Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
756/16.9TELSB-C.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: APREENSÃO DE BENS
INSTRUMENTO DO CRIME
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: De acordo com o princípio geral que emerge da concatenação entre o art. 178º nº1 do CPP e o art. 109º nº 1 do CP, segundo o qual a apreensão só tem justificação se servir a prova e, quando a obtenção e preservação da prova for possível, sem recurso à apreensão, esta não deve manter-se, precisamente porque o veículo automóvel é um meio de transporte de uso corrente e generalizado, prosseguindo finalidades múltiplas e indiscriminadas, para que possa ser considerado instrumento do crime e, consequentemente, declarado perdido a favor do Estado, é preciso que resulte demonstrado e ele se tornou ou ia ser necessário para a execução do crime, que a sua utilização influenciou a modalidade concreta de execução do facto, a tal ponto que sem o veículo a respectiva consumação resultaria impossível ou que, naquelas circunstâncias do facto, se tornaria de muito mais difícil a consumação, ou pelo menos, os resultado antijurídico teria sido produzido de forma substancialmente diferente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 3º Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por despacho proferido em 13.10.2020, no inquérito com o NUIPC 756/16.9TELSB do Tribunal Central de Instrução Criminal, foi indeferido o pedido do arguido PMLR_____ de desbloqueio das contas bancárias, bem como de devolução dos seus objectos pessoais apreendidos.
O arguido PMLR_____ interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
I - Vem o presente Recurso do Despacho datado de 13-10-2020, que indefere o pedido de desbloqueio das contas bancárias do Arguido, bem como indefere o pedido de devolução de objectos pessoais apreendidos, por contender com o princípio da precariedade, plasmado no art. 186° do C.P.P., e por carecer de justificação a manutenção da apreensão;
II - Resultaram do decurso do inquérito a aplicação de várias medidas de coacção, bem como foram apreendidos diversos objectos pessoais: um veículo automóvel, um telefone móvel, computadores pessoais e contas bancárias pessoais;     
III - Por despacho de fls. 5110 e seguintes, vem o Ministério Público promover a alteração das medidas de coacção aplicadas ao Recorrente, mantendo, contudo, as apreensões supra enumeradas;
IV - Ora, o Recorrente não pode concordar com o teor da promoção do Ministério Público nem com o despacho subsequente do Meritíssimo Juiz de Instrução;
V - Pois contam-se já várias medidas de coacção e cautelares aplicadas ao Recorrente, o que põe em causa a proporcionalidade e a necessidade da aplicação das mesmas, nos termos dos artigos 193º, 186º e 191°, n° 1, todos do CPP;
VI - A apreensão é um meio de segurança dos bens que tenham servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, como forma de garantir a execução da sentença penal;
VII - Contudo, no caso concreto, não é possível estabelecer a ligação exigida pelo artigo 178.° do CPP para que se justifique a apreensão do veículo automóvel, do telefone móvel, dos computadores pessoais e contas bancárias, e o seu contributo para a prática dos crimes em causa;
VIII - Não se vislumbra a que título poderão os bens apreendidos ser considerados instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática dos crimes em investigação, nem estes foram abandonados em qualquer local;
IV - Nem tampouco o Ministério Público se digna justificar a susceptibilidade de servirem de prova para que se mantenham as apreensões dos referidos objectos;
X - A apreensão deve manter-se se o objecto tiver servido para a prática de facto ilícito típico ou tiver sido por este produzido ou se oferecer sério risco de vir a ser utilizado no cometimento de novos factos ilícitos típicos ou perigo para os valores mencionados no preceito;
XI - Ora, a promoção do Ministério Público e a decisão do tribunal a quo são completamente omissas quanto ao preenchimento destes requisitos;
XII - A apreensão tem como regra base o princípio da necessidade que deve ser respeitado de forma a justificar a clara restrição que a apreensão significa para os direitos fundamentais do arguido;
XIII - Relativamente à apreensão do veículo automóvel, o próprio Ministério Público já entendeu inexistir utilidade na manutenção dessa apreensão, bem como parece evidente que um veículo automóvel não preenche qualquer dos requisitos para que possa manter-se, atenta a natureza dos crimes em questão;
XIV - No que respeita à apreensão do telefone móvel e computadores pessoais, facilmente se compreenderá que não estão incomensuravelmente ligados à prática dos factos relativamente aos quais recaem suspeitas sobre o aqui Recorrente;
XV - Ademais, a busca/apreensão material de dados constantes em formato digital carece de despacho fundamentado por parte do Ministério Público, desconhecendo o Recorrente quais são motivos que justificam a apreensão e busca, bem como se o (eventual) despacho que já exista é ainda exequível, nos termos do artigo 15°, n° 2, da Lei do Cibercrime, aplicável com as devidas adaptações;
XVI - No que concerne à apreensão das contas bancárias pessoais, ainda que se entenda que existe relevância para a investigação na sua apreensão, sempre se dirá que o mesmo resultado é alcançável através do exame de documentos bancários, conforme o dispõe o artigo 181° n° 2 do CPP;
XVII - Aliás, dever-se-ia ter apurado antecipadamente a proveniência dos saldos apreendidos, pois nada se diz acerca da situação económica do Recorrente, limitando-se Ministério Público a referir os valores totais em causa no presente inquérito;
XVIII - Como se tivesse sido o Arguido PMLR_____   a perpetrar todas as prescrições de tratamento sob investigação;
XIX - A promoção do Ministério Público e o despacho em crise não associam a estas apreensões um único facto, razão ou argumento que permita enquadrar a medida como meio de obtenção de prova, sendo absolutamente omisso a tal respeito;
XX - Pelo que, e com o devido respeito, a decisão recorrida é ilegal, por manter as referidas apreensões que se consideram desnecessárias, desproporcionais e sem qualquer justificação para a sua manutenção, nos termos dos artigos 193°, 186° e 191°, n° 1, todos do CPP, motivo pelo qual devem ser revogadas.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que determine a devolução dos bens apreendidos e o desbloqueio das contas bancárias pessoais do Recorrente.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta, na qual concluiu que deve ser negado provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
a)  A apreensão do veículo e contas bancárias ocorreu na sequência de despacho de autoridade judiciária com competência para o efeito.
b) O veículo tem intrínseca conexão com o objeto de autos — quer como instrumento (não perigoso) que possibilita o transporte de recorrente a diversas clínicas, quer como produto do crime, na medida em que o pagamento do preço decorreu de atividade de arguido, quer como potencial garantia patrimonial para pagamento de valor correspondente a prejuízo que arguido causou, nos termos acima elencados.
c) Lucro é o enriquecimento conseguido com uma atividade licita, patrimonialmente quantificável. A diferença entre o custo e o resultado constitui o lucro ou, na linguagem penal, a vantagem da prática do crime.
d) O legislador português consagrou no art. 178°, n° 1 do Código de Processo Penal a apreensão cautelar dos instrumentos, dos produtos, das recompensas (incluindo o preço) e das vantagens (lucros) da prática de um facto ilícito típico.
e) A apreensão pode ser realizada com a exclusiva finalidade de assegurar a futura declaração de perda a favor do Estado (artigo 110/1-3 CP), não sendo exigível qualquer finalidade probatória — artigo 178/1 (“ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova”).
f) Está em causa um valor total reembolsado, no período em investigação, por parte de ADSE e SAD/GNR no montante de € 357.007,00 na sequência de comportamento do recorrente e coarguidos.
g) Os activos apreendidos (contas bancárias e veículo) são manifestamente insuficientes para o referido valor monetário.
h) Quanto a telemóvel e computador, o que está em causa é a recolha de prova em suporte eletrónico (prova digital), considerando utilização profissional de referidos objectos na vida quotidiana de recorrente, razão pela qual, até sua conclusão, salvo melhor entendimento, haverá que manter apreensão.
Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º, o Mº. Pº. limitou-se a «acompanhar a resposta do Ministério Público da 1º Instância à motivação do recurso (…) no sentido da sua improcedência e confirmação da sentença recorrida».
Colhidos os vistos legais realizada a conferência prevista no art. 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre, então decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques , Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; PJSPinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, a única questão a tratar é saber se deve ser determinado o levantamento da apreensão dos objectos pessoais do arguido recorrente e desbloqueadas as suas contas bancárias.
2.2. Fundamentação de facto 
Antes de qualquer outro tipo de apreciação, importa ter em atenção a seguinte factualidade:
Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, realizado, neste processo, em 16 de Julho de 2020, foram aplicadas ao arguido PMLR_____ as medidas de coacção de Termo de Identidade e Residência, suspensão do exercício da profissão, pagamento de uma caução de €10.000,00, proibição de contacto com os outros Arguidos e com alguns utentes das Clínicas onde prestava a sua actividade profissional, já identificados e proibição de se ausentar para o estrangeiro (auto de primeiro interrogatório judicial de arguido detido que integra o presente apenso de recurso).
Estas medidas de coacção foram aplicadas, com fundamento na existência de perigo de continuação da actividade criminosa e em virtude de se mostrar fortemente indiciada a prática pelo arguido recorrente e outros, todos os arguidos, em coautoria material e concurso real, de um crime continuado de falsificação de documento, p.p. pelo art. 30° e 256°, n° 1, al. a) e n° 3 do Código Penal; de um crime continuado de burla qualificada (ao Serviço Nacional de Saúde), p.p. pelo art. 30° e 218º n° 2, al. b) ex vi art. 217° do Código Penal; de um crime continuado de Propagação de Doença, p. e p. pelo artigo 30° e 283º n.° 1 do Código Penal e de um crime continuado de usurpação de funções, p.p. pelos arts. 30º e 358º al. b) do Código Penal, sendo que por referência a PMLR_____  , Isabel , Mi____e Maria M___ por força do art. 28° do Código Penal (auto de primeiro interrogatório judicial de arguido detido que integra o presente apenso de recurso).
Esta imputação foi alicerçada nos seguintes indícios:
Hemoperfusão é um ato médico que consiste numa uma “limpeza” ao sangue, realizada em situações agudas e urgentes, derivadas de uma intoxicação voluntária ou involuntária, em sentido lato, situações de “envenenamento”.
Quando ocorre uma dessas situações, o tratamento dura várias horas tem que ser feito, obrigatoriamente, em ambiente hospitalar e sob supervisão médica.
De acordo com as melhores práticas médicas, não tem lógica a prescrição programada deste tipo de tratamento, nem que sejam prescritas para situações futuras.
O referido tratamento é objeto de comparticipação pelo ADSE - código 0502 e código OM 05000008.
A artróclise é um procedimento médico menos complexo, podendo ser efetuado em consultório, mas sempre em ambiente assético, não tendo indicação para ser realizado periodicamente.
É também conhecido por lavagem articular.
Consiste na colocação de uma via de entrada com soro fisiológico e uma outra via de saída do líquido articular, permitindo a remoção de detritos celulares, cartilaginosos e fibrina
Faz parte do tratamento coadjuvante da artrite séptica, nas artrites refractárias para alívio sintomático e nos casos de osteoartrose avançada.
São necessárias condições de assepsia estrita e é uma técnica morosa.
O referido tratamento é objeto de comparticipação pelo ADSE —código 2119 e código OM 21000023.
PMLR_____    é médico, titular da cédula 50….
PJS é enfermeiro.
FIS L____, que utiliza o nome profissional de FIS, é médica, titular de cédula 24….
S...-UNIPESSOAL LDA, NIPC 508..., é uma sociedade comercial por quotas com sede na Av. das ..., Algés, Oeiras.
O seu objeto é a prestação de cuidados de saúde, cuidados de enfermagem, prestação de cuidados médicos, consultoria em saúde, apoio domiciliário, assistência médica em geriatria, cuidados continuados.
Em 2015-04-28 foi efetuado registo de cessão de quota de € 5.000 de arguida MA_____para sua filha MA_____.
Desde 2013-01-15 que MA_____ consta como gerente de sociedade.
PJS  , enfermeiro, pertence ao quadro da equipa das clínicas da referida sociedade comercial.
MA_____desempenha as funções de enfermeira e gestora no dia a dia de S..., Lda., mormente na clínica em Miraflores.
O qual gere a sociedade através de sua filha Mi____.
A referida sociedade utiliza o nome comercial “O ... Ozonoterapia”.
PLR ..., LIMITADA, NIPC 514 ..., é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua do ..., Quinta do Aqueduto, Santo Antão e São Julião do Tojal, Loures.
O seu objeto social é clínica médica com consultas e cuidados de saúde no âmbito da clínica geral e especializada em diversas áreas; Consultas de Clínica Geral; Consultas de psicologia; Consultas de Nutrição; Medicina Estética; Área das medicinas alternativas, Medicina Tradicional Chinesa, Homeopatia, Consulta de auto- ajuda, Coaching de Nutrição; Formação, divulgação e workshops; Tratamentos esteticistas, Massagens, e Osteopatia; Compra e venda de produtos relacionados com as atividades societárias desenvolvidas.
Antes de 28 de novembro de 2019 designava-se como O ..., LIMITADA.
A referida sociedade comercial tem um capital social de € 1.000, repartido em duas quotas iguais de € 500 pertença de arguido PMLR_____ e de PC______, os quais são sócios-gerentes.
D ... CLÍNICA MÉDICA, LDA, NIPC 514 ..., é uma sociedade comercial por quotas com sede na Avenida ..., São Domingos de Benfica.
O seu objeto social é a prestação de serviços médicos, compra e venda de suplementos, suplementos alimentares e de outros produtos naturais e dietéticos.
Tem o capital de € 10.000.
São sócios-gerentes MP e esposa DPC   com uma quota igual de € 4.500 e ainda JPC_______, com uma quota de € 1.000.
C ... CLINIC, LDA. é uma sociedade comercial por quotas, NIPC 514 ..., com sede na Alameda  ..., Parque das Nações, Lisboa.
Tem como objeto social a prestação de serviços médico e outras actividades de saúde humana não especificada como actividades de massagem terapêutica, dietética, hidroterapia, massagem, homeopatia, acupunctura, osteopatia, naturopatia, actividades de bem-estar físico, psíquico e ocupação de tempos livres; consultoria na área da saúde, formação, eventos, congressos e seminários e actividades no campo das ciências físicas e naturais, no domínio da investigação fundamental, investigação aplicada e desenvolvimento experimental.
Tem o capital social de 5.000,00 Euros, sendo sócios RCD________, com uma quota de 1.050,00 Euros, AMCD______  com uma quota de 1.500,00 Euros, IB______
 com uma quota de 1.500,00 Euros e HH____ com uma quota de 950,00 Euros.
São gerentes RCD________ e HR.
Não existe por parte do ADSE ou SAD/GNR qualquer protocolo/convenção com pessoas singulares PJS , Maria , Mi____, PMLR_____ , SFS____, ACM____, P ... — Prestação de Serviços Médicos, Lda., IMA____, OE ... Serviços Saúde, Lda, S... Unipessoal, Lda., SP Ozonoterapia, AMS____, ALA____, LMS____MM____& CA, Lda bem como W ... — Clínica Médica Unipessoal, Lda., D ... CLÍNICA MÉDICA, LDA., PLR ..., LIMITADA e C ... CLINIC, LDA. 
Desde o ano de 2014 que a sociedade comercial S..., Unipessoal, Lda. utiliza o nome comercial “O ... Ozonoterapia”.
Trabalhavam na S..., Lda. o arguido PJS, sua esposa, MA_____e na qualidade de sócia-gerente Mi____.
Davam consultas os arguidos PMLR_____   e FIS.
FIS, quando efetuava consultas, recebia entre 30% e entre 50% do valor final que cada cliente pagava à Clínica.
Nas clinicas “Ozonocare”, os arguidos utilizam a terapia da “ozonoterapia”, que definem como a introdução de ozono no corpo dos seus clientes em concentrações e modo de aplicação que variava em função do problema a tratar, para determina o tipo de efeito biológico a produz e no âmbito de acção no organismo.
As formas como era administrada pelos arguidos o ozono nos clientes podiam ser:
a. Formas de administração
b. Administração colo-rectal
c. Auto-Hemoterapia Maior — via sanguínea
d. Auto-Hemoterapia Menor — aplicação intra-muscular.
e. Injecção intra-articular
f. Aplicação por bolsoterapia - indicado em feridas infectadas
g. Aplicação intra-discal em hérnias da coluna vertebral
h. Aplicação para-vertebral
i. Aplicação através de Mesoterapia
Divulgavam os arguidos que a Ozonoterapia não tem efeitos secundários descritos.
E que tem ações benéficas, nomeadamente:
a. anti-inflamatório - capacidade de reduzir a inflamação por inibição da Ciclooxigenase e outras Citocinas inflamatórias, utilizado no tratamento de diversas patologias osteoarticulares, patologias autoimunes, tratamento da hérnia discai, inflamações cutâneas e doenças inflamatórias intestinais;
b. Germicidanas - úlceras varicosas e pé diabético;
c. Oxigenativo - melhorar a percepção de bem-estar em pacientes com doença respiratória crónica (DOPC) ou com outras patologias cujos índices oxigenativos se encontram, habitualmente, abaixo do desejável;
d. Antioxidante - aumentar a concentração dos antioxidantes do cropo humano.
Os arguidos divulgavam ainda pessoalmente, em panfletos e através da internet no site com o endereço https://O ....pt/ que a referida terapia tinha efeitos:
a. Vascular:
b. Auditiva (défice de audição, vertigens e tontura);
c. Neurológica (depressão, demência, Alzheimer, Partinson, Esclerose Lateral Amiotrófica, Escleros Múltipla);
d. Vírica (Herpes Zoster tipo I e II, Viras da Imunodeficiência Humana (SIDA), Viras da Hepatite (A, B, C) e SAR-COVID-19
O que era materialmente era feito pelos arguidos, nas terapias que efetuavam, sob o ponto de vista médico, era uma autotransfusão com circulação extracorporal do cliente.
Um dos métodos mais usados era que o doente era puncionado numa veia periférica e cerca de 125 cm3 do seu sangue era aspirado para um recipiente em plástico através de vácuo.
Através de uma máquina que instila um anticoagulante (v.g. Natrium Citrat Sterit) no sangue e uma percentagem de ozono no sangue, que variava de 12 a 15 e até 80 microgramas.
Após o sangue voltava a ser reintroduzido no cliente.
A Ozonoterapia Ptendo está inserido na secção da Tabela de Medicina da Dor, ponto 2.5 lhe sido atribuídos códigos, de acordo com a tabela de nomenclatura de ato médico (Portaria N° 163/2013 de 24 de Abril), nos seguintes termos:

Código            Designação                         Preço (euros)        Pond.
32 750 Ozonoterapia intra -articular grandes articulações    56,70 €           10,90 €
32 760 Ozonoterapia intra -articular pequenas articulações  54,70 €           10,50 €
32 760 Ozonoterapia intra - discal      99,80 €           19,20 €
32 765 Ozonoterapia: outras aplicações                                 70,40 €           13,50 €

Em 1/1/2014, todos os arguidos, em comum, delinearam um plano.
Bem sabendo que as terapias acima descritas não eram comparticipadas pelo ADSE ou outros subsistemas em regime livre ou em regime convencionado, decidiram criar documentação médica e contabilística onde constasse tratamentos subsidiados pelos ADSE.
Utilizado receituário e relatórios médicos bem como faturas-recibo onde constasse como tratamentos médicos as “hemoperfusões” - ADSE código 0502 e código OM 05000008 - e artróclises - ADSE - código 2119 e código OM 2100002.
A partir de referida data, nos contatos que os arguidos e sociedade arguida fazia com clientes e potenciais clientes, explica que atribuem códigos diversos para obter as respetivas comparticipações por parte de ADSE.
Explicando que, por um tratamento de € 80, o paciente posteriormente recebe o valor de € 64 á título de contribuição de ADSE.
O que praticaram nas suas seis clínicas:
i. Clínica M … — sita na Av. …, Miraflores, Algés;
ii. Clínica A… - sita na Rua …, Cova da Piedade;
iii. Clínica L… - sita no …, Leiria;
iv. Clínica C… — sita no …, Coimbra.
v. Clínica P… - sita na Rua …, Porto, e
vi. Clínica F… — sita na Rua …, Funchal.
Os arguidos, quando se deslocavam aos diversos consultórios, levavam consigo o equipamento necessário, nomeadamente a máquina de ozono (que era ligada a uma garrafa de oxigénio) e os recipientes de plástico esterilizado.
Através de referida estratagema, os arguidos viam os seus serviços serem pagos quase na totalidade pelo Estado — ADSE e seus subsistemas.
E obtinham vantagem fase a concorrência de clínicas com terapias similares.
De acordo com plano comum, foram prescritas pessoalmente por FIS e PMLR_____ receitas com os códigos de Hemoperfusão e Artróclieses a 340 (trezentos e quarenta) utentes apresentaram receitas prescritas.
Onde apuseram a sua assinatura e vinheta de médicos atestando necessidade de realização de referidos tratamentos médicos.
E a S... Lda. efetuou respetivos lançamentos de recibos-fatura com os referidos códigos.
Crendo na veracidade de recibos, o ADSE efetuou, entre 1/1/2014 e 28/2/2018 respetivos reembolsos a referida sociedade comercial Statuscópia, Unipessoal, Lda. nos seguintes termos:
a. no valor de € 327.344,00 por referência Hemoperfusões (5102 atos médicos), por referência a valor faturado de 408 800,00€; e
b. no valor de € 9.008,00 por referência a artróclises (226 atos médicos), por referência ao valor faturado de € 11.260,00 referentes a 5342 atos médicos.
E a DSAS/GNR efetuou reembolsos no que concerne a :
a. hemoperfusões - valor de € 20.239 (por referência a valor faturado de € 24.960); e
b. artróclises - valor de €416 (por referência a valor faturado de € 520).
a. Desde 1/1/2014, que o arguido PMLR_____  , de acordo com plano comum realizou, por referência a ADSE: 117 PRESCRIÇÕES;
b. 1079 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “HEMOPERFUSÃO”;
c. 44 onde fez constar realização de “ARTRÓCLISE”; e
d. 22 onde fez constar “INFILTRAÇÃO ARTICULAR”.
Desde 1/1/2014, que a arguida FIS, de acordo com plano comum realizou, por referência a ADSE:
a. 610 PRESCRIÇÕES;
b. 5688 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “hemoperfusão”;
c. 776 onde fez constar realização de “ARTRÓCLISE”.
Desde 1/1/2014, que o arguido PMLR_____  , de acordo com plano comum realizou, por referência a DSAS/GNR:
a. 9 PRESCRIÇÕES; e
b. 90 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “hemoperfusão”.
Desde 1/1/2014, que a arguida FIS, de acordo com plano comum realizou, por referência a DSAS/GNR:
a. 41 PRESCRIÇÕES;
b. 410 TRATAMENTOS.
Atenta sua extensão, fazendo parte integral desta promoção, junta-se listagem de reembolsos efetuados a beneficiários da ADSE relativamente à prestação de cuidados de saúde efetuados pela arguida S...-UNIPESSOAL, LDA - NIF 508..., composta por 175 páginas (frente e verso).
(…)
Por referência a OE ... - SERVIÇOS DE SAÚDE, LDA., no período compreendido entre 01/01/2014 e 28/02/2018, esta sociedade faturou apenas dois tipos de atos médicos reembolsados pela ADSE, designados como hemoperfusões e consultas médicas, no total de 28 (vinte oito).
Foram faturados 1 272,48 € (mil duzentos e setenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos) referentes a hemoperfusões, dos quais 1 018,00 € (mil e dezoito euros) reembolsados pela ADSE.
No que respeita às consultas médicas, foram faturados 327,52 € (trezentos e vinte e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), dos quais foram reembolsados pela ADSE 83,35 € (oitenta e três euros e trinta e cinco cêntimos).
Refira-se que as hermoperfusões nem sempre aparecem assim descritas nos recibos, constando termos como “autoperfusão”, “autohemotransfusão” e “autohemoperfusão”, associados a receitas prescritas por SFS____.
Por referência a D ... — CLÍNICA MÉDICA LDA., a ADSE comparticipou alguns tratamentos, dos quais se destacam as hermoperfusões (75), as consultas médicas e psicológicas (366) e as infiltrações articulares (6), no período compreendido entre 01/01/2014 e 28/02/2018.
Quanto às hemoperfusões foram faturados 75 (setenta e cinco) tratamentos, no valor total de 6 750,00€ (seis mil, setecentos e cinquenta euros), dos quais 5 400,00€ (cinco mil e quatrocentos euros) foram reembolsados pela ADSE.
Desde 1/1/2014, que a arguida FIS, nesta sociedade comercial, de acordo com plano comum realizou, por referência a ADSE:
a. 1 Prescrição de receita médica de “Hemoperfusão com o código OM: 05.00.00.08”;
b. 10 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “HEMOPERFUSÃO”;
Desde 1/1/2014, que o arguido PMLR_____  , nesta sociedade comercial, de acordo com plano comum realizou, por referência a ADSE:
a. 35 PRESCRIÇÕES de receita médica de “Hemoperfusão com o código OM: 05.00.00.08;
b. 214 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “HEMOPERFUSÃO”;
c. 34 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “INFILTRAÇÕES ARTICULARES”;
PMLR_____   foi o médico prescritor de tratamentos por hemoperfusão a 8 (oito) utentes.
Por referência a C ... CLINIC, LDA., no período compreendido entre 01/01/2014 e 28/02/2018, a ADSE fez comparticipações relativamente a alguns tratamentos, dos quais se destacam as artróclises (118) e hermoperfusões (59).
Esta Clínica faturou o valor total de 8 610,00€ (oito mil, seiscentos e dez euros) em artróclises, dos quais 6 251,00€ (seis mil, duzentos e cinquenta e um euros) reembolsados pela ADSE.
Relativamente às hemoperfusões, foram faturados 5 940,00€ (cinco mil, novecentos e quarenta euros), dos quais foram reembolsados pela ADSE 4 752,00€ (quatro mil, setecentos e cinquenta e dois euros).
Desde 1/1/2014, que a arguida FIS, nesta sociedade comercial, de acordo com plano comum realizou, por referência a ADSE:
a. 44 PRESCRIÇÕES de receita médica de “Hemoperfusão com o código OM: 05.00.00.08”;
b. 185 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “HEMOPERFUSÃO”; e
c. 199 onde fez constar realização de “ARTRÓCLISES” e respetivo Código.
As sociedades acima referidas e arguidos, atuaram em comunhão de esforços e intentos, com intenção de criar documentos falsos e assim lubridiar o Serviço Nacional de Saúde.
Os valores praticados pela clínica para tratamento de Hemoperfusão no montante de 80,00 € (oitenta euros) por um tratamento de hemoperfusão, não seriam economicamente viáveis, visto que implica um equipamento e equipa específicos, sendo que só o filtro custaria mais que o valor da consulta.
Nenhum dos arguidos praticou os atos médicos de hemoperfusão e artróclises constantes de receituário médico e faturas-recibos emitidos nem existiam na sociedade arguida condições médicas e séticas para realização de referidos atos médicos.
O ato médico é constituído pela atividade médica de diagnóstico, prognóstico e prescrição e execução de medidas terapêuticas, relativa à saúde das pessoas, grupos ou comunidades, em conformidade com a Ética e a Deontologia Médicas.
O médico enquanto profissional de saúde no exercício da sua atividade labuta com os bens jurídicos mais relevantes do nosso ordenamento jurídico, sendo eles, a vida e a integridade física do paciente.
O enfermeiro PJS, nas referidas clínicas, efetuava pessoalmente, em gabinete, consultas médicas a pacientes, onde efetuava a anamnese médica, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, efetuava a solicitação de exames complementares, quando necessários e ainda realizava a prescrição terapêutica de ozonoterapia.
Bem como realizava tratamento de ozonoterapia, sem qualquer apoio médico.
Nas consultas, os pacientes dirigiam-se a si, tratando-o como “Doutor”.
PMLR_____   e FIS não estavam presentes quer nas consultas, quer nos tratamentos e os pacientes não os conheciam.
Resulta dos meios de obtenção de prova que além dos factos já carreados para os autos, suscetíveis de fraude ao SNS, através da comparticipação de forma enganosa a realizar pela ADSE e até por outros subsistemas, que os suspeitos com o objetivo de aumentarem o seus rendimentos de forma indevida, recorrem a práticas enganosas, e levam com que pessoas contaminadas com COVID-19, com debilidades como diabetes ou com outras patologias e ainda idade avançada a submeterem-se a diversos atos médicos, explorando a sua situação de vulnerabilidade e necessidade, para que recorram aos serviços que prestam.
Convencendo as mesmas, que podem ganhar imunidade e fazendo-lhes crer que esta terapêutica se mostra eficaz no seu tratamento, bem sabendo que não se encontra medicamente atestado ou recomendado como terapia.
E enfatizando que se não fizerem o tratamento e se apanharem o vírus dificilmente escaparão com vida.
No contato diário com os clientes em Período de Emergência, cada um dos arguidos informava os clientes que o tratamento por ozonoterapia tinha efeitos preventivos no combate do vírus SARS-CoV-2 e curativos da doença da COVID-19, recomendando vivamente que os seus utentes o realizassem
Sabendo os suspeitos que com esta prática destes atos contribuem para propagação de doença contagiosa, criando deste modo perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física das vítimas e de terceiros.
Devendo, nomeadamente, ter realizado, no período de confinamento obrigatório, o adiamento de consultas e adotar estratégias de contenção e precaução, nomeadamente, estabelecer o contato imediato com o Serviço Nacional de Saúde e não como no caso presente levar a que pessoas/vítimas com patologias (em situação de risco) deixem de estar em isolamento e se desloquem a estes locais com a expetativa frustrada de um reforço da imunidade ou de uma eventual cura expondo-se desta forma ao contágio.
Quando foi determinado o estado de emergência, em 18 de março do corrente ano, PJS fez da ozonoterapia a sua “bandeira” para a prevenção da infeção por SARS-Cov- 2 e ao tratamento da COVID-19, incentivando exaustivamente a que os seus clientes continuassem os tratamentos, qualquer que fosse a idade ou patologia que estes padecessem — inclusivamente COVID-19 - e constituíssem, por isso, o grupo relativo aos indivíduos de risco.
MANUELA , cônjuge de PJS, realiza igualmente tratamentos de ozonoterapia, individualmente, além de estar na receção da clínica “O ...” de Miraflores.
TIAGO, identificado como TIAGO____, é cônjuge de MARIA____ , filha de PJS E MANUEL e sócio-gerente da empresa S..., UNIPESSOAL, LDA, revelando assim que a maior parte dos elementos da equipa têm laços familiares entre si, podendo considerar-se uma “empresa familiar”.
E rececionista da clínica “O ...” de Miraflores (que também faz a marcação das consultas/tratamentos e explica os serviços que ali prestam, bem como o preçário aplicado), procede também à elaboração e envio dos recibos-fatura para os clientes, sendo certo que este coloca códigos relativos a outros tratamentos, como “infiltrações”, para que os clientes tenham comparticipação nos tratamentos efetuados.
MI____trabalha numa clínica veterinária, sita na Rua …, n.° 2, 10-B, Miraflores, porém oculta a intervenção dos demais arguidos e assina toda a documentação legal que necessário for.
PMLR_____ além de trabalhar nas clínicas “O ...”, presta serviços na clínica “Maló”, associada à clínica do Dr. … - D ... — CLÍNICA MÉDICA, LDA.
O ..., LDA, com o NIPC 514… e sede na Rua do …, Quinta do Aqueduto, Santo Antão do Tojal, Loures, alterou a sua denominação para PLR ..., LDA.
Desde 1/1/2014, que a arguida FIS, nesta sociedade comercial, de acordo com plano comum realizou, por referência a ADSE:
a. 5 PRESCRIÇÕES de receita médica de “Hemoperfusão com o código OM: 05.00.00.08.”; e
b. 50 TRATAMENTOS onde fez constar realização de “HEMOPERFUSÃO”.
A médica FIS presta serviços, tratamentos de ozonoterapia, nà clínica O ..., sita em Miraflores e na clínica Sa…, sita na Avenida Defensor de Chaves.
Fez constar de prescrição médica tratamentos de hemoperfusão quando na realidade ela realizou tratamentos de Ozonoterapia, bem sabendo a médica que se de outra forma o cliente não veria o seu custo comparticipado e, logo, hesitaria em realizar um tratamento que tem um custo de €80,00 por sessão.
Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços e intentos.
Previram e quiseram criar documentação médica e contabilística que sabiam ser falsa para assim obterem para os seus clientes reembolsos a que não tinham direito e assim obterem indiretamente o financiamento dos tratamentos pelo Estado - ADSE e DSAS/GNR em detrimento da concorrência deste tipo de terapias.
Sendo que, por cada tratamento de € 80, o cliente recebia € 64, sendo que o custo real do tratamento não era superior a € 10.
Previram e quiseram criar documentação para ser entregue na ADSE e DSAS/GNR, que fazendo fé nas receitas médicas e documentação contabilística, efetuou os pagamentos aos beneficiários.
Na sequência dos seus comportamentos, os arguidos lograram obter um VALOR TOTAL FATURADO de € 445 540,00.
E um VALOR TOTAL REEMBOLSADO por na ADSE e DSAS/GNR a favor dos seus clientes no montante de € 357 007,00.
O que todos os arguidos previram e quiseram.
O arguido PJS previu e quis desempenhar funções e atos próprios de médico, bem sabendo que não o era, com evidente prejuízo para os seus clientes.
O que os demais arguidos bem sabiam e quiseram, já que efetuavam prescrições médicas de acordo com o que o arguido PJS lhes pedia para clientes que atendia nestas condições, sem que os arguidos médicos PMLR_____ e FIS tivessem visto os referidos clientes.
Previram e quiseram os arguidos colocar em risco de saúde os seus clientes, através da propaganda de que a terapia que efetuavam era eficaz para o SAR-COVID-19, bem sabendo que, em pleno período de EMERGÊNCIA, as pessoas deviam praticar isolamento social e ter todos os cuidados, com risco para a vida destas aos saírem na esperança de ficarem mais resistentes à referida doença.
Sa…, Lda., nos seus diversos consultórios, através de arguidos, realiza análises clínicas, designadamente para deteção de infeção por SARS-Cov-2, sem para tal estarem licenciadas ou reunirem as condições necessárias, designadamente de direção clínica, nos termos de Portaria n.° 392/2019, de 5 de novembro.
PJS, no dia 19.05.20, foi notificado pela ERS, via correio eletrónico, pela Dr.IC____, da irregularidade em que se encontrava (auto de primeiro interrogatório judicial de arguido detido que integra o presente apenso de recurso).
Por despacho proferido em 26 de Junho de 2020, foi determinada a realização de buscas nas instalações das clínicas e nas residências dos arguidos e a apreensão.
Nesse mesmo despacho, foi ainda determinado que se procedesse à intercepção, gravação e apreensão de ficheiros electrónicos, com base no seguinte (transcrição parcial):
«(…)  haver razões para crer que nos computadores ou outros dispositivos informáticos utilizados nos locais a buscar supra autorizados, possam estar guardadas provas das indiciadas actividades ilícitas aqui sob investigação, designadamente ficheiros electrónicos existentes nos respectivos discos rígidos, no "server”, ou noutros suportes informáticos autónomos que sejam utilizados para guardar informações em suporte digital.
Estando em causa o acesso a informação contida nos discos rígidos dos locais a buscar, estamos perante uma situação em tudo semelhante à de apreensão de documentos/correspondência, já que as informações existentes nos referidos computadores mais não são do que documentos em suporte digital.
«Contudo, existe a possibilidade real de algumas das informações existentes nos suportes informáticos serem de carácter pessoal e/ou abrangidas por sigilo, nomeadamente, correspondência, elementos bancários, fiscal ou outros de carácter sigiloso.
«Assim, como doutamente promovido, atenta a matéria sob investigação, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 179°, 180°, 182°, 183° e 269°-1, al. d), todos do CPP e arts. 11°-1, al. c), 15.°, 16.° e 17.°, da lei 109/2009, de 15/09, declaro a quebra de sigilo da correspondência e autorizo, no âmbito das buscas a realizar, o acesso a todos os documentos informáticos contidos nos computadores e outros documentos abrangidos por sigilo existentes nos locais a buscar» (despacho de 26 de Junho de 2020, cuja cópia integra o presente apenso de recurso).
Por despacho proferido em 7 de Julho de 2020, foi determinada a apreensão dos saldos existentes, entre outras, nas seguintes contas bancárias tituladas pelo arguido PMLR_____ :
1) BANCO BPI, SA:
-004285914116001;
-4285914000001 Pagamento Conta pagamento;
- 4285914000001 Instrumentos financeiros;
- PT50001000004285914000167.
2) BANCO SANTANDER TOTTA, SA -0018000311647582096 ;
-0018000311647590096 ;
-0018003173504300011 ;
- PT50001800034197342102062 ;
- PT50001800034358398802012; 
- PT50001800034407470602074 - Autorizado a movimentar (PLR…).
3) BARCLAYS BANK IRELAND PLC - SUCURSAL EM PORTUGAL:
- 165212754980.
4) BANKINTER, SA - SUCURSAL EM PORTUGAL:
- 165900457830;
- 165910457854;
- PT50003201650020025312727;
- PT50026901650020025312742 (despacho de 7 de Julho de 2020, que integra o presente apenso de recurso).
Na sequência de tais decisões, foram bloqueadas contas bancárias de que o arguido PMLR_____ é titular e foram apreendidos um veículo automóvel de marca Alfa Romeo, modelo Giulia Quadrifoglio, com matrícula 00-00-00, bem como de um telemóvel e computadores pessoais.
Em 02.10.2020, o Recorrente requereu ao tribunal a devolução dos objectos pessoais apreendidos, entre os quais, a viatura, de marca SKODA, modelo Superb, com matrícula 00-00-00 e que fosse ordenado o desbloqueio das contas bancárias (requerimento do arguido que integra o presente apenso de recurso).
Foi sobre este requerimento que recaiu a decisão recorrida, a qual tem o seguinte conteúdo (transcrição):
Fls. 5136 (ponto III), com referência a fls. 5068 e seg.s - Requerimento apresentado, a douto punho, pelo arguido PMLR_____, no tocante ao pedido de devolução de objectos pessoais apreendidos e ao desbloqueio de contas bancárias do arguido.
O M.° P.° pronuncia-se nos seguintes termos:
«III — Requerimento de Fls. 5068 e ss.
Por referência a requerimento para levantamento de valores apreendidos nas contas bancárias, o Ministério Público continua a pugnar pela manutenção de apreensão de saldos bancários, porquanto existe fundada suspeita que os mesmos estão relacionados com os crimes de falsificação de documento, p.p. pelo art. 256°, n° 1, al. a) e n° 3 do Código Penal em concurso real com crime de burla qualificada ao Serviço Nacional de Saúde, p.p. pelo art. 218, n° 2, al. b) do Código Penal, consubstanciando vantagem ou produto do crime que importa assegurar, tanto mais que está em causa uma vantagem patrimonial ilegítima e um prejuízo para o Estado nos seguintes termos, por referência a S..., Lda.:
1. O ADSE efetuou, entre 1/1/2014 e 28/2/2018 reembolsos a referida sociedade comercial Statuscópia, Unipessoal, Lda. nos seguintes termos:
a. no valor de € 327.344 por referência Hemoperfúsões (5102 atos médicos), por referência a valor faturado de 408 800,00€; e
b.  no valor de € 9.008 por referência a artróclises (226 atos médicos), por referência ao valor faturado de € 11260, referentes a 5342 atos médicos.
2. E a DSAS/GNR efetuou reembolsos no que concerne a :
a. hemoperfúsões no valor de € 20.239 (por referência a valor faturado de € 24.960); e
b. artróclises no valor de €416 (por referência a valor faturado de €520). 
Ocorrendo o levantamento e dissipação de tais quantias, logra-se impedir que inexista o desfrutar das vantagens patrimoniais ilegítimas, com consequente empobrecimento para o Estado e colocando em causa o Serviço Nacional de Saúde.
Por referência a pedido de levantamento de apreensão a veículo automóvel de marca Alfa Romeo, matrícula 00-00-00 o Ministério Público p. se dê cumprimento a art. 178, n° 7 do Código de Processo Penal.
O referido veículo juntamente com o veículo Skoda foram objeto de apreensão de fls. 2152 a 2154 e 2187 a 2189. A respetiva avaliação consta a fls. 2955 a 2963.
Existiu declaração de utilidade operacional de Policia Judiciária de fls. 3809 a 3811.
Existiu decisão anterior do Ministério Público no sentido de que o veículo não tem valor probatório e que, sem prejuízo de reapreciação face a conduta processual de arguidos (vide requerimento de SPP), embora se considere que a probabilidade da sua perda a favor do Estado seja diminuta caso se concretize uma suspensão provisória de processo, tal implicará posição processual de demais arguidos que se mantiveram em silêncio quanto a tal entendimento, apesar de relação de filiação.
Nestes termos, nesta fase processual, o Ministério Público opõe-se a cessação de apreensão de veículo em causa.
Por referência a telemóvel móvel e computadores pessoais, os mesmos são elemento probatório essencial, dependente de desencapsulamento e análise, razão pela qual reputa o Ministério Público que se deverá manter a apreensão.» (sic). 
 Cumpre decidir:
Nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção supra transcrita, com a qual se concorda e aqui se acolhe, dando-se por reproduzida e, entendendo que não foram juntos aos autos quaisquer elementos que tenham a virtualidade de infirmar os pressupostos que levaram à decretação da apreensão dos valores existentes nas contas bancárias, que se mantêm, indefere-se o requerido.
Mantêm-se igualmente, por ora, a apreensão do veículo, telemóvel e computadores pessoais apreendidos, nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção em referência.
Notifique.
2.3. Apreciação do mérito do recurso
A primeira apreciação a fazer à decisão recorrida é a de que a mesma padece de falta de fundamentação.
A fundamentação das decisões judiciais implica, em geral, um processo argumentativo de justificação da afirmação de que a determinados factos é aplicável uma determinada solução jurídica, através da enumeração e explicitação das razões de facto e de direito determinantes da convicção de que aquele determinado conjunto factual é o que resulta demonstrado e de que aquele enquadramento jurídico corresponde à solução de direito aplicável, em suma, que aqueles são o conteúdo e o sentido correctos da decisão.
Numa dimensão endoprocessual, a fundamentação serve propósitos de clareza e compreensão pelos seus destinatários, essenciais ao cumprimento da decisão e ainda de controlo da legalidade da actividade jurisdicional e do acerto e justiça da decisão, pelas autoridades judiciárias de recurso.
Numa vertente extraprocessual, as exigências de fundamentação assumem-se como um mecanismo de legitimação democrática dos próprios Tribunais e da administração da Justiça.
«A consagração constitucional do princípio da fundamentação das decisões judiciais é uma garantia do processo judicial, no sentido de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Mas é sobretudo o reconhecimento de que os tribunais, constitucionalmente investidos do poder de julgar, em nome do povo, têm que dar conta do modo como exercem esse poder através da fundamentação das suas decisões, assim se legitimando a sua própria função.» (Mouraz , “Gestão Processual: Tópicos para um incremento da qualidade da decisão judicial”, in Julgar, n.º 10, janeiro-abril 2010, p. 143. No mesmo sentido, Rogério Bellentani Zavarize, A Fundamentação das Decisões judiciais. 1 ed. – Campinas/SP: Millennium, 2004, p.123; Lenio Luiz Streck e Igor Raatz, O Dever de Fundamentação das Decisões Judiciais sob o Olhar da Crítica Hermenêutica do Direito, doi:10.12662/2447-6641oj.v15i20.p160-179.2017, Julho de 2017, https://www.researchgate.net/publication/322218024; Michele Taruffo, Il controllo di razionalità della decisione fra logica, retorica e dialettica  https://iris.unipv.it/handle/11571/210955?mode=full.47#record, Francesco Conte, Il Significato constituzionale dell´obblligo di motivazione. In: Grinover, Ada Pelegrini; Dinamarco, Cândido Rangel; Watanabe, Kazuo (Coord.) págs. 30-31, https://books.google.pt e  Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p.70).
Na vertente processual penal, este imperativo constitucional contido no art. 205º da CRP densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral, consagrado no art. 97º nº 5 do CPP, quanto à exigência da especificação dos motivos de facto e de direito de qualquer decisão que não seja de mero expediente.
Este dever de explicitação dos motivos de facto e de direito em que assenta uma determinada decisão tem, naturalmente, conteúdo e dimensão variáveis, sendo mais ou menos exigente, mais ou menos aprofundado, consoante o maior ou menor grau de complexidade da questão a decidir, seja do ponto de vista da controvérsia entre os sujeitos processuais, nos exercício do direito ao contraditório, seja resultante da possibilidade de aplicação de diferentes soluções jurídicas, emergente de diferentes interpretações possíveis, no seio da doutrina e da jurisprudência, seja, ainda, em atenção ao grau de intromissão/compressão que certos actos jurisdicionais envolvem para os direitos, liberdades e garantias dos visados, bem assim, da natureza desses direitos, que podem exigir uma argumentação mais cuidadosa e detalhada.
O que é certo é que a prolação de despachos judiciais por mera remissão para a promoção do Mº. Pº., só muito excepcionalmente cumpre as exigências do dever constitucional e legal de fundamentação, consagrados nos arts. 205º da CRP e 97º nº 5 do CPP.
Se em face da simplicidade da questão, ou da ausência de controvérsia em torno dela e por razões de urgência, de observância de prazos curtos, portanto, de economia processual e de ponderação equilibrada entre o dever de fundamentação das decisões judiciais e o princípio da proibição de actos inúteis, de harmonia com a geometria variável do dever de fundamentação, se imponha ou justifique que a mesma seja concisa cumprirá as exigências legais.
Nem os argumentos da defesa, nem os invocados pelo Mº. Pº. têm carácter vinculativo para o Tribunal, ou efeitos decisórios, quando se trate de apreciar e decidir questões que envolvem direitos, liberdades e garantias, como é o caso do pedido de levantamento de uma apreensão de bens e valores, dada a sua repercussão, do ponto de vista do requerente, no seu direito de propriedade privada, constitucionalmente reconhecido no art. 62º da Constituição e, na perspectiva do Estado, na sua política criminal, com finalidades preventivas, traduzidas na neutralização de quaisquer vantagens patrimoniais associadas à prática de crimes e no efeito dissuasor da prática de futuros crimes dirigido ao agente do crime e à comunidade em geral.
Tais decisões estão sujeitas a contraditório prévio, a que, de resto, foi dada concretização.
O indeferimento da pretensão do arguido com fundamento numa simples adesão à promoção do Mº. Pº., através da fórmula «pelas razões invocadas pelo Mº. Pº. que aqui se dão por reproduzidas», ou outra de sentido equivalente, não satisfaz minimamente as exigências constitucional e legal da fundamentação.
E não é por copiar ipsis verbis a promoção do Mº. Pº., no despacho recorrido, aditando-lhe a fórmula «os termos e com os fundamentos constantes da douta promoção supra transcrita, com a qual se concorda e aqui se acolhe, dando-se por reproduzida ….», que se cumpre tal dever, porque esse texto só se deslocou de uma folha do processo, para outra sem que exprima uma decisão que resulte da comparação dialética dos vários argumentos em conflito, tanto os invocados pelo arguido, como os aduzidos pelo Mº. Pº., e de cujo texto transpareça, de forma inequívoca, que o julgador, depois de ter ajuizado da pertinência, da relevância factual e jurídica de uns e de outros, de forma imparcial e equidistante, tomou uma decisão da sua própria autoria e não por simples escolha acrítica, ou, pelo menos, não objectivada numa explicação inteligível para os seus destinatários e para as autoridades judiciárias de recurso, sobre as razões por que entendeu que a argumentação de um ou de outro sujeito processual é a mais acertada para a solução da questão colocada à apreciação jurisdicional.
O princípio da igualdade de tratamento e de concessão de oportunidades de intervenção no processo, ao Mº. Pº. e ao arguido em que também se manifestam os princípios constitucionais das garantias de defesa, do contraditório e do direito a um processo justo e equitativo, assim como os princípios da reserva do juiz e da fundamentação, consagrados, respectivamente, nos arts. 20º nºs 1 e 4; 32º nºs 1; 2 e 5; 32º nº 4 e 205º nº 1 da CRP não se conciliam com esta forma de proferir decisões, que corresponde a uma prática processual a evitar, fora do âmbito do mero expediente diário que só envolve a simples marcha do processo.
Feito este reparo, na medida em que a falta de fundamentação não está prevista entre as nulidades taxativamente enunciadas dos arts. 119º e 120º do CPP, por efeito dos princípios da legalidade e da tipicidade em matéria de nulidades em sede de processo penal, essa ausência de fundamentação integraria uma mera irregularidade processual – ex vi art.º 118 n.ºs 1 e 2 do CPP – que, por não ter sido arguida, nos termos e no prazo previstos no art. 123º nº 1 do CPP, sempre teria de ser considerada sanada.
Agora importa, antes de mais, atentar nos pressupostos da apreensão.
A apreensão, na ordem jurídica portuguesa tem uma dupla dimensão, ou natureza jurídica: se, por um lado, o art. 178º nº 1 do CPP é expresso, no sentido de a qualificar como um meio de obtenção de prova, ela prossegue, igualmente, finalidades de garantia patrimonial, tal como também resulta inequívoco da norma contida no nº 7 do citado art. 178º e da sua concatenação com as regras incluídas nos arts. 109º a 111º do Código Penal.
Com efeito, o art. 178º nº 1 do CPP exige a susceptibilidade de “servir a prova” como pressuposto essencial da apreensão e exemplifica, como sendo portadores dessa aptidão, desde logo, os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa e todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime, para além de outros, desde que da sua apreensão, resulte a possibilidade de trazer informação relevante à investigação sobre a prática do crime ou sobre a identidade do seu autor.
Por outro lado, as normas inseridas nos arts. 109º a 111º do CP estabelecem o regime legal da perda de coisas e direitos relacionados com a prática de um ilícito criminal, localizadas sistematicamente, no capítulo IX do Código Penal (CP), intitulado «perda de instrumentos, produtos e vantagens», onde se encontra regulada a «perda de instrumentos» e «perda de produtos e vantagens» (artigos 109º e 110º) e a perda de «instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro» (artigo 111.º) e onde avulta essa função conservatória e de garantia da efectiva dos efeitos da decisão final, em matéria de eliminação das vantagens patrimoniais emergentes da prática de crimes.
«No sistema jurídico processual penal português (…), a apreensão tem dupla natureza: é um inquestionável meio de lograr a prova (desenvolvendo uma função processual penal probatória) e, em paralelo, uma incontornável garantia processual penal da perda (desempenhando uma função processual penal conservatória)» (João Conde Correia, Da proibição do confisco à perda alargada, Lisboa, 1NCM (2012), p. 154. No mesmo sentido, João Conde Correia, Apreensão ou Arresto Preventivo dos Proventos do Crime?, RPCC nº 25 (2015), p. 506 e seguintes; Damião Cunha, Perda de bens a favor do Estado, AA.VV. Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, Coimbra, Coimbra Editora (2004), p. 139; Germano Marques , Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo (1994), II, p. 169 e 170; Manuel Monteiro Guedes Valente, Processo Penal, Coimbra, Almedina (2004), p. 375; Figueiredo Dias, Direito Penal Português As consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 632).
«A apreensão enquanto meio de obtenção da prova serve a finalidade processual penal da descoberta da verdade (…); a apreensão enquanto garantia processual da perda de vantagens tem em vista a finalidade processual penal de realização de justiça (…).»  (Manuel da Costa Andrade e Maria João Antunes, Da apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens do crime in RLJ, Ano 146, julho-agosto, 2017, pp. 360-370).
Trata-se de um importante instrumento de prevenção do perigo de aumento ou de reiteração da criminalidade, por via da reconstituição da esfera patrimonial do agente do crime, ao estágio anterior à prática do mesmo e como se este nunca tivesse sido praticado.
“(…) A este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2015, de 12 de Agosto de 2015, in http://tribunalconstitucional.pt).
A apreensão condiciona as faculdades de livre disposição, uso e fruição dos bens do visado, colocando os bens sob o domínio, de facto e de direito, do poder público, pelo que deixa de estar na sua disponibilidade qualquer decisão, seja quanto à manutenção, revogação ou alteração da apreensão, seja no que se refere ao destino a dar aos objectos.
A propósito da função de garantia patrimonial desempenhada pelas apreensões, sobretudo, quando ela implica a subsequente perda de bens a favor do Estado, o Tribunal Constitucional tem entendido que «a perda a favor do Estado de objectos de terceiro, não é inconstitucional, por violação do direito de propriedade, por ser de considerar que esse direito constitucional pode ser sacrificado em homenagem aos valores da segurança das pessoas, da moral ou da ordem pública enquanto elementos constitutivos do Estado de Direito democrático.» (Ac. do Tribunal Constitucional nº 294/2008 de 28 de Maio de 2008, Diário da República n.º 125/2008, Série II de 01.07.2008 e Ac. do Tribunal Constitucional nº 387/2019, in www.tribunalconstitucional.pt.).
E isto, mesmo que, na expressão usada no art. 109º nº 2 e no art. 110º nº 5 do CP, «nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto» porque, no caso da perda de instrumentos, o que se procura acautelar é a perigosidade, na acepção de uma especial vocação para a prática criminosa, atenta a sua natureza intrínseca, a sua específica utilidade e, no caso da perda de produtos ou de vantagens, a lei visa impedir que alguém enriqueça à custa da prática de crimes, ou seja, são ainda as razões de prevenção geral da criminalidade em globo, transmitido a mensagem simples e imediata de que o crime não compensa (PJSPinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111.°. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 638 e Fernanda Palma, Direito Constitucional Penal, Almedina, 2006, pág. 126).
Na medida em que o direito de propriedade privada é um direito fundamental com garantia constitucional atribuída pelo art. 62º da CRP equiparável aos direitos, liberdades e garantias (Acs. do TC nº 391/2002, nº 145/2005, 159/2007, nº 127/2013, in www.tribunalconstitucional.pt e  Miranda e Rui Medeiros (coord.), Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, 2005, em anotação ao artigo 62.º, ponto VI), que a apreensão representa uma restrição aos poderes de disposição, administração e fruição inerentes ao direito de propriedade (Costa Andrade e Maria João Antunes, Da apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens do crime in RLJ, Ano 146, p. 368) e, na medida em que de acordo com o princípio da judicialização da instrução consagrado no art. 32º nº 4 da mesma CRP (cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, revista, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 32º, p. 520), se encontra estabelecida e delimitada, «pela positiva, uma reserva de competência do juiz de instrução do processo penal para a prática dos atos instrutórios que se prendam diretamente com os direitos fundamentais» (Ac. do TC nº 387/2019 in www.tribunalconstitucional.pt) tem plena aplicação o princípio da proporcionalidade previsto no art. 18º da CRP.
Particularmente, na vertente da necessidade, quer para as finalidades da investigação criminal, ao nível da descoberta da verdade, quer para as finalidades da punição e da realização da justiça penal, na vertente da perda das vantagens patrimoniais do crime, já que, na sua função conservatória, a apreensão de bens convoca a necessidade de reposição da ordem jurídica, ou da esfera patrimonial do arguido, na situação em que estariam, se o crime não tivesse sido praticado, ainda e sempre, em atenção aos fins de prevenção geral e especial (de desencorajamento à prática de crimes e de reforço da validade e vigência das normas jurídicas violadas), ou ainda, de garantia de reparação às vítimas dos prejuízos resultantes do crime (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português As consequências jurídicas do crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 632 e Germano Marques  Curso de Processo Penal, Vol. II, pp.169 e 170).
Em qualquer delas, não devem ser restituídos objectos, bens ou valores apreendidos em relação aos quais se verifica a necessidade de proceder a exames, ou perícias, ou de realizar outras diligências investigatórias com vista a determinar a sua proveniência.
Em contrapartida, a restituição dos objectos apreendidos deve ocorrer logo que se torne desnecessária a manutenção da sua apreensão, para efeitos de prova, tal como imposto pelo art. 186º do CPP.
«De acordo com o disposto no artigo 186º, nº 1, do CPP, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, logo que se tornar desnecessário manter a sua apreensão.
«A apreensão tem, por isso, como regra base o princípio da necessidade. Logo que o mesmo cesse, impõe-se observar a restituição do objecto apreendido» (Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, a fls. 374).
«Os objectos apreendidos devem ser restituídos aos respectivos proprietários ou possuidores quando se verificar que os pressupostos da apreensão se não mantêm, sejam os objectos propriedade do arguido ou de terceiras pessoas» (PJSAlbuquerque, Comentário do CPP à luz da Constituição de República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, p. 504).
Mesmo que cessada a sua utilidade probatória, ainda assim, a apreensão terá de manter-se se for de manter, indiciária ou comprovadamente (consoante a fase do processo), a qualificação do objectos, bens ou valores apreendidos como ilícitos, na acepção de usados para a prática de crimes ou provenientes do seu cometimento.
Se, pelo contrário, for considerado que a sua natureza não é ilícita, não integrando ou constituindo objecto de qualquer crime, impõe-se, também, quanto a estes, a sua imediata restituição a quem for o respetivo titular do direito de propriedade.
Estas são as soluções possíveis, resultantes da aplicação das regras contidas nos arts. 178º a 186º do CPP.
O regime jurídico contido nos citados arts. 109º a 111º do CP, em total sintonia com aquelas normas do CPP, prevê que sejam declarados perdidos a favor do Estado «os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática» (artigo 109º n.º 1), assim como «os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática» e, por fim, «as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem» (cfr. artigo 110º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP).
É, pois, em função da aptidão dos objectos, bens e valores que preencham as qualidades elencadas nestes preceitos, para produzirem prova e da sua natureza ilícita (ainda que não seja possível identificar os autores dos crimes em investigação) que dependem quer a decisão de apreensão, quer a sua manutenção.
Deste modo a perda dos instrumentos do crime exige, a verificação cumulativa de dois requisitos: a) que tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico; e b) que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem publicas, ou ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
«O preceito em discussão (art. 109º nº 1 do Código Penal) parte da ideia de que nem sempre os produta e os instrumenta sceleris devem ser apreendidos, mas só quando à sua não apreensão esteja ligado um perigo típico, que se procura caracterizar exactamente. Há aqui, como de longe vem a ser evidenciado pela doutrina, uma mistura, em proporções difíceis de definir, de medida preventiva e de reacção penal, a partir daí se compreendendo que a providência não esteja limitada, na sua aplicação, pelo facto de o arguido vir a ser efectivamente condenado» (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Ed. da AAFDL, Parte Geral, sessão de 27/4/1964, p. 198),
Ora, recaindo a tónica da declaração de perda dos instrumentos de crime na verificação da existência de um perigo a eles ligado, de repetição da prática de novos factos penalmente típicos, a apreciação dessa perigosidade, pode resultar: ou da simples constatação de que esses instrumentos são em si mesmo perigosos, porque pela sua própria natureza, pelas suas características inatas ou funcionalidade específica, são susceptíveis de pôr em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, independentemente da sua concreta utilização; ou, nos casos em que essa perigosidade não lhes é inerente, das circunstâncias concretas do caso, designadamente, quanto ao modo como foram usados ou iriam ser usados pelo agente do crime.
Na primeira hipótese, a declaração de perda é inevitável, seja qual for o facto ilícito típico correlacionado, assim como o sentido da decisão que sobre ele incidiu e demais circunstâncias do caso e mesmo que o processo finde sem que se apurem os factos e se definam responsabilidades.
Já na segunda hipótese, a declaração de perda ocorrerá ou não, conforme o juízo que puder ser feito acerca das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto, em conexão com a natureza do instrumento utilizado e com a personalidade e modo de ser e estar do agente, embora a perda de instrumentos e produtos vise obstar à perigosidade da própria coisa e não à perigosidade do agente.
No caso vertente, na medida em que um veículo automóvel não pode ser considerado perigoso, em essência, ou por referência à sua função útil normal, só as circunstâncias do caso poderão conter os sinais da existência de um nexo de instrumentalidade entre a sua condução e prática dos actos de execução dos crimes indiciados.
  De acordo com o princípio geral que emerge da concatenação entre o art. 178º nº1 do CPP e o art. 109º nº 1 do CP, segundo o qual a apreensão só tem justificação se servir a prova e, quando a obtenção e preservação da prova for possível, sem recurso à apreensão, esta não deve manter-se, precisamente porque o veículo automóvel é um meio de transporte de uso corrente e generalizado, prosseguindo finalidades múltiplas e indiscriminadas, para que possa ser considerado instrumento do crime e, consequentemente, declarado perdido a favor do Estado, é preciso que resulte demonstrado e ele se tornou ou ia ser necessário para a execução do crime, que a sua utilização influenciou a modalidade concreta de execução do facto, a tal ponto que sem o veículo a respectiva consumação resultaria impossível ou que, naquelas circunstâncias do facto, se tornaria de muito mais difícil a consumação, ou pelo menos, os resultado antijurídico teria sido produzido de forma substancialmente diferente (cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 24.03.2004, proc. 04P270; da Relação de Coimbra de 22.10.2014, proc. 27/12.0JACBR.C1 e de 25.01.2015, proc. 34/14.8PECBR.C1, da Relação do Porto de 14.05.2014, proc. 50/13.9PAOVR.P1 e de 09.11.2016, proc. 64/16.5GBAMT.P1 e da  Relação de Évora de 04.04.2017 proc. 7/16.6GIBJA.E1, in http://www.dgsi.pt).
Ora, tal como o Mº. Pº. diz e muito bem, na promoção que serviu de guião à decisão recorrida, o veículo cuja restituição foi pedida pelo arguido, não tem valor probatório.
Com efeito, nem à luz de regras de experiência comum, nem de acordo com a lógica das coisas, se vislumbra qual possa ter sido o contributo minimamente modelador, ou sequer a interligação entre a circulação daquele veículo ou a sua condução pelo arguido e os actos de fabrico e adulteração do conteúdo das prescrições médicas e da correspondente documentação contabilística, imputados aos arguidos para criarem a aparência de terem sido feitos tratamentos de hemoperfusão, quando, na realidade, os tratamentos feitos foram de ozonoterapia, porque essa era a forma de obter a comparticipação do respectivo custo pelo Serviço Nacional de Saúde e de obter para os seus clientes reembolsos a que não tinham direito e assim obterem indiretamente o financiamento dos tratamentos pelo Estado - ADSE e DSAS/GNR em detrimento da concorrência deste tipo de terapias, na sequência do que o recorrente e os demais arguidos lograram, segundo a mesma imputação, obter um valor total facturado de € 445 540,00 e um valor total reembolsado pela ADSE e DSAS/GNR a favor dos seus clientes no montante de € 357 007,00.
Também não se vê que exista algum tipo de conexão entre a utilização da viatura, mesmo que tenha sido usada pelo arguido recorrente para se deslocar entre as diversas clínicas arguidas e o estratagema que, segundo o juízo de indiciação feito no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi posto em prática com o objetivo dos arguidos de aumentarem o seus rendimentos de forma indevida, recorrendo a práticas enganosas, e convencendo pessoas contaminadas com COVID-19 ou com outras patologias a submeterem-se a diversos actos médicos, explorando a sua situação de vulnerabilidade e necessidade, para que recorram a estes serviços – ozonoterapia – com falsos argumentos de que tais tratamentos são aptos a dotá-los de imunidade e fazendo-lhes crer que esta terapêutica se mostra eficaz no seu tratamento, bem sabendo que não se encontra medicamente atestado ou recomendado como terapia e que, com a prática destes actos contribuem para propagação de doença contagiosa, criando deste modo perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física das vítimas e de terceiros.
E, efectivamente, perante a factualidade indiciária, essa interligação também nem sequer é estabelecida, ainda que remotamente.
Neste contexto indiciário e probatório, cumpre, pois, concluir que a apreensão do veículo automóvel é completamente desnecessária para efeitos de prova (art. 178º n.º 1, parte final, do CPP), o que, só por si, é motivo suficiente para determinar o levantamento da apreensão.
O mesmo, porém, já não pode dizer-se da apreensão dos computadores e dos demais objectos pessoais, que ademais, nem sequer foram ainda periciados e analisados os ficheiros contidos nesses computadores, os quais podem conter dados de informação muito relevantes e elucidativos acerca da forma concreta como foram falsificados os documentos e obtidos indevidamente as comparticipações do SNS.
Também no que se refere aos saldos das contas bancárias, face ao elevado montante do enriquecimento ilegítimo indiciariamente obtido pelos arguidos em resultado dos crimes de falsificação e burla imputados, é imperioso despistar qual tenha sido o destino dado a esse dinheiro e, em caso de condenação pelos crimes, o bloqueio daqueles saldos embora estes sejam de valores claramente insuficientes para reparar os prejuízos dos crimes, não deixam de constituir a tal garantia patrimonial do respeito pela decisão final, se esta vier a ser condenatória, constituindo-se importantes instrumentos de prossecução dos fins das penas que poderão vir a ser aplicadas, de harmonia com as finalidades da apreensão, acima assinaladas.
Assim sendo, o presente recurso só terá provimento, no que se refere ao levantamento da penhora do veículo automóvel de marca SKODA, modelo Superb, com matrícula 00-00-00.
Quanto aos saldos das contas bancárias e a todos os restantes bens apreendidos ao arguido recorrente, a apreensão manter-se-á.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
Determinar o levantamento da apreensão do veículo automóvel de marca SKODA, modelo Superb, com matrícula 00-00-00 e a sua restituição ao arguido PMLR_____ ;
Manter, no mais, a decisão recorrida. 
Sem Custas – art. 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva