Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | OCTAVIO DIOGO | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO USO INDEVIDO EXECUÇÃO INDEFERIMENTO LIMINAR PARCIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. O princípio do contraditório impõe que, mesmo nas questões que o juiz entenda serem de conhecimento oficioso, não possa decidir sobre as mesmas sem que às partes seja dada a oportunidade de se pronunciarem sobre essas questões. 2. Não obstante existir o referido vício na decisão recorrida, tendo em conta as alegações da Apelante, não se impõe já o exercício do contraditório, tendo-se o mesmo por exercido cabalmente com a apresentação do presente recurso. 3. O procedimento de injunção não é o meio processual adequado para obter a condenação em quantias com a natureza de indemnização derivada de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, donde, não pode ter por finalidade a obtenção de um título executivo que englobe tais quantias 4. O uso indevido do procedimento de injunção, exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso pode ser conhecida pelo juiz de execução, quando se possa concluir, pela análise direta do título, que há manifesta falta de título porquanto o mesmo não é exequível fora da finalidade para que foi criado. 5. Resultando da injunção, de forma clara e segura, que a Requerente pediu o montante de € 184,42, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, concluindo-se que o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para fazer valer em juízo essa pretensão, impõe-se o indeferimento/rejeição parcial da execução quanto a este montante, continuando o título válido relativamente aos demais pedidos, devendo a execução prosseguir para cobrança aqueles valores. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório. N. intentou contra C. a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento, além do mais, de outras quantias, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”, no valor de € 184,42. * Sem que tenha dado qualquer oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a possibilidade de indeferir o requerimento executivo, o tribunal “a quo”, por despacho de 07/05/2024, entendeu não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção e, dando por verificada a exceção dilatória da falta de título executivo, decidiu rejeitar a execução. (cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC). * Notificada de tal decisão, não se conformando com a mesma, veio a Exequente interpor o presente recurso sustentando que a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente: o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C., o artigo 734.º do CPC, o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98 e os artigos 227.º, número 2 e 573.º do CPC. o artigo 193.º do CPC e o artigo 3.º n.º 3 do CPC, pelo que deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos, tendo para tanto, após alegações, apresentado as seguintes conclusões: 1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância; 2. Por a Autora ter lançado mão de injunção onde incluiu valores em dívida relativos a cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida; 3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei; 4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo; 5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção; 6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC; 7. Sem prescindir, o entendimento de que a cláusula penal as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais valores. 8. A sentença recorrida foi ainda proferida sem a Apelante ter sido convidada a oferecer o devido contraditório, o que consubstancia uma violação do artigo 3.º do CPC; 9. A sentença proferida pelo Tribunal a quo traduz-se em indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso; nos termos acima expostos. * Citado para os termos do recurso e da causa, cf. nº 7. Do art.º 641º do CPC, o Executado não respondeu. 2 - Mérito do recurso. 1. Objeto do recurso. Este objeto, como é sabido é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)]. 2. Questões a decidir. - Tendo a decisão recorrida sido proferida sem contraditório da exequente, foi violado o art.º 3.º do CPC? - O tribunal a quo podia conhecer da exceção dilatória que determinou a rejeição da execução? - A execução não devia ter sido rejeitada na totalidade, mas apenas em parte? 3. Fundamentação de facto. Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontram-se assentes os factos referidos no relatório que antecede, que é desnecessário reproduzir. * 4. Fundamentação de direito 4.1. Falta de contraditório prévio à prolação da decisão recorrida. Como resulta dos autos, o tribunal “a quo” proferiu a decisão ora em crise sem previamente ouvir as partes quanto à exceção dilatória da falta de título executivo. Estipula o n.º 3 do art.º 3.º do CPC “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” A observância, ao longo de todo o processo, do princípio do contraditório, principio fundamental do processo civil, visa garantir a participação efetiva e em igualdade das partes no desenvolvimento de todo o litígio e evitar decisões surpresa. O princípio do contraditório impõe que, mesmo nas questões que o juiz entenda serem de conhecimento oficioso, não possa decidir sobre as mesmas sem que às partes seja dada a oportunidade de se pronunciarem sobre essas questões. É esta a regra e que visa, no essencial, evitar a chamada decisão surpresa, na qual o juiz oficiosamente suscita uma questão e encontra uma solução para essa questão que, embora previsível, não foi configurada pelas partes, nem as mesmas tinham obrigação de a prever. [1] Porém, o mesmo normativo prevê exceções, o juiz poderá decidir qualquer questão sem ouvir as partes, quando for manifesta a desnecessidade, cf. resulta do n.º 3 acima transcrito, “salvo caso de manifesta desnecessidade”. Assim, em todos os casos em que as partes objetivamente de boa-fé não possam alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências, existe manifesta desnecessidade em ouvi-las antes da decisão. No presente caso, estamos perante uma execução sumária, a mesma não está sujeita a despacho liminar, cf. art.º 855.º do CPC, sendo o requerimento executivo imediatamente enviado por via eletrónica ao agente de execução e, a menos que o agente de execução suscite a intervenção do tribunal, nos termos do art.º 855.º n.º 2, b), do CPC, o que no caso presente não ocorreu, a penhora precede a citação do executado. Em casos como o presente, não se pode ter expetável – contrariamente ao que ocorre quando o juiz haja de proferir obrigatoriamente despacho liminar – que o juiz, sem nenhuma auscultação das partes e sem que nada nos autos exista que fizesse antever a questão que veio a apreciar e que não foi suscitada por nenhuma das partes, viesse a rejeitar na totalidade a execução. Assim, há que concluir que houve violação do principio do contraditório e a decisão recorrida deve ser considerada uma decisão-surpresa. Resta, pois, apurar qual a consequência da violação do principio do contraditório. Há quem entenda que a não observância do principio do contraditório, deve ser qualificado como nulidade processual a subsumir no art.º 195.º do CPC, outros entendem que tal vicio configura uma nulidade da decisão, a integrar no art.º 615.º, n.º1, d) parte final do CPC, por ter o juiz conhecido questão que não podia conhecer naquele momento processual.[2] Admitindo-se que a violação do contraditório integra uma nulidade, suscetível de ser invocada em sede de recurso, tem-se defendido que há situações que não determinam, pese embora se constatar o vicio de inobservância do principio do contraditório, retrocesso do processo ao tribunal recorrido para aí ser cumprido o ato devido, observância do contraditório, nomeadamente, quando no próprio recurso, o recorrente apresenta as razões que é lícito concluir teriam sido as apresentadas se exercido convenientemente o dito contraditório. Donde, não obstante existir o referido vício na decisão recorrida, tendo em conta as alegações da Apelante, não se impõe já o exercício do contraditório, tendo-se o mesmo por exercido cabalmente com a apresentação do presente recurso.[3] Com efeito, a anulação do despacho recorrido e a substituição por outro que ordenasse audição das partes prévia à decisão seria um ato inútil, sem qualquer acréscimo relevante para o contraditório, porquanto, a constituiria uma simples repetição do contraditório, já exercido em sede de recurso[4]. Assim, no caso concreto, face às alegações e conclusões da Apelante, entende-se dispensável fazer atuar de novo o contraditório e, nessa medida, consideramos sanado o vício. * 4.2. - O tribunal “a quo” podia conhecer oficiosamente da exceção dilatória, que determinou a rejeição da execução. A segunda questão a apreciar passa por saber se o tribunal a quo podia conhecer do uso indevido do procedimento injuntivo pela exequente para nele reclamar, além dos valores titulados por faturas, o pagamento de outras quantias, no caso € 184,42, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. A jurisprudência maioritária tem decidido que não podem ser reclamadas no procedimento de injunção quantias relativas a cláusulas penais ou indemnizações por incumprimento contratual, porém, no que respeita a puderem ser reclamadas quantias a titulo de despesas com a cobrança da divida, existe jurisprudência que tem decidido que tal reclamação pode ocorrer. Na tese da Apelante estando previsto, no art.14.º-A do regime anexo ao DL 269/98, que não fica precludida a invocação pelo executado do uso indevido do procedimento de injunção, mesmo que não tenha deduzido oposição nesse procedimento, tal circunstância afasta esse conhecimento oficioso. Vejamos: Nos termos do art.º 7.º, do DL. 269/98 de 1.9 considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1.º, do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17.2. Estabelecendo o referido art.º 1º - É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma. Ou seja, é condição essencial para que se possa recorrer ao procedimento de injunção que se pretenda obter o cumprimento de obrigações de natureza pecuniária que emergem de um contrato, ou seja, pretende-se que a obrigação pecuniária a que a parte se vincula com a celebração do contrato seja cumprida. Não se trata, de exercer direitos que advenham do incumprimento do contrato e que se traduzam no ressarcimento de prejuízos resultantes desse incumprimento (ainda que esses prejuízos sejam de cariz pecuniário), ou seja, com base em responsabilidade civil contratual e/ou extracontratual. A causa de pedir na injunção é o contrato e as prestações que as partes por ele assumiram, são estas obrigações pecuniárias, e só estas, cujo cumprimento pode ser pedido no procedimento injuntivo, as pretensões indemnizatórias não têm cabimento no procedimento injuntivo.[5] Em conclusão, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para obter a condenação em quantias com a natureza de indemnização derivada de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, donde, não pode ter por finalidade a obtenção de um título executivo que englobe tais quantias, nem tal pode defender-se com o fundamento que isso resulta da al. e), do art.º 10º, do DL 269/98 de 1.9. Com efeito, pese embora o citado normativo preveja que o credor deve “formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”, não defendemos que nestas “outras quantias devidas” se possam integrar as faladas indemnizações. Estas “outras quantias devidas” são, para nós, quantias que resultem diretamente do contrato, obrigações pecuniárias expressamente assumidas no contrato, por exemplo, constando do contrato uma cláusula do seguinte teor: “Em caso de cobrança coerciva da dívida, o devedor suportará a título de despesas e honorários o montante de € x”. Neste sentido veja-se o Ac. TRP de 12.7.2022 acessível em www.dgsi.pt. Como já se referiu, o objetivo do procedimento injuntivo é criar um mecanismo processual célere e expedito, traduzido na criação de um título executivo, donde, admitir-se que o requerente pudesse aí peticionar quantias referentes aos ditos encargos de cobrança e/ou despesas, cujo quantitativo não resulta dos termos do contrato, estava aberta a porta à discussão da existência desse dano, da sua medida, etc., protelando-se a criação, célere e expedita, de um título executivo, em suma, o que contraria o espírito e desiderato que está subjacente à injunção. Em conclusão, o procedimento de injunção não é o meio processual adequado, para fazer valer em juízo a pretensão de pagamento de quantia relativa às despesas/encargos com cobrança da dívida, donde, constando estas despesas da injunção, poderia tal requerimento ser recusado pela secretária, cf. art.º 11.º. n.º 1, al. h), do anexo ao citado diploma e, não tendo sido recusado pela secretaria, poderia o secretário recusar apor a fórmula executória, cf. art.º 14º, nº 3, do mesmo diploma. Ora, no caso, foi feito um uso do procedimento de injunção para finalidade que o mesmo não comporta, exigir, além das prestações pecuniárias resultantes do contrato, outras quantias devidas a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”. Estabelece o Artigo 14.º-A, do anexo ao referido decreto-lei 1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange: a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; (…) Assim, tendo nós concluído que houve uso indevido do procedimento de injunção, mas não tendo havido recusa do procedimento e tendo sido aposta a fórmula executória, importa apurar se, face ao estabelecido no citado art.14.º-A, n.º 2, a), o juiz de execução podia, e em que termos, conhecer dessa questão. É entendimento maioritário da jurisprudência que, verificando-se inadmissibilidade legal do procedimento de injunção, estamos em presença de uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que dá lugar (na ação declarativa) à absolvição da instância[6]. No caso estamos perante uma ação executiva para pagamento de quantia certa que tem por base um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva que segue a forma sumária, art.º 550.º, nº 2, al. b), do CPC, a qual prossegue sem despacho judicial liminar, cf. art.º 855º, nº 1 do CPC. Porém, estipula art.734.º do CPC 1- O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. 2 - Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”. Assim, nos termos do último normativo citado, o juiz de execução podia apreciar as questões que teriam importado indeferimento liminar até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados. E, por seu turno, estabelece o n.º 3 do art.726.º do CPC “É admitido o indeferimento parcial, designadamente, quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do titulo executivo …” É certo que no caso não estamos perante um indeferimento liminar, mas para o efeito em questão, é indiferente a extinção da execução derivar do indeferimento liminar inicial ou da rejeição posterior da execução. Assim, caso na presente execução, se tal estivesse previsto, tivesse havido despacho liminar o juiz poderia conhecer das questões mencionadas no n.º 2 do art.726.º do CPC, donde, não havendo lugar a esse despacho o juiz pode conhecer dessas mesmas questões até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados. Sendo certo que esse indeferimento ou rejeição posterior da execução com fundamento na falta ou insuficiência de titulo, tem como pressuposto que essa falta/insuficiência seja manifesta, cf. al. a) do nº 2 do art.º 726.º do CPC. Donde, tendo o juiz entendido não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção e, dado por verificada a exceção dilatória da falta de título executivo, decidido rejeitar a execução, esta decisão afigura-se proferida ao abrigo do permitido na lei.[7] Porém cumpre questionar, tendo no procedimento de injunção sido inserida uma parcela que não podia ser objeto daquele procedimento, tal implica que se conclua pela falta manifesta de titulo? A “falta de título” configura não só a não junção do título mas também os casos que, pese embora formalmente se prefigure um título, a sua análise permite concluir pela total ou parcial inexequibilidade do mesmo. Em conclusão, reconduzir-se-ão à falta de titulo os vícios que se patenteiem da sua análise e que determinem o afastamento da sua exequibilidade. O uso indevido do procedimento de injunção, exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso pode ser conhecida pelo juiz de execução, quando se possa concluir, pela análise direta do título, que há manifesta falta de título porquanto o mesmo não é exequível fora da finalidade para que foi criado. Imagine-se, por exemplo, que ao arrepio da lei foi apresentado um requerimento de injunção em que é pedida a condenação do Requerido na entrega de coisa certa, tal requerimento de injunção não foi recusado pela secretaria e o secretário apõe-lhe fórmula executória e de seguida é instaurada execução para entrega de coisa certa. Ora, sendo manifesto que o procedimento de injunção não se destina a criar um título executivo com a finalidade de impor o cumprimento coercivo de entrega de coisa certa, caberá ao juiz de execução intervir, mesmo oficiosamente, no processo e por termo à execução, porquanto, o uso indevido do procedimento de injunção ocorre sempre que a finalidade a que o mesmo se destina foi desrespeitada, culminando na falta de titulo. Esse conhecimento oficioso, contrariamente ao defendido pela exequente, não está afastado pela circunstância de estar previsto no art.14.º-A do regime anexo ao DL 269/98, que não fica precludida a invocação pelo executado do uso indevido do procedimento de injunção, mesmo que não tenha deduzido oposição nesse procedimento, porquanto, em paralelo com as restantes situações em que há um vício de conhecimento oficioso, que pode ser invocado em embargos mas não foi, o princípio da concentração da defesa, não obsta a que o juiz de execução possa conhecer oficiosamente do vício. 4.3. - A execução não devia ter sido rejeitada na totalidade, mas apenas em parte. Concluindo-se, como concluímos, que é licito ao juiz da execução conhecer da exceção – uso indevido do procedimento de injunção – impõe-se resolver a última questão, a execução deve ser indeferida/rejeitada na totalidade ou apenas na parte diretamente afetada? É entendimento, segundo cremos, maioritário na jurisprudência, de que a referida exceção determina o indeferimento/rejeição total da execução[8]. Seguindo de perto a tese defendida no Ac. TRL de 21-11-2024, em que foi relatora a aqui 1ª Adjunta, e no acórdão do Ac. TRL de 10.10.2024 (Eduardo Peterson Silva), ambos acessíveis em www.dgsi.pt, entendemos que, em casos como os dos presentes autos, o indeferimento/rejeição da execução não deve ser total, porquanto, é possível apurar com segurança, da simples análise do titulo, as quantias que não podiam ter sido reclamadas na injunção, sendo viável o prosseguimento da execução pelo demais peticionado, fazendo valer o principio do aproveitamento do titulo, em conformidade com o prescrito no nº 5, do art.10.º do CPC, ao estabelecer que titulo determina o fim e os limites da ação executiva, sendo admissível o indeferimento parcial da execução quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do titulo, cf. art.726.º, n.º 3, do CPC. Seja qual for a natureza do titulo executivo a regra é sempre a mesma, a execução tem de se conformar com os limites do título validamente formado. Ora, entendendo-se como verificada a exceção de uso indevido do procedimento de injunção, na parte que respeita a “outras quantias, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”, o indeferimento ou rejeição total da execução oficiosamente determinada pelo juiz de execução, não faz sentido nem é imposto pelas regras do processo executivo, é desarmonioso face ao tratamento de questão similar nas demais espécies de títulos, contrariando, mesmo, o citado nº 3 do art.º 726º do CPC. Imagine-se, que o executado tinha embargado a presente execução e apenas tinha invocado o uso indevido da injunção para reclamar as “outras quantias, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”, sem por em causa as demais quantias pedidas pela Exequente. Para quem defenda que o uso indevido da injunção é de conhecimento oficioso e implica a rejeição total da execução, o juiz deve rejeitar in totum a execução independentemente da posição assumida pelo Executado/Embargante, porquanto, o conhecimento da exceção e seus efeitos não podem ser determinados em função do concreto posicionamento das partes ou de haver ou não haver embargos. Ora, tal solução afigura-se desproporcionada e vai, até, contra o interesse de ambas as partes. Assim, pese embora, quanto à parte em que são pedidas quantias a titulo de indemnização, o título executivo não ser válido, quanto às demais quantias formou-se um título executivo válido que pode suportar o pedido para cuja finalidade foi criado, donde, nesta parte, não há falta manifesta de titulo, pelo que não se afigura correto o indeferimento/rejeição total da execução. Nem se diga que o vício inquina todo o título porque é atinente ao processo de formação, porquanto, se encararmos a questão quanto à finalidade a que a injunção se dirige contata-se que apenas em parte ela não foi respeitada. Enveredamos, por isso, com a jurisprudência que entende que não se impõe o indeferimento/rejeição total da execução, mas sim uma rejeição parcial, atento os princípios da economia processual e da proporcionalidade, na parte em que houve uso indevido do procedimento de injunção, impondo-se o aproveitamento e utilização do título na parte remanescente, relativa aos pedidos e valores admissíveis no âmbito do procedimento de injunção. [9] Ora, no caso concreto, resulta da injunção, de forma clara e segura, que a Requerente pediu o montante de € 184,42, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, logo, tendo nós concluído que o procedimento de injunção não é o meio processual adequado para fazer valer em juízo a pretensão de pagamento de quantia relativa às despesas/encargos com cobrança da dívida, impõe-se o indeferimento/rejeição parcial da execução quanto a este montante, continuando o título válido relativamente aos pedidos e valores admissíveis no âmbito do procedimento de injunção, devendo a execução prosseguir para cobrança aqueles valores. * 5. Decisão. Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decidem: - Confirmam a decisão recorrida na parte em que conheceu oficiosamente da exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção quanto ao pedido de € 184,42, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida; - Revogar a decisão recorrida na parte em que rejeitou a execução quanto às demais quantias dadas à execução e sobre as quais foi obtida a fórmula executiva, impondo-se o prosseguimento da execução nesta parte. Custas por ambas as partes, na proporção de 30% para a Apelante e 70% para o Apelado. Lisboa, 30/1/2025 Octávio dos Santos Moutinho Diogo. Fátima Viegas. Marília dos Reis Leal Fontes. _______________________________________________________ [1] Ac. STJ de 10.4.2024 (Ricardo Costa); Ac. TRL de 9.5.2024 (Arlindo Crua). www.dgsi.pt) [2] Ac.STJ de 31.10.24 (Maria da Graça Trigo) [3] Ac. TRL de 10.10.2024 (João Paulo Raposo) [4] Ac.STJ de 12.1.2021 (Graça Amaral) [5] AC. TRP de 8.11.2022 (Alexandra Pelayo), acessível em www.dgsi.pt [6] Ac. TRP 4.7.2024 (Ana Vieira) [7] Ac. TRP de 19.2.2024 (Anabela Morais), Ac. TRG de 23.5.2024 (Maria dos Anjos Nogueira), Ac. TRG de 12.6.2024 (Jorge Santos) in www.dgsi.pt. [8] Ac. TRE de 28.4.2022 (Mata Ribeiro); Ac. TRL de 22.10.2024 (João Bernardo Peral Novais)¸ Ac. TRL de 10.10.2024 (Maria Teresa Garcia),acessíveis em www.dgsi.pt). [9] Ac. TRL de 10.10.24, (Arlindo Crua), Ac. TRP de 21.5.2024 (Alexandra Pelayo); Ac. TRL de 24.10.2024 (Susana Mesquita Gonçalves), in www.dgsi.pt |