Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7438/08.4TVLSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DOMICÍLIO
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A determinação do tribunal internacionalmente competente precede a questão de saber qual a lei material aplicável, pois que será ao sistema de regras de conflito do Estado do foro – depois de afirmada a sua competência internacional – que há que recorrer para a resolver.
II – Segundo o critério da al b) do nº 1 do art 65º CPC, na versão aplicável aos autos, a competência internacional dos tribunais portugueses depende de dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência territorial estabelecidas nas leis portuguesas.
III – Porque na acção está em causa o incumprimento de um contrato, haverá que recorrer à norma do art 74º/1 CPC, e proceder à qualificação dos elementos técnico jurídicos a que a mesma recorre - “domicílio do réu” e “lugar de cumprimento da obrigação”.
IV – Há quem entenda que esses conceitos devem ser qualificados pela lex fori, isto é, pela lei do Estado em que a acção está pendente, e há quem entenda que devem ser qualificados pela lex causae, ou seja, por uma lei que é determinada pelas normas de conflitos do foro.
V- Neste ultimo entendimento, seria pelo recurso às normas dos arts 41º e 42º CC, referentes à lei reguladora das obrigações provenientes de negócios jurídicos, que se acabaria por determinar o conteúdo material daqueles conceitos.
VI - Na situação dos autos, não houve escolha expressa da lei reguladora do contrato, mas terá sido vontade convergente de ambas as partes a escolha da lei da República da Africa do Sul para regular o contrato. Ainda que assim não se entendesse, não sendo comum a residência habitual das partes e estando em causa contrato não gratuito, sempre a lei aplicável ao mesmo se haveria de entender ser a da República da África do Sul, por ser a lei do lugar da celebração do contrato, visto ser pacífico que no interior de uma embaixada tem lugar a aplicação do direito do Estado acreditante.
VII – No momento processual em que se encontram os autos, não se tem este tribunal suficientemente habilitado a respeito do direito sul africano no que concerne ao conteúdo que nele é dado ao lugar da cumprimento da obrigação no que se refere à situação dos autos.
VIII – Havendo os referidos conceitos técnico jurídicos da norma do art 76º/1 CPC de ser qualificados pela lex fori, recorrer-se-ia aos arts 772º a 776º CC.
IX - Foi fixado como forma e lugar do cumprimento, o depósito em conta bancária da 1ª A. no banco "Q", com sede no Luxemburgo. Tendo a R. encerrado essa conta, sem autorização da A., sua titular, colocou-se em mora. Se pretendesse por fim a esta e não obtivesse o consenso das AA. para a (re)abertura da (nova) conta, só o poderia fazer no domicilio destas, como decorre do art 774º CC.
X – O conceito de domicílio estabelece-se com base no Direito do Estado do foro.
XI -Mesmo que se interpretasse o art 12º/3 do C Com. no sentido de ser possível estipular em cláusula contratual «domicilio particular para determinados negócios», estando em causa a fixação de um domicilio electivo nos termos do art 84º CC, o mesmo havia de ter sido reduzido a escrito, o que não sucedeu na situação dos autos, pelo que o domicilio das AA. corresponderá ao lugar das suas sedes que, num caso e noutro, não se situam em Portugal.
XII -Na versão aplicável aos autos, resulta da al d) do nº 1 do art 65º CPC que os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes em função da circunstância de «ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram».
XIII- Mostra-se necessário e conveniente distinguir causa de pedir num sentido estrito, mínimo, necessário à individualização da situação jurídica alegada na acção, e cuja ausência, ou ininteligibilidade, porque, em última análise, impossibilita a contraparte de se defender da acção, implica a ineptidão da petição, da causa de pedir num sentido amplo, que compreende a totalidade dos factos necessários à procedência da acção ou da excepção, e, por isso, também os factos complementares, de tal modo que a omissão não suprida de factos complementares ou concretizadores acarreta a improcedência da acção. E neste sentido amplo, os factos complementares, porque integram, completam, participam na causa de pedir, são dela integrantes.
XIV - Os factos a que o al d) do art 65º se refere como integrantes da causa de pedir na acção são também os complementares.
XV- Acresce que os factos alegados pelas AA., quer os referentes à actividade a prestar, quer os referentes ao efeito final do contrato, devem ser tidos como essenciais.
XVI - Estando em causa naquela actividade e neste efeito décadas de factos ocorridos em Portugal, não é sustentável, mesmo que se pudessem configurar os factos alegados a este respeito como complementares, que a competência internacional que desencadeiam para os tribunais portugueses se possa configurar como exorbitante.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – “A”, e “B” intentaram  em 13/3/2008, acção ordinária contra “C”, pedindo que:
 a) seja a R. condenada a pagar às AA. a quantia de € 192.180.622,82  a título de comisão de 10% por força do contrato de mandato comercial celebrado entre as partes, exercido pelas AA., em nome e por conta da referida R., acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, e do mais que se determinar em sede de execução de sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos 471°/1  b) e 661°/2 do CPC;
Caso assim não se entenda, a título subsidiário,
 b) seja a R. condenada a pagar às AA. a quantia de € 192.180.622,82 , a coberto do disposto nos artigos 473º/2 e 479° do CC, a título de vantagem patrimonial com que injustamente se locupletou à custa da conduta daquelas, correspondente à comissão de 10% sobre o valor total dos bens e prestações que integraram o Projecto “D”, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, e do que se determinar em sede de execução de sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos 471º/1 b) e 661º/2 do CPC;
 Ou, caso assim não se entenda, e ainda a título subsidiário,
c) seja a R. condenada a pagar às AA. a quantia de € 92.180.622,82  nos termos e para os efeitos dos artigos 464.° e seguintes do CC, a título de remuneração correspondente à sua actuação comercial como gestoras de negócios da referida R. no Projecto “D”, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, e do que se determinar em sede de execução de sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos 471º/1 b) e 661°/2 do CPC.

Com potencial interesse para a decisão do presente recurso, alegam as AA., (indicando no intróito da petição, terem ambas escritório em Portugal - na Av da …, nº …, 1269-046, Lisboa -, ser a “A” (doravante designada por “A””), constituída nos termos das leis do Reino Unido e ter sede em Essex, Reino Unido, ser a “B” (“B”) constituída nos temos das leis do Panamá, com sede no Panamá, e a R. (“C”) ser uma sociedade de capitais públicos constituída nos termos das leis da República da África do Sul, onde tem sede):
- terem ambas por objecto a mediação, agenciamento e representação comercial de terceiros em todo o tipo de contratos comerciais internacionais, promovendo a sua celebração e execução, nomeadamente no estabelecimento dos meios e mecanismos de transporte, fornecimento e entrega dos bens comercializados pelas partes por si representadas (1º e 2º);
- ter a R. por objecto a aquisição, em nome e por conta do governo da África do Sul e demais instituições públicas, de material civil e militar, bem como a prestação de serviços associados às instituições sob a dependência do Ministério da Defesa do Governo do referido país (6º);
- ser a “E”, uma sociedade de direito francês que tem por objecto  o desenho, projecção e produção de veículos aéreos e foguetes militares e civis, tendo na sua linha de produção, entre outros os helicópteros de marca Puma e Super Puma, tendo a mesma por fusão com outras sociedades dado origem à actual “F” (“F”) (15º, 16º e 17º);
- Em meados da década de 1980, a solicitação do Governo da África do Sul, a R. iniciou um processo negocial com a “E” tendo em vista a aquisição e fornecimento de material (Kits) de melhoria (upgrade) dos helicópteros Puma, a aquisição dos então novos helicópteros semelhantes aos Super Puma para missões de Busca e Salvamento, e a celebração de contratos de prestação de serviços de montagem e manutenção dos referidos helicópteros, relação contratual esta a que foi dado o nome de código “projecto “D” (29º, 31º);
- O director das AA., “G”, tendo tomado conhecimento desse processo negocial remeteu em 11/2/1985 uma carta a “H” demonstrando o interesse e a possibilidade das AA. assistirem a R. nomeadamente, na condução de contactos e diligencias negociais tendentes ao estabelecimento de uma rede de montagem, transporte, fornecimento e entrega dos helicópteros de Busca e Salvamento em Portugal (55º)
- Na sequência dessa carta, em finais de 1985, “G” foi convidado a deslocar-se às instalações da Embaixada da República da África do Sul, em Paris, para serem debatidos os termos da eventual intervenção das AA no negócio em questão, tendo ocorrido nova reunião nessa embaixada nos princípios de 1986, na qual a R. – através de “I”e de “H” – solicitaram expressamente das AA. a prestação dos seus serviços de mediação e promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas tendentes a obter o seu consentimento na criação e estabelecimento em Portugal de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento desde França para a República da Africa do Sul, conhecido entre as partes como o “Canal Português”, tendo-lhes sido solicitado o estabelecimento de negociações com a Força Área Portuguesa de modo a ser obtido o consentimento dos seus mais altos responsáveis, e com a empresa “K” por ser a entidade em Portugal com a logística e os conhecimentos necessários para executar o projecto em apreço (57º, 58º, 72º, 73º);
- O General “L”, “M” e “G”, na qualidade de colaborador e directores de ambas as AA., respectivamente, estabeleceram de imediato contactos com os responsáveis militares portugueses a fim de iniciarem as negociações relativas à criação do Canal Português (90º);
- Em Março de 1986, o General “L”, através do General “ N”, com quem tinha forte laços de amizade, conseguiu o apoio do General “O”, então Chefe do Estado Maior das Forças Aéreas Portuguesas, na intervenção destas e da sua companhia logística, a “K”, no estabelecimento do Canal Português, sendo que este General afirmou então, que caso decidisse intervir no referido negócio, exigiria uma contrapartida em material e logística (105º e 111º);
-As AA., em 3/4/96, reportaram à R. as diligências bem sucedidas junto das autoridades militares portuguesas, e em Junho de 1986, a R. deu a sua expressa aceitação à proposta de comissão exigida pela Força Aérea Portuguesa (“FAP”) - (114º, 121º 122º);
-Em 6/1/1987 o General “O” enviou uma carta à A. “B” confirmando a aceitação das FAP às propostas das AA. e “G” informou prontamente a R. desse facto, como resulta do  doc nº 5 junto à petição (135º, 136º);
-Em 23/2/1987 o presidente da “K”, General “P”, confirmou a intenção dessa empresa em encetar negociações com a R. e a “E” (139º);
- “G” deixou bem claro à R. que as AA., por força do cumprimento integral do mandato e actos praticados ao abrigo do Projecto “D” iria cobrar uma comissão indexada ao valor total dos bens e serviços objecto dos contratos em questão a serem celebrados pela R. com a “E” e a “K”, em termos a concretizar posteriormente, distinta da compensação devida pela R. à FAP, o que foi aceite pela R (146º, 147º);
- Foi efectivamente estabelecido o canal Português de montagem e distribuição dos helicópteros de Busca e Salvamento integrantes do Projecto “D” (149º);
- Em Julho de 1987 a R. acordou com as AA. pagar-lhes solidariamente uma comissão correspondente a 10% do valor bruto de todos os bens e serviços integrantes do Projecto “D”, a qual seria paga proporcionalmente à medida que tais bens e serviços fossem entregues e prestados, tendo esse acordo ficado registado num memorando escrito interno que, por razões de segurança foi retido pela R. na Embaixada da República da Africa  do Sul, em Paris (157º, 159º, 161º);
-As AA., na pessoa de “G”, supervisionaram a afectação por parte da FAP e da “K” da logística necessária ao estabelecimento do Canal Português, para a recepção dos bens expedidos pela “E”, montagem e subsequente remessa dos mesmos para a R. ;
- A montagem, expedição e entrega dos novos helicópteros de Busca e Salvamento híbridos semelhantes aos Super Puma e dos helicópteros de Busca e Salvamento Puma melhorados pelos kits de upgrade iniciou-se em Agosto de 1988 e prolongou-se até meados dos anos de 1990, ainda que a manutenção e fornecimento das peças sobressalentes continue até á presente data (181º);
-A A. “B”, tendo tomado conhecimento de que a montagem, expedição e entrega dos kits de upgrade dos helicópteros de Busca e Salvamento Puma tinha sido iniciada, remeteu em 27/7/89 um fax para a R., através de “I”, solicitando o pagamento da comissão de 10%, a que a mesma não respondeu (194º e 195º);
- Só em meados de Janeiro de 1990, a R., com o intuito de manter o controlo sobre as AA. de forma a evitar o exercício do veto comercial pelas mesmas junto das autoridades militares portuguesas e da “K”, veto esse que bloquearia o projecto “D”, e pese embora já há muito tivesse tomado a decisão de não lhes vir a pagar a referida comissão, informou “G” que tinha decidido que o pagamento da comissão seria realizado por intermédio da abertura de uma conta bancária no “Q” com sede no … (189º, 201º,217º);
-Em 8/2/1990 “G” deslocou-se à sede do banco “Q” para proceder à abertura da conta, tendo assinado entre o mais, por lhe ter sido pedido, procurações a favor de um grupo de trabalhadores da R. (224º, 227º);
-A comissão nunca lhe foi paga naquela conta, a qual foi mandada encerrar pela R., como as AA. vieram a saber muito mais tarde, sem que a 1ª A., única titular e beneficiária da mesma, tivesse autorizado, expressa ou tacitamente, o fecho da mesma (229º, 232º);  
- Em 17/7/91, a R. remeteu uma carta para ambas as AA., negando a sua responsabilidade no pagamento de qualquer comissão e afirmando que elas deveriam solicitar à “K” o pagamento da mesma (261º)
-As AA. intentaram uma primeira acção contra a R. na África do Sul, em Março de 1993, tendo sido aconselhados a desistir da instância, o que fizeram, em face de ameaças e intimidações contra “G” e na falta de provas que só se tornariam disponíveis em momento posterior; 
-Intentaram uma segunda acção contra a “E” (anteriormente “E”) em França, com base no seu enriquecimento sem causa, por esta haver acordado compensar a R. por metade da comissão que a R lhe deveria ter pago, tendo tal acção sido julgada improcedente por sentença, que veio a ser confirmada em 5/2/1999 sem que tivesse sido analisada a relação contratual integral entre as partes.

A R. contestou, por excepção e impugnação, tendo arguido, entre outras excepções a de imunidade de jurisdição da R. e a incompetência internacional dos tribunais portugueses para os termos da acção, pretendendo a este nível que não se verificam nenhum dos factores atributivos da competência elencados no art 65º do CPC.

Replicando, as AA. pugnam pela competência dos tribunais portugueses por ser em Portugal que a comissão deveria ser paga - alegando no art 73º que «à data dos factos e para efeitos comerciais em Portugal, as AA. elegeram como domicilio o seu estabelecimento sito no Apartado …, …, Portugal, local de onde as AA. e a R. trocaram comunicações escritas e orais relativas à execução do mandato concedido por esta última às AA., e onde estas centraram todas as actividades tendentes à abertura do Canal Português» -  e porque parte dos factos que constituem a causa de pedir ocorreram em Portugal.

Foi proferida decisão que julgou os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para a acção e, consequentemente, absolveu a R. da instância.

II - Do assim decidido, apelaram as AA., tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo:
1. Atendendo aos pedidos formulados pelas AA. e aos fundamentos (causa de pedir) que  os suportam, ou seja, a relação material controvertida tal como foi configurada pelas AA., os Tribunais portugueses têm competência para prepararem e julgarem a presente acção à luz dos princípios da coincidência e causalidade previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 65.º do CPC, na versão aplicável aos autos.
2. Quanto ao princípio da coincidência com as regras da competência territorial interna, se considerarmos que os artigos 772.º a 776.º do Código Civil contém normas adjectivas auxiliares para aplicação dos critérios previstos no nº 1 do art 74º do CPC, aplicável por estarmos perante uma acção que tem por fundamento o incumprimento contratual da R., o local de cumprimento da obrigação coincide com o território português por força dos critérios supletivos vertidos nos artigos 774.º e 776.º do Código Civil.
3. A obrigação em apreço nos autos é de natureza pecuniária, sendo que as AA. tinham estabelecimento em Portugal à data dos factos, onde concentraram as suas operações e exerceram integralmente o mandato em nome e por conta da R., tal como formulado na petição inicial.
4. O encerramento da conta bancária aberta junto do banco “Q” no … foi determinado pela R. de forma ilícita e unilateral, executado com a cumplicidade daquele banco, tendo tornado o pagamento da comissão devida às AA. impossível no local e meio acordados por facto culposo imputável à R..
5. O negócio jurídico entre as partes, isto é, a prestação das AA. e a contraprestação da R., nunca teve qualquer ligação substancial com a ordem jurídica luxemburguesa, não sendo um elemento essencial da presente relação jurídica, até porque a própria R. impugnou tal facto na sua contestação.
6. A convenção relativa ao local de cumprimento só é relevante para efeitos contratuais e, consequentemente, para efeitos de jurisdição, se a obrigação for possível no lugar e meio fixado para o seu cumprimento; não sendo possível o cumprimento no lugar e meio convencionados, os critérios supletivos indicados nos artigos 774.º e 776.º do Código Civil têm de ser aplicáveis.
7. A tese contrária redundaria em abuso de direito e em potencial fraude à lei quanto aos artigos 772.º a 776.º do Código Civil e à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do CPC, nos casos em que o devedor consciente e dolosamente induz o credor em erro num local e meio de pagamento em que sabe que a obrigação não será cumprida, tendo como efeito pernicioso o de subtrair da jurisdição dos Tribunais portugueses casos chocantes como aquele em apreço, o que contrariaria a intenção do legislador.
8. O Tribunal recorrido violou assim o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do CPC, bem como o disposto nos artigos 101.º, 105.º, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea a), e 494.º, n.º 1, alínea a), todos do mesmo diploma legal e, principalmente, o disposto nos artigos 772.º a 776.º do Código Civil dada a sua função de normas adjectivas auxiliares.
9. Caso se entenda que as normas adjectivas auxiliares quanto ao local do cumprimento terão que ser determinadas à luz do direito material aplicável à relação jurídica material controvertida e se conclua, nos termos das normas de direito internacional privado aplicáveis, que o direito material sul-africano é o competente, o local de cumprimento, à luz desse direito, coincide com o território português – Acórdão do Supremo Tribunal de Recursos Sul Africano Horn v Williams and Company 1940 TPD 106 at 112 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Recursos Sul Africano Harrison v Leslie 1915 NPD 648 at 653.
10. De acordo com o princípio da causalidade previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 65.º do CPC, na versão aplicável aos presentes autos, e segundo o entendimento da doutrina e da jurisprudência mais relevantes, os Tribunais portugueses têm competência internacional para prepararem e julgarem uma acção quando essa acção tenha por fonte imediata um acto ou facto jurídico praticado em Portugal, ou quando tenham ocorrido em Portugal alguns factos materiais relevantes e característicos do facto jurídico em que se fundamenta a acção.
11. A causa de pedir do pedido principal consiste, não apenas no contrato celebrado entre as partes, mas igualmente no seu incumprimento e no dano contratual sofrido pelas AA. cujo ressarcimento é peticionado, sendo assim uma causa de pedir complexa.
12. Analisando os pontos de contacto dos diversos elementos integradores da causa de pedir, constata-se que (i) as negociações preliminares à celebração do contrato entre as partes, (ii) o local de cumprimento integral da obrigação das AA. (exercício do mandato), (iii) o local de materialização do efeito jurídico produzido em consequência do exercício do mandato por parte das AA., (iv) o local de cumprimento da contra-prestação da R., (v) o local de recepção da declaração de inadimplemento, e (iv) os factos integradores da obrigação de indemnização, são todos elementos directamente conexionados com Portugal.
13. A finalidade e o objecto do negócio jurídico definidor da relação material controvertida consistiram na prática de actos - jurídicos e não jurídicos – pelas AA. em Portugal tendo em vista a produção de um determinado efeito jurídico em território nacional, em concreto a obtenção das autorizações para a criação em Portugal de um canal de montagem, distribuição, remessa e transporte de helicópteros de Busca e Salvamento para a R. na República da África do Sul e a execução, ainda que por via da acção de terceiros, dos actos materiais respectivos.
14. A liquidação da remuneração total estipulada não era viável com a celebração do contrato, antes pressupunha o seu cumprimento, de onde se retira sem dúvidas que os factos relativos à execução do contrato integram necessariamente a causa de pedir.
15. O acto jurídico visado pela mandante – a R. – foi integralmente materializado por um contrato entre si e a “K”, celebrado e executado em Portugal.
16. Num contrato de mandato, a prestação a cargo do mandatário, o local do exercício do mandato e o local de materialização do efeito jurídico produzido em consequência do exercício do mandato são elementos essenciais do respectivo negócio jurídico, sendo elementos cruciais para a determinação do direito material aplicável à relação material controvertida, designadamente ao abrigo dos artigos 6.º e 9.º da Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação.
17. Os locais de cumprimento e de incumprimento coincidem com a jurisdição portuguesa à luz das normas de direito civil sobre tal matéria a título de normas adjectivas auxiliares, quer ao abrigo dos artigos 772.º a 776.º do Código Civil, quer nos termos da lei material sul-africana.
18. Foi em território nacional português que a Autora “A” recebeu a declaração de inadimplemento, na qual a R., após ter encerrado a conta junto do “Q”, declarou que as AA. deveriam solicitar o pagamento de qualquer compensação à “K” em Portugal.
19. As consequências jurídicas do incumprimento contratual, ou seja os danos emergentes de tal facto, foram sofridos pelas AA. em Portugal através da referida declaração de inadimplemento.
20. Tanto o conteúdo do direito como a sua constituição ficaram dependentes da verificação de factos futuros, o que significa que os factos alegados pelas AA. relativos à execução do contrato são “…factos principais da causa, integrantes da causa de pedir, enquanto acervo dos factos constitutivos do direito de crédito”.
21. Os factos integrantes e constitutivos da obrigação de indemnização peticionada na presente acção tiveram lugar em Portugal, porquanto os danos sofridos consistem na remuneração devida às AA. em contrapartida pela prestação dos serviços e, nos termos contratuais, o cálculo de tais danos depende da quantificação do valor de 10% sobre os bens e serviços que integraram o canal de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento para R., de Portugal para a República da África do Sul.
22. Existe uma manifesta e forte conexão do caso concreto com a ordem jurídica portuguesa e com os tribunais portugueses, que os torna internacionalmente competentes para prepararem e julgarem esta causa – talvez mesmo como nenhuns outros.
 23. O carácter fulcral da verificação da prática dos actos por parte das AA., bem como dos demais actos de execução do contrato que condicionavam o seu direito à remuneração, implica a tal forte conexão entre a presente causa e os tribunais portugueses, que justifica a sua competência para a julgarem
24. Para o Tribunal recorrido todos os elementos integrantes da causa de pedir acima referidos são meros “acto de execução da causa de pedir”, sem qualquer relevância para a caracterização da relação material controvertida e da causa de pedir da presente acção, o que representa uma aplicação da lei em contradição com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 65.º do CPC, na versão aplicável aos autos, bem como redunda numa interpretação restritiva do disposto na norma em apreço qualificada como inadmissível pela doutrina e jurisprudência portuguesas.
25. A causa de pedir de ambos os pedidos subsidiários, em concreto: (i) o empobrecimento das AA. à custa da prestação dos serviços realizados pelas mesmas em Portugal em benefício da R., e da correspondente vantagem patrimonial obtida por esta, no que toca ao enriquecimento sem causa, e (ii) a conduta das AA. de gerirem os interesses da R. nas acções tendentes à criação do aludido canal de montagem e distribuição e o não pagamento àquelas da remuneração devida em contrapartida por esse facto, quanto à gestão de negócios, tiveram por fonte imediata actos e/ou factos praticados em Portugal, sendo os Tribunais portugueses competentes à luz do princípio da causalidade previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 65.º do CPC.
26. Uma vez que ocorreram em Portugal factos materiais relevantes e característicos do facto jurídico em que se fundamenta a acção, quer quanto ao pedido principal, quer quanto aos pedidos subsidiários, o Tribunal recorrido violou assim de forma flagrante o princípio da causalidade previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 65.º do CPC, bem como o disposto nos artigos 101.º, 105.º, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea a), e 494.º, n.º 1, alínea a), todos do mesmo diploma legal, tendo os Tribunais portugueses competência internacional para a preparar e julgar a presente acção.
27. As AA. revêem-se e, por isso, dão por reproduzidas, as conclusões do douto parecer do Professor Doutor Lebre de Freitas.

            A R apresentou contra-alegações, nelas concluindo:
1. Ao presente recurso deve ser aplicado o efeito meramente devolutivo em decorrência da aplicação conjugada das disposições dos Arts. 691.º, n.º 1 e 692.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPC, não podendo ser-lhe fixado outro efeito até porque não foi requerido
nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 692.º, n.º 4 e 692.º-A do mesmo Código.
2. O âmbito do recurso sob resposta está limitado à aplicação do disposto nas als. b) e c) do Art. 65.º do CPC, dado que a interpretação das als. a) e d) do mesmo preceito pelo Tribunal a quo não é posta em crise nas alegações das recorrentes.
3. De acordo com o princípio da coincidência, caso o [tribunal do] lugar interno territorialmente competente para adjudicar o litígio nos termos das disposições dos Arts. 73.º a 89.º do CPC se encontre em Portugal, os Tribunais Portugueses reterão competência internacional para o caso, nos termos e para os efeitos do disposto no Art. 65.º, n.º 1 al. b).
4. Ao cumprimento de obrigações decorrentes de um mandato comercial (ou contrato de mediação/intermediação, subsunção que parece mais acertada), aplica-se o disposto no Art. 74.º, n.º 1 do CPC.
5. A previsão normativa do Art. 74.º, n.º 1 do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida deve ser preenchida de acordo com a lei material aplicável ao negócio.
6. A lei material aplicável ao caso é a lei Sul-Africana, como conclui Maria João Matias Fernandes em douto parecer junto, pela aplicação do disposto nos Arts. 41.º, 1 e 42.º, 2 do CCiv, quer pelo primeiro normativo, pois é para essa lei que a conduta e vontade das partes tal como descrita na petição inicial aponta com força de designação, quer pelo segundo, pois é para esse direito que a norma remete quando se alega que o contrato foi celebrado nas instalações de uma Embaixada de tal Estado.
7. O alegado encerramento da conta bancária aberta no Luxemburgo pela Recorrida não consubstancia, à luz da lei Sul-Africana, a alteração das obrigações assumidas contratualmente, designadamente a alteração do local definido para o cumprimento da obrigação, como ajuíza G T S Eiselen em douto parecer junto.
8. À luz desta lei, a conduta das Recorrentes é consistente com a opção pela exigência do cumprimento do contrato, do pedido de cumprimento do pagamento alegadamente acertado entre as partes.
9. O doc. 22 da PI junto aos autos a fls. não consubstancia qualquer afirmação da Recorrente segundo a qual o lugar de cumprimento da obrigação passaria a ser Portugal após o alegado encerramento da conta no Luxemburgo.
10. Ainda que assim não se entenda, a determinação do sentido e do alcance da impossibilidade de cumprimento alegada pelas Recorrentes para integração do disposto no Art. 74.º, n.º 1 CPC, deve ser feita também a luz da lei Sul-africana.
11. Pois que o lugar onde a obrigação deve ser cumprida deve ser determinado por essa lei na medida em que esta é designada pela norma de conflitos competente e não se trata de uma regra dentro da mesma categoria normativa desta última.
12. No caso em apreço, a prestação contratual não se tornou impossível à luz da lei Sul-Africana, sendo ainda possível o cumprimento no local designado.
13. Caso se aplicasse a lex fori para determinar o local de cumprimento a que se reporta o Art. 74.º, n.º 1, o que não se concede, a situação narrada na petição inicial não consubstancia um caso de impossibilidade de cumprimento no lugar fixado.
14. Acaso, na tese das Recorrentes, a Recorrida tivesse ordenado o fecho da conta bancária aberta no Luxemburgo para o pagamento, sempre esta ou mesmo aquelas directamente a poderiam reabrir e não há notícia de alegação que consubstancie revogação da estipulação do lugar. O que é narrado na petição inicial é uma situação de incumprimento da Recorrida e não uma situação de impossibilidade de cumprimento da prestação no lugar fixado imputável à Recorrida.
15. Por consequência, sob qualquer perspectiva, o lugar de cumprimento de acordo com a alegação das próprias Recorrentes é o Luxemburgo.
16. Mesmo que assim não sucedesse, ou seja, que se admitisse que se teria verificado a impossibilidade de cumprimento no lugar fixado, o que não se admite, não resulta da alegação das Recorrentes na Petição Inicial que as partes tenham elegido Estoril – Portugal como seu domicilio para efeitos do putativo negócio.
17. As Recorrentes apenas fazem referência a esse facto na réplica (73.º), em alegação nula e violadora do Art. 506.º, n.º 2 CPC, porquanto o facto não é nem objectiva nem subjectivamente superveniente ou como tal foi alegado – data de 1987 -, nem decorre de alteração ou ampliação da causa de pedir.
18. Em qualquer caso, as Recorrentes não alegam o direito estrangeiro eventualmente aplicável – Inglês e Panamiano -, de forma que, por força do disposto no Art. 348.º, n.º 1 e 3 CCiv, salvo determinação por este Tribunal do referido direito estrangeiro, deve considerar-se que, nos termos do Art. 12.º, 3 do CSC, uma sociedade apenas pode estipular um domicílio particular [diverso da sua sede] para determinados negócios se essa estipulação constar, expressamente, do contrato de sociedade, o que não foi alegado.
19. Em vista das conclusões que antecedem, a presente acção não deveria ter sido proposta em Portugal à luz das regras de competência territorial interna, pelo que não tem aplicação ao caso sub-judice a al. b) do n.º 1 do Art. 65.º do CPC, como doutamente decidido pelo Tribunal a quo.
20. Nos termos do Art. 65.º, n.º 1, alínea c) do CPC, os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes nos casos em que for “praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou alguns dos factos que a integram”.
21. O douto Despacho Saneador Sentença Proferido considerou que o facto jurídico donde emerge o direito que as Recorrentes se arrogam é o alegado contrato de mediação e este foi celebrado na embaixada da África do Sul em Paris.
22. A doutrina portuguesa tem vindo a adotar diversas noções de causa de pedir.
23. Nem todos os factos necessários para a procedência da ação integram a causa de pedir, o que se extrai do confronto dos n.ºs 1, 2 e 3 do Art. 264.º do CPC.
24. A causa de pedir é constituída apenas pelo núcleo fáctico bastante para individualizar o pedido do autor. São os factos essenciais da ação.
25. A orientação consagrada no direito português é a da denominada teoria da individualização aperfeiçoada, como defendido pelo Ilustre Professor Miguel Teixeira de Sousa em parecer junto.
26. A jurisprudência referida nas alegações das Recorrentes versa exclusivamente sobre causas de pedir complexas, o que não ocorre nos presentes autos nos quais a causa de pedir é simples.
27. Para recortar dentro dos factos alegados pelas Recorrentes necessários à procedência da acção aqueles que individualizam o pedido do autor e, por consequência, integram a causa de pedir, deve atender-se ao disposto no Art. 193.º, n.º 2 al. a) e verificar quais factos compreendidos no primeiro grupo que não podem deixar de ser alegados sob pena de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.
28. Os serviços alegadamente acordados e executados em Portugal no âmbito do aludido contrato constituem factos complementares ou concretizadores do facto essencial – o próprio contrato de mediação alegado pelas Recorrentes – e, como tal, são insusceptíveis de compor a causa de pedir, devendo considerar-se incluídos no leque a que respeita o n.º 3 do Art. 264.º CPC por força do disposto no Art. 193.º, n.º 2, al. a) do mesmo Código.
29. O contrato alegado é o facto jurídico qualificado que resulta da aplicação do disposto no Art. 498.º, n.º 4 do CPC e que constitui a causa de pedir nos autos pois é dele que emergiria (se existisse) o direito de que se arrogam titulares as Recorrentes.
30. Por consequência, a alegada prestação desses serviços em Portugal, não integrando a causa de pedir, não serve em ordem a integrar o disposto no Art. 65.º, n.º 1, al. c) do CPC, não conferindo competência internacional aos Tribunais Portugueses.
31. Ainda que assim não fosse, o que se não concede, decorre do brocardo forum non conveniens que o princípio da causalidade não pode propiciar resultados desrazoáveis ou inconvenientes que conduzissem à atribuição de uma competênciaexorbitante aos Tribunas Portugueses, o que tem sido acolhido por jurisprudência nacional relevante.
32. A limitação da competência deve ser determinada em vista dos vários elementos da causa, nomeadamente, a residência das partes, localização das provas e das testemunhas, o direito substantivo aplicável ao caso, a efetividade de acesso à justiça nos sistemas judiciais alternativos, as regras imperativas de interesse público.
33. Com base na alegada falta de pagamento da comissão, as Recorrentes instauraram previamente ações na África do Sul contra a Recorrida, em Março de 1993, da qual desistiram por falta de provas suficientes que poderiam resultar na perda do caso (cfr. artigo 277.º da petição inicial) e contra a “E”, no Tribunal de Bobigny em França, julgada improcedente em Outubro de 1996.
34. A interpretação de causa de pedir e do princípio da causalidade defendida pelas Recorrentes e que se repudia equivale a provocar um resultado desrazoável, sancionando o forum shopping das autores, e não pode ser admitido, como sustenta o ilustre Professor Rui Gonçalves Pinto em parecer junto.
35. A causa de pedir dos pedidos subsidiários é irrelevante para efeitos de determinação da competência internacional dos Tribunais Portugueses.
36. Os pedidos subsidiários só são atendidos se o pedido principal não for julgado procedente e não no caso de absolvição de instância quanto ao pedido principal por falta de pressuposto processual, como defendem os ilustres Professores Miguel Teixeira de Sousa e Rui Gonçalves Pinto nos pareceres juntos.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            III – Os factos a ter em consideração para o conhecimento do recurso são os referidos no relatório deste acórdão como tendo sido alegados na petição e na réplica. 

            IV - O objecto do recurso consiste em saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o conhecimento da presente acção à luz do disposto na al b) (1) , ou no disposto na al  c), do art 65º CPC (2),  na versão aplicável aos autos.

Não está em questão no recurso a mais excludente das excepções com que a R. se defendeu, que foi a de imunidade de jurisdição, pelo simples motivo de que essa excepção não foi apreciada no despacho recorrido.

Vista a data da interposição da acção – 13/3/2008 - a redacção do art 65º CPC que nela importa é a anterior à que lhe foi conferida pelo art 160º da L 52/2008 de 28/8, e por isso a resultante dos DL 325-A/95 de 12/12  e DL 38/2003 de 8/3,  em função do princípio da “perpetuatio jurisdictionis” (art 18º da LOTJ -L 38/87 de 3/12- e 24º/1 da L 52/2008), segundo o qual  a competência se  fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito ocorridas posteriormente.
Sem que se esqueça, no entanto, que a lei nova, no aspecto em referência,  tem aplicação imediata à acção pendente, o que implica que se o tribunal fosse internacionalmente incompetente à luz da lei vigente à data da interposição da acção,  mas a lei nova lhe atribuísse  a competência de que inicialmente carecia, passaria a ser competente, o que bem se compreende em função do princípio da economia processual, pois que se o tribunal a que a causa estava afecta se julgasse incompetente por aplicação da lei antiga  absolvendo o R. da instância, poderia de seguida o autor propô-la de novo no mesmo tribunal ao abrigo da lei nova.
Na situação em causa nos autos a aplicação imediata da lei nova – referida L 52/2008, cuja entrada em vigor é, aliás, controversa [1] - mostrar-se-ia inconsequente, na medida em que a mesma apenas retirou como critérios aferidores da competência internacional o do domicilio do demandado e o da causalidade, respectivamente constantes  da al a) e c) do art 65º, mas não introduziu quaisquer outros que a redacção anterior não comportasse [2].

Aos tribunais portugueses cabe aferir da sua própria competência internacional, na medida em que a aplicação no espaço de normas processuais se rege, em termos tradicionais, pelo princípio da territorialidade.
Deste modo, a competência jurisdicional é regulada pela lei vigente no Estado do foro.
E deve ter-se por lei vigente a este respeito, não apenas as normas concernentes a essa matéria constantes do CPC - arts 61º, 65º, 65º-A e, quanto  à competência voluntária, o art 99º -  mas também as constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas no jornal oficial, enquanto vincularem internacionalmente o Estado português, que, aliás, nos termos do art 8º da Constituição República Portuguesa, prevalecem sobre aquelas.

A circunstância do conjunto das normas de competência internacional ser integrado por normas europeias -  como resulta, desde logo, do art 65º/1 CPC, onde se refere «sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários ….» - não pode deixar a que se pondere se, na situação em causa nos autos se mostrará aplicável o Regulamento 44/2001 do Conselho de 22/12/2000 – que substituiu entre os Estados Membros as Convenções de Bruxelas e de Lugano – cfr seu art 68º/1 – e que disciplina entre os Estados comunitários, a competência judiciária, o reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial.
A sua aplicabilidade à situação dos autos, resulta, no entanto, afastada, na medida em que a R. não está domiciliada no território de nenhum dos Estados membros (art 4º) e a matéria dos autos não se subsume ao art 22º do Regulamento.
Tão pouco se coloca a hipótese da aplicabilidade da Convenção de Haia de 14 de Março 1978 sobre a Lei aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação, ou da Convenção de Roma de 19 de Junho 1980, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, ou do Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/7/2008 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (“Roma I”), atento o âmbito temporal de todos estes instrumentos internacionais [3].
Por último, não se verifica a existência de acordos bilaterais entre Portugal e a África do Sul.

Aliás, as partes estão de acordo que é em função do disposto no art 65º CPC que há que decidir a competência internacional dos tribunais portugueses para a presente acção, não sendo caso de aplicação do disposto no art 99º, por não ter existido entre as partes qualquer pacto de jurisdição, e tão pouco de aplicação do disposto no art 65º-A, por não estar em causa na situação dos autos nenhuma da matérias em função das quais é estabelecida nesse preceito a competência exclusiva dos tribunais portugueses.

Importa ainda, para melhor circunscrever a situação em recurso, fazer notar que, dos critérios constantes da já referida redacção do art 65º (ditos do domicilio, da coincidência, da causalidade, da reciprocidade e da necessidade [4])  - qualquer deles bastante por si só para assegurar a competência internacional, como resulta do disposto no art 61º CPC -  não estão em discussão, senão, o da coincidência e o da causalidade.   

Deverá ainda relembrar-se que o ponto de referência na aferição da competência internacional – enquanto pressuposto processual que a mesma representa – é o objecto do processo na configuração que o autor lhe imprimiu, como tem sido posto em evidência pela doutrina e jurisprudência.
Consequentemente, essa aferição haverá de fazer-se em função do pedido formulado e da respectiva causa de pedir.

Cabendo desde já referir – no esforço de circunscrição das questões a apreciar que neste momento se pretende – que, tendo o autor recorrido à figura da subsidiariedade no que respeita às causas de pedir – constituindo causa de pedir principal o contrato (que as AA qualificam de mandato comercial, e a R. de mediação) e o seu incumprimento, e, causa de pedir subsidiária “primária”, o enriquecimento sem causa da R., em função do valor dos serviços que as AA. lhe prestaram, e causa de pedir secundária, a actuação comercial das AA. como gestoras de negócios da R. no Projecto “D” - a aferição do pressuposto processual em análise, da competência internacional dos tribunais portugueses, se tem de fazer apenas em função da causa de pedir  principal, irrelevando para o efeito as subsidiárias.
È que a subsidiariedade – de pedidos ou de causas de pedir para o mesmo pedido – implica um juízo de improcedência, e por isso de mérito: o  tribunal só pode tomar em consideração o pedido suportado por causa de pedir subsidiária no caso de não proceder o pedido suportado pela causa de pedir anterior (como decorre, directamente para a causa de pedir subsidiária do  art 269º CPC). 
Mas, só pode formular juízos de mérito quando seja competente internacionalmente.
O que significa que se o não for para o pedido principal – ou para o pedido suportado pela causa de pedir principal – necessariamente que o não será para mais nenhum dos pedidos ou causas de pedir, pois que não está em condições de poder emitir uma sentença de mérito [5].
Por outro lado, será sempre em função do pedido principal, ou do pedido  suportado pela  causa de pedir principal, que o autor deverá propor a acção, como decorre do art 87º/2 do CPC que determina que «a acção deve ser proposta no tribunal competente para a apreciação do pedido principal».
Daqui resulta que «os tribunais portugueses internacionalmente competentes para o pedido principal são também competentes para os pedidos subsidiários» [6], não podendo igualmente deixar de resultar que  os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para o pedido principal, são também incompetentes para os pedidos subsidiários.

No que toca às relações entre o Direito aplicável e a competência internacional, pode ser questionado «se, da competência dos tribunais de um Estado deve decorrer a aplicabilidade do seu Direito material, ou se inversamente, a aplicabilidade do direito material de um Estado deve constituir fundamento da competência internacional dos seus tribunais» [7]
«No caso de dependência do Direito aplicável relativamente à competência internacional, o tribunal ou autoridade administrativa que for internacionalmente competente aplicará sempre a lex fori. È o que se verifica nos sistemas do Commom Law, com a maioria das questões relativas a divórcio e separação, tutela de menores adopção e obrigações alimentares para com cônjuges e filho[8] .
Entre nós, constitui orientação tradicional a de que a regulamentação da competência internacional se processa em termos de autonomia relativamente  à regulamentação dos conflitos de leis.
Desde logo porque a competência internacional surge como pressuposto da aplicabilidade do Direito de Conflitos pelos órgãos públicos [9], o que significa que perante uma situação plurilocalizada (também dita internacional ou transnacinal)  que reclame a apreciação jurisdicional a determinação do tribunal internacionalmente competente precede a questão de saber qual a sua lei reguladora, pois que será ao sistema de regras  de conflito do Estado do foro – e depois de afirmada a sua competência internacional – que há que recorrer para a resolver.

1 - Feitas estas considerações gerais, atente-se, em primeiro lugar, no art 65º/1 al b) CPC.
 Refere-se aí que a competência dos tribunais portugueses depende de «dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência territorial estabelecidas nas leis portuguesas».
Por força deste princípio os tribunais portugueses podem conhecer das acções que devam ser propostas em Portugal de acordo com as regras da competência territorial estabelecidas pela lei portuguesa.
Trata-se de uma norma de reenvio intra-sistemático. [10]
 Lima Pinheiro defende o critério em causa, referindo[11]: «O fundamento do critério da coincidência parece estar na presunção de que os elementos de conexão utilizados para estabelecer a competência territorial traduzem um laço suficientemente forte entre a causa e o Estado português para fundamentar a competência internacional dos seus tribunais. Estes elementos de conexão são geralmente expressão do princípio de proximidade relativamente às partes e às provas, que é um principio comum à competência territorial e à competência internacional: por isso, os elementos de conexão da competência territorial também conduzem na maior parte dos casos a resultados adequados para a competência internacional».

Ora, um dos critérios especiais de atribuição de competência territorial é o que consta do art 74º/1 CPC cujo nº 1 – na redacção dada pela L 14/2006 de 26/4 - refere que «a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicilio do R., podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida , quando o R. seja pessoa colectiva…»
Estando em causa na situação dos autos a indemnização pelo não cumprimento de uma obrigação, será essa a regra de competência territorial a que se deverá recorrer.

 Sucede que nessa norma – que, quando relacionada com a da al b) do nº 1 do art 65º funciona, como se constata, como norma de competência internacional [12] - bem como, aliás, nas demais de competência internacional, e, à semelhança do que ocorre com as próprias normas de conflito, utilizam-se conceitos técnico jurídicos nos critérios de conexão para que apelam.
«Coloca-se então o problema de saber como se procede à qualificação desses elementos de conexão, sendo duas as orientações possíveis: de acordo com uma delas, esses elementos são qualificados pela lex fori, isto é, pela lei do Estado em que a acção está pendente; segundo uma outra orientação, esses elementos devem ser qualificados pela lex causae, ou seja, por uma lei que é determinada pelas normas de conflitos do foro».[13]
Os conceitos técnico jurídicos da norma do art 74º/1 a cuja qualificação há que proceder, no que à situação dos autos se refere, são o do “domicílio do réu” e o do  “lugar de cumprimento da obrigação”.
A questão é, pois, a de saber, se se há-de recorrer às normas de conflitos para, em função delas, se aceder ao sistema jurídico material que nos permitirá determinar o sentido a conferir aos referidos critérios de conexão, ou se tal sentido se deverá obter  directamente através do direito material português.

Não se procurará aqui tomar posição nesta delicada questão, desde logo porque a solução final a respeito da competência dos tribunais portugueses, como desde já se adianta, resultará assegurada pelo princípio da causalidade.

Limitar-nos-emos a ensaiar as duas vias acima referidas para se tentar alcançar o conteúdo material daqueles conceitos, “maxime” o do lugar do cumprimento da obrigação, num primeiro passo (A), tentando qualifica-lo à luz da lex causae, ou seja, pelo recurso antecedente às normas de conflitos do foro, e, seguidamente (B), pela lex fori, quer dizer, directamente através do nosso direito material.

A - A qualificação dos conceitos técnico jurídicos utilizados nas normas de competência pela lex causae, obriga a algumas considerações preliminares sobre o procedimento e as cautelas a adoptar, recorrendo-se para esse  efeito a Lima Pinheiro [14], que adverte que a questão da qualificação desses conceitos, sendo comum à que se coloca relativamente às normas de conflito de leis - também elas, como é sabido, utilizadoras desses conceitos técnico jurídicos [15] -  implica três momentos: interpretação dos conceitos que delimitam a previsão; a delimitação do objecto; e a recondução da matéria ao conceito utilizado na previsão da norma (qualificação em sentido estrito).
E refere, especificamente quanto à qualificação das normas de competência internacional [16]: «Se o Direito interno oferece uma definição do conceito relevante para as normas de competência internacional esta definição tem de ser respeitada – é o que se verifica com a definição de domicílio da pessoa colectiva – art 65º/2 CPC.
 Na falta de uma definição ad hoc, na determinação do sentido e alcance dos conceitos técnico jurídicos utilizados, quer para delimitar a previsão, quer para designar o elemento de conexão, há que partir do direito material interno, do conteúdo aí atribuído, por ex a obrigações, direitos reais, domicílio, lugar do cumprimento etc. À semelhança do que se verifica com o Direito de Conflitos, esta interpretação é ancorada no Direito material interno, mas autónoma, por forma a atender à especialidade do Direito da Competência Internacional. Daí decorre que se possa atribuir a estes conceitos em sentido e alcance diferente do dos conceitos homólogos do Direito material interno: no que toca aos conceitos utilizados para delimitar a previsão, esta diferença traduzir-se-á normalmente numa maior indeterminação, o que lhes dá uma maior abertura a realidades jurídicas estrangeiras.
 (…) a segunda operação consiste na delimitação do objecto. Como a previsão das normas de competência internacional utiliza conceitos técnico jurídicos (por ex “obrigação”.,“direitos reais”), a delimitação exige uma caracterização jurídica. A caracterização incide sobre a relação controvertida e consiste na determinação da relevância jurídica desta relação. A caracterização tem de fazer-se, em principio, perante a lei competente segundo o Direito de conflitos português (...)
A última palavra sobre a qualificação do objecto deve ser proferida segundo o critério de qualificação do sistema português de competência internacional. Este critério de qualificação é definido com base na estrutura e nas finalidades prosseguidas pelo Direito da Competência internacional português  (…»)
E acrescenta, distinguindo: «Nas normas de competência internacional de fonte interna só está geralmente em causa o domicílio do Estado do foro e a nacionalidade do Estado do foro. Por isso, a nacionalidade e o domicílio estabelecem-se com base no Direito do Estado do foro (…).
 Os elementos de conexão que consistam em consequências jurídicas abrangidas pelo âmbito de aplicação das normas de conflito (…) são, em princípio, de concretizar “lege causa”, isto é, segundo o Direito competente. Assim, o lugar do cumprimento deve ser determinado à face da lei reguladora da obrigação segundo o Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica portuguesa. A tese contrária, segundo a qual se deveria aplicar sempre o Direito material do foro não é de seguir, porque contribuiria para casos de concurso de competências e de falta de jurisdição competente entre Estados que adoptam regras semelhantes».

Utilizando “grosso modo” estes ensinamentos, no que respeita ao elemento de conexão utilizado no referido art 74º/1, “domicilio do Réu”: «porque o direito interno define o domicílio no caso de pessoa colectiva, fazendo-o no art 65º/2, é essa definição que importará para o efeito do art 74º: assim, considerar-se-á domiciliado em Portugal a pessoa colectiva cuja sede estatutária ou efectiva se localize em território português, ou que aqui tenha sucursal, agencia, filial ou delegação».
Como a R. não está em nenhuma destas situações – a R. tem sede na África do Sul - a competência internacional dos tribunais portugueses não poderá advir desse elemento de conexão.

Quanto ao do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida [17], como já se viu, deve ser determinado à face da lei reguladora da obrigação segundo o Direito de Conflitos vigente na ordem jurídica portuguesa.
O que nos remete para a disciplina dos arts 41º e 42º CC, ambos referentes à lei reguladora das obrigações provenientes de negócios jurídicos, havendo num primeiro plano – correspondente ao conteúdo do art 41º - que averiguar se os sujeitos do negócio que esteja em causa designaram expressa, ou tacitamente, uma determinada lei material para a regulação do mesmo, ou se, em todo o caso, “tiveram em vista” uma determinada lei para esse efeito – sendo que, num caso e noutro, tal lei tem de corresponder a um «interesse sério dos declarantes», ou estar «em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do Direito Internacional Privado», segundo o nº 2 dessa norma; sendo que, e quando tal não tenha sucedido, se atenderá, nos contratos, à lei da residência comum das partes – nº 1 do art 43º - e na falta desta, nos contratos não gratuitos, como é o caso do dos autos,  à lei do lugar da celebração – nº 2 do art 43º.
O art 41ºconstitui manifestação do principio da autonomia da vontade das partes, também válido em Direito Internacional Privado pelas mesmas razões do que no Direito Privado – auto determinação, certeza, previsibilidade e facilidade para as partes na determinação da disciplina material do caso. Vantagens cujo peso implica que ao lado da escolha expressa pelas partes da lei aplicável - aquela que  se mostre vertida em disposição negocial – se admita a escolha tácita – havendo esta, para se ter por existente, que ser inferível das particulares circunstâncias do negócio concreto, estando paredes meias (tanto quanto parece) com a lei que as partes “tenham tido em vista”, estando aqui em causa representações convergentes de ambas, que se verificarão quando tiverem contratado na suposição comum da aplicabilidade de uma determinada lei material.

Na situação dos autos, não houve escolha expressa da lei reguladora do contrato, mas, tal como o analisa a Professora Mª João Matias Fernandes no parecer junto aos autos, serão três as razões que na sua confluência levam a concluir ter sido vontade convergente de ambas as partes a escolha da lei da República da Africa do Sul para regular o contrato.
Assim, e desde logo, a particular natureza da R., que é uma sociedade de capitais públicos e que tem por objecto a aquisição, em nome e por conta do governo da África do Sul e demais instituições públicas, de material civil e militar, bem como a prestação de serviços associados às instituições sob a dependência do Ministério da Defesa do Governo do referido país, o que torna pouco razoável (“remota” na expressão utilizada no parecer) a sua submissão voluntária ao direito de um Estado estrangeiro; depois, o lugar onde o contrato acabou por ser celebrado: as instalações da Embaixada da Africa do Sul em Paris; finalmente, a circunstância de na acção que correu termos na Africa do Sul proposta pelas AA. contra a aqui R., e em que aquelas desistiram da instância, não terem elas invocado a aplicação de direito estrangeiro [18].
Por outro lado, a designação da lei da Republica da África do Sul mostra-se válida à luz do nº 2 do art 41º, por ser manifesta a conexão desta lei com elementos do negócio - em que avulta o lugar da sede da R., mas também o lugar da celebração do contrato.

 Mesmo que se entendesse que as partes não haviam procedido à designação da lei da República da África do Sul como aplicável ao contrato e que nem sequer a “teriam tido em vista”, a verdade é que, não sendo comum a residência habitual das partes e estando em causa contrato não gratuito, sempre a lei aplicável ao mesmo se haveria de entender - agora à luz da parte final do  nº 2 do art 42º - ser a da República da África do Sul, por ser a lei do lugar da celebração do contrato, visto que é, tanto quanto se conhece,pacífico que no interior de uma embaixada tem lugar a aplicação do direito do Estado acreditante. [19]

A conclusão antecedente obriga, em consequência, a que se conheça qual seria, à luz do direito material sul africano, o lugar em que a obrigação emergente do contrato havido entre as partes devia ser cumprida por força do já referido nº 1 do art 74º CPC.
O que significa que, havendo que recorrer a direito estrangeiro, seria à parte que o invocasse que caberia fazer a prova da sua existência e conteúdo, sem prejuízo do tribunal dever obter oficiosamente o respectivo conhecimento, nos termos do art 348º/1 CC.
No aspecto em apreço, quem invocou o direito sul africano foi a R.
È sabido que no sistema da “Commom Law”  - no qual se integra a República da África do Sul - vigora o costume, o precedente judicial e a elaboração doutrinal como suporte deste.
Num sistema deste tipo -  a que se opõe um direito como ao que estamos habituados, codificado, dito “civil law” ou “code civil”  -a prova do direito estrangeiro só pode fazer-se através da junção de decisões judiciais e apreciações doutrinárias a respeito das mesmas.
 
A R. juntou com as alegações do presente recurso um parecer do Professor GTS Elselen (fls 6062) que nele faz apelo a várias decisões da jurisprudência sul africana e à respectiva apreciação por académicos e que, nas considerações que se farão de seguida, se seguirá de perto.
Resulta desse parecer que também no Direito dos Contratos da Africa do Sul é reconhecido o principio da liberdade contratual no que se refere à estipulação pelas partes do local de pagamento, daí resultando que «uma cláusula expressa ou tácita especificando o local de pagamento tenha de ser devidamente respeitada», mencionando-se  a este respeito o  processo Venter v Venter 1949 (1) SA 768 (A) 775-776, que, segundo refere o autor do parecer, é de assumir como “processo de referência” sobre a questão em apreço, devendo concluir-se que as regras supletivas sobre o local de cumprimento apenas se aplicam nos casos em que as partes não tiverem chegado a um acordo expresso ou tácito sobre o local de cumprimento. Mais refere o autor em causa que a «conduta da R. ao encerrar a conta bancária no Luxemburgo consistiria num incumprimento do contrato», «adequadamente classificado como repúdio ou incumprimento antecipado», referindo  que «a acção unilateral da R. ao fechar a conta bancária não pode unilateralmente alterar as suas obrigações de efectuar o pagamento no local acordado, excepto se isso se tiver tornado impossível». E acrescenta que «uma obrigação, nos termos do Direito da África do Sul, apenas se torna impossível se for objectivamente impossível, ou seja, totalmente incapaz de ser executada por qualquer pessoa ou de forma legal. A impossibilidade subjectiva é insuficiente para constituir uma impossibilidade para os efeitos de anular a obrigação ou de influenciar as condições contratuais», concluindo: «Neste processo, o suposto incumprimento da R. não se tornou impossível. Ainda pode ser executado, ainda que possa mais uma vez exigir a colaboração das AA. através da abertura da conta bancária. Objectivamente falando, o cumprimento ainda é possível e o acordo não foi afectado».

A serem válidas e suficientes estas considerações para resultar alegado e provado o Direito Sul Africano no aspecto em referência – o que não nos parece -  não faria sentido apelar, como o fazem as AA. nas alegações, para o princípio vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Recursos Sul Africano  Harrison v Leslie 1915 NPD 648 at 653 (cf. documentos nº 4 com a Réplica, cuja tradução certificada se encontra a fls. dos autos) referente aos contratos de prestação de serviços, (nos quais se incluem, quer o contrato de mandato, quer o de agência ou intermediação), segundo o qual a remuneração emergente desses contratos, quando não deva ser paga de imediato após a execução dos serviços a que respeitam, o deve ser no local do estabelecimento do prestador de serviços.
Pois que, só pode interessar saber em que local deve ser paga a remuneração nos contratos de prestação de serviços segundo o direito material sul africano, quando, anteriormente, se saiba o valor da fixação do local de cumprimento nestes contratos e o que sucede, à luz desse direito, quando deixe de ser possível o cumprimento nesse local,  questão que, verdadeiramente, a alegação e prova do direito estrangeiro a que  a apelada procedeu, deixou sem resposta.

Isto significa que não se tem este tribunal suficientemente habilitado a respeito do direito sul africano no que concerne à questão acima enunciada, o que implicaria – se, por modo diverso, não se alcançasse a competência internacional dos tribunais portugueses, como se entende que se alcança – que melhores indagações fossem feitas a esse propósito, sem que se pudesse concluir desde já pela (in)competencia internacional dos tribunais portugueses na qualificação que se tentou fazer do lugar do cumprimento da obrigação no âmbito daquele direito.

B - Abandonando esta via e qualificando o conceito técnico jurídico em referência  directamente à luz do nosso direito interno, recorrer-se-ia de imediato  às normas que no nosso Código Civil regem a respeito do lugar do cumprimento das obrigações, consequentemente, às dos arts 772º a 776º CC.  
O que decorre destes preceitos, com interesse para a situação dos autos é, em primeiro lugar, que «em obediência ao princípio fundamental da pontualidade»,[20] «a prestação deve ser efectuada no lugar estipulado pelas partes ou fixado pela lei para o cumprimento».
Mas sem esquecer que o lugar em que a prestação deve ser cumprida pode resultar, antes de mais, da sua própria natureza (v g obrigação de pintar uma certa casa), bem como pode resultar de disposição imperativa da lei, quer dizer, resultar imposto pela lei de forma a não poderem as partes dispor de modo diferente [21]
Não sendo esses os casos, é conferido às partes a possibilidade de fixarem o lugar da prestação, podendo fazê-lo por declaração expressa ou tácita (arts 219º e 217º).
Por assim ser, estando em causa uma obrigação pecuniária, existindo estipulação pelas partes relativamente ao lugar de cumprimento, essa estipulação sobrepor-se-á ao critério que resulta da disposição legal - especial  - a respeito do lugar do cumprimento nessas obrigações e que resulta do art 774º [22], pelo que, só, e quando, as partes nada estipulem a respeito do lugar de cumprimento nessas obrigações, é que esse lugar corresponderá ao do domicilio do credor (dessa prestação, obviamente), ao tempo do cumprimento.

Na situação dos autos, durante vários anos nada foi estipulado a respeito do lugar do cumprimento. Estava assente desde Julho de 1987 que às AA. seria devida uma contrapartida pela realização dos serviços a que se obrigaram para com a R., correspondente a 10% do valor bruto de todos os bens e serviços integrantes do “Projecto “D””, a qual seria paga proporcionalmente à medida que tais bens e serviços fossem entregues e prestados, mas nada se referiu a respeito do lugar do pagamento. Porém, numa determinada altura da – longa -  relação contratual havida entre as partes, foi fixado como forma - e lugar - do cumprimento, o depósito em conta bancária da 1ª A. no banco “Q” com sede no … Luxemburgo. E para possibilitar ao devedor dessa contrapartida o respectivo cumprimento, “G”, em representação dessa A., deslocou-se ao Luxemburgo para abrir conta nessa instituição bancária.
 Essa específica conta bancária passou a ser o lugar do cumprimento da comissão devida às AA.
Mas tal obrigação de pagamento não foi aí cumprida, como o não foi em lado, e tempo algum, vindo a conta em causa a ser encerrada sem autorização da A., sua titular, do que as AA. vieram a saber tempos depois. Tornando-se-lhes claro que o cumprimento da prestação em causa não viria a ter lugar pela carta que a R. lhes enviou em 17/7/91, recusando o pagamento em causa e devolvendo-o à “K”.

Destes factos resulta que a R. se constituiu em mora relativamente ao pagamento da comissão, pelo menos no momento em que encerrou a referida conta, e que tal mora se converteu em incumprimento definitivo, quando, de modo claro e inequívoco, se recusou a proceder ao pagamento em questão.

Neste quadro factico e jurídico, fará sentido fazer intervir a disciplina do art        776º CC, para, a partir dela, se entender  que passou a ser válido o regime do art 774º,  segundo o qual a prestação nas obrigações pecuniárias deve ser efectuada no lugar do domicilio que o credor tiver ao tempo do cumprimento?
Dispõe o art 776º sob a epígrafe “Impossibilidade da prestação no lugar fixado”: «Quando a prestação for ou se tornar impossível no lugar fixado para o cumprimento e não houver fundamento para considerar a obrigação nula ou extinta, são aplicáveis as regras supletivas dos arts 772º a 774º».
A previsão desta norma prende-se com o reflexo na possibilidade (jurídica) da prestação, da impossibilidade material da mesma ser cumprida no lugar estipulado.
De tal modo que, das duas uma: ou a impossibilidade material de cumprimento da prestação no lugar fixado determina a impossibilidade jurídica de cumprimento dessa prestação, ou não.
Quando determine, de novo, das duas uma: se essa impossibilidade material já se verificava à data da constituição da obrigação, esta é necessária e originariamente nula nos termos do art 280º/1 CC; se essa impossibilidade material é superveniente e não procede de causa imputável ao devedor [23], o vínculo obrigacional extingue-se, nos termos do art  790º CC.
 Se a impossibilidade material de cumprimento da prestação no lugar fixado não determina a impossibilidade jurídica de cumprimento dessa prestação – porque não a torna nula ou extinta, nos termos acima expostos -  então - continuando o cumprimento da prestação a ser possível fora do lugar fixado, recorrer-se-á às disposições supletivas que a lei consagra sobre o lugar da prestação – arts 772º a 774º CC.
Donde se conclui que o ponto de partida da norma em causa é sempre o da   impossibilidade material da prestação ser cumprida no lugar estipulado.
 
Ora, na situação dos autos, salvo melhor opinião, o encerramento da específica conta onde deveria ocorrer o pagamento da comissão implicou a impossibilidade material do cumprimento da prestação no lugar fixado, mantendo-se, no entanto, juridicamente possível o cumprimento da obrigação.
È que, ainda que se pudesse, evidentemente, abrir nova conta no mesmo banco,  tal conta já não seria a mesma, e mesmo que fosse possível “reabrir” a conta encerrada,  essa (re)abertura exigiria novo consenso das partes a respeito do lugar do cumprimento, fazendo caducar o primeiro.
Ora, se depois do encerramento da conta a R. pretendesse por fim à mora, não obtendo o consenso das AA. para a (re)abertura da (nova) conta, só o poderia fazer no domicilio das AA., como decorre do art 774º CC.
O que significa que, tornando-se materialmente impossível o cumprimento da  prestação no lugar fixado, mas ficando a dever-se essa impossibilidade material a causa imputável ao devedor, o lugar do cumprimento da prestação - que juridicamente continua possível - tem de encontrar-se pelo recurso às  regras supletivas dos arts 772º a 774º.
Este o sentido do art 776ºCC.

 Assiste pois razão às apelantes, quando referem que o lugar do cumprimento da comissão (naturalmente, que antes do incumprimento definitivo que a interposição da acção pressupõe, pois que, depois que o cumprimento passa a definitivo, por definição, deixa de fazer sentido falar de lugar de cumprimento) deixou de ser no Luxemburgo  e passou a sê-lo no lugar do respectivo domicilio.

E estamos caídos em novo conceito técnico jurídico utilizado em norma também ela chamada a definir a competência internacional com as dificuldades acima referidas, minimizadas, no entanto, em função da circunstância, que Lima Pinheiro evidencia [24], de que nas normas de competência internacional de fonte interna só está geralmente em causa o domicilio do Estado do foro, e por isso, o domicilio se estabelece com base no Direito do Estado do foro .

Estando em causa pessoas colectivas poder-se-ia pensar em utilizar a definição de domicilio constante do art 65º/2 CC.
Sucede que esta definição nos seus próprios termos - porque aí se refere «para os efeitos da al a) do número anterior» - só pode ser válida para o domicilio do R.
Excluída essa definição, e estando em causa sociedade, haverá que recorrer ao art 12º/3 do C Com. segundo a qual «a sede da sociedade constitui o seu domicilio», acrescentando, no entanto, tal norma, «sem prejuízo de no contrato se estipular domicilio particular para determinados negócios».

As AA. apelantes introduziram na réplica (art 73º) um facto não alegado na petição inicial, por força do qual sustentam que se deverá entender que o seu domicilio para efeitos do contrato em causa nos autos, se situa no Apartado 175 2766 Estoril Portugal,  alegando  que «à data dos factos e para efeitos comerciais em Portugal, as AA. elegeram como domicilio o seu estabelecimento sito no Apartado …, …l, Portugal, local de onde as AA. e a R. trocaram comunicações escritas e orais relativas à execução do mandato concedido por esta última às AA., e onde estas centraram todas as actividades tendentes à abertura do Canal Português» .

A referência no citado nº 3 do art 12º C. Com. à possibilidade da sociedade poder “no contrato” «estipular domicilio particular para determinados negócios» mostra-se equívoca, pois fica-se sem saber se o “contrato” aí aludido é o próprio contrato de sociedade ou, se se pretenderá admitir que a estipulação de domicilio para determinados negócios possa constituir uma mera menção negocial. Assim, refere Coutinho de Abreu [25]: «Não é absolutamente claro se a formulação do art 12º/3 tem em vista limitar o domicilio electivo apenas aos casos em que ele é previsto no contrato de sociedade, ou antes pretende fixar que mesmo no contrato ele é (já, desde logo) possível, não pondo em causa a regra legal sobre a determinação da sede».
Uma coisa é certa: «Trata-se (aí) de fazer uso da possibilidade reconhecida em geral no direito civil de fixar domiíilio electivo – cfr art 84 CC».
E a respeito deste, dispõe esta norma que «é permitido estipular domiíilio particular para determinados negócios, contando que a estipulação seja reduzida a escrito».
Comentam este normativo Pires de Lima/Antunes Varela [26]: «É por uma questão de certeza das relações jurídicas que a lei exige a redução a escrito da estipulação».

Independentemente da questão de saber se o facto alegado no referido art 73º   da réplica se poderia ter como processualmente admissível - porque, respeitando como respeita, a um pressuposto processual, o lugar da sua alegação deveria ser a petição inicial, visto que não está em causa qualquer superveniência objectiva ou subjectiva que legitimasse a sua alegação no articulado posterior, nos ternos do art 506º/1 CPC - a verdade é que dessa alegação não resulta que tenha ficado reduzido a escrito – sequer no contrato que terá ligado ambas as partes, designadamente no memorando a que as AA. aludem no art 161º da petição - que o  domicilio destas, para efeitos do contrato em causa nos autos, se situaria do Apartado … Portugal, sendo irrelevante para o efeito em causa que na prática as partes trocassem comunicações escritas e orais relativas à execução do mandato nessa morada e aí tivessem centrado todas as actividades tendentes à abertura do “Canal Português”, quando na realidade a sede das AA. é, no que se refere à  “A” no Reino Unido, e no que se refere à “B”, no Panamá.

Concluindo - o lugar do cumprimento da obrigação não seria por esta via, em Portugal.

Pelo que, os tribunais portugueses – e sem prejuízo da maior indagação do direito Sul Africano a respeito das questões acima referidas, se a mesma se mostrasse necessária -  não seriam territorialmente competentes para a acção, pelo que o não seriam internacionalmente, nos termos da al b) do art 65º CPC.

2- Resta saber se essa competência lhes advirá do disposto na al d) do art 65º CPC.
Na versão aplicável aos autos, resulta dessa norma que os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes em função da circunstância de «ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram».
Na versão originária do CPC – 1939 - falava-se nesta alínea «no acto ou factos de que a  acção directamente emerge». Antes da Reforma de 95, referia-se, «o facto que serve de causa de pedir na acção».
A redacção emergente da Reforma (concretamente, do DL 329-A/95 de 12/12)  veio consagrar o entendimento que doutrina e jurisprudência vinham já afirmando: «Tratando-se de causa (de pedir) complexa, se um dos factos causais ocorreu em Portugal, razão não há para não se considerar abrangida pelo art 65º/1 al b) do CPC». [27]
Na primeira parte da referida alínea d) estarão em causa as situações – muito raras - em que a causa de pedir se traduz num facto simples, e, na sua segunda parte, aquelas em que a mesma se mostra complexa, o que sucede quando sejam «vários os factos que, em cumulação, se devem verificar para que a previsão da norma aplicável esteja preenchida» [28].

Note-se que, mesmo quando antes da Reforma de 95 a redacção da al d) do art 65º se mostrava mais restritiva, a ideia da jurisprudência – por exemplo, expressamente afirmada no Ac STJ de 3/10/2001 - era de que «havendo dúvidas sobre a quem compete, no aspecto internacional, o conhecimento de um pleito, estando nelas abrangida a hipótese de ser competente um tribunal português, deve decidir-se, neste caso, a favor da competência de um tal tribunal e não do estrangeiro, pois o conteúdo do art 65º CPC deve ser entendido num sentido alargante e não de restrição».
No mesmo sentido – o de que o espírito do legislador foi o de alargar tanto quanto possível a competência internacional dos tribunais portugueses - convergem as considerações de Anselmo de Castro [29] : A ocorrência de algum ou alguns (dos factos) é quanto basta para atribuir competência internacional aos tribunais portugueses. Este entendimento resulta directamente da finalidade da lei: a preocupação do legislador ao estender a competência internacional dos nossos tribunais às acções em que o facto que lhe serve de causa de pedir tenha sido praticado em território português, não se compadece com uma interpretação restritiva, na lógica da qual estaria a denegação de competência internacional dos nossos tribunais sempre que um só dos factos, por mínimo que fosse, tivesse ocorrido em território estrangeiro, o que iria contra o propósito do legislador ou o espírito da lei, que foi o de alargar tanto quanto possível o âmbito da competência internacional dos tribunais portugueses.

Admite-se, no entanto, tal como o Professor Teixeira de Sousa o refere no parecer junto aos autos, que este “princípio do máximo aproveitamento das regras internas sobre a competência dos tribunais portugueses”, não seja já válido como regra interpretativa em matéria de competência internacional, depois que a mesma se viu fortemente restringida por vários instrumentos internacionais com a inerente sobreposição dos mesmos às fontes internas, não deixando também de poder influenciar o intérprete no mesmo sentido a circunstância de política legislativa resultante da subtracção do princípio da causalidade como critério determinante da competência internacional dos tribunais portugueses resultante da já referida L 52 /2008 de 28/8.

O despacho recorrido entendeu que a causa de pedir na situação dos autos é simples, tendo-se exprimido concretamente nestes termos: «No caso dos autos a obrigação que as autoras pretendem se reconheça não ter a ré cumprido e se condene no seu cumprimento emerge de um contrato – de mandato comercial, qualificam as autoras; de mediação, contrapõe a ré. A causa de pedir nada tem de complexa; há um contrato celebrado entre as autoras e a ré que não foi cumprido por esta porquanto a ré não pagou a comissão a que se obrigara e que constituía a contraprestação dos serviços prestados. Se a execução do contrato implicou a prática pelas autoras de actos em território português tal não significa que tenham sido praticados em Portugal factos integradores da causa de pedir; tratou-se apenas de actos de execução da causa de pedir, não desta. O facto jurídico de onde emerge o direito que as autoras se arrogam é o contrato, e este foi celebrado na embaixada da República da África do Sul em Paris, ou seja em território da República da África do Sul. Logo, não tendo sido praticado em território português o facto jurídico que serve de causa de pedir na acção, também não se verifica este factor atributivo de competência aos tribunais portugueses»

            A R. nas contra alegações adere a esta ideia - a de que a causa de pedir na acção é simples, «nada tem de complexa».
            Antevendo, porém, que este ponto de vista não vingasse, vem sustentar, com  apoio no parecer elaborado pelo Professor Teixeira de Sousa que, apenas os factos essenciais integram a causa de pedir, não a integrando os factos complementares ou concretizadores em que se incluíria a alegação dos factos referentes à execução do contrato firmado entre as partes, ou, com o apoio no parecer do  Professor Rui Pinto que, ainda que tais factos  - os complementares e concretizadores  - integrem a causa de pedir, nem por isso se deve entender que a referida al d) do nº 1 do art 65º CPC se tenha querido a eles reportar, sob pena de atribuição aos tribunais portugueses de uma competência internacional exorbitante.

            Impõe-se antes de mais desmentir a ideia base do despacho recorrido de que se estaria na presença de uma causa de pedir simples e que a mesma se circunscreveria ao contrato.
Que assim não é, decorre afinal desse mesmo despacho, quando refere, “há um contrato celebrado entre as autoras e a ré que não foi cumprido por esta porquanto a ré não pagou a comissão a que se obrigara e que constituía a contraprestação dos serviços prestados”.
Como é evidente, e, no mínimo, a causa de pedir nos autos sempre abrangeria o contrato e o seu incumprimento.
«Raros são os casos concretos em que a causa de pedir é integrada por um facto jurídico simples. A maior parte das vezes, o facto donde emerge a pretensão deduzida em juízo é um facto complexo» [30]. Ou, nas palavras de Lebre de Freitas: «A causa de pedir é frequentemente complexa: basta que vários sejam os factos que, em cumulação, se devem verificar para que a previsão da norma aplicável esteja preenchida: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade devem, por exemplo, ser facticamente integrados para que o preceito do art 483º CC tenha aplicação» [31] [32]
O que é válido também para a responsabilidade contratual, em que a causa de pedir terá sempre de ser integrada pela ilicitude do comportamento do devedor - resultante da violação da obrigação contratual – bem como dos demais pressupostos da responsabilidade civil. Essa ideia, de cumulação dos pressupostos da responsabilidade civil que é frequentemente acentuada no que respeita à  responsabilidade extracontratual – pense-se nos acidentes de viação … - não pode deixar de ser válida para a responsabilidade contratual, ressalvadas as diferenças existentes na ilicitude.  [33]

            A questão nos autos – tal como resulta dicotomicamente colocada nos pareceres juntos com as alegações e contra-alegações – é a de saber se os actos de execução do contrato a que os autos respeitam integram a causa de pedir e, na afirmativa, se mesmo integrando-a, não são de molde a justificarem a atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses.

Referia Alberto dos Reis a propósito da norma hoje correspondente à do art 498º/4 CPC (art 502º) [34] que «o Código dá-nos assim o conceito legal de causa de pedir: o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão deduzida em juízo» [35].
Desta definição de causa de pedir, tem-se entendido ser indiscutível que a nossa lei processual quis adoptar a concepção da causa de pedir que resulta da teoria da substanciação [36], por oposição à da individuação [37].
O que não invalida a possibilidade de haver soluções no nosso direito processual que não espelhem essa concepção da causa de pedir, permitindo que se duvide se o legislador terá querido um conceito uniforme da mesma.
Já assim o referia Anselmo de Castro [38]  a respeito do art 663º CPC, na interpretação que lhe conferia, dizendo que o conceito de causa de pedir de que se serve esse preceito não é o da teoria da substanciação presente no 498º/4, pois que «para o 498º/4 novo facto constitutivo é sempre nova causa  de pedir e se o art  663º/1 manda atender aos factos jurídicos constitutivos supervenientes desde que isso não implique alteração de causa de pedir (sob pena de petição de principio), é porque  a noção de causa de pedir é a de categoria abstracta, sem o que os novos factos se volveriam sempre  em nova causa de pedir».

Diz o Professor Teixeira de Sousa no parecer que elaborou, que a noção de causa de pedir se encontra “estabilizada na doutrina portuguesa”, mencionando diferentes e sensivelmente convergentes definições da mesma,[39] parecendo, no entanto, do ponto de vista que exprime nesse parecer, que tal estabilização não terá sido ainda atingida.

Com efeito, o referido Professor exprime aí inequivocamente o entendimento de que a causa de pedir «é constituída apenas pelo núcleo de factos necessários para individualizar o pedido, não por todos os factos indispensáveis para fundamentar esse pedido e para se alcançar a procedência da acção», excluindo da noção de causa de pedir os factos complementares e concretizadores a que se refere o nº 3 do art 264º. Refere concretamente: «Como resulta da comparação entre o nº 1 e o nº 2 e 3 do art 264º do CPC, a causa de pedir não é constituída por todos os factos de que pode depender a procedência da acção, mas apenas por aqueles que são necessários para individualizar a pretensão material do autor. De outro modo, não se compreende que o nº 1 do art 264º CPC estabeleça que o autor deve alegar os factos que integram a causa de pedir e que o nº 3 do mesmo preceito disponha que há factos que, não integrando a causa de pedir, são indispensáveis para a procedência da acção». Acrescentando mais adiante : «…só por distracção – ou por alguma inércia perante o que se afirmava na redacção fornecida pelo DL 180/96 ao art 264º CPC – se pode afirmar que o actual direito processual civil português se orienta, quanto à caracterização da causa de pedir, pela teoria da substanciação, isto é, pela teoria segundo a qual a causa de pedir é constituída por todos os factos necessários para obter a procedência da acção». (…) «A orientação actualmente consagrada no direito português corresponde à chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor».

Já o Professor Lebre de Freitas dá conta da existência na doutrina alemã duma «variante mitigada da teoria da individualização» a que apelida de «substanciação mitigada»: [40]«A dedução do pedido deve ser acompanhada da indicação da causa de pedir, mas esta dispensa a alegação imediata de todos os factos necessários ao juízo de concludência, permitindo que a causa de pedir se complete no decurso do processo», referindo pouco depois que, «a revisão do nosso código veio alargar a possibilidade de completar  a causa de pedir no decorrer da causa o que talvez não chegue, porém, para afastar a versão mais pura da teoria da substanciação». Acrescenta:[41], «A alteração e ampliação da causa de pedir só podem ter lugar nos termos dos arts 272º e 273º CPC. Diversamente, o completamento e a rectificação da causa de pedir, não implicando uma sua nova individualização, devem poder ter lugar com maior abertura, uma vez respeitado o princípio do dispositivo (isto é, a vontade da parte a quem aproveitem de utilizar os factos que a completem ou rectifiquem. Assim se explicam as novas disposições dos arts 264º/3 e 508º/3».
Este Professor, defendendo – também no parecer que elaborou nos presentes autos -  que os factos complementares e concretizadores integram a  causa de pedir, não deixa de fazer referência «à doutrina mais recente» [42], segundo a qual «o acontecimento da vida narrado pelo autor é susceptível de redução a um núcleo factico essencial, tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais como causa do efeito pretendido».

Por sua vez, o Professor Teixeira de Sousa refere [43] ,(…)  factos complementares ou concretizadores são aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa e que por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção ».
(Ora, o que participa, integra).
Explicita adiante: «(…) A cada um destes factos corresponde uma função distinta: os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou da excepção deduzida pelo réu: sem eles não se encontra individualizado esse direito ou excepção, pelo que a  falta  da sua alegação pelo autor determina a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (art 193º/2 al a); os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos essenciais de que são complemento, a procedência da acção ou da excepção». E mais adiante: «A procedência da acção ou da excepção pressupõe certos factos: os factos necessários a essa procedência podem ser designados por factos principais. Estes factos englobam, na terminologia do art 264º, os factos essenciais e os factos complementares, cuja distinção se traça do seguinte modo: os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção; os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte».

A nosso ver só aparentemente os Ilustres professores em causa têm pontos de vista contrários.
Na verdade, o que parece suceder, é que se mostra necessário e conveniente distinguir causa de pedir, num sentido estrito, mínimo, necessário à individualização da situação jurídica alegada na acção (ou na excepção), e cuja ausência, ou ininteligibilidade, porque, em última análise, impossibilita a contraparte de se defender da acção (ou da excepção), implica a ineptidão da petição (ou a impertinência, inaptidão, não consideração da excepção); e a causa de pedir num sentido amplo que compreende a totalidade dos factos necessários à procedência da acção ou da excepção, e por isso também os factos complementares, de tal modo que a omissão não suprida de factos complementares ou concretizadores acarreta a improcedência da acção (ou da excepção).
            E neste sentido amplo, os factos complementares, porque integram, completam, participam na causa de pedir, são dela integrantes.

O que está em causa nas duas acepções da causa de pedir – a estrita e a ampla – são afinal as duas funções diferentes da mesma: ali, a função individualizadora, aqui, a fundamentadora[44], com as consequências que estas duas funções podem ter nos institutos do caso julgado e litispendência, na ineptidão da petição/improcedência do pedido, na alteração e ampliação do pedido/completamento e rectificação da causa de pedir, na alteração conjunta do pedido e da causa de pedir mantendo-se a relação jurídica a mesma (art 273º/6 CPC), na diferente qualificação jurídica operada pelo julgador [45], na superveniência de factos constitutivos …

Portanto, e em última análise, o que está em questão é saber se os factos a que o al d) do art 65º se refere como integrantes da causa de pedir na acção, serão apenas os que se mostrem essenciais, em sentido estrito, a uma causa de pedir complexa, ou se abrangerão todos os factos que a completem, e por isso, e necessariamente, também os factos complementares.

Ora, não se tem dúvidas que o legislador se quis referir nessa norma à totalidade dos factos integrantes da causa de pedir, visando a função fundamentadora da causa de pedir.
Para já, e como se deixou atrás referido, era esse o entendimento já comum na doutrina e na jurisprudência, e aquele que se pretendia deixar cristalizado.
            Depois, porque o que releva para a competência internacional, é que a situação da vida em que se analisa a causa de pedir, mantenha com a ordem jurídica portuguesa, através de qualquer um dos factos em que se analisa, uma conexão suficientemente forte com o Estado português que impeça que se fale de competência exorbitante ou de “forum non conveniens”.
Ocorrendo a este respeito lembrar as palavras ainda actuais de Alberto dos Reis a respeito do princípio da causalidade [46]: «… para que se estabeleça nesta base a competência internacional dos tribunais portugueses é necessário que os factos materiais localizados em Portugal sejam relevantes e característicos do facto jurídico e que dentre a massa dos factos materiais alegados pelo autor, foram praticados em Portugal factos suficientes para justificar a conexão da acção com a jurisdição portuguesa».
 
Sucede ainda, que é muito duvidoso que os factos alegados concernentes à execução do contrato havido entre as partes no processo, se devam configurar como factos complementares.

            Na verdade, e como é sabido, não pode dizer-se de nenhum facto, em si mesmo, de modo abstracto, que é ou não essencial, ou que é ou não complementar. Essas qualificações dependem necessariamente da prévia análise das normas jurídicas a aplicar.

            Vejamos concretamente os factos que integrarão a causa de pedir na presente acção – necessariamente que a principal, excluídas que foram as subsidiárias - tendo-se presente que o pedido é o de condenação da R. no pagamento da comissão de 10% por força do contrato de mandato (comercial) celebrado entre as partes, exercido por aquelas em nome e por conta da R., acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação.
Ora, o que as AA. alegaram foi que, após uma fase relativamente longa de contactos preliminares entre elas, a R. a FAP e a própria “K”, veio a ser alcançado, em princípios de 1986, na Embaixada da República da África do Sul, em Paris, um acordo entre elas  e a R., nos termos do qual se obrigaram para com esta a  prestar-lhe os seus serviços de mediação e de promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas tendentes a obter o consentimento destas na criação e estabelecimento em Portugal de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento desde França para a República da África do Sul (conhecido entre as partes como o “Canal Português”), mediante o pagamento de uma comissão de 10% sobre todos os bens e serviços integrantes desse projecto. Alegam ainda as AA. que prestaram efectivamente os referidos serviços de mediação e promoção, tendo logrado obter as autorizações das autoridades militares portuguesas (FAP e “K”) para a montagem e funcionamento do referido “Canal Português”. O qual veio a funcionar, consoante previsto pela R., tendo tal funcionamento sido acompanhado por elas, AA., e que, não obstante a R. se ter obrigado a pagar-lhes a referida comissão de 10% sobre o valor total dos bens e serviços  transferidos através da abertura e execução desse “Canal” de Portugal para a República da África do Sul,  e para esse efeito, com a colaboração das AA., ter aberto conta no (banco) “Q”, procedeu ao encerramento dessa conta sem ter realizado o referido pagamento, que em determinado momento posterior se recusou peremptoriamente a efectuar.

Donde se verifica que no contrato a que os autos se referem estava em causa uma relação contratual duradoura, de execução continuada, a efectuar num período de tempo não previamente determinado, e em que, muito claramente -  e, como é próprio de qualquer contrato de prestação de serviços - o que relevava era o conseguimento do resultado. Como o referem as apelantes, a finalidade e o objecto do negócio jurídico consistiu na prática de actos jurídicos pelas AA. em Portugal, tendo em vista a produção de um determinado efeito jurídico, também ele a ser produzido muito maioritariamente em Portugal. Quer a actividade em si das AA. -  obtenção das autorizações para a criação em Portugal de um canal de montagem, distribuição, remessa e transporte de helicópteros de Busca e Salvamento para a R. na República da África do Sul -  quer o efeito final do contrato  - cabal funcionamento desse “Canal” - tiveram lugar em Portugal, estando em causa naquela actividade e neste efeito décadas de factos ocorridos em Portugal.
Acresce que, como o salienta o Professor Lebre de Freitas no parecer junto aos autos, se verifica que a remuneração das AA. apenas se faria após a prestação dos seus serviços de promoção, e à medida em que fossem entregues e prestados os bens implicados nos contratos a que se destinava aquela promoção, estando assim aquela remuneração  - a comissão de 10% - condicionada às referidas  promoção e execução, sendo inclusivamente do volume de bens e serviços implicados nessa execução que dependeria o concreto valor da mesma.
Pelo que os factos referentes a uma e outra se devem configurar como essenciais e não complementares.

Aliás, que num contrato de prestação de serviços o local onde se exerce a actividade nele implicada é, muito naturalmente, essencial à determinação do tribunal internacionalmente competente, decorre da circunstância do Regulamento CE nº 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, visando tornar mais uniforme a aplicação do critério do lugar de cumprimento da obrigação e evitar o recurso às normas de conflitos, ter introduzido uma disposição para os contratos mais comuns – entre eles os de prestação de serviços -  segundo a qual,  salvo indicação em contrário das partes, o lugar de cumprimento da obrigação é o lugar num Estado-membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram, ou devam ser prestados (art 5º/1 al b). 

Mas, como atrás já se deixou referido, ainda que os factos alegados pelas AA. relativos à execução do contrato e à materialização dos factos para que o mesmo propendia se devam qualificar como meramente complementares na situação subjectiva alegada pelas AA , não integrando o seu núcleo mais essencial, a verdade é que na situação dos autos não intervêm as razões que o Professor Rui Pinto evidencia no seu parecer para desencadearem uma competência  internacional que se possa ter como “exorbitante”  dos tribunais portugueses.

È verdade que tem sido acentuado pela doutrina [47] «o risco do princípio da causalidade, com a extensão que lhe deu a Reforma de 95, poder ocasionar, quando apenas um dos factos que integram a causa de pedir complexa ocorre em Portugal, que a competência que funde se mostre exorbitante e de compatibilidade duvidosa com o Direito Internacional Privado». E por isso, e como o acentua Lima Pinheiro[48], «na doutrina foi sugerido que este critério fosse combinado com uma cláusula de excepção inspirada na teoria do “forum non conveniens”: seria necessário verificar se o laço existente entre o caso e a ordem jurídica portuguesa é suficientemente forte para justificar a competência dos nossos tribunais».
 O facto é que ainda que se acolha a sugestão decorrente dessa doutrina no sentido de uma interpretação restritiva do critério em causa - para que aponta também o atrás referido factor de politica legislativa decorrente da exclusão do princípio da causalidade pela L 52/2008 de 28/8 - a verdade é que na situação dos autos se verifica que entre a  plurilocalização dos factos que integram a causa de pedir, avultam muito significativamente, enquanto  factos materiais característicos do facto jurídico em que se fundamenta a acção, o local de cumprimento da obrigação das AA. e o local de materialização do efeito jurídico produzido em consequência do cumprimento dessa obrigação, traduzindo esses factos uma conexão, indiscutivelmente, suficientemente forte entre o caso e o Estado português.

E sem que qualquer dos princípios do Direito Internacional da Competência o desaconselhe, pelo contrário: verifica-se com a competência dos tribunais portugueses uma apreciável proximidade em relação às provas, na medida em que intervenientes nos negócios em causa nos autos tão relevantes como as FAP e a “K” têm residência em Portugal.
E não se vê qualquer necessidade de fazer intervir uma cláusula de “forum non conveniens”, por não se descortinar «outra jurisdição competente que à luz de considerações de justiça e conveniência se pudesse apresentar claramente como mais apropriada».
A circunstância das AA. terem interposto, antes desta, duas outras  acções nos tribunais sul africanos e franceses, não aponta em sentido contrário, justificando-se a primeira das mesmas, em função da aplicabilidade do direito material da República da África do Sul, como acima se concluiu, e da maior eficácia prática da decisão que viessem  a obter desses tribunais, por ser aí que se situa a sede da R. (pois será nesse pais  que uma possível  sentença será, em caso de necessidade, executada) e a segunda, em função da nela R. ter sede em França.

Em resumo: têm-se os tribunais portugueses como internacionalmente competentes para conhecer da presente acção nos termos do al d) do art 65º CPC na versão desta normal aplicável aos autos, procedendo assim a apelação.

V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que tenha o tribunal como internacionalmente competente para o conhecimento da acção.
Custas na 1ª instância e nesta,  pela apelada.
                                        
Lisboa, 8 de Novembro de 2012                   
                                              
Maria Teresa Albuquerque
José Maria Sousa Pinto
Jorge Vilaça
-----------------------------------------------------------------------------------------
[1] -  Luís de Lima Pinheiro, «Direito Internacional Privado,  Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras» , vol III , 273
[2] - Lima Pinheiro, obra atrás citada, p 273, onde o mesmo refere: «Dado o sentido das alterações introduzidas, esta hipótese (de atribuição de competência internacional, onde ela não existia, pela L 52/2008) porém, é de difícil verificação»
[3]- Remete-se, neste particular, para o parecer junto aos autos elaborado pela  Professora Mª João Matias Fernandes 
[4] -Porventura «indicados segundo uma ordem decrescente de aplicação prática», como o refere Araújo de Barros, Ac STJ 25/11/2004 in www.dgsi.pt
[5] - Não se coloca a questão da aplicabilidade do art 288º/3 CPC, pois que o pressuposto processual em referência não se destina, por definição, a tutelar o interesse de uma das partes.
[6] Luís de Lima Pinheiro, «Direito Internacional Privado, Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras», vol III, 196
[7]- Lima Pinheiro, «Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel Magalhães Colaço» I,  «A Triangularidade do Direito Internacional Privado – Ensaio sobre a articulação do Direito de Conflitos, o Direito da Competência Internacional e o Direito de Reconhecimento», p 314
[8] - Luís de Lima Pinheiro, «Direito Internacional Privado, Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras» , vol III , 27
 Os sistemas de “Common Law” subordinam a competência judicis à competência legis, visando uma maior coincidência entre o tribunal competente e o direito aplicável, com a inerente vantagem de «poupar às partes e aos tribunais as dificuldades inerentes à alegação e prova e aplicação do Direito estrangeiro, evitando ainda a constituição de situações jurídicas claudicantes, isto é, insusceptíveis de reconhecimento no ordenamento onde por natureza se destinam a produzir os seus efeitos». 
[9] -Lima Pinheiro, «Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel Magalhães Colaço» I,  «A Triangularidade do Direito Internacional Privado – Ensaio sobre a articulação do Direito de Conflitos, o Direito da Competência Internacional e o Direito de Reconhecimento», p 316
[10] - Assim, Dario Moura Vivente, «Aspectos do Novo Processo Civil», 1997, «A Competência Internacional no Código de Processo Civil Revisto», p 84.
 Igualmente, Lima Pinheiro, «Direito Internacional Privado, Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras», vol III, 191, em nota, referindo que se trata de uma técnica legislativa de remissão intra-sistemática. Aí dando conta do entendimento de Teixeira de Sousa, segundo o qual o critério da coincidência não seria um critério atributivo de competência, pelo que o art 65º/1 a não seria uma “norma de recepção”. O critério da coincidência seria inútil porque a situação plurilocalizada já accionou a previsão da norma de competência interna que define o tribunal territorialmente competente, propondo o seu abandono.
[11] - «Direito Internacional Privado, Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras», vol III, 197
[12] - Segundo o refere Lima Pinheiro, obra referida na nota 1, pag20, pode falar-se de um Direito da Competência Internacional sendo o mesmo formado pelo conjunto das normas de competência internacional, das normas sobre a interpretação e aplicação das normas de competência internacional e dos princípios gerais que dominam este complexo normativo.
As normas de competência internacional (de fonte interna, unilaterais, que são as que só definem a esfera de competência dos tribunais do foro, e as de fonte internacional, multilaterais, porque determinam a atribuição de competência às jurisdições de diferentes Estados contratantes) são normas materiais e não normas de conflitos.
[13] - Teixeira de Sousa, «Estudos sobre o Novo Processo Civil», p 93. E acrescenta: «A orientação dominante é a que prefere a qualificação dos elementos de conexão pela lex fori» (…) «Costumando excepcionar-se a qualificação dos elementos de conexão que são utilizados nas convenções internacionais: de molde a assegurar a aplicação uniforme das regras convencionais em todos os Estados membros e a esbater as particularidades dos direitos nacionais, prefere-se habitualmente uma qualificação autónoma desses elementos, ou seja, uma qualificação independente de qualquer relação com os direitos internos dos Estados»
[14] - «Direito Internacional Privado, Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras», vol III, p 38 e ss
[15] - Pois que também no Direito de conflitos a «primeira questão que se coloca relativamente à interpretação dos conceitos técnico jurídicos utilizados na previsão das normas de conflitos de fonte interna é a de saber a que direito recorrer para o efeito». E refere em «Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel Magalhães Colaço» I, «A Triangularidade do Direito Internacional Privado – Ensaio sobre a articulação do Direito de Conflitos, o Direito da Competência Internacional e o Direito de Reconhecimento»,  p 511: «A solução do recurso aos conceitos homólogos do Direito material do foro propicia o princípio da unidade do sistema jurídico – “união pessoal” entre o legislador do Direito de conflitos e o legislador de direito material interno». Mas contrapõe-se que, aceitando-se que os conceitos que delimitam o objecto da remissão tenham o mesmo conteúdo que decorre expressamente ou por via de construção jurídica do Direito material interno, eles vão deixar de fora realidades jurídicas diferentes existentes no Direito estrangeiro, solução que se mostra muito limitativa do ponto de vista  dos objectivos do Direito Internacional Privado.
[16] - «Direito Internacional Privado, Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras», vol III, p 40
[17] - Note-se que, tal como resulta posto em evidência pelo recente Ac STJ  19/6/2012 (Alves Velho) www.dgsi.pt, a obrigação que importa para se determinar “o lugar do cumprimento da obrigação” é a obrigação objecto do litígio.
[18] - Sendo que, não o tendo feito, logo ficou excluída a sua aplicação, pois que, na ordem jurídica sul africana – de raiz anglo saxónica – o direito estrangeiro não é do conhecimento oficioso do tribunal impendendo sobre as partes o ónus da sua invocação e prova. Remete-se aqui para o parecer junto aos autos do Professor  G.T.S. Eiselen (p 6119 dos autos).
[19] -Remetendo-se neste ponto para a ampla bibliografia citada no parecer da Professora Mª João Matias Fernandes, fls 6045, nota 66
[20] - Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», II, 7ª ed 36
[21]- Pessoa Jorge, «Direito das Obrigações», ed AAFDL 75/76, 322 e ss, que refere não ter  conhecimento de disposições injuntivas desse tipo na legislação portuguesa. 
[22]- Antunes Varela, obra e lugar citado, refere: «Como disposições especiais devem ser ainda considerados o art 773º (segundo o qual, a prestação que tenha por objecto coisa móvel determinada, deve ser feita no lugar em que a coisa se encontrava à data da conclusão do negócio) e o art 774º que manda cumprir as obrigações pecuniárias no lugar do domicílio do credor ao tempo do cumprimento»
[23] Diz Antunes Varela, obra e lugar citados: «A impossibilidade de cumprimento no lugar fixado (obrigação do artista se exibir numa cidade onde as autoridades proibiram espectáculos dessa natureza, por ex) determina em regra, a nulidade da obrigação ou a extinção desta: nulidade da obrigação, no caso de impossibilidade originária (art 280º/1 e 411º/1) ; extinção do vinculo obrigacional, quando a impossibilidade seja superveniente e não proceda de causa imputável ao devedor» .
[24]- Ver p       
[25]  - «Código das Sociedades Comerciais em Comentário», IDET coordenado por Coutinho de Abreu vol I , p 238
[26] - «Código Civil Anotado”, 2ª ed
[27] - Estas são as palavras empregues no Assento 6/94, DR 75/94, I série de 30/3/94, (Cardona Ferreira) onde se concluiu: «Invocado um contrato de seguro celebrado em Portugal, no âmbito de causa complexa do pedido, ainda que também decorrente de má estiva ou mau manuseamento de mercadorias não ocorridas em território português, aquele facto desencadeia a competência internacional do foro português, face ao disposto no art 65º/1 al b) CPC».
Também no Ac STJ 25/6/1974 (B 238º-196) em que estava em causa um acidente de viação ocorrido em Espanha entre dois veículos segurados em companhias portuguesas se dizia: «Para se verificar a competência internacional dos tribunais portugueses (…), basta que um dos factos integradores da causa de pedir, tal como o contrato de seguro, tenha ocorrido em Portugal».
 Ou o Ac STJ 21/1/88  www. dgsi. Pt: « Se a causa de pedir for complexa, envolvendo mais de um facto, bastará, em regra, a circunstância de um deles ter ocorrido em Portugal para legitimar a competência dos tribunais portugueses»; cfr  Ac STJ 3/10/1991 (B 410º-694);
[28] - Lebre de Freitas, «Introdução ao Processo Civil» 1996, p 58 nota 51
[29] - Direito Processual Civil Declaratório», Vol. II, Almedina, pp. 27 a 29
[30] - «Direito Processual Civil Declaratório», Vol. II, Almedina, pp. 27 a 29
[31] - Lebre de Fritas, «.Introdução…» 1996, 58, nota 51
[32] - Como o refere Lebre de Freitas no parecer junto aos autos – fls 22 do mesmo: «A causa de pedir apresenta-se normalmente como complexa, o que acontece sempre que são vários os factos que em cumulação têm de se verificar para que a previsão da norma do direito substantivo aplicável esteja preenchida, desencadeando o efeito pretendido pelo autor ao formular o pedido»
[33] - A propósito desta matéria e da respectiva evolução, cfr Abranches Ferrão, «A causa de pedir nas acções de responsabilidade civil por incumprimento do contrato – Um caso de competência internacional», p 30, onde o autor em causa conclui referentemente à responsabilidade contratual, que  «a causa de pedir nas acções de responsabilidade não é o contrato, mas o facto do incumprimento  (…) o contrato extinguiu-se pelo incumprimento, tal como se teria extinto pelo cumprimento. O contrato deixou de estar em causa como tal, pela razão máxima de ter deixado de existir. O que ficou em causa foi exclusivamente a responsabilidade do faltoso». 
[34] - «Código de Processo Civil Anotado» 3ª ed, III , p121
[35] - Hoje o art 498º/4 fala apenas de «facto»; o CPC de 31 referia no art 502º «acto ou facto jurídico»
[36] -Para esta teoria, causa de pedir, são acontecimentos concretos sem qualificação jurídica. São factos jurídicos (por isso, necessariamente, juridicamente relevantes) mas, sem qualificação jurídica. São factos concretos que, à luz do sistema jurídico, têm de se configurar como geradores do direito invocado. Causa de pedir para esta teoria é o facto jurídico genético do direito.
[37] - Na sua versão mais clássica a teoria da individualização, ou individuação, via na causa de pedir a relação jurídica material pressuposto do efeito jurídico pretendido. A causa de pedir correspondia a uma relação jurídica qualificada como tal. Por isso, uma mudança de qualificação jurídica relativamente à relação material trazida a juízo, implicava uma mudança de causa de pedir. Como o refere Lebre de Freitas,«Introdução…» 54, «bastava ao autor indicar o pedido, com o que todas as possíveis causas de pedir podiam ser consideradas no processo, de tal modo que, ao responder afirmativa ou negativamente à pretensão, a sentença decidia em absoluto sobre a existência ou inexistência da situação jurídica afirmada pelo autor». 
[38] -«Direito Processual Civil Declaratório», 1981, I, 169 e 170
[39]-  Castro Mendes define a causa de pedir como «facto jurídico de que decorre a pretensão que o autor deduz em juízo», «Direito Processual Civil», 1986, I, p 67; Manuel de Andrade diz que a «causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido», «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, 111; Mariana França Gouveia, «A Causa de Pedir na Acção Declarativa»,  2004, 529: «A causa de pedir define-se como o conjunto dos fundamentos de facto e de direito da pretensão alegada pelo autor»
[40] -  « Introdução…»,  p 55, nota 40
[41] - Obra citada, p 56, nota 46
 [42] - « Introdução…», 1996, p 57
[43] - «Estudos…» p 70 a 72. «Factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção».
[44] Note-se que esta distinção já se fazia antes da Reforma, no CPC 61 .Já Castro Mendes dizia, postulando a distinção a que vimos fazendo referência, “são situações em que o efeito jurídico pretendido pelo autor depende de um complexo de pressupostos substanciais de que se alegam os bastantes para identificar a causa de pedir (não sendo a petição inicial inepta) mas não todos – são situações que pressupõem uma causa de pedir complexa». O que a Reforma fez, foi torná-la mais evidente. A distinção entre a  ineptidão da petição inicial e a improcedência da acção, no despacho liminar, postulava - e postula, nos casos em que este despacho hoje existe - esta distinção. O despacho de aperfeiçoamento do 477º CPC anterior à Reforma, também a postulava, através do conceito de “petição deficiente”. Mas a sua utilização, pressupondo a introdução na causa, dos factos “complementares” e “concretizadores”, fazia-se apenas em beneficio do autor. Igualmente o conceito de alteração da causa de pedir pressupunha, como continua a pressupor, a não alteração dos factos que integram o núcleo fáctico que se mostre essencial, de acordo com a norma jurídica cuja aplicação está em causa.
[45] - Que só é possível na medida em que se pode destacar na previsão das normas jurídicas que concedem a situação subjectiva alegada pela parte, um núcleo fundamental do qual depende em absoluto e no mínimo essa situação. Os factos que integram esse núcleo são os bastantes para individualizarem a situação jurídica permitindo por via dessa suficiente identificação, um eficaz direito de defesa da contraparte.
[46] - Obra e lugar citados
[47]- Assim por ex, Remédio Marques, «A acção declarativa à luz do Código Revisto», 2ª ed, p  288: «Parece-nos que aplicação deste critério pode conduzir a exageros quando o facto integrante da causa de pedir complexa verificado em Portugal é irrelevante na consideração do efeito jurídico pretendido (no pedido) …Seria por isso de toda a utilidade prever-se na lei portuguesa a possibilidade de os tribunais portugueses afastarem nessas hipóteses (que configuram causa de pedir complexa) a sua competência, com base na ideia de “forum non conviens” – fundamento de recusa de atribuição de competência internacional previsto essencialmente nos ordenamentos da Common Law
[48] - «Direito Internacional Privado, Competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras» , vol III , 279-280