Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2031/12.9TBVFX-A.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DESPROPORÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– Em abstracto, é válida, não sendo proibida pela al. c) do art. 19º do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10 (LCCG), a cláusula contratual geral inserta em contrato de locação financeira imobiliária que estipule que a “resolução do contrato não exonera o locatário do dever de cumprimento de todas as suas obrigações que à data se encontrarem vencidas, ou cujo facto gerador tenha ocorrido anteriormente à resolução, e confere ao locador, para além de conservar as rendas vencidas e não pagas, o direito de receber do locatário, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral por maior dano”.

II– Em concreto, a validade da cláusula indicada em I depende da prova de uma desproporção evidente, substancial, extraordinária, sensível e flagrante entre o montante da pena convencionada e o montante dos danos a reparar, sendo insuficiente a mera superioridade ou uma pequena desproporção face aos danos.

III– O ónus de alegação e prova da desproporção, com as características aludidas em II, entre o montante da pena convencionada e o montante dos danos a reparar incumbe ao locatário.


Sumário (elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade - art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO:


Por apenso à execução contra si intentada por C., SA, vieram os executados A. e B. deduzir os presentes embargos de executado, onde, pese embora confirmem o não cumprimento das obrigações a que se haviam vinculado para com o Banco exequente, impugnam a validade da cláusula penal inserta no contrato de locação financeira imobiliário, que reputam de nula, porquanto desproporcional aos danos a ressarcir e por consubstanciar uma alteração das regras respeitantes à distribuição do risco.

O Exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição à execução.

Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual foi proferido despacho saneador, que selecionou a matéria de facto assente e a matéria de facto controvertida relevante para a decisão da causa.
Foi realizada a audiência final, com a produção de prova testemunhal, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida, seguida de prolação de sentença que julgou a presente oposição à execução improcedente.

Inconformados, os Executados recorrem desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A)- Por não se conformarem com a douta decisão os Rtes vêm interpor recurso da sentença sub judice quanto à decisão de julgar improcedente a oposição à execução apresentada, o qual tem por objecto a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, na medida em que o Tribunal a quo fez uma incorrecta valoração da prova produzida nos autos, com a consequente incorrecção do julgamento da matéria de facto dada como provada e não provada, bem como, uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados.
B)- Os Rtes em sede de oposição à execução impugnaram a validade da clausula penal resultante do contrato de locação financeira imobiliário, entendendo-a como nula, uma vez que é desproporcional aos danos a ressarcir ao Recorrido (em face do não cumprimento das obrigações a que os Rtes se obrigaram) e por consubstanciar uma alteração às regras respeitantes à distribuição do risco, não tendo a mesma sido livremente convencionada, uma vez que se trata de uma clausula contratual geral.
C)- Assim, no âmbito da celebração do contrato de locação financeira imobiliária, constava nas condições gerais do contrato assinado, que em caso de incumprimento do mesmo pelos Rtes, seria devida, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas.
D)- Ora entenderam os Rtes que tal clausula é nula porquanto proibida nos termos do art. 19º al. c) do Dl 446/94, uma vez que são proibidas clausulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
E)- Ora resultou provado que os Rtes liquidaram cerca de € 200.000,00 (duzentos mil euros) em prestações mensais, sendo que o valor do contrato se cifrou em €597.000,00, o qual incluiu € 125.000,00 para obras de beneficiação, as quais se mantiveram incorporadas no imóvel, valorizando-o;
F)- E que só o valor da indemnização a liquidar era de € 102.354,96.
G)- Ora, da prova produzida em audiência de julgamento, não ficou provado qualquer prejuízo para o banco a quem foi restituído o imóvel, bem como foi liquidado cerca de metade do valor do contrato de leasing;
H)- Muito menos ficou provado qualquer prejuízo em face da entrega do imóvel apenas em 2012, porquanto nas circunstâncias em que o centro comercial se encontrava, “parado”, “fechado”, nas palavras das testemunhas, nunca seria possível ao Rdo vender ou locar o imóvel em causa.
I)- Pelo que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova produzida, para não dizer totalmente contraditória, até porque não foi apurado qualquer valor efectivo de prejuízo.
J)- E claro que a clausula que estabelece uma indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas, é desproporcional ao dano a ressarcir, uma vez que no momento em que o contrato foi celebrado o imóvel estava avaliado em € 728.863,43, em 2015, data muito posterior à entrega do imóvel em 2012 estava avaliado patrimonialmente em € 376.365,45;
K)- Ou seja, avaliado quase no mesmo valor do contrato de leasing sem as obras.
L)- Ademais o fecho do centro comercial não se ficou a dever ao incumprimento do contrato mas sim à conjuntura económica que conduziu a que as 200 lojas do centro comercial fechassem, culminando com o encerramento do centro comercial, em finais de 2011, inícios de 2012.
M)- Não podem os Rtes serem condenados a liquidar uma clausula penal daquele montante quando 1 ano e meio depois (a partir de Julho de 2010) o Centro comercial acabaria por fechar.
N)- Por força do art. 19º al. c) DL 446/85, de 25 de Outubro, o qual dispõe que: São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as clausulas contratuais gerais que:
(…)
c)- Consagrem clausulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”
O)- Ao serem julgadas proibidas são nulas, nos termos do art 12º do mesmo diploma legal
P)- E bem assim, por não se enquadrar no art. 810 nº 1 do Código Civil, nem na norma prevista no art. 801º n º 2, também deste diploma legal
Q)- Na medida em que ao contrário considerar como válidas estaríamos perante uma penalização desproporcionada aos danos a ressarcir e a uma alteração das regras respeitantes à distribuição do risco.
R)- Ao contrato de locação financeira assinado é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, uma vez que as clausulas do mesmo não são sujeitas a prévia negociação individual
S)- Na medida em que os proponentes ou destinatários indeterminados, como é o caso dos Rtes, se limitam, respectivamente, a subscrever e aceitar, regem-se por aquelas cláusulas, conforme art.1º daquele diploma legal
T)- Ainda assim, a cláusula que o Rdo invoca para peticionar a indemnização destina-se a ressarcir aquela de danos;
U)- Porém, não demonstrou, nem ficou provado quais os danos a ressarcir.
V)- Por outro lado o contrato foi resolvido nos termos do art. 433º e 289º nº 1 do Código Civil, tendo sido restituído o imóvel.
W)- Cumulando a clausula penal e a restituição do imóvel o Rdo enriquecerá ilegitimamente, porquanto fica na posse, enquanto proprietário, de um imóvel que vale mais do que a quantia exequenda, e ainda pretende ser indemnizado pelas rendas vincendas e juros, bem como, pelo valor residual do imóvel.
X)- Neste sentido a clausula que confere ao locador o direito de ser ressarcido nestes termos é claramente desproporcional aos danos a ressarcir.
Y)- “Como observa Menezes Cordeiro e já se decidiu este supremo, a resolução do contrato não é compatível com a clausula penal de recepção de rendas vincendas, in Manual de Direito Bancário, pag. 559” – AC STJ de 18-03-2003
Z)- “Decidiu também este Supremo, que é nula a cláusula penal segundo a qual o locador pode exigir o pagamento das rendas vencidas, vincendas, juros e o valor residual, por haver desproporção entre a sanção prevista e o eventual prejuízo do locador”- idem”.

A Exequente não contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II–DIREITO PROCESSUAL APLICÁVEL À TRAMITAÇÃO DA CAUSA

A petição inicial que deu início à presente oposição à execução deu entrada em Tribunal em 11 de Maio de 2012. Nesta data, vigorava o Código de Processo Civil de 1961, na redação resultante da Lei nº 29/2009, de 29/06.

Antes de ter sido proferido o despacho saneador, entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei nº 42/2013, de 26/06.

Nos termos do disposto no art. 6º, nº 1 desta Lei, o Código de Processo Civil de 2013 aplica-se às execuções pendentes à dada da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01/09/2013 – vd. art. 8º da mesma Lei.

Porém, de acordo com o nº 4 do citado art. 6º, o Código de Processo de 2013 só se aplica aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa que sejam deduzidos a partir da data da sua entrada em vigor.

A oposição à execução integra claramente esta categoria – neste sentido, cfr. Laurinda Gemas, in “O novo CPC e as normas transitórias constantes da Lei n.º 41/2013, de 26/06”, in O novo processo civil – Caderno I - Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, ebook publicado pelo CEJ, 2ª ed., Dezembro 2013, p. 38, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil_2edicao.pdf.

Pelo exposto, a tramitação da presente oposição à execução em primeira instância deve reger-se pelo Código de Processo Civil de 1961.

Por outro lado, o regime dos recursos interpostos de decisões que tenham sido proferidas a partir da data da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2013 (01/09/2013) é o previsto neste Código - neste sentido, cfr. Laurinda Gemas, in ob. e lugar citados, p. 39-41; e Ac. STJ de 21/05/2014, Maria dos Prazeres Beleza, acessível em www.dgsi.pt.

No caso dos autos, a decisão sobre matéria de facto, bem como a sentença foram proferidas em 23/03/2017, pelo que se conclui que o presente recurso se rege pelas normas do Código de Processo Civil de 2013.

III–QUESTÕES A DECIDIR

De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam. Porém, esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, págs. 114-116.

Nestes termos, no caso em análise, as questões a decidir são as seguintes:
- a impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto, circunscrita à resposta ao Ponto 1 da Base Instrutória, dada como não provada;
- a validade da cláusula penal inserta no contrato de locação financeira imobiliário.

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
C., S.A. instaurou ação executiva contra “D. Unipessoal, Lda.”, A. e B., para pagamento da quantia de € 232.355,22, decorrente do não pagamento de duas livranças:
1.- Livrança n.º 50090547968436780, no montante de € 200.259,71, emitida em 03/10/2006, com data de vencimento em 13/01/2012, subscrita pela sociedade “D. Unipessoal, Lda.” e avalizada por A. e B..
2.- Livrança n.º 500873631044951590, no montante de € 29.990,30, emitida em 20/04/2005, com data de vencimento em 10/01/2012, subscrita pela sociedade “D. Unipessoal, Lda.” e avalizada por A. e B..
B. A livrança referida em A.1. foi entregue ao Banco exequente em caução, para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato de locação financeira imobiliária n.º 450005208, celebrado em 03/10/2006 entre exequente e a sociedade executada.
C. O contrato de locação financeira imobiliária referido em B. tem por objeto a fração autónoma designada pela letra “BJ” integrada no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira com o registo n.º 1…, propriedade do exequente.
D. O contrato de locação financeira imobiliária referido em B. foi celebrado pelo prazo de 15 anos, estipulando-se o pagamento de 180 rendas mensais, no valor de € 3.675,51 cada, acrescida de despesas de processamento.
E. Nos termos da cláusula 11ª n.º 5 das condições gerais do contrato de locação financeira imobiliária referido em B. a «resolução do contrato não exonera o locatário do dever de cumprimento de todas as suas obrigações que à data se encontrarem vencidas, ou cujo facto gerador tenha ocorrido anteriormente à resolução, e confere ao locador, para além de conservar as rendas vencidas e não pagas, o direito de receber do locatário, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral por maior dano».
F. A sociedade executada não procedeu ao pagamento das responsabilidades em dívida decorrentes do contrato de locação financeira imobiliária referido em B. a partir da 44ª renda.
G. A importância pela qual foi preenchida a livrança referida em A.1. compreende:
€ 95.851,59 de capital e juros
€ 102.354,96 de indemnização
€ 2.053,76 de outros valores
H. A livrança referida em A.2. foi entregue ao Banco exequente em caução, para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato de abertura de conta dinâmica, celebrado em 20/04/2005 entre exequente e a sociedade executada.
I. No âmbito do contrato de abertura de conta dinâmica referido em H. o exequente concedeu à sociedade executada uma abertura de crédito no valor de € 25.000,00, que a mesma utilizou na sua totalidade.
J. A sociedade executada não procedeu ao pagamento das responsabilidades em dívida decorrentes do contrato referido em H.
K. A importância pela qual foi preenchida a livrança referida em A.2. compreende:
€ 25.000,00 de capital
€ 4.585,61 de juros
€ 71,32 de despesas
€ 183,42 de imposto de selo
€ 149,95 de selagem do título
L. O imóvel objeto do contrato de locação financeira imobiliária referido em B. desvalorizou desde a data da celebração do contrato”.
*

Na decisão recorrida foram julgados não provados os factos constante do Ponto 1 da Base Instrutória, ou seja:
A exequente não sofreu danos decorrentes do incumprimento do contrato de locação financeira imobiliária referido em B.”.

V–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a fazer.

Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resulta deste último preceito legal, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Por isto, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes; e incumbe ao recorrido indicar os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem também sido entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência que, ao abrigo do disposto no art. 662º do Cód. Proc. Civil, a Relação goza dos mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Por isto, a Relação deve apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e/ou aquelas que se mostrem acessíveis, por constarem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. art. 413º do Cód. Proc. Civil). O que significa que a Relação procede a uma apreciação autónoma da prova impugnada, competindo-lhe formar e formular a sua própria/autónoma convicção (que poderá coincidir, ou não, com a formada em primeira instância), assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto. Acresce que, pese embora recaía sobre o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados e o sentido de tal alteração, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640º do Cód. Proc. Civil, a Relação não está vinculada a optar entre alterar a decisão no sentido defendido pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, dispondo de inteira liberdade para apreciar a prova, balizada pelos mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada (com excepção dos aspectos intrínsecos à imediação e à oralidade). Desta forma, poderá o Tribunal da Relação confirmar a decisão, decidir em sentido contrário ou, mesmo, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo - cfr., neste sentido, nomeadamente, António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, pág. 283 e ss.
Por outro lado, de acordo com o princípio que vigora no nosso ordenamento jurídico, da liberdade de julgamento ou da prova livre (cfr. nº 5 do art. 607º do Cód. Proc. Civil), que se contrapõe ao princípio da prova legal, o Tribunal da Relação aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
Especificamente no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas – relevante para a apreciação das questões suscitadas neste recurso, como se virá infra –, dispõe o art. 396º do Cód. Civil, na esteira do citado art. 607º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, que a mesma se encontra sujeita à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-la em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência. Esta livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional, antes pelo contrário, exige-se uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como na percepção da personalidade dos depoentes, para que a mencionada convicção resulte perceptível e objectivável. Toda a valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr., a este propósito, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, p. 435/436.
Entendem os apelantes que os factos constantes do Ponto 1 da Base Instrutória devem ser dados como provados face ao teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Relembramos o teor do referido Ponto 1 da Base Instrutória, que não foi considerado provado:
A exequente não sofreu danos decorrentes do incumprimento do contrato de locação financeira imobiliária referido em B”.
(…)

Neste circunstancialismo, concluímos, como fez o Tribunal recorrido, que não foi produzida prova suficiente para ter por provados os factos vertidos no Ponto 1 da Base Instrutória.

Assim, improcedem todas as conclusões dos apelantes relativas à impugnação da matéria de facto, e decide-se manter a decisão sobre a resposta dada ao Ponto 1 da Base Instrutória.
*

Porém, compulsados os autos, concluímos que, nos factos que foram considerados como “assentes/provados” na sentença recorrida (cfr. fls. 217, parte final, a fls. 218 verso, parte inicial), existe uma omissão de um facto relevante para a decisão da causa, facto esse, que foi dado como assente, desde logo, na audiência preliminar “por documento/por acordo”, a saber: o facto enunciado na alínea L) do despacho saneador proferido em 14/11/2016 (cfr. fls. 190 a 192, maxime, fls. 191 verso), com o seguinte teor: No dia 28/07/2012 foi entregue ao Banco exequente a fracção referida na alínea C.”.

Porquanto:
- tal facto foi considerado assente no referido despacho saneador, não tendo sido suscitada oportunamente qualquer reclamação sobre tal despacho;
- a veracidade de tal facto (com excepção do dia concreto ali referido: cfr. infra) resulta da apreciação crítica, conjugada e objectiva (baseada nas regras da lógica e do conhecimento do cidadão médio comum) do teor do documento junto a fls. 149 com os depoimentos das testemunhas inquiridas; e,
- não foi proferida nenhuma decisão pelo tribunal a quo sobre a eliminação daquele facto da matéria dada como provada;
importa aditar tal matéria aos factos assentes na sentença, pese embora rectificando-se o dia aposto como sendo o da entrega da fracção, porquanto dos elementos probatórios constantes destes autos (maxime, do documento junto a fls. 149 – “Auto de Entrega”) resulta que tal acontecimento ocorreu no dia 26/07/12 e não no dia 28/07/12, como mencionado na al. L) dos factos assentes no despacho saneador.
Assim, ao abrigo da faculdade concedida a este Tribunal da Relação pelo supra citado art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, decide-se aditar aos factos assentes na sentença recorrida, o seguinte facto, sob a alínea M):
“M. No dia 26 de Julho de 2012 foi entregue ao Banco exequente a fracção referida na alínea C”.

Pelo exposto, a factualidade dada como assente nesta acção é a seguinte:
“C., S.A.” instaurou ação executiva contra “D. Unipessoal, Lda.”, A. e B., para pagamento da quantia de € 232.355,22, decorrente do não pagamento de duas livranças:
1.- Livrança n.º 50090547968436780, no montante de € 200.259,71, emitida em 03/10/2006, com data de vencimento em 13/01/2012, subscrita pela sociedade “D. Unipessoal, Lda.” e avalizada por A. e B..
2.- Livrança n.º 500873631044951590, no montante de € 29.990,30, emitida em 20/04/2005, com data de vencimento em 10/01/2012, subscrita pela sociedade “D. Unipessoal, Lda.” e avalizada por A. e B..
B. A livrança referida em A.1. foi entregue ao Banco exequente em caução, para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato de locação financeira imobiliária n.º 450005208, celebrado em 03/10/2006 entre exequente e a sociedade executada.
C. O contrato de locação financeira imobiliária referido em B. tem por objeto a fração autónoma designada pela letra “BJ” integrada no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira com o registo n.º 1…, propriedade do exequente.
D. O contrato de locação financeira imobiliária referido em B. foi celebrado pelo prazo de 15 anos, estipulando-se o pagamento de 180 rendas mensais, no valor de € 3.675,51 cada, acrescida de despesas de processamento.
E. Nos termos da cláusula 11ª n.º 5 das condições gerais do contrato de locação financeira imobiliária referido em B. a «resolução do contrato não exonera o locatário do dever de cumprimento de todas as suas obrigações que à data se encontrarem vencidas, ou cujo facto gerador tenha ocorrido anteriormente à resolução, e confere ao locador, para além de conservar as rendas vencidas e não pagas, o direito de receber do locatário, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral por maior dano».
F. A sociedade executada não procedeu ao pagamento das responsabilidades em dívida decorrentes do contrato de locação financeira imobiliária referido em B. a partir da 44ª renda.
G. A importância pela qual foi preenchida a livrança referida em A.1. compreende:
€ 95.851,59 de capital e juros
€ 102.354,96 de indemnização
€ 2.053,76 de outros valores
H. A livrança referida em A.2. foi entregue ao Banco exequente em caução, para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato de abertura de conta dinâmica, celebrado em 20/04/2005 entre exequente e a sociedade executada.
I. No âmbito do contrato de abertura de conta dinâmica referido em H. o exequente concedeu à sociedade executada uma abertura de crédito no valor de € 25.000,00, que a mesma utilizou na sua totalidade.
J. A sociedade executada não procedeu ao pagamento das responsabilidades em dívida decorrentes do contrato referido em H.
K. A importância pela qual foi preenchida a livrança referida em A.2. compreende:
€ 25.000,00 de capital
€ 4.585,61 de juros
€ 71,32 de despesas
€ 183,42 de imposto de selo
€ 149,95 de selagem do título
L. O imóvel objeto do contrato de locação financeira imobiliária referido em B. desvalorizou desde a data da celebração do contrato”.
M. No dia 26 de Julho de 2012 foi entregue ao Banco exequente a fracção referida na alínea C”.

Sendo à luz destes factos que teremos que apreciar o mérito da causa, o que se passa a fazer.

Do mérito da causa
No caso dos autos, é matéria incontroversa que estamos perante um típico e nominado contrato de locação financeira de coisa imóvel.

Designa-se locação financeira o contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga, mediante remuneração, a ceder à outra (locatário) o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, ficando este último investido no direito de a adquirir em prazo e por preço determinados - cfr. art. 1º do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira (RJCLF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24/06, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei nº 265/97, de 02/10, nº 285/2001, de 03/11, e nº 30/2008, de 25/02.

Quanto à noção de locação financeira, ensina Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 3.ª Edição, 2008, Almedina, p. 555: que é o contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro - o gozo temporário duma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário.”.

Resulta do regime legal do contrato de locação financeira que: o locador (instituição financeira) entrega ao locatário um bem móvel ou imóvel, por este escolhido, tendo em conta o fim visado, e adquirido pelo locador, para o locatário usar e fruir pelo tempo de duração acordado no contrato (não podendo ultrapassar 30 anos – nº 2 do art. 6º do RJCLF), tendo direito, no termo do contrato, de exercer a opção de compra do bem em causa, pelo valor residual previamente fixado, correndo por conta e risco do locatário, salvo acordo em contrário, a perda ou deterioração do bem, sendo obrigado a conservar e a reparar o bem em causa e, bem assim, a restituí-lo no fim do contrato, caso não opte pela compra, em bom estado, salvo as deteriorações decorrentes duma utilização normal (art. 10º do RJCLF).

Por isto, o contrato de locação financeira é considerado como tendo essencialmente a natureza de um negócio de crédito (Menezes Cordeiro, ob. citada, p. 563), ou, como refere Luís Menezes Leitão, in “Garantias das Obrigações”, 4.ª Edição, 2012, p. 245, uma operação de financiamento próxima do mútuo”, uma “verdadeira garantia”.

Por força do contrato, o locatário fica também adstrito, nomeadamente, à obrigação de remunerar a cedência do gozo do bem, através do pagamento, no lugar e no momento convencionados, das rendas acordadas (arts. 1º e 10º, nº 1, al. a), do RJCLF).

Trata-se, pois, de um contrato bivinculante, sinalagmático e oneroso (do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida umas das outras e ambas suportando esforço económico), temporário, mas originando relações duradouras e de feição financeira – cfr. Menezes Cordeiro, in ob. citada, p. 558.

A não realização da referida prestação pecuniária por parte do locatário é idónea, dadas certas condições, a facultar ao locador o direito potestativo extintivo de resolução do contrato (cfr. art. 17º do RJCLF).

A resolução é uma forma de extinção dos contratos (cfr. art. 433º do Cód. Civil), podendo operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (cfr. art. 432º, nº 1 do Cód. Civil). O caso mais evidente de resolução com base legal é o que ocorre perante o incumprimento definitivo do contrato: quando uma das partes não cumpra um contrato bilateral tem a outra direito à resolução.

O contrato de locação financeira pode ser resolvido, nos termos gerais, por incumprimento das obrigações da outra parte, sendo inaplicáveis as normas específicas do Código Civil relativas à locação – cfr. art. 17º, nº 1 do RJCLF.
De acordo com o disposto no nº 2 do art. 801º do Cód. Civil, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.

Em anotação a este preceito legal, realçam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª edição, p. 58, “(…) o credor pode ter tido prejuízos. Em relação a eles há direito à respetiva indemnização. (…) O direito à resolução e à restituição da contraprestação existe, na verdade, independentemente do direito à indemnização. (…) A indemnização a que o credor tem direito, quando opte pela resolução do contrato, refere-se obviamente ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, nomeadamente ao lucro que o credor teria tido, se não fora a celebração do contrato resolvido.”.

O que significa que, como se escreve no Ac. da Relação de Lisboa de 20/05/2003, Roque Nogueira, acessível em www.dgsi.pt: “não há incompatibilidade lógica entre a resolução e a indemnização pelo não cumprimento, que são cumuláveis. Ou seja, a ficção legal da destruição do contrato como consequência da sua resolução, equiparada à da declaração de nulidade (cfr. o art. 433º, do C. Civil), não obsta à sobrevivência de cláusula penal pensada, precisamente, para a eventualidade de resolução por incumprimento (cfr. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento» e «A Resolução por Incumprimento e a Indemnização», in «Obra Dispersa», vol. I, págs. 175 e segs. e 209 e segs., respectivamente, citado no Acórdão da Relação do Porto, de 23/11/93, C.J., Ano XVIII, tomo V, 225, Pinto Monteiro, «Cláusula Penal e Indemnização», págs. 692 e 693 e Diogo Leite de Campos, «Análise Tipológica do Contrato de Locação Financeira», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LXIII, pág. 36).”.

Para o que aqui importa, os contratos de locação financeira estabelecem, usualmente, em paralelo com a faculdade de resolução conferida ao locador financeiro, o direito deste às rendas vencidas e aos juros de mora e o direito do locador a outras indemnizações. Estas cláusulas assumem a natureza de cláusula penal (cfr. art. 810 do Cód. Civil), uma vez que se destinam a sancionar o não cumprimento – ou não cumprimento perfeito – das obrigações que para o locatário emergem do contrato.

Como é consabido, a cláusula penal consagrada no art. 810º do Cód. Civil resulta de um acordo das partes, no âmbito do princípio da liberdade contratual, e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização (antes de ocorrer o facto constitutivo de responsabilidade), normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer ao credor em situações de inadimplemento, cumprimento a destempo ou cumprimento defeituoso da obrigação, com intuito de se evitarem futuras dúvidas e litígios entre as partes, quanto à determinação do montante da indemnização.

Nas palavras de Castro Mendes, in “Teoria Geral”, 1968, 3º, p. 345, trata-se de uma "cláusula sobre o montante da responsabilidade", que não visa apenas estabelecer uma sanção para o incumprimento das obrigações contratuais, mas, também, fixar, previamente, a forma de cálculo da indemnização devida, em caso de incumprimento, por forma a que o credor da indemnização não tenha de provar, em acção judicial competente, com vista à sua validade e eficácia, a existência de danos, nem o montante dos prejuízos sofridos, já que o valor indemnizatório será aquele que as partes tiverem, antecipadamente acordado, prevenindo, portanto, dificuldades de cálculo da indemnização e dispensando o credor da alegação e prova do dano concreto.

A este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 3ª edição, Vol. II, p. 74, escrevem queo principal objetivo da cláusula penal é evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação do montante da indemnização”.

A essa finalidade também se refere Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 12ª edição, p. 799, salientando que por via de regra, todo o alcance da cláusula penal consiste em fixar um quantitativo indemnizatório que substitui o que o juiz arbitraria se aquela não existisse”. E acrescenta, “salvo convenção em contrário, é exigível sob os mesmos pressupostos da responsabilidade civil. Apenas com a diferença de que não há que apurar se o credor sofreu prejuízos efetivos e qual o montante destes. Precisamente, a estipulação de uma cláusula penal destina-se a dispensar tais averiguações e, por conseguinte, também a prova do nexo de causalidade entre o facto e quaisquer danos”.

O devedor, vinculado à cláusula penal, não se encontra obrigado ao ressarcimento do dano que, efectivamente, cause ao credor com o incumprimento, mas antes à compensação do prejuízo, negocial e antecipadamente fixado, através da cláusula penal, sempre que não tenha sido pactuada a indemnização pelo dano excedente, nos termos do disposto pelo art. 811º, no 2 do Código Civil – cfr. Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., 2007, p. 248/249.

Actualmente, da doutrina e da jurisprudência retiram-se os seguintes entendimentos sobre as diversas modalidades de cláusula penal:

- cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; visa liquidar, antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro - única figura expressamente prevista no art. 810º do Cód. Civil;

- cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhum deles;

- cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes, nesta última hipótese, a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização.

Cfr., por todos, a propósito desta tripla modalidade de cláusula penal, na doutrina: António Pinto Monteiro, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 141º, no 3972, p. 177 e ss; Nuno Manuel Pinto de Oliveira, in “Cláusulas Acessórias ao Contrato, Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar e Cláusulas Penais”, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 73 a 78; e na jurisprudência: Acórdãos do STJ de 18/11/97, BMJ nº 471, p. 380, de 09/02/99, CJ, STJ, VII, I, p. 97, e de 27/09/2011, acessível em www.dgsi.pt.

A qualificação de uma concreta cláusula penal assenta na intencionalidade das partes ao convencioná-la, do interesse prático que com ela visam acautelar, ou seja, da finalidade prosseguida pelas partes.

O contrato de locação financeira é claramente compatível com a convenção de cláusulas penais, nomeadamente, para o que aqui interessa, de natureza indemnizatória – cfr., neste sentido, por todos, Ac. da Relação de Lisboa de 21/04/94, CJ, XIX, II, p. 124.

E, a este propósito, foi estipulado na Cláusula 11ª , nº 5 das condições gerais do contrato de locação financeira imobiliária em causa nos autos, que a “resolução do contrato não exonera o locatário do dever de cumprimento de todas as suas obrigações que à data se encontrarem vencidas, ou cujo facto gerador tenha ocorrido anteriormente à resolução, e confere ao locador, para além de conservar as rendas vencidas e não pagas, o direito de receber do locatário, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual, sempre sem prejuízo, porém, do direito à reparação integral por maior dano”cfr. al. E) dos Factos Provados.

Os apelantes, em sede de recurso, defendem a nulidade de tal cláusula, porque proibida, por violação do disposto no art. 19º, al. c) da Lei das Cláusulas Contratais Gerais.

Na decisão recorrida, considerou-se válida a referida cláusula, nos termos daquele preceito legal, por não ser tida como desproporcionada face aos danos que visa ressarcir.

O Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 (com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei nº 220/95, de 31/08, nº 249/99, de 07/07, e nº 323/2001, de 17/12 - LCCG) estabelece o regime das cláusulas contratuais gerais.

Como ensina Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 3ª Edição, 2008, p. 366/367, as cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar”. A noção básica pode ser decomposta em vários elementos esclarecedores. Assim:

- a generalidade: as cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; no primeiro caso, certos utilizadores propõem a uma generalidade de pessoas certos negócios, mediante a simples adesão; no segundo, certos utilizadores declaram aceitar apenas propostas que lhes sejam dirigidas nos moldes das cláusulas contratuais pré-elaboradas; podem, naturalmente, todos os intervenientes ser indeterminados, sobretudo quando as cláusulas sejam recomendadas por terceiros;

- a rigidez: as cláusulas contratuais gerais devem ser recebidas em bloco por quem as subscreve ou aceite; os intervenientes não têm a possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo, nelas, alterações.”.

Também Inocêncio Galvão Telles, in “Manual dos Contratos em Geral”, 4.ª edição, p. 318, se refere às cláusulas contratuais gerais como se tendo em vista, em princípio, as cláusulas elaboradas, sem prévia negociação individual, como elementos de um projeto de contrato de adesão, destinadas a tornar-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar esse projeto”.

É matéria incontroversa nestes autos (e nem assim poderia deixar de ser, face às particularidades do contrato celebrado) que o contrato de locação imobiliária em causa nos autos contém cláusulas contratuais gerais, caracterizadas pela sua generalidade ou pré-elaboração, elaboradas pela locadora e aceites pela locatária, nomeadamente, a Cláusula 11º, nº 5 em questão.

De acordo com a alínea c) do art. 19.º, com a epígrafe Cláusulas relativamente proibidas”, da LCCG: “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.

Salienta Menezes Cordeiro, in ob. cit., p. 523: “A referência ao “quadro negocial padronizado” pretende, justamente, explicitar que a concretização das proibições relativas deve operar perante as cláusulas em si, no seu conjunto e segundo os padrões em jogo”, nomeadamente se a cláusula penal é excessiva tendo em conta esse tipo de contrato, aferido em abstrato e não em concreto. A este propósito, adianta também Inocêncio Galvão Telles, in ob. cit., p. 326, que estas cláusulas são vedadas ou não, consoante ou não devam considerar-se responsáveis à face de padrões normais aplicáveis ao tipo de contrato em que se inserem”.
Assim, no que respeita às cláusulas relativamente proibidas o intérprete terá de analisar a cláusula no seio de todo o conjunto contratual genericamente predisposto, não sendo de considerar as vicissitudes particulares do negócio individual realizado – cfr. Acórdãos do STJ de 12/6/2007 e de 20/1/2012, acessíveis em www.dgsi.pt.

No caso dos autos, a locatária incumpriu o contrato de locação, que foi resolvido pela locadora, a quem foi, então, entregue o bem objecto da locação (cfr. factualidade provada, maxime, als. F) e M), estando em causa meramente, e como se viu, a Cláusula 11ª, nº 5 do contrato de locação, que prevê o direito do locador, em caso de resolução, a exigir o pagamento de uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual.

Perante cláusulas iguais à dos autos, o entendimento maioritário da jurisprudência mais recente tem sido o de defender a sua validade e, ainda, o de considerar que tais cláusulas, em abstracto, não se afiguram como desproporcionais. Neste sentido, cfr., por todos, Acs. do STJ de 21/05/98, Garcia Marques, de 03/10/2002, Araújo de Barros, e de 07/06/2005, Fernandes Magalhães; e Acs. da Relação de Lisboa de 20/05/03, Roque Nogueira, e de 15/12/05, Olindo Geraldes –todos, acessíveis in www.dgsi.pt,e, ainda, os acórdãos do STJ, de 09/03/1993 (CJ-STJ, Ano I, T. 2, p. 8) e de 09/02/1999 (CJ-STJ, Ano VII, T. 1, p. 97), citados no aludido Acórdão da Relação de Lisboa de 15/12/05.
Em defesa da não desproporcionalidade, em abstracto, de tais cláusulas em relação aos danos a ressarcir, escreve-se, no citado Ac. do STJ de 21/05/98, que
“(…) o contrato de locação financeira é um contrato que exige determinadas especialidades, ao impor uma vultuosa mobilização de capitais por parte da locadora com vista à aquisição e disponibilidade dos bens locados e, por outro lado, tendo presente o elevado risco que aquela corre, tendo, designadamente, em vista o desgaste do equipamento locado que o pode tornar sem aproveitamento ou sem préstimo.

Como já se disse, a renda destina-se a cobrir a amortização financeira global do custo do investimento, abrangendo, assim, quer a amortização do bem locado, quer a retribuição pela utilização deste e até o risco suportado pela empresa locadora - cfr. Maria Teresa Veiga de Faria, loc. cit.

E é este risco que tem primordial importância para a locadora. Na verdade, se o locatário, decorrido o prazo do contrato, não adquiriu o bem locado, aquele locador arrisca-se; mercê do desgaste naturalmente verificado naquele bem em consequência do uso prolongado, a ter que aceitá-lo como produto sem valor ou de reduzido valor comercial.”.

Na defesa deste entendimento, pode ainda ler-se: no supra citado Ac. da Relação de Lisboa de 20/05/02 que: “(…) tem-se entendido que no contrato de locação financeira existem fortes riscos por parte da entidade locadora, designadamente, os derivados dos elevados encargos financeiros com a aquisição de equipamentos, da deterioração e da dissipação dos bens locados, da dificuldade de revenda e de recolocação dos mesmos bens, assim como do longo período que medeia entre a data da resolução do contrato e a data da entrega do equipamento.”; no supra citado Ac. da mesma Relação de 15/12/05, que: “Com efeito, tendo em conta o cariz essencialmente financeiro da locação financeira, a implicar para a locadora uma mobilização assinalável de capitais, de modo a adquirir e a disponibilizar o respectivo bem, assim como um elevado risco, resultante do desgaste desse mesmo bem, a indemnização previamente fixada, pelo incumprimento contratual da locatária, revela-se adequada ao negócio celebrado, não podendo considerar-se excessiva.”; e, ainda, no supra citado Ac. de 03/10/2002 que: “Há que começar por atentar em que, por um lado, o locador sofre, neste tipo de contratos um elevado risco, atendendo a que o uso do bem pelo locatário, nomeadamente quando o contrato perdure por tempo considerável, conduz por norma à desvalorização comercial da coisa pelo facto de ter deixado de ser nova; e, por outro lado, ao forte investimento feito pela locadora, assegurando a utilização pelo locatário de um bem que previamente adquiriu.

Doutro passo, como geralmente acontece nos casos de resolução por incumprimento, não obtém o locador, de imediato, a posse da coisa, mantendo-se esta, por mais ou menos largo período, em poder do locatário, que já deixou de satisfazer, por vezes, amiudadas rendas vencidas.
Por último sempre será de atender aos benefícios que o locador poderia ter auferido se, em vez de a ter locado ao primeiro réu, em execução do contrato, a tivesse locado a terceiro cumpridor, tanto quanto é óbvio que o locador ganha bem mais com o cumprimento do contrato do que com a sua resolução
.”.

Porque perfilhamos este entendimento, atenta a manifesta razão dos argumentos aduzidos na sua defesa, resta concluir que, no caso dos autos, a Cláusula posta em crise pelos apelantes é valida, em termos abstractos.

Cumpre, então, analisar se sê-lo-á também a nível concreto.

E, adianta-se, desde já, que forçoso é entender que a Cláusula em causa nos autos é também válida numa análise em concreto do seu teor, face à concreta factualidade que ficou provada nos autos.

Vejamos.

A citada alínea c) do art. 19.º da LCCG exige, tal como também tem vindo a ser entendido de forma pacífica, que a cláusula seja desproporcionada aos danos a ressarcir”, ou seja, tem de existir uma desproporção evidente, substancial, extraordinária, sensível e flagrante entre o montante da pena convencionada e o montante dos danos a reparar, sendo insuficiente a mera superioridade ou uma pequena desproporção face aos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer – Acs. do STJ de 29/01/03, Joaquim de Matos, e de 12/06/07, Moreira Camilo.

Pode ler-se neste último Acórdão, de forma deveras elucidativa, que: É o que resulta, por um lado, da comparação com o conceito de abuso de direito segundo o qual a violação das regras da boa fé para o instituto funcionar exige que haja uma violação manifesta, sendo que, como dissemos já, a boa fé está subjacente à introdução das proibições do tipo da aqui em apreço.
Por outro lado a finalidade compulsória inerente à fixação da cláusula penal exige a existência de um certo grau de desproporção, sob pena de inviabilizar os referidos fins compulsórios.

Além disso, estando em causa a regulação do comércio jurídico entre particulares, o princípio da liberdade contratual fixado no art. 405º, nº 1 do Cód. Civil não deve ceder senão quando se levantaram razões com um certo grau de relevância social, o que nos não parece verificar no caso de a cláusula contratual geral apenas permitir uma pequena desproporção entre o dano a reparar e a pena fixada (…).”.

A este propósito, também Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in "Cláusulas Contratuais Gerais", Coimbra, 1986, p. 46/47, defendem que deve entender-se, "de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível".

No caso dos autos, resulta dos Factos Provados sob as als. C), D), B), F)-a contrario, L), M), e G), respectivamente – com interesse para a questão ora em apreciação – (os únicos que ficaram provados: cfr. o que se dirá infra sobre o ónus de prova) que: o contrato tem como objecto um imóvel; foi celebrado pelo prazo de 15 anos, com início em Outubro de 2006, tendo a locatária a obrigação de proceder ao pagamento de 180 rendas mensais, no valor unitário de € 3.671,51, ou seja, o valor total de € 661.591,80; a locatária cumpriu o contrato durante 43 meses e pagou voluntariamente a quantia total de € 158.046,93 (€ 3.671,51 x 43), ficando, pois, por cumprir cerca de dois terços de duração do contrato e por pagar € 503.544,87 (€ 661.591,80 - € 158.046,93); para além disso, o imóvel objecto do contrato desvalorizou desde a data de celebração do contrato e só foi entregue à locadora em Julho de 2012; por sua vez, o valor da indemnização exigida pelo apelado ao abrigo da cláusula penal em apreciação ascende a € 102.354,96.

Face a esta factualidade – e não também a qualquer outra, que provada não foi -, não se vê que haja uma desproporção sensível entre os danos e a indemnização exigida a título de cláusula penal, surgindo a referida indemnização resultante da cláusula penal (de € 102.354,96) perfeitamente ajustada ao concreto negócio celebrado.

Na verdade, não pode, sem mais, ou seja, sem que de tal tenha sido feita prova (nomeadamente da inexistência de prejuízos para o locador), concluir-se que a questionada cláusula é desproporcionada aos danos a ressarcir.

E, pretendendo os apelantes valer-se da desproporção da aludida cláusula, que importasse a sua nulidade – e uma vez que tal nulidade constitui uma excepção peremptória –, incumbia aos próprios apelantes o ónus de alegação e prova dos factos concretos e específicos que demonstrassem qualquer relevante desproporção (nomeadamente, a inexistência de danos ou prejuízos para o locador) de acordo com o disposto no art. 342º, nº 2 do Cód. Civil – cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 21/05/98 e de 15/12/98 (já anteriormente citados), de 09/02/99, Lopes Pinto, e de 03/06/03, Pinto Monteiro, ambos acessíveis em www.dgsi.pt; e Ac. da Relação de Lisboa de 20/05/03 (já anteriormente citado).

Desta forma, consideramos que a citada cláusula contratual também não é, em termos concretos, desproporcionada aos danos que visa reparar e, por isso, não cai na proibição da al. c) do art. 19º do Dec.-Lei nº 446/85 de 25/10, sendo válida.

Na sentença recorrida foi chamado à colação o art. 812º do Cód. Civil.

Nas palavras de Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1990, p. 730, este preceito legal encerra um princípio de alcance geral, destinado a corrigir abusos no exercício da liberdade contratual, sempre possíveis em razão da ligeireza, da precipitação ou da menor reflexão com que as partes actuam, males estes não raro induzidos pela pressão que a escassez de tempo para bem decidir coloca sobre os contraentes.

Todavia, como escreve Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., 2007, p. 274: "A decisiva condição legal da intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva, - não basta uma cláusula excessiva, cuja pena seja superior ao dano -, de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra de excesso extraordinário, enorme, que salte aos olhos. Tem de ser, portanto, uma desproporção evidente, patente, substancial e extraordinária, entre o dano causado e a pena estipulada, mas já não a ausência de dano em si".

O juiz tem, pois, o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva. É que, como esclarecem Calvão da Silva, in ob. cit., p. 274, e Pinto Monteiro, in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, p. 142 e nota (306), a qualificação de uma cláusula como, manifestamente, excessiva não se identifica com a cláusula, meramente, excessiva, em que a pena seja superior ao dano.

Para o reconhecimento que se está perante uma cláusula "manifestamente excessiva", tendo o objectivo da redução da pena o efeito jurídico de modificar o direito do credor, a mesma deverá ser perspectivada como uma excepção de direito material, cujo ónus de alegação e prova caberá ao devedor. A este caberá, assim, alegar e provar os factos que integrem o manifesto excesso, devendo tal excesso ser analisado diferentemente consoante esteja em causa uma cláusula penal indemnizatória - em que o excesso será sempre uma não relação entre a pena e os danos efectivos - ou perante uma cláusula penal exclusivamente compulsória - em que o excesso deverá resultar da enormidade da pressão representada pelo valor da cláusula.

É que, para aferir do carácter excessivo da cláusula, esclarece Calvão da Silva, in ob. cit., p. 274, o juiz terá "de atender à natureza e condições de formação do contrato" e "à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económico-social, os seus interesses legítimos patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo do credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (aspecto importante, senão mesmo determinante); ao carácter forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório.".

No caso dos autos, e atendendo à concreta factualidade provada sob as als. C), D), B), F)-a contrario, L), M), e G), acima evidenciada, constata-se que, nada de concreto se provou, designadamente no sentido da evidência de uma clara situação de iniquidade, que importe a conclusão de estarmos perante uma cláusula penal particularmente exagerada quando confrontada com os danos efectivos, que justifique a sua redução, designadamente ao abrigo do art. 812º do Cód. Civil, sendo de salientar que, como se viu supra, também em sede da redução prevista neste preceito legal, o ónus de prova dos factos que integrem o “manifesto excesso” incumbia aos devedores, ora apelantes – o que não lograram fazer.

Pelo exposto, a Cláusula (penal) prevista na Cláusula 11ª, nº 5 do contrato de locação financeira em causa nos autos não é desproporcional aos danos a ressarcir, nem importa qualquer “alteração das regras respeitantes à distribuição dos riscos”, como argumentado pelos apelantes (cfr., maxime, arts. 36º e 37º da P.I. e als. B), P) e Q) das Conclusões do recurso).

Resta fazer umas breves considerações quanto ao demais aduzido nas alegações e Conclusões do recurso, pese embora a improcedência de todos esses argumentos resulte já evidenciada de tudo o que anteriormente se deixou explanado.

Repartição do ónus de prova sobre os prejuízos advenientes para a locador do incumprimento por parte da locatária: ao contrário do que invocam os apelantes (cfr., maxime, arts. 41º e 42º da P.I. e als. T), U) das Conclusões do recurso), e como já foi explicitado antes (cfr. fls. 20 a 22 deste Acórdão), face à natureza de cláusula penal que reveste a Cláusula em questão e de acordo com as características intrínsecas àquela realidade jurídica (resumindo de forma sintética o que acima se salientou: cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo; visando liquidar, antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro), não incumbia ao apelado provar os factos atinentes aos danos por si sofridos, mas, antes, aos apelantes provar que aquele não sofreu danos (ou que não os sofreu no quantum peticionado), por tal constituir matéria de excepção peremptória (cfr. art. 342º, nº 2 do Cód. Civil) – cfr. fls. 28 e 29 deste Acórdão.

Enriquecimento ilegítimo da ora apelada, por, em virtude da resolução do contrato, ter-lhe sido restituído o imóvel objecto do contrato e pretender ser indemnizada pelas rendas vincendas e juros e pelo valor residual (cfr., maxime, arts. 46º e 47º da P.I. e als. V) e W) das Conclusões do recurso): ao contrário do que invocam os apelantes, e como já foi explicitado antes (cfr. fls. 19/20 deste Acórdão), não existe qualquer incompatibilidade legal, nem lógica entre a resolução e a indemnização pelo não cumprimento, que são cumuláveis, não importando, por isso, de per si, qualquer enriquecimento ilegítimo do apelado, nem tal resultou provado da concreta factualidade assente nos autos.

Por todo exposto, inexiste fundamento para que seja declarada nula a Cláusula 11ª, nº 5 do contrato de locação financeira em causa, sendo a mesmo perfeitamente válida, como se concluiu na sentença recorrida, pelo que resta decidir pela respectiva manutenção, julgando-se improcedente a apelação.
 
VI.–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em:
A- Alterar a decisão sobre matéria de facto fixada na sentença recorrida, nos termos expostos na fundamentação do presente Acórdão;
B- Julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
*


Lisboa, 24 de Setembro de 2019


(Cristina Silva Maximiano)
(Maria Amélia Ribeiro)
(Dina Maria Monteiro)

Decisão Texto Integral: