Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I- Relatório:
A A e outros, requerentes nos autos de procedimento cautelar interposto contra B e outros, vieram interpor recurso de apelação do despacho que desatendeu o seu pedido de dispensa do pagamento de multa por apresentação tardia das contra-alegações no recurso por seu turno interposto pela contraparte da sentença proferida no referido procedimento cautelar.
Decidiu-se no despacho aqui apelado, proferido em 17.12.08, que: “Os fundamentos invocados pelo Ilustre Advogado não se enquadram nas previsões do art. 145 nº 7 do C.P.C. Não é alegada carência económica, nem a multa é manifestamente desproporcionada. Pelo exposto se indefere. Liquide a multa.”
Formulam os apelantes as seguintes conclusões que se transcrevem:
“ 1. Com a disposição do art. 145 do CPC, aprovado nos termos de autorização legislativa da A da Republica, pretendeu o legislador do Dec.Lei 38/329-A de 12 de Dez. “ …assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e a igualdade substancial das partes, facultando ao Juiz a concreta adequação da sanção patrimonial correspondente ao grau de negligência da parte ou à eventual situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito” (Cf preambulo ) E
2. sem que no texto da disposição e subsequente aplicação do seu nº 7 encontre ou faça qualquer discriminação das situações e valores constantes ou fora quer do âmbito do seu nº 5 quer do seu nº 6 pelo que os poderes-deveres do Juiz, ali consignados, possam e devam ser sempre devidamente exercidos quando for o caso, sem limitações até porque o diploma não faz descriminaremos e, que mais não seja, ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus. Aliás,
3. Contra a atribuição legal e o exercício de poderes funcionais aos Tribunais não pode o Julgador eximir-se, seja a que pretexto for, até por que uma interpretação restritiva como a que se supõe ser a do douto despacho recorrido, sempre seria inconstitucional (inconstitucionalidade orgânica e em razão a matéria: art 1º a 3º, 165 nº 1 p) e 202 e segtes da CR.
4. No caso dos autos, atendendo a que, dado o disposto nos art.s 100 e 101 do EOA o real “beneficiário” do adequado uso dos poderes conferidos ao JUIZ é o advogado que patrocina as partes, pois além de ter sido ele o real causador da falta cometida eventualmente, terá que ser ele mesmo a suportar o encargo, conforme a natureza e circunstancias da mesma falta e os seus efeitos para o curso do processo e suas repercussões na acção da justiça que, exclusiva ou essencialmente com ele se visa. Ora,
5.1. O advogado signatário, mal teve oportunidade de confrontar-se, pela consulta do processo, com a eventualidade do atraso e algumas escassas horas na apresentação das contra-alegações no recurso apresentado pelo Recte C não esperou qualquer notificação da Secretaria ou que a sua falta viesse a passar imune camuflando-a de qualquer forma. Veio isso sim, e logo na primeira oportunidade, espontaneamente, expor o assunto à considerarão de quem devia peticionando conforme a previsão legal do art. 145 nº 7 do CPC para o adequado tratamento das situações,
5.2. sem que, em qualquer caso, fosse de se lhe exigir razoavelmente outro procedimento, atendendo à circunstancia de lhe não ter sido referida a oportunidade em que as “alegações” entrariam em juízo (cf. a carta de notificação datada de 13 de Nov., transmitida por fax com cópias sem datas legíveis dessa remessa , tb juntas), assim se dando origem a dúvidas quanto ao termo do prazo da apresentação daquela peça processual explicando-se assim o lapso dos serviço do escritório que acabaram por se não terem esclarecido devidamente. Mesmo assim,
5.3. Entre aquela apresentação e o pedido da relevação da falta que o mesmo advogado dos ora Rectes apresentou sem que se tivesse prevalecido antes da possibilidade do pagamento de uma multa do valor equivalente a cerca de 24 contos (moeda antiga) nos termos do nº 5 do citado art. e diploma), eliminando, sem mais, a possibilidade de sujeição a uma multa do valor equivalente a 150 contos (moeda antiga) nos termos do nº 6, não medearam mais que escassas horas. E desse atraso, como é inquestionável pelo folhear dos autos, não resultou qualquer efeito (pernicioso ou não) quer para o curso normal do processo quer para a Justiça que com ele se visa prosseguir deste modo.
6.1. E até porque não era caso de alegar a insuficiência económica dos ora Rectes nem, a final, a do advogado signatário, responsável pela “falta” e “beneficiário” do normal e compreensivo uso legal dos poderes – deveres da norma (nº 7 do art. 145 do CPC) embora este viva modestamente do exercício exclusivo da sua actividade profissional (na advocacia dita tradicional onde os “media” não encontram os “milhões” das grandes Sociedades de Advogados designadamente as de consulta e de negócios, nem dos promotores da “crise financeira”, a douta decisão em recurso indeferiu o pedido fundamentado, com sempre teria que ser, só na “desproporção”, salvo o devido respeito mais que manifesta, entre qualquer valor da multa para uma actuação não razoavelmente censurável como foi a do advogado signatário, dada a falta da indicação da data da entrega das alegações e a pressão a que foi sujeito, em tão curto espaço de tempo, pelo ora Recdo (arguição de nulidades, recurso de revisão de sentença e recurso da sentença que decretou providencia cautelar do arresto) que lhe não deixou disponibilidades para maior e mais cuidada reflexão, como é compreensível, atenta a própria natureza dos incidentes em causa e, por outro lado
6.2. os maus efeitos da dita “falta” que não são de nenhuma natureza nem tem qualquer significado. E a verdade é que
7. salvo sempre e de novo o devido respeito, os 150 contos (moeda antiga correspondente aos 720,00€ da multa liquidada) são um valor muito elevado e absolutamente desproporcionado à “falta” cometida e seus efeitos. Na verdade,
8. Este valor é dinheiro mesmo que para os Rec.tes e o seu advogado: corresponde a quase dois salários mensais mínimos de muitos milhares de trabalhadores portugueses; e qualquer advogado que faça a advocacia daquele que os patrocina, como é o signatário, consumiria muito dias a trabalhar (possivelmente os mesmos que um senhor Juiz) para pagar ao Estado, a que já se paga o que se sabe, uma multa cuja redução ou dispensa, o legislador, para eliminar injustiças como a que se faria, neste caso, deixou ao bom critério do Juiz nos precisos termos do nº 7 do art. 145 do CPC. Por isso, porque a multa não tem suficiente fundamento,
9. Se sujeitaram os Rec.tes a novo e significativo encargo de nova “taxa de justiça”, também da responsabilidade do advogado signatário pelos mesmos indicados motivos. E o que mais importa as várias horas de trabalho que se viu na contingência de ocupar e desenvolver com as presentes alegações. Assim,
10. Mostra-se ter sido violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art 145 nº 7 do CPC pelo que, pelo simples recurso ao senso comum, as regras da experiência comum e as da normalidade da vida no País, como se impõe, deve o recurso ser julgado procedente e o douto despacho recdo ser substituído por outro que dispense o pagamento da multa liquidada, e se assim se não entender reduzida ao montante mais modesto que, no caso, caberia aos factos nos termos do nº 5 do mesmo artigo e diploma.”
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação de facto:
Com interesse para a apreciação do recurso, e uma vez analisados os autos, temos que:
1. No âmbito de procedimento cautelar instaurado, em 9.4.08, pelos aqui apelantes, “E, Lda” e outros, contra os ora apelados, B e outros, e que constitui o Apenso-B, foi proferida decisão da qual estes últimos interpuseram recurso em 13.11.08, juntando as alegações correspondentes;
2. E procedendo à notificação da contraparte mediante “fax” enviado na mesma data;
3. Os ora apelantes e recorridos no aludido Apenso-B apresentaram, através de correio electrónico com data de 2.12.08, a resposta às alegações dos ali recorrentes;
4. Por “fax” datado de 15.12.08, os mesmos apresentaram, naquele Apenso-B, o requerimento ora constante de fls. 20 a 22 (fls. 125 a 127 do Apenso-B), no qual admitem ter apresentado aquela resposta no primeiro dia seguinte ao termo do prazo concedido para o efeito, o que apenas verificaram em data posterior a essa apresentação;
5. Explicam que assim sucedeu tendo os ali recorrentes procedido à notificação “por fax a coberto de carta também transmitida por fax que dataram de 13.11.08” e “depois de se fazer tirar fax a que foi encoberta a data da emissão a partir do escritório do seu douto mandatário, como também se verifica (docs. 1 e 2)”, fazendo depois alusões à conduta da contraparte e ao objecto da acção;
6. Mais referem que não estando em causa “a celeridade processual ou outros superiores interesses da Justiça, mas meros interesses económicos do Estado (eventualmente prejudicado apenas nos juros correspondentes às poucas horas de um dia), e, além disso, A complexidade e volume dos trabalhos a que, em tão pouco tempo, o Recte A sujeitou o advogado dos mesmos AA., conforme o que os autos e seus diversos apensos e incidentes amplamente documentam, só depõe no sentido da melhor compreensão do tribunal, não parecendo de justiça que, pelo eventual lapso verificado na contagem do prazo em causa de que os Recdos se penalizam e atribuem ao excesso de trabalho inopinadamente criado pelo Recte (cf. os autos: nulidades, revisão, alegações, outras diligências), venha a ser o advogado signatário (como sempre teria que ser dado tratar-se de multa da sua exclusiva responsabilidade) sujeito às pesadas sanções do art. 145, nºs 5 e 6 do CPC.”;
7. Dizendo, em conclusão: “requer o Advogado signatário a V Ex.cia que no bom uso do poder legal que para casos e circunstâncias idênticos se acham justa e fundamentadamente atribuídos a V Ex.cia, se digne dispensá-lo (e aos Recdos. já se vê) do pagamento de qualquer multa que venha a ser aventada pela eventualmente tardia apresentação das contra-alegações no recurso de agravo (art. 145 nº 7 do CPC)”;
8. Pronunciando-se, em 17.12.08, a fls. 132 do Apenso-B, sobre o aludido requerimento, decidiu o tribunal a quo: “Os fundamentos invocados pelo Ilustre Advogado não se enquadram nas previsões do art. 145 nº 7 do C.P.C. Não é alegada carência económica, nem a multa é manifestamente desproporcionada. Pelo exposto se indefere. Liquide a multa.”
9. Tal despacho foi notificado às partes por cartas expedidas em 23.12.08;
10. Por requerimento apresentado em 29.12.08, a fls. 146 do Apenso-B, vieram, ainda, os ora apelantes e recorridos no aludido Apenso-B sustentar “em complemento do seu último requerimento” que não foram notificados das alegações pela secretaria, pelo que “estavam e estão a tempo da apresentação das suas contra-alegações” e pedem “lhes seja relevada a falta, a entender-se diferentemente do alegado, e dispensados do pagamento de qualquer multa pela eventual entrega tardia das contra-alegações...”;
11. Em consequência foi proferido, em 31.12.08, a fls. 150 do Apenso-B, o seguinte despacho: “Fls. 146: A questão suscitada já foi objecto de decisão por despacho de 17-12-2008. O poder jurisdicional encontra-se, pois, esgotado – art. 666º nº 1 e nº 3 do C.P.C.. Pelo exposto, nada há a determinar face ao requerido. Notifique.”
12. Ao procedimento cautelar constante do Apenso-B foi atribuído o valor de € 74.412,26.
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III- Fundamentação de Direito:
Cumpre apreciar do objecto do recurso.
À luz do novo regime aplicável aos recursos (aprovado pelo DL nº 303/07, de 24.8), tal como antes sucedia, são as conclusões que delimitam o respectivo âmbito (cfr. arts. 684, nº 3, e 685-A, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.). É também incontroverso que, sem prejuízo destas últimas questões, os recursos visam apenas modificar as decisões impugnadas mediante o reexame das questões nelas equacionadas e não apreciar matéria nova sobre a qual o tribunal recorrido não teve ensejo de se pronunciar. Tal constitui importante limitação do objecto do recurso que tem por fim obviar a que “numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas” e “por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais graus de jurisdição” (cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil- Novo Regime”, 2ª ed., pág. 94).
Como resulta da factualidade acima julgada assente, no âmbito de procedimento cautelar instaurado, em 9.4.08, pelos aqui apelantes contra os ora apelados, e que constitui o Apenso-B, foi proferida decisão da qual estes últimos interpuseram recurso em 13.11.08, juntando as alegações correspondentes e procedendo à notificação da contraparte mediante “fax” enviado na mesma data. Por seu turno, os ora apelantes e recorridos no aludido Apenso-B apresentaram, através de correio electrónico com data de 2.12.08, a resposta às alegações dos ali recorrentes e, por “fax” datado de 15.12.08, vieram depois apresentar requerimento no qual admitem ter junto as aludidas contra-alegações no primeiro dia seguinte ao termo do prazo concedido para o efeito, o que, dizem, apenas verificaram em data posterior a essa apresentação. Justificam, em síntese, o sucedido dizendo que foram notificados pela contraparte “por fax a coberto de carta também transmitida por fax que dataram de 13.11.08” apesar de (segundo se entende do texto do requerimento em apreço) se encontrar encoberta a data da emissão do aludido “fax”, mais aludindo à “complexidade e volume dos trabalhos a que, em tão pouco tempo, o Recte C sujeitou o advogado dos mesmos AA., conforme o que os autos e seus diversos apensos e incidentes amplamente documentam” e considerando injusto que venha a ser o advogado dos recorridos, por se tratar de multa da sua exclusiva responsabilidade, sujeito às “pesadas sanções” do art. 145, nºs 5 e 6, do C.P.C..
Pronunciando-se sobre tal requerimento, decidiu o tribunal a quo que “Os fundamentos invocados pelo Ilustre Advogado não se enquadram nas previsões do art. 145 nº 7 do C.P.C. Não é alegada carência económica, nem a multa é manifestamente desproporcionada. Pelo exposto se indefere. Liquide a multa.”
É, por conseguinte, evidente, face ao que acima se deixou dito, que apenas à luz dos motivos invocados pelos ora apelantes no seu requerimento de 15.12.08 se deve analisar a decisão recorrida e não considerando outros motivos agora aflorados nas alegações de recurso.
Posto isto, temos que a primeira questão a considerar é exactamente a do prazo para a apresentação das contra-alegações por parte dos recorridos no Apenso-B de providência cautelar.
Os recursos interpõem-se, no regime aprovado pelo DL nº 303/07, de 24.8, que será o aplicável no Apenso-B (ver certidão junta a fls. 49 destes autos), através de requerimento apresentado no tribunal recorrido que inclua a alegação do recorrente (cfr. art. 684-B do C.P.C.. Por força dessa concentração, o prazo geral para a aludida interposição passou a ser de 30 dias a contar da notificação da decisão (art. 685, nº 1, do C.P.C.), sendo, porém, de 15 dias nos processos urgentes (como é o caso) e nas demais situações previstas no nº 5 do art. 691 do C.P.C.. A contraparte beneficiará de idêntico prazo (art. 685, nº 5, do C.P.C.) que há-de contar-se, necessariamente, da notificação da apresentação da alegação do recorrente, como, de resto, já antes sucedia (cfr. arts. 698, nº 2, e 743, nº 2, do C.P.C., na redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL nº 303/07), o que bem se compreende, pois é a partir dessa notificação (e não da correspondente entrada em juízo) que a contraparte passa a dispor da peça processual indispensável ao exercício do contraditório. Aliás, só assim se compreende o disposto no art. 260-A, nº 3, do C.P.C., ao determinar que o mandatário notificante junte aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte (excepto quando a notificação ocorrer por transmissão electrónica de dados), de modo a permitir ao tribunal avaliar adequadamente do cômputo dos prazos (o que se mostraria desnecessário se essa contagem se fizesse a partir da prática do acto em juízo).
Também no actual regime dos recursos, a sua interposição (com as correspondentes alegações) bem como a apresentação das contra-alegações são directamente notificadas à contraparte, de acordo com a nova redacção dada aos arts. 229-A e 260-A do C.P.C. pelo aludido DL nº 303/07. Assim, e pondo termo a dúvidas interpretativas que se colocavam quanto à anterior redacção, dispõe hoje o art. 229-A, nº 1, do C.P.C., que: “Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260-A.”.
Por conseguinte, descendo ao caso em apreço, temos que os recorridos no apenso de procedimento cautelar, e ora apelantes, foram notificados da apresentação das alegações pela parte contrária naqueles autos por “fax” datado de 13.11.08, como reconhecem, apesar de, segundo também dizem, estar encoberta a data da emissão do dito “fax”. Seria, como acima se viu, da notificação da apresentação das alegações dos ali recorrentes, documentada nos autos em conformidade com o disposto no art. 260-A, nº 3, do C.P.C., – e não da efectiva entrada das mesmas em juízo, como os apelantes agora pretendem no presente recurso ao referir que os recorrentes no Apenso-B não indicaram, na carta de notificação, a data da entrada das alegações no tribunal – que deveria iniciar-se a contagem do prazo para a apresentação da resposta correspondente. Assim, o prazo de 15 dias para a apresentação dessa resposta terminava em 28.11.08 (sexta-feira). Contudo, os recorridos só juntaram ao processo as aludidas contra-alegações em 2.12.08, ou seja, no primeiro dia útil seguinte, sem liquidar a multa a que alude o art. 145, nº 5, do C.P.C..
Os mesmos, antes da notificação a que alude o nº 6 do referido art. 145 do C.P.C., vieram, em 15.12.08, reconhecer o atraso verificado e pedir a dispensa do pagamento de qualquer multa. Invocam, como vimos, estar encoberta a data de emissão do “fax” de notificação muito embora a carta estivesse datada de 13.11.08, a complexidade e o volume de trabalho a que os ali recorrentes tinham sujeitado o advogado dos recorridos e a injustiça da multa ao mesmo mandatário assim aplicada.
Mais tarde, em 29.12.08, após indeferimento daquele pedido, vieram, ainda, apresentar novo requerimento em complemento do anterior sustentando o seu pedido de dispensa do pagamento de multa no facto de não terem sido notificados das alegações pela secretaria, pelo que ainda estariam a tempo de as apresentar. Muito embora não esteja aqui em apreciação tal motivação, posto que a decisão recorrida na mesma não assentou, não deixaremos de assinalar que o argumento carece hoje de qualquer fundamento face ao que acima se deixou dito quanto à actual redacção do art. 229-A do C.P.C. aplicável ao caso. É, deste modo, agora inquestionável que a apresentação das alegações e das contra-alegações é directamente notificada entre as partes e não através da secretaria. Pelo que o início do prazo para a apresentação da resposta dos recorridos no Apenso-B se contou, sem dúvida, da data da notificação da apresentação das alegações dos ali recorrentes, verificada nos termos dos arts. 229-A e 260-A do C.P.C., em 13.11.08.
Assente que os recorridos foram notificados, na forma devida, e que o acto por estes praticado o foi no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo estabelecido para o efeito, vejamos, então, as condições em que o mesmo acto pode ser considerado, posto que não foi efectuado o pagamento da multa a que alude o nº 5 do art. 145 do C.P.C. (necessariamente na redacção aplicável à data).
Estabelece o art. 145, nº 6, do C.P.C., que decorrido o prazo para pagamento da multa indicada no nº 5 daquele normativo sem que esse pagamento tenha sido realizado, “a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não podendo a multa exceder 20 UC.”
Dispõe, por outro lado, o art. 145, nº 7, do C.P.C., na redacção aplicável ao caso, que: “O juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado.”
Assim, são duas as situações em que o juiz pode reduzir ou dispensar a multa:
a) nos casos de manifesta carência económica da parte;
b) quando o montante da multa se revele manifestamente desproporcionado.
De acordo com o preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, que veio aditar o referido nº 7 ao art. 145, pretendeu o legislador rever o regime “relativo ao direito de praticar o acto processual nos três dias subsequentes ao termo de um prazo peremptório no sentido de assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e a igualdade substancial das partes, facultando ao Juiz a concreta adequação da sanção patrimonial correspondente ao grau de negligência da parte ou à eventual situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito”.
Como ensina, ainda, Lebre de Freitas no seu “Código de Processo Civil Anotado”, em comentário ao referido normativo, a desproporção a considerar é a referida à gravidade da prática do acto fora de tempo, definida, segundo aquele autor, quer pela essencialidade do acto para a parte quer pela medida da sua culpa no atraso verificado.
Tais motivos deverão, em todo o caso, ser invocados pela parte ao praticar o acto, sem prejuízo do juiz poder oficiosamente reduzir ou dispensar a multa quando tais circunstâncias resultem já do processo (cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., loc. cit.). Trata-se de um poder vinculado e não discricionário, visto que a decisão sobre tal matéria não se encontra dependente do prudente arbítrio do julgador mas sim da verificação do preenchimento de critérios legalmente estabelecidos (cfr., ainda, Lebre de Freitas, ob. cit., loc. cit., e Ac. da RL de 1.6.05, Proc. 2577/2005-3).
Não fazendo, ainda assim, a interpretação restritiva do nº 7 do art. 145 do C.P.C., no sentido de que a redução ou dispensa só pode ocorrer relativamente à multa liquidada nos termos do nº 5 e não também nos termos do nº 6 do art. 145[1], visto que, salvo melhor opinião, tal restrição não resulta da lei e em ambos os casos podem ocorrer, em nosso entender, os motivos a que se refere o nº 7 do art. 145, apreciemos a verificação dos respectivos requisitos de aplicação na situação sub judice.
Desta forma, perante o pedido dos recorridos de que lhes fosse dispensada a multa, entendeu o tribunal a quo que não fora alegada carência económica e que a multa não era manifestamente desproporcionada.
Os motivos alegados pelos recorridos, como vimos, nada tiveram que ver com a carência económica, pelo que apenas poderiam ser atendidos em caso da multa se mostrar desproporcionada ao grau de negligência da parte.
Ora, a argumentação dos recorridos radica, em primeira linha, no alegado encobrimento da data de emissão do “fax” de notificação muito embora a carta estivesse, como reconhecem, datada de 13.11.08. Salvo o devido respeito, não se entende a argumentação. Se a data da emissão do “fax” era omissa, o único critério orientador deveria ser o da data constante da carta de notificação que era, justamente, 13.11.08. Nem os recorridos explicam no requerimento por si apresentado em 15.12.08 em que medida o recebimento do “fax” os “convenceu” de que a data da notificação era outra. Também não colhe, como acima dissemos, o argumento ora ventilado de que não lhes foi comunicada a data da entrada das alegações dos recorrentes em juízo, na medida em que daí nada haveria que retirar para a contagem do prazo de resposta, como acima explicámos. Não constitui, pois, este motivo, em nosso entender, qualquer desculpa para o atraso verificado.
Justificam, ainda, os recorridos esse atraso com a complexidade e o volume de trabalho a que os ali recorrentes tinham sujeitado o advogado dos recorridos e a injustiça da multa ao mesmo mandatário assim aplicada. Se não é possível a esta instância apreciar, através deste recurso em separado, dessa complexidade e volume de trabalho motivada pela contraparte, não é menos verdade que, face a toda a argumentação expendida, não terá sido essa a razão que levou os recorridos a apresentarem as contra-alegações fora de prazo. De facto, os mesmos admitem que contaram erradamente o aludido prazo que julgavam, por isso, terminar em dia diferente, e que, desse modo, ao juntarem a resposta ao recurso não liquidaram a multa referida no nº 5 do art. 145 do C.P.C. (por entenderem que esse prazo estaria ainda em curso). Ou seja, os recorridos não referem que tivessem de praticar o acto fora de prazo por não terem “tido tempo” de o fazer dentro do prazo, o que poderia compreender-se em determinadas circunstâncias de complexidade ou volume de trabalho com que se deparavam. Apenas explicam a errónea contagem do prazo dada essa complexidade ou volume de trabalho, o que já não pode entender-se como causa justificativa. Doutro modo, sempre a actividade dos Senhores Advogados em geral, que se presume desgastante e sujeita a elevados níveis de “stress” em grande parte devido à necessidade da observância de prazos processuais, “justificaria”, por si só, o incumprimento desses mesmos prazos, tornando inúteis normas deste tipo havendo mandatário constituído.
Deste modo, considerando os motivos invocados pelos recorridos no requerimento de 15.12.08, apenas se conclui que houve, efectivamente, um lapso dos mesmos na contagem do prazo, sem que se encontre circunstância que justifique ou atenue esse erro. Aliás, a indicada omissão da data de emissão do “fax” só agrava a conduta, pois imporia redobrada cautela na verificação da data do início do prazo que a partir dessa notificação se contaria, para não falar da invocação do desconhecimento da data da entrada das alegações em juízo que antes aponta para eventual desconhecimento das regras a ter em conta na contagem dos prazos. Pelo que não se verifica, como defendem aqui os apelantes, uma “actuação não razoavelmente censurável”.
Não se alcança, por isso, nos motivos aduzidos, a desproporção para os fins previstos no aludido nº 7 do art. 145, tanto mais que em causa só pode estar a aplicação do nº 6 daquele normativo, cuja sanção pecuniária é necessariamente mais gravosa, visto que a parte não liquidou, por erro exclusivamente seu como se viu, a multa do nº 5 ao apresentar a resposta ao recurso da contraparte, quando então lhe cabia verificar, com mais cuidado, a observância do prazo em questão.
Finalmente, resta-nos, dentro dos critérios acima referenciados por Lebre de Freitas que entendemos de seguir, a questão da essencialidade do acto para a parte, já que nenhuma desculpa lhe assiste, como vimos, quanto à medida da culpa no atraso.
Ora, esse atraso refere-se à apresentação de contra-alegações e não de alegações de recurso cuja importância não é comparável, pois a falta destas últimas é preclusiva e obsta, por si só, ao conhecimento do recurso (conduz à sua deserção), o que não sucede com as primeiras. Como explica o autor citado, no caso da prática de actos menos importantes para a parte pode revelar-se a multa “concretamente desproporcionada”.
Nessa medida, e apenas face ao relevo que o acto da apresentação das contra-alegações terá para os recorridos no Apenso-B, já que a outro motivo não há que atender, afigura-se adequado no caso, ao abrigo do citado art. 145, nº 7, do C.P.C., proceder a uma redução na multa aplicável ao abrigo do nº 6 do mesmo normativo a 2/3 do valor mínimo ali indicado.
Pelo que, nessa medida, procederá o recurso interposto.
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IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando, em consequência, o despacho recorrido, e decidindo reduzir a multa aplicável, ao abrigo do nº 6 do art. 145 do C.P.C., aos recorridos no Apenso-B (e ora apelantes), a 2/3 do valor mínimo indicado no referido normativo.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 28.4.09
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Maria Tavares Coelho
José Luís Soares Curado
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[1] Assim se entendeu no Ac. RL de 25.6.98, CJ, Ano XXIII, 1998, T. III, pág. 132, no Ac. RL de 19.4.07, Proc. 2303/2007-9, e no Ac. RG de 10.2.08, Proc. 2488-2, estes últimos em www.dgsi.pt.