabilidade, a menos que ocorra abuso de direito, pois nesta situação já o acto não é justificado. O direito de queixa, desde que legitimamente exercido, constitui causa de exclusão da ilicitude, o que basta para afastar uma indemnização de natureza civil».

A sentença recorrida considerou que «destes elementos, conjugadamente analisados à luz de experiência comum, resulta que o exercício da queixa disciplinar excedeu claramente os limites da boa-fé, sendo evidente um propósito desfasado da finalidade legal de assegurar as boas práticas da advocacia e, pelo contrário, uma intenção de causar afetação do bom nome e reputação do advogado».

Salvo o devido respeito, analisada a matéria de facto provada, somos forçados a concluir que nada legitima o entendimento de que a apresentação da participação disciplinar contra o A. tenha sido abusiva, no sentido mencionado.

Com efeito, os RR. actuaram no exercício de um direito à tutela efectiva, sem que o A. tenha logrado provar, quando a si competia esse ónus, que o fizeram com os intuitos que alegou (oportunismo e má-fé) ou visando denegrir a sua imagem e a sua honra pessoal e profissional, criarem-lhe má reputação ou prejudicá-lo no seu património pessoal. Nada a este respeito consta do acervo dos factos provados (que não foram postos em causa nos recursos interpostos) e que são completamente omissos quanto às reais intenções e motivações dos RR. na apresentação da participação disciplinar, pelo que não pode, agora, presumirem-se intuitos maléficos ou ilegítimos com base em pretensas regas da experiência comum.

O facto de a participação ter sido liminarmente arquivada não demonstra, por si só, que se esteja perante um exercício abusivo do direito, uma vez que tal arquivamento assentou em razões formais, relativas à ultrapassagem dos prazos para o exercício do direto de queixa, não tendo sido apreciado o seu mérito, nem averiguada a veracidade das imputações feitas pelos RR.

De igual forma, a dedução de uma queixa para além do prazo legal, não pode, por si só, considerar-se abusiva  (sobretudo se subscrita por leigos), sem a demonstração de outras motivações estanhas ao seu exercício do direito, o que não se verificou no caso dos autos.

Tal como se discorreu no referido acórdão da RL de 22.02.2018, «entre, por um lado, o exercício desse direito que culmina na condenação do visado e, por outro, o exercício abusivo do mesmo direito, vai uma distância imensa, preenchida pelas situações em que o sujeito crê ter razão para apresentar queixa e fá-lo devido a essa crença, mas, ou o Ministério Público, através de despacho de arquivamento, ou o tribunal, através de despacho de não pronúncia ou de sentença absolutória, entendem que não se verifica um ilícito criminal. Não existe, aí, qualquer abuso do referido direito de acesso à justiça criminal, apesar da ausência de condenação. Pode, pois, o processo-crime não chegar a uma condenação do arguido transitada em julgado sem que se verifique o referido exercício abusivo».

Também o acórdão da RC de 16.05.2006, in www.dgsi.pt, entendeu que «a Ré, ao instaurar o procedimento criminal, deduzindo acusação particular, fê-lo no exercício do direito à tutela jurisdicional efectiva e, pese embora a acusação particular não tivesse sido acompanhada pelo Ministério Público (…), não estava inibida de o fazer.

Neste sentido, elucida CAPELO DE SOUSA (loc. cit., pág.314) que “ter-se-á como justificada dentro de determinados limites, a formulação de certas suspeitas, que podem afectar a honra dos visados, no decurso de investigação criminal e resultantes não apenas dos métodos das ciências e das técnicas de investigação, mas também das próprias participações ou denúncia dos queixosos”».

Acresce que não se provou que as imputações feitas pelos RR. na participação disciplinar fossem falsas, infundadas ou descabidas.

Com efeito, os RR. “queixavam-se” da forma como os honorários haviam sido cobrados e como foram deduzidas despesas judicias pagas, sendo que nada se provou na presente acção que evidencie a sua falta de razão. Pelo contrário, os RR. afirmaram na participação disciplinar que os honorários foram cobrados em percentagem, o que o A. admite em parte (cfr. art. 30.º da petição inicial, embora sem que o tivesse logrado provar) e sem o seu acordo, o que se provou (cfr. n.º 21 dos factos provados “…e um valor a final, não discutido na altura”).

É certo que na participação em apreço os ora RR. referiram que o comportamento do participado ao longo do processo foi “pouco empenhado” e “incompetente”.

Discorreu, a este propósito, a sentença recorrida, que «não é ilícito, a se, afirmar a incompetência ou falta de zelo do advogado, desde que se trate de juízos de valores coerentemente integrados numa exposição de factos coerentemente apresentada. No caso, esses juízos de valor estão completamente desconexos de uma participação que, nos seus próprios termos, se referiu apenas à questão da cobrança de honorários».

Mais uma vez, não podemos acompanhar este entendimento.

O direito à liberdade de expressão colide, muitas vezes, com o direito ao bom nome, o que impõe uma ponderação casuística para se perceber quais devem ser os limites de cada direito, de geometria variável.

A jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores, de que constitui exemplo o acórdão do STJ de 10.12.2019, in www.dgsi.pt, infra citado, tem conferido uma protecção reforçada à liberdade de expressão, reflectindo uma abordagem mais consentânea com a interpretação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que faz uma clara opção na definição da maior relevância do valor «liberdade de expressão» sobre o valor «honra»:
«I-A Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer hierarquia entre o direito ao bom nome e reputação, e o direito à liberdade de expressão e informação, nomeadamente através da imprensa. Quando em colisão, devem tais direitos considerar-se como princípios susceptíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra valoração abstracta.
(…)
IV- De acordo com a orientação estabelecida pelo TEDH e que os tribunais nacionais terão que seguir, as condicionantes à liberdade de expressão e de imprensa devem ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade deve ser estabelecida de forma convincente.
V-Muito embora o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação sejam potencialmente conflituantes com o direito ao crédito e ao bom nome de outrem, tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o Tribunal Europeu dos Direito do Homem (TEDH), tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática.
VI-A resolução concreta do conflito entre a liberdade de expressão e a honra das figuras públicas, no contexto jurídico europeu, onde nos inserimos, decorre sob a influência do paradigma jurisprudencial europeu dos direitos humanos.
VII-O TEDH, interpretando e aplicando a CEDH, tem defendido e desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão, designadamente quando o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos é uma figura pública e está em causa uma questão de interesse político ou público em geral.
VIII-A vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica uma inflexão da jurisprudência portuguesa, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação».

Conforme escreve Francisco Teixeira da Mota, Liberdade de Expressão – A Jurisprudência do TEDH e os Tribunais Portugueses, in Julgar, n.º 32, 2018, «(…) os nossos tribunais, durante muito tempo, não faziam a distinção entre a afirmação de factos e a afirmação de opiniões ou juízos de valor. Foi o TEDH que veio explicitar que as opiniões não são verdadeiras nem falsas. Podem ter mais ou menos sustento factual, mas não passam de opiniões, de juízos de valor que variam de pessoa para pessoa, pelo que não faz sentido condenar uma pessoa por ter uma opinião falsa».

No caso dos autos, na participação apresentada, os RR. associam, claramente, os mencionados juízos de valor pejorativos ao “esquecimento de requerer os juros civis” por parte do advogado participado, justificando-os dessa forma, e acrescentam, inclusivamente, que tal assunto está a ser tratado judicialmente, deixando claro que, quanto a tanto, não pretendem agir disciplinarmente contra o A.

Ora, conforme decorre do ponto 4.1. deste acórdão (e, de resto, da sentença recorrida), o A. violou, efectivamente, deves de cuidado e zelo ao não peticionar a condenação da entidade patronal dos RR. no pagamento dos juros de mora.

De igual forma, e ressalvado o devido respeito, não pode entender-se, como na sentença recorrida, que «o decurso do tempo, a não reclamação na altura e a conformação, quando não satisfação pelos resultados do pleito, levam a que a queixa extravase os limites da boa-fé». É que, competia aos RR. eleger o momento adequado a reclamarem a indemnização civil pelos prejuízos decorrentes da conduta omissiva do A., como, aliás, o fizeram, sem que se tenha defendido e entendido que o exercício desse direito era tardio ou que se encontrava já prescrito.

Por conseguinte, não pode afirmar-se que, ao acusarem o advogado participado de “pouco empenhado” e “incompetente”, os RR. tenham proferido juízos de valor levianos e infundados e, muito menos, que tivessem consciência da sua falsidade, de que estavam a mentir ou, ainda, que soubessem que não lhes assistia razão e que não tinham qualquer fundamento para os exteriorizar.
Enfim, não há fundamento para concluir-se que os RR. abusaram do direito de queixa e, por conseguinte, que cometeram qualquer facto ilícito.

Falta, pois, o primeiro pressuposto da responsabilidade civil extracontratual - a ilicitude -, o que determina a improcedência do pedido deduzido pelo A. e, desta forma, a revogação, nessa parte, da sentença recorrida.

De resto, ainda que se considerasse preenchido o referido pressuposto, o pedido sempre improcederia, pela falta de demonstração da verificação dos danos não patrimoniais alegados.
Na verdade, a este respeito, apenas se provou que a participação em apreço causou ao A. tristeza, angústia e sentimentos de afetação da sua consideração pessoal e profissional.

Tais factos, desacompanhados de outros que os complementem ou densifiquem (nomeadamente, que constituam exteriorização desses sentimentos íntimos e que permitam perceber a intensidade do sofrimento) traduzem, quanto cremos, a reacção normal e típica de quem é surpreendido pela dedução contra si de uma queixa ou acção, com fundamentos e pedidos que lhe são antagónicos e cuja defesa acarreta vários incómodos e transtornos (desde logo, com a constituição de advogado e a recolha de elementos probatórios), sem que constituam um dano moral com gravidade merecedora da tutela do direito, no sentido exigido pelo art. 496.º do CC.

Aliás, a própria sentença recorrida acaba por assim reconhecer, quando afirma que «quanto a danos não patrimoniais também a alegação e a prova foram escassas. O contexto de participação disciplinar será, em termos de normalidade, uma eventualidade da atividade de qualquer advogado, que terá que assumir contornos de uma contingência natural, ainda que, necessariamente, seja desagradável e causadora de sofrimento para o visado. A participação em causa foi liminarmente rejeitada, retirando possibilidade de difusão e alargamento do conhecimento do seu teor. Não foi apurada, ou alegada, qualquer especial afetação ou sensibilidade do advogado autor e, por consequência, a avaliação dos danos deve fazer-se por referência à de um advogado com bom nome no meio profissional em que se insere».

As antecedentes conclusões prejudicam, obviamente, a apreciação da questão suscitada pelo A. no recurso principal que deduziu, relativa à adequação da indemnização fixada na sentença recorrida (art. 608.º, n.º 2 ex vi do art. 663.º, n.º 2 do CPC).

Procede, pois, o recurso subordinado, que, nos termos do art. 634.º, n.º 2 al. c) do CPC, aproveita à R. não recorrente.

V–DECISÃO:

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
a)-julgar totalmente improcedentes os recursos principais interpostos pelo A./reconvindo A…… e pela interveniente principal Seguradora, S.A., mantendo-se, quanto aos mesmos, a sentença recorrida;
b)-julgar totalmente procedente o recurso subordinado interposto pelos RR. E……, C…… e P……, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou, solidariamente, os réus a pagar ao autor uma indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora, e a pagarem as custas da acção na proporção de 1/20, absolvendo-os, totalmente, do pedido formulado pelo A. e condenando, exclusivamente, o A. nas custas da acção.
Custas dos recursos principais por cada um dos recorrentes A…… e Seguradora,  S.A. (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC).
Custas do recurso subordinado pelo recorrido A…… (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC).
Notifique.
*
Lisboa, 27.10.2022
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Ferreira de Almeida
Teresa Pais