Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27156/10.1T2SNT.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA
Sumário: 1. O princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens é o do seu carácter excepcional, face à regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
2. Assim, o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência».
3. «Assim, pedida pensão de alimentos a ex-cônjuge, importa apurar a incapacidade de o demandante prover à sua subsistência.
4. Só a partir dessa constatação é que se avança para a verificação dos demais requisitos, i. e., a ponderação das necessidades de quem os pretende e as possibilidade daquele que os presta.
5. Quando o cônjuge que alega carência de alimentos do outro, não logra demonstrar a sua incapacidade de prover à sua subsistência - designadamente que, em virtude da sua idade ou das suas condições de saúde, não tem capacidade para reiniciar ou iniciar o exercício de uma qualquer actividade profissional com vista a prover à sua subsistência – não prova os elementos constitutivos do direito a alimentos do ex- cônjuge.
6. Com efeito, tendo-se provado que: a) a R. reconvinte sempre trabalhou, mesmo na constância do casamento; b) que realizou às vezes serviços de limpeza em casa de particulares, no tempo em que viveu com o A.; c) que durante um determinado período, chegou a explorar um mini-mercado e tendo-se provado ainda que (d) a circunstância de ela não o fazer na actualidade resulta ter ficado a dever-se tão só a uma opção de vida (que não a uma fatalidade ou inevitabilidade, resultante, porventura, da crise económica que actualmente grassa na País e do alto desemprego que - desde, pelo menos, 2011 - se tem registado em Portugal)- não estão preenchidos os requisitos de que depende a atribuição de pensão de alimentos a cargo do ex cônjuge.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:
JM instaurou (em 06/12/2010) acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra MM, pedindo que fosse decretado o divórcio entre ambos.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- Autor e Ré casaram um com o outro.
- O Autor deixou a casa de morada de família em Setembro de 2007 e desde então não mais fez vida em comum com a Ré, e tem o propósito de não restabelecer a vida em comum com a Ré.
Realizada a tentativa de conciliação, não se mostrou possível obter o acordo entre as partes, em face da ausência da Ré – cfr. fls. 43 e 44 e 49 e 50.
A Ré contestou (apenas por impugnação) e deduziu Reconvenção, pedindo que lhe fosse fixada uma pensão de alimentos a cargo do Autor, no valor mensal de € 300,00.
O Autor replicou, respondendo à matéria da reconvenção e pugnando pela improcedência do pedido de fixação duma prestação alimentícia a favor da Ré e a cargo do Autor, deduzido pela Autora (desde logo por não estar em causa a fixação dum regime provisório de alimentos a prestar pelo Autor, conforme previsto no artigo 1407.º, n.º 7, do C.P.C. – o único que seria processualmente admissível – e também porque o Autor não pode prestar alimentos à Ré, nem esta se encontra num estado de necessidade tal que precise de exigir daquele alimentos.
Findos os articulados, o processo foi saneado, seleccionaram-se os factos assentes (por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena) e os que - por se mostrarem ainda controvertidos - foram incluídos na base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 11/3/2013) com o seguinte conteúdo decisório:
«1. Julgo parcialmente procedente o pedido de fixação de uma pensão de alimentos a cargo do autor a favor da ré e, em consequência, condeno o Autor JM a pagar, a título de pensão de alimentos em favor da Ré, MM, a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), que o Autor entregará à Ré até ao dia 25 do mês a que disser respeito, por transferência bancária, quantia que será actualizada anualmente em Abril de cada ano, em função da taxa de inflação publicada pelo INE relativamente ao ano imediatamente anterior (índice de preços ao consumidor, excluída a habitação), com a primeira actualização em Abril de 2014.
2. Os alimentos são devidos desde a data da apresentação do pedido de fixação de alimentos em juízo, isto é, desde 14/04/2011 (art.º 2006.º do Código Civil).
3. Julgo procedente a acção e, em consequência, decreto o divórcio entre o Autor JM e a Ré MM, declarando dissolvido o casamento que entre si celebraram em 23 de Novembro de 1981.
*
Custas na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em 30% a cargo do Autor e em 70% a cargo da Ré.»
Inconformado com o assim decidido, o Autor/Reconvindo apelou da referida sentença – no segmento em que condenou o ora Recorrente a pagar à Recorrida, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros) a entregar até ao dia 25 do mês a que disser respeito, anualmente atualizada em abril, com a primeira atualização em abril de 2014 e com efeitos desde 14 de abril de 2011, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
“1ª - A Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, veio introduzir profundas alterações ao regime jurídico do divórcio e às suas consequências jurídicas, daí que, nos termos do disposto no artº 2016, nº 1, do Código Civil, após o divórcio, cada um dos cônjuges deve prover à sua subsistência;
Assim,
2ª – “o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência, cfr. Ac. da Relação de Coimbra, in processo 320/10.6 TBTMR.C1, in www.dgsi.pt;
3ª – Da matéria de facto alegada e dada como provada, a ora recorrida não logrou, salvo melhor opinião e com o muito respeito devido por opinião contrária, demonstrar a sua incapacidade de prover à sua subsistência, o que lhe competia, como facto constitutivo do seu alegado direito;
Porquanto,
4ª – Tendo sempre trabalhado durante a constância do casamento com o ora recorrente e não o fazendo atualmente mais parece ter sido uma opção de vida, uma vez que “não resultou demonstrado que sofre de qualquer incapacidade física ou psíquica que a impeça de trabalhar e, desse modo, auferir proventos que permitam fazer face à sua subsistência, nem resultou demonstrado que a prestação de cuidados ao seu cunhado (irmão do autor) a impeça de trabalhar.”
5ª – A ora recorrida tinha que demonstrar que, em virtude da idade ou das suas condições de saúde, não tinha capacidade para reiniciar ou iniciar o exercício de uma atividade profissional com vista a prover à sua subsistência, caso contrário deveria continuar a atividade produtiva que desenvolvia aquando do casamento e após a separação de facto.
Já que,
6ª – Face às alterações jurídicas ocorridas com a entrada em vigor da Lei nº 60/2008, de 31 de outubro, aplicável ao caso em apreço, os ex-cônjuges devem, após o divórcio, prover ao seu sustento, sendo o direito a alimentos entre ex-cônjuges excecional, vd. Ac. RP, proc. nº 1148/08.3 TBVNG P.1, Ac. RC. 320/10.6 TBTMR e Ac. Do STJ, porc. 320/10.6 TBTMR.C1.S1, todos in www.dgsi.pt e “ O casamento não cria uma expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, o que consubstanciaria um verdadeiro “seguro de vida” por não ser concebível a manutenção de um satus económico” atinente a uma relação jurídica já extinta, sendo certo que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.”, Ac. do STJ in proc. 320/10.6 TBTMR. C1.S1, in www.dgsi.pt.
Ora,
7ª – Não tendo a ora recorrida alegado e provado factos que, sem qualquer margem para dúvida, resulte a necessidade da R. a alimentos e a impossibilidade da mesma prover total ou parcialmente à sua subsistência, não pode ser-lhe atribuída qualquer pensão de alimentos, sob pena de violação do disposto no artº 2016º, nº 1, do Código Civil.
8ª - Ficou provado que o A. aufere, em média, a título retributivo, o vencimento de € 667,69 (resposta ao quesito 17), que gasta com alimentação o montante de € 200,00 mensalmente e em água, gás, eletricidade a média mensal de € 55,00 e € 10,00 em telefone (resposta aos quesitos 21º e 22º),
Assim,
9ª - Salvo melhor opinião, dúvidas não restam que o ora recorrente, não tem rendimentos e, por via disso, possibilidades que lhe permitam satisfazer a eventual necessidade de alimentos da ora recorrida;
10ª – Tanto mais que o valor da pensão fixada, ou seja, € 150,00 (cento e cinquenta euros), representa cerca de um quinto do seu rendimento mensal.
Pelo que,
11ª - Não esquecendo que a obrigação de alimentos tem de ter em consideração os meios de quem houver de prestá-los, da necessidade de quem tiver de recebê-los, sempre tendo em atenção o limite, dado o seu caráter subsidiário, da possibilidade de o alimentado prover à sua subsistência, não deve ser fixada qualquer pensão de alimentos a favor da ora recorrida, até por razões de manifesta equidade, cfr. artº 2016º, nº 3 do Código Civil, uma vez que o valor fixado põe, inclusivamente, em causa o direito constitucionalmente consagrado do recorrente a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade.
Termos em que e nos demais de Direito que Vossa Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve ser revogada a douta decisão ora recorrida e que condenou o ora recorrente a pagar à recorrida, a titulo de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), anualmente atualizada em abril, com a primeira atualização em abril de 2014 e com efeitos desde 14 de abril de 2011.”
A Ré/Reconvinte/Apelada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação do Autor/Reconvindo e formulando as seguintes conclusões:
I – A Lei 61/2008 de 31 de Outubro introduziu alterações ao regime da atribuição de pensão de alimentos ao ex-cônjuge, mormente ao artigo 2016º do Código Civil;
II – Cada um dos cônjuges deve assim prover pela sua subsistência posteriormente ao divórcio, sendo certo que, e caso não o consiga fazer na sua totalidade ou parcialmente constitui-se o direito a alimentos nos termos do sobredito artigo;
III – Ainda que não tenha resultado provada a impossibilidade ou a incapacidade da Apelada para trabalhar, certo é que esta conta já com 66 (Sessenta e Seis) anos de idade, facto que aliado à conjuntura socio-economica vigente diminui as probabilidades de obtenção de emprego.
IV – Acresce que, e para além da inexistência de qualquer fonte de rendimento a Apelada cuida ainda do cunhado invisual e que se encontra acamado, suportando todas as despesas inerentes ao seu sustento;
V – Não merece qualquer acolhimento a possibilidade de obtenção de proventos mediante a venda da casa de morada de família porquanto, e atendendo ao quanto ficou exposto a Apelada não tem quaisquer rendimentos que lhe permitam faze face a uma despesa de renda;
VI – O valor de pensão de alimentos em nada prejudica a sobrevivência condigna do Apelante que, vive com companheira em condições análogas às dos cônjuges não pagando renda e custeando pela metade as despesas de ambos.»
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Ré ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a duas questões:
a) Se, perante as alterações jurídicas ocorridas com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, aplicável ao caso em apreço, os ex-cônjuges devem, após o divórcio, prover ao seu sustento, sendo o direito a alimentos entre ex-cônjuges excepcional, pelo que a ora Recorrida tinha que demonstrar que, em virtude da sua idade ou das suas condições de saúde, não tinha capacidade para reiniciar ou iniciar o exercício de uma atividade profissional com vista a prover à sua subsistência, devendo, em caso contrário, continuar a actividade produtiva que desenvolvia aquando do casamento e após a separação de facto – de sorte que, não tendo ela logrado demonstrar a sua incapacidade de prover à sua subsistência (uma vez que não resultou demonstrado que sofre de qualquer incapacidade física ou psíquica que a impeça de trabalhar e, desse modo, auferir proventos que permitam fazer face à sua subsistência, nem ficou demonstrado que a prestação de cuidados ao seu cunhado [irmão do autor] a impeça de trabalhar), não pode ser-lhe atribuída qualquer pensão de alimentos, sob pena de violação do disposto no artº 2016º, nº 1, do Código Civil;
b) Se, ainda que assim não fosse, ficou demonstrado que o ora Recorrente não tem rendimentos e, por via disso, possibilidades que lhe permitam satisfazer a eventual necessidade de alimentos da ora recorrida (tanto mais que o valor da pensão fixada, ou seja, € 150,00 [cento e cinquenta euros], representa cerca de um quinto do seu rendimento mensal), pelo que – como a obrigação de alimentos tem de ter em consideração os meios de quem houver de prestá-los e a necessidade de quem tiver de recebê-los, sempre tendo em atenção o limite, dado o seu carácter subsidiário, da possibilidade de o alimentado prover à sua subsistência - não deve, in casu, ser fixada qualquer pensão de alimentos a favor da ora Recorrida, até por razões de manifesta equidade (cfr. artº 2016º, nº 3 do Código Civil), uma vez que o valor fixado põe, inclusivamente, em causa o direito constitucionalmente consagrado do Recorrente a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade.
MATÉRIA DE FACTO
Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:
Não tendo sido impugnada a decisão sobre matéria de facto, nem havendo fundamento para a alterar oficiosamente, consideram-se definitivamente assentes os seguintes factos (que a sentença recorrida elenca como provados):
1) O Autor e a Ré contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, na Conservatória do Registo Civil da L…, no dia … de Novembro de 1981. (al. a) dos Factos Assentes)
2) O Autor e a Ré estão separados pelo menos desde o dia 1 de Setembro de 2007. (resposta ao quesito 1º)
3) Desde essa data que o Autor saiu de casa. (resposta ao quesito 2º)
4) O Autor passou a residir desde 1 de Setembro de 2007 numa casa no concelho de Ó…. (resposta ao quesito 3º)
5) Desde 1 de Setembro de 2007, o Autor e a Ré fazem vidas em separado. (resposta ao quesito 4º)
6) Inexistindo da parte do Autor o propósito de restabelecer a vida em comum com a Ré. (resposta ao quesito 5º)
7) A Ré nasceu em 15 de Setembro de 1946. (resposta ao quesito 6º)
8) O Autor providenciava pelo sustento da família juntamente com a Ré. (resposta ao quesito 9º)
9) Pelo menos a partir de 1 de Setembro de 2007, o Autor deixou de pagar as despesas de alimentação e outras despesas domésticas. (resposta ao quesito 10º)
10) O filho da Ré, PM, ajudou a Ré a fazer face às despesas do seu dia-a-dia. (resposta ao quesito 11º)
11) A Ré teve de custear as despesas escolares, domésticas e de alimentação das suas filhas. (resposta ao quesito 12º)
12) A Ré suporta mensalmente as seguintes despesas domésticas fixas:
a) Alimentação no valor mensal de € 200,00. (resposta ao quesito 13º, al. a))
b) A ré suporta mensalmente em água o valor mensal de € 23,84, água gasta pelo agregado familiar onde se insere composto por si, duas filhas maiores, um neto menor e um cunhado maior. (resposta ao quesito 13º, al. b))
c) A ré suporta mensalmente em electricidade o valor mensal de € 38,76, electricidade gasta pelo agregado familiar onde se insere composto por si, duas filhas maiores, um neto menor e um cunhado maior. (resposta ao quesito 13º, al. c))
13) O Autor trabalha no talho do P. (resposta ao quesito 14º)
14) O Autor tem a categoria profissional de “Oficial Carnes Espec.”. (resposta ao quesito 16º)
15) O Autor aufere, a título retributivo, o vencimento de € 667,69. (resposta ao quesito 17º)
16) O Autor despende mensalmente em alimentação o valor de € 200,00. (resposta ao quesito 19º)
17) O Autor depende com consumos de água, luz e gás uma média mensal de € 55,00. (resposta ao quesito 21º)
18) O Autor despende mensalmente € 10,00 com o telefone. (resposta ao quesito 22º)
19) A Ré realizou às vezes serviços de limpeza em casa de particulares no tempo em que viveu com o Autor. (resposta ao quesito 24º)
20) A Ré vive na casa de morada de família cujo empréstimo bancário já se encontra liquidado. (resposta ao quesito 25º)
21) A Ré sempre trabalhou. (resposta ao quesito 26º)
22) Durante um determinado período, a Ré chegou a explorar um mini-mercado. (resposta ao quesito 27º)
O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
1) Se, perante as alterações jurídicas ocorridas com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, aplicável ao caso em apreço, os ex-cônjuges devem, após o divórcio, prover ao seu sustento, sendo o direito a alimentos entre ex-cônjuges excepcional, pelo que a ora Recorrida tinha que demonstrar que, em virtude da sua idade ou das suas condições de saúde, não tinha capacidade para reiniciar ou iniciar o exercício de uma atividade profissional com vista a prover à sua subsistência, devendo, em caso contrário, continuar a actividade produtiva que desenvolvia aquando do casamento e após a separação de facto – de sorte que, não tendo ela logrado demonstrar a sua incapacidade de prover à sua subsistência (uma vez que não resultou demonstrado que sofre de qualquer incapacidade física ou psíquica que a impeça de trabalhar e, desse modo, auferir proventos que permitam fazer face à sua subsistência, nem ficou demonstrado que a prestação de cuidados ao seu cunhado [irmão do autor] a impeça de trabalhar), não pode ser-lhe atribuída qualquer pensão de alimentos, sob pena de violação do disposto no artº 2016º, nº 1, do Código Civil;
A sentença ora sob censura fundamentou nos seguintes termos a atribuição duma pensão alimentícia mensal no valor de € 150,00 a favor da Ré/Reconvinte ora Apelada e a cargo do Autor/Reconvindo ora Apelante:
«O Autor e a Ré são casados um com o outro.
Nos termos do disposto no art.º 2009.º, nº 1, al. a), do Código Civil, estão vinculados à prestação de alimentos, que compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, entre outros, o cônjuge ou o ex-cônjuge (cfr. art.º 2003.º, nº 1, do Código Civil).
Sendo a Ré casada com o Requerido, é sobre este que recai, em primeira linha, o dever de prestar alimentos.
O direito a alimentos pode ser pedido a qualquer momento, desde que se verifiquem os requisitos de que depende a sua fixação.
A medida dos alimentos é estabelecida, conforme dispõe o art.º 2004.º, nºs 1 e 2 do Código Civil, em função dos meios daquele que houver de prestá-los e da necessidade daquele que houver de recebê-los e atender-se-á à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
No caso dos autos e atenta a factualidade apurada, não se suscitam dúvidas quanto à necessidade objectiva da Ré de alimentos.
A Requerente não tem emprego nem rendimentos que lhe permitam assegurar as necessidades de alimentação, vestuário e habitação, não auferindo qualquer rendimento.
Importa, contudo, atender ao facto de a ré ter 66 anos de idade e não resultar demonstrado que sofra de qualquer incapacidade física ou psíquica que a impeça de trabalhar e de auferir proventos que permitam fazer face à sua subsistência, nem resultou demonstrado que a prestação de cuidados ao seu cunhado (irmão do autor) a impeça de trabalhar (cfr. art.º 2004.º, nº 2, do Código Civil).
A este respeito importa dizer que a ré, embora não tenha alegado nos seus articulados, invocou, através da sua ilustre patrona, em sede de audiência de julgamento, que estava impedida de trabalhar em virtude dos cuidados que tinha de prestar ao cunhado que consigo vivia.
Contudo, a ré não logrou demonstrar que estivesse impedida de exercer uma actividade profissional com vista a obter rendimentos que satisfaçam as suas necessidades essenciais em virtude dos cuidados que tinha que prestar ao cunhado.
Acresce que a ré sempre trabalhou enquanto foi casada com o autor, providenciou juntamente com o autor pelo sustento da família, sendo que chegou a explorar um minimercado – cfr. factos provados nºs 8, 19, 21 e 22.
Dispõe o art.º 2016.º, nº 1, do Código Civil, que:
«Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio».
Por seu turno, estabelece o art.º 2016.º-A, nºs 1 e 3, do Código Civil, que:
«1 - Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidade de emprego, o tempo que terão que dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do Cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
3 – O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio».
Por outro lado, a medida/valor dos alimentos e a sua fixação terá que se ajustar às possibilidades do obrigado a alimentos. Relativamente à situação económica do Autor, apurou-se que aufere rendimentos no valor global mensal, em média, de € 667,69, suportando com essa quantia a sua alimentação no valor mensal de € 200,00, água, luz e gás no valor mensal de € 55,00 e telefone no valor mensal de € 10,00.
Atento o exposto, tendo presente que o autor e a ré viveram em economia comum, enquanto casados, durante quase 26 anos (de 23 de Novembro de 1981 a 1 de Setembro de 2007), que a ré tem 66 anos de idade e não aufere nenhum rendimento, sendo reduzidas as suas possibilidades de emprego, em face da sua idade, e considerando, por outro lado, que a ré não demonstrou que esteja impedida de trabalhar e de auferir rendimentos, tendo trabalhado sempre enquanto viveu com o autor, e os rendimentos e as despesas do autor e as despesas da ré (a ré vive na casa de morada de família cujo empréstimo bancário já se encontra liquidado, despende em alimentação a quantia mensal de € 200,00 e suporta em água e electricidade as quantias mensais de, respectivamente, de € 23,84 e € 38,76, sendo que tais despesas são realizadas pelo agregado familiar onde se insere composto por si, duas filhas maiores, um neto menor e um cunhado) – cfr. factos provados nºs 1, 2, 3, 5, 7, 8, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22, julgo adequado, ponderados todos os factos supra enunciados, fixar a pensão de alimentos a cargo do Autor no valor mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), quantia que deverá entregar à Ré até ao dia 25 de cada mês.»
Sustenta todavia, o Autor/Reconvinte/Apelante – em dissonância com o tribunal de 1ª instância – que, perante as alterações jurídicas ocorridas com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, aplicável ao caso em apreço, os ex-cônjuges devem, após o divórcio, prover ao seu sustento, sendo o direito a alimentos entre ex-cônjuges excepcional, pelo que a ora Recorrida tinha que demonstrar que, em virtude da sua idade ou das suas condições de saúde, não tinha capacidade para reiniciar ou iniciar o exercício de uma atividade profissional com vista a prover à sua subsistência, devendo, em caso contrário, continuar a actividade produtiva que desenvolvia aquando do casamento e após a separação de facto – de sorte que, não tendo ela logrado demonstrar a sua incapacidade de prover à sua subsistência (uma vez que não resultou demonstrado que sofre de qualquer incapacidade física ou psíquica que a impeça de trabalhar e, desse modo, auferir proventos que permitam fazer face à sua subsistência, nem ficou demonstrado que a prestação de cuidados ao seu cunhado [irmão do autor] a impeça de trabalhar), não pode ser-lhe atribuída qualquer pensão de alimentos, sob pena de violação do disposto no artº 2016º, nº 1, do Código Civil.
Quid juris ?
Nos termos do n.º 1 do artigo 2003.º do Código Civil “por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, integrando o n.º 2 neste conceito “a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
O artigo 2004.º do mesmo diploma define a medida dos alimentos, determinando que os mesmos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los (nº 1) e que, na sua fixação concreta, se atenderá igualmente à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (nº 2).
Estão vinculados à prestação de alimentos, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil, o cônjuge e o ex-cônjuge, sendo esses obrigados os primeiros a serem demandados, na ordem do mesmo preceito legal.
Referindo-se especificamente ao divórcio e separação judicial de pessoas e bens, preceitua o artigo 2016.º, nº 1, do CC (na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008 [cfr. o artigo 10º da mesma Lei], já aplicável ao caso dos autos, visto a presente acção ter sido instaurada já em plena vigência do mesmo diploma: cfr. o seu artigo 9º, “a contrario”), que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, admitindo, contudo, o n.º 3 do mesmo preceito, que por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos possa ser negado.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 2016.º- A do Código Civil (aditado pelo mesmo diploma legal – Lei nº 61/2008) define critérios objectivos para a definição do montante da prestação alimentar na sequência do divórcio ou da separação de bens, estatuindo que: “Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”.
Finalmente, o n.º 3 do normativo supra citado estabelece expressamente que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio”.
«Desde a versão inicial do Código Civil (Decreto-lei nº 47334 de 25 de Novembro de 1966) até à versão actual introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro (aqui aplicável), pelas alterações introduzidas no art.º 2016º, os alimentos devidos entre os ex-cônjuges foram vistos, primeiro, basicamente, como uma sanção sobre o cônjuge único culpado ou o cônjuge principal culpado pelo divórcio quando ambos sejam considerados culpados, passando depois a predominar a sua natureza indemnizatória na reforma de 1977 (Decreto-lei nº 496/77, de 25 de Novembro), que ainda se mantém na mais recente actualização do referido preceito legal, como parte de uma reforma mais abrangente que eliminou a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos entre os ex-cônjuges (Lei 61/2008)» - Acórdão da Relação do Porto de 15/9/2011 (Proc. nº 11425/08.3TBVNG.P1; Relator – FILIPE CAROÇO), acessível (o texto integral) in www.dgsipt.
«Quanto ao montante de alimentos, enquanto na versão inicial do Código Civil não existia norma especial relativa alimentos em caso de separação judicial de pessoas e bens ou divórcio, devendo aplicar-se a regra geral do art.º 2004º, segundo a qual os alimentos eram proporcionados aos meios daquele que haveria de prestá-los e à necessidade daquele com direito a recebê-los, considerando também a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência, já a reforma de 1977 estabeleceu um regime especial para o efeito no art.º 2016º, nº 3, segundo o qual “na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”» - ibidem.
«E foi assim também que a jurisprudência transitou da ideia de que o cônjuge culpado deveria proporcionar ao alimentando uma situação económica tendencialmente idêntica à da constância do matrimónio, para a posição de que “o direito a alimentos do divorciado, ao abrigo do art.º 2016º, tem natureza alimentar, pelo que não nasce por mero efeito da verificação do pressuposto da culpa previsto no n.º 1 do mesmo artigo, nem tem como finalidade assegurar ao requerente o mesmo padrão de vida que usufruía na vigência do casamento»[5] - ibidem.
«A versão actual do Código Civil, dada pela Lei 61/2008, foi [ainda] mais longe. Viabilizando o divórcio a pedido de um cônjuge sem o consentimento do outro, com afastamento da apreciação da culpa por violação dos deveres conjugais, e com base na mera constatação de ruptura do casamento (art.ºs 1773º, nº 3 e 1781º), além de reforçar a ideia de que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (por mútuo consentimento ou sem o consentimento do outro), afirmou o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência depois do divórcio (art.º 2016º, nº 1) e deixou expresso em letra de lei que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” (art.º 2016º-A)» - ibidem.
Para a determinação do montante de alimentos a atribuir ao ex-cônjuge necessitado, além dos elementos acima referidos e indicados no art.º 2016º, nº 3, na versão da reforma de 1977, a última reforma (operada pela cit. Lei nº 61/2008) acrescentou:
- A duração do casamento;
- A colaboração prestada à economia do casal; e
- Um novo casamento ou união de facto.
«E se o princípio da autonomia económica do ex-cônjuge não foi tão longe quanto se chegou a propor [nos trabalhos preparatórios da Lei nº 61/2008[6]], a verdade é que cada um dos ex-cônjuges deverá em princípio prover à sua subsistência. E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los. Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna» - ibidem.
Consequentemente, «o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016.º do CC, é o do seu carácter excepcional, expressamente, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade” – Acórdão do STJ de 23/10/2012 (Proc. nº 320/10.6TBTMR.C1.S1; Relator – HÉLDER ROQUE), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.
«Assim, muito embora o artigo 2016º, do CC, no seu nº 2, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o seu nº 3 afirma que esse direito “por razões manifestas de equidade…, pode ser negado”, depois de afirmar, no respectivo nº 1, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, sendo esse direito preterido em relação “…a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor”, como se afirma no nº 2, do artigo 2016º-A, do mesmo diploma legal» - ibidem.
«Deste modo, e como decorre da sequência dispositiva dos artigos 2016º e 2016º-A, ambos do CC, a regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, sendo a excepção o direito a alimentos, a que “qualquer dos cônjuges tem direito”, se “por razões manifestas de equidade não [lhe] for negado”» - ibidem.
«Na verdade, o cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir a comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado» - ibidem.
«De facto, quando o ex-cônjuge não careça que o outro lhe preste alimentos, em virtude dos rendimentos do trabalho ou dos seus bens lhe assegurarem, suficientemente, a manutenção, cessará aquele dever, por parte do outro, o que acontece, igualmente, caso em que aquele deve considerar-se obrigado à aquisição de meios de subsistência, quando, por exemplo, tiver o dever de continuar a actividade produtiva que já desenvolvia, ao tempo da coabitação, por o rendimento do trabalho do outro, já, então, não ser suficiente para satisfazer as necessidades familiares, ou, por deixar de se ocupar da vida doméstica do mesmo» - ibidem.
«Ao redigir o artigo 2016º-A, nº 1, do CC, não teve o legislador português como intenção colocar o ex-cônjuge carecido de alimentos numa posição idêntica, do ponto de vista financeiro, aquela que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido, desmistificando uma certa expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, que consubstanciaria o casamento como um verdadeiro «seguro de vida», por não ser «concebível a manutenção de um status económico atinente a uma relação jurídica já extinta», até porque não se pode subestimar a ideia básica, hoje vigente neste âmbito do Direito da Família, de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, porquanto o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade» - ibidem.
«É que o direito do cônjuge a uma existência, economicamente, autónoma e condigna, já não é, presentemente, uma realidade a tomar em consideração nas situações posteriores ao divórcio, pois que a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade, o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de um modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe alimentos e as possibilidades daquele que os presta, a que alude o nº 1, do artigo 2016º-A, do CC, são apenas «índices» do critério da fixação do montante dos alimentos e não a «razão de ser» da existência do direito do autor do pedido» - ibidem.
«Com esta orientação o legislador visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência» - Acórdão da Relação de Coimbra de 17/4/2012 (Proc. nº 320/10.6TBTMR.C1; Relatora – SÍLVIA PIRES), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt..
«Assim, constatada que esteja a qualidade de ex-cônjuge do demandante de alimentos, tem que se apurar a sua incapacidade de prover à sua subsistência e somente após a constatação desta é que se parte para a verificação dos requisitos daquele preceito, i. e., a ponderação das necessidades de quem os pretende e as possibilidade daquele que os presta, sendo de considerar as várias circunstâncias ali enumeradas, com a finalidade de fixar o montante respectivo» - ibidem.
«Está fora de qualquer dúvida que a prova da incapacidade de prover à subsistência, que está na génese do direito a alimentos entre divorciados, impende, como facto constitutivo desse direito, àquele que deles pretende beneficiar, sendo assim a Autora que terá que ter demonstrado os factos donde resulte essa incapacidade, seja com os seus bens pessoais, rendimentos do trabalho ou de capital» - ibidem.
Por isso, «não basta genericamente [ao ex-cônjuge] alegar que não dispõe de rendimentos para assegurarem a sua subsistência, e que precisa de prover ao seu sustento, pois isso é apanágio de qualquer cidadão, devendo a Autora provar que está impossibilitada de angariar trabalho para garantir a sua subsistência» - Acórdão da Relação de Guimarães de 12/9/2013 (Proc. nº 228/11.8TMBRG.G1  ; Relator - JOSÉ  ESTELITA DE MENDONÇA), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, a Ré/Reconvinte/Apelada não logrou demonstrar a sua incapacidade de prover à sua subsistência, designadamente, que, em virtude da sua idade ou das suas condições de saúde, não tem capacidade para reiniciar ou iniciar o exercício de uma qualquer actividade profissional com vista a prover à sua subsistência.
Além disso, provou-se que:
a) A Ré sempre trabalhou (resposta ao quesito 26º);
b) A Ré realizou às vezes serviços de limpeza em casa de particulares, no tempo em que viveu com o Autor. (resposta ao quesito 24º)
c) Durante um determinado período, a Ré chegou a explorar um mini-mercado. (resposta ao quesito 27º)
Por isso, se a Ré/Reconvinte sempre trabalhou durante a constância do casamento com o Autor/Reconvindo, a circunstância de ela não o fazer na actualidade parece ter ficado a dever-se tão só a uma opção de vida (que não a uma fatalidade ou inevitabilidade, resultante, porventura, da crise económica que actualmente grassa na País e do alto desemprego que - desde, pelo menos, 2011 - se tem registado em Portugal).
Neste contexto, a dúvida sobre a impossibilidade ou não de a Autora exercer qualquer actividade profissional capaz de lhe proporcionar rendimentos que lhe permitam auto-sustentar-se, não pode deixar de se resolver contra ela, por ser a parte a quem a prova dessa situação factual aproveitaria (art. 516º do C.P.C. de 1961).
Consequentemente, não tendo a Ré/Reconvinte feito prova – como lhe competia (nos termos do art. 342º-1 do Cód. Civil) – deste facto constitutivo do seu pretenso direito a exigir alimentos ao seu ex-cônjuge (o Autor/Reconvindo), não podia senão ter sido julgado improcedente o pedido (por ela formulado) de atribuição duma pensão alimentícia mensal, a cargo do Autor/Reconvindo/Apelante.
Eis por que a Apelação do Autor procede, necessariamente, quanto a esta 1ª questão – o que, por si só, torna despicienda (nos termos do art. 660º, nº 2, 2ª parte, do C.P.C. de 1961 – aqui aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) a apreciação daqueloutra questão suscitada pelo Apelante (em 2º lugar): a de saber se, de qualquer modo, ficou demonstrado que o ora Recorrente não tem rendimentos e, por via disso, possibilidades que lhe permitam satisfazer a eventual necessidade de alimentos da ora recorrida (tanto mais que o valor da pensão fixada, ou seja, € 150,00 [cento e cinquenta euros], representa cerca de um quinto do seu rendimento mensal), pelo que – como a obrigação de alimentos tem de ter em consideração os meios de quem houver de prestá-los e a necessidade de quem tiver de recebê-los, sempre tendo em atenção o limite, dado o seu carácter subsidiário, da possibilidade de o alimentado prover à sua subsistência - não deve, in casu, ser fixada qualquer pensão de alimentos a favor da ora Recorrida, até por razões de manifesta equidade (cfr. artº 2016º, nº 3 do Código Civil), uma vez que o valor fixado põe, inclusivamente, em causa o direito constitucionalmente consagrado do Recorrente a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade.
Consequentemente, a sentença recorrida não pode subsistir, no segmento da mesma posto em crise no presente recurso (condenação do Autor/Reconvindo a pagar à Ré/Reconvinte uma pensão alimentícia mensal no valor de € 150,00).
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder total provimento à Apelação do Autor, revogando a sentença recorrida, na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido de fixação de uma pensão de alimentos a cargo do autor a favor da Ré e, em consequência, condenou o Autor JM a pagar, a título de pensão de alimentos em favor da Ré, MM, a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), absolvendo-se o Autor deste pedido condenatório.
Custas da Apelação a cargo da Ré/Reconvinte/Apelada.
Lisboa, 19/12/2013
Rui Torres Vouga (relator)
Maria do Rosário Barbosa (1º Adjunto)
Maria do Rosário Gonçalves (2º Adjunto)
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] AMADEU COLAÇO inNovo regime do Divórcio”, Almedina, 2ª edição, pág.s 148 e 149, citando, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.1985, de 8.2.2000, de 16.5.2002 de 27.1.2005 e de 14.11.2006
[6] No texto da Proposta de Lei n.º 509/X, que chegou a ser aprovada no Plenário da Assembleia da República e no âmbito da qual resultou o Decreto da AR n.º 232/X, o artigo 2016.°-B do C.C estipulava mesmo que a obrigação de alimentos devia ser estabelecida por um período limitado, salvo razões ponderosas, sendo que este período podia ser renovado. Todavia, aquele preceito acabou por ser eliminado, na versão finalmente publicada no Diário da República.