Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1620/12.6TVLSB.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ACTO MÉDICO
CLÍNICA
MÉDICO
ERRO DE TRATAMENTO
NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 5.1. -Tendo uma paciente celebrado com clínica privada um contrato de prestação de serviços médicos dentários, é a referida instituição que responde civilmente e exclusivamente no caso da ocorrência de danos causados à paciente em sede de execução de actos médicos realizados pela médica [ na qualidade de “auxiliar” no cumprimento da obrigação contratual a que se vinculou a clínica e nos termos do artº 800º, do CC ] que para a clinica presta a sua actividade profissional.
5.2. - Não obstante o referido em 5.1., certo é que o médico [ que não contratou com a paciente ] está sempre perante o paciente numa posição de titular de um dever geral de abstenção em face de direitos de personalidade como o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à integridade moral e o direito à reserva da intimidade da vida privada, razão porque a responsabilidade civil contratual da clínica pode coexistir – não a afastando – com a responsabilidade extracontratual do médico utilizado pela clínica;
 5.3. -  Em face do referido em 5.2., ocorrido um erro [ cometido a título de negligência, vg na previsibilidade do resultado e violação do dever de cuidado ] médico na modalidade de erro de tratamento e que se venha a traduzir numa ofensa á integridade física do paciente, o médico é assim também responsável civilmente perante o paciente, não respondendo exclusivamente apenas a clínica nos termos do arº 800º, do CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
                            
1.- Relatório.
A, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra
B  [  Z… – Clínicas Médicas, Ldª ];
C  [ L… – Clínicas Médicas, Ldª ] ;
D  [   Sorrisos ……, Ldª ] ;
E  [ Maria …….] ,  e
F   [ …..Portugal – Companhia de Seguros,SA].
PEDE a Autora que:
I) sejam as quatro primeiras RR. condenadas solidariamente e a quinta Ré subsidiariamente  [ caso exista contrato de seguro válido ] a pagarem-lhe :
a)  todas as despesas que vierem a ser necessárias para a sua reconstituição física, se isso for possível, em estabelecimento e por médico á sua escolha, a liquidar em execução de sentença;
b) a quantia de € 25.000,00 a título de indemnização pelo sofrimento infligido ;
c)  a quantia de € 50.000,00 a título de indemnização e  caso a reconstituição não seja possível, ainda que parcialmente;
d) a quantia de € 1.201,91 a título de despesas efectuadas pela A., com medicamentos e consultas ;
e) os juros de mora á taxa legal, sobre as quantias em que vierem a ser condenadas, desde 21 de Setembro de 2009 até integral pagamento, a liquidar em execução de sentença.
1.1. - Para tanto, alegou a demandante, em síntese, que:
- A 21 de Setembro de 2009 foi a autora submetida a uma exodontia dos dentes 1.8 e 3.8,  e , ainda que tenha sérias dúvidas a quem imputar a responsabilidade pelo acto médico em causa [ pelo qual pagou € 252,00 ], certo é que  durante a referida exodontia veio a Ré E  [ Maria …….] a cortar a língua da A., no respectivo lado esquerdo ;
-  nos dias seguintes e em consequência do aludido corte, sofreu dores, incapacidade para ingerir alimentos sólidos, dificuldades de expressão verbal e dificuldades em adormecer, razão porque contactou a Ré E que lhe referiu que se tratava de sintomas associados à extracção do dente e que deveriam desparecer dentro de pouco tempo;
- porque os referidos sintomas persistiam, deslocou-se então ao Hospital de S. José no dia 29.09.2009., mas a médica que a atendeu e após ridigir um relatório remeteu a autora para o estabelecimento onde tinha efectuado a exodontia, o que a A. fez, tendo sido consultada por diversos médicos, os quais lhe prescreveram medicação diversa e a sujeitaram a vários tipos de tratamento, sem que lograsse tofavia obter melhorias significativas;
- volvidos 10 meses sem que visse o seu problema de saúde resolvido, socorreu-se então a Autora de um outro médico por si rscolhido, especialista, que a tratou e medicou,  e , no final, foi novamente reencaminhada para a Ré D munida de um relatório elaborado por aquele médico e para que lhe fosse indicada qual a Compnahia Seguradora , mas, apos várias insistências sem respostas, veio finalmente a ser visitada por um perito da Axa, seguradora que acabou por declinar qualquer  responsabilidade;
- Porque os sintomas/maleficios decorrentes do acto médico a que se sujeitou a  21 de Setembro de 2009 ainda hoje persistem, sentindo dores , não sentindo o paladar dos alimentos e continuando a arcar com despesas em consultas e medicamentos, exige assim que as RR sejam responsabilizadas e obrigadas a recuperar a autora, bem como a indemnizá-la por todos os danos morais e materiais que lhe causaram.
 1.2.- Após citação das RR, vieram todas contestar, apresentando no essencial defesa por excepção e por impugnação motivada,  e nos seguintes termos ;
- A quinta ré Companhia Seguradora veio reconhecer ter outorgado um contrato de seguro de responsabilidade civil com a  4tª Ré E  mas , a ter esta última sido agente de um qualqer acto médico, tal ocorreu no âmbito de um vínculo de prestação de serviços e, consequentemente, a existir um dever de indemnizar a autora, ele apenas poderá recair sobre a clínica para a qual a Ré E trabalhava;
- A 4tª Ré E veio excepcionar a prescrição do direito à indemnização nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 498º do CC, e , em sede de impugnação motivada, aduz no essencial que no âmbito da sua intervenção apenas procedeu à extracção de um dente da autora, sendo totalmente falso que tenha cortado a língua da ora autora.
- Por último, e em articulado conjunto, as RR. B, C e D, vieram excepcionar a respectiva ilegitimidade, dizendo não integrar a petição inicial a indicação de factos concretos atribuídas às RR e susceptíveis de as responsabilizar, sendo que v.g. a primeira Ré deixou inclusive de desenvolver qualquer actividade na área da medicina dentária, em Outubro de 2009, altura em que celebrou um contrato de cessão de exploração com a Ré D, e para quem a Ré E prestava serviços na qualidade de médica e enquanto trabalhadora independente.
Já a Ré C, é apenas a dona e a legítima proprietária do imóvel onde se situa o estabelecimento de odontologia, nunca tendo desenvolvido qualquer actividade de medicina dentária e odontologia naquele local, razão porque nenhuma responsabilidade civil lhe poderá ser imputada.
Terminam assim todas as RR ora em equação por impetrar que as excepções dilatórias de ilegitimidade invocadas sejam consideradas procedentes, por provadas, e consequentemente as Rés absolvidas da instância ou, que a acção seja julgada improcedente, por não provada, sendo as Rés absolvidas dos pedidos, com as legais consequências.
1.3. - Seguindo-se a Réplica da Autora, foi depois – em 4/3/2014 - proferido despacho saneador [ no âmbito do qual foi dispensada a realização da audiência prévia ], identificado o OBJECTO DO LITIGIO e enunciados os TEMAS DA PROVA [ organizando-se ainda a factualidade assente/provada e fixando-se a base instrutória da causa ].
1.4. - Após a realização de diversas diligências instrutórias , teve finalmente lugar a realização da audiência de discussão e julgamento - que se iniciou a 27/9/2019 e se concluiu  em 8/11/2019 - ,  e  conclusos os autos para o efeito ( a 12/11/2019 ) , foi finalmente sentenciada a acção, e sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
5. Decisão
Termos em que:
a) se absolve as RR. C,  D,  E e F de tudo o peticionado;
b) se condena a Ré B a pagar á A. a quantia de € 17.500,00 acrescida de juros calculados à taxa legal desde a data da presente sentença, absolvendo-a de tudo o mais peticionado.
Custas por A. e B na proporção do decaimento que se fixa em 60% para a primeira e 40% para a segunda.
Registe-se e notifique-se
Lx, 25.11.2019.”
1.5.- Inconformada com a sentença identificada em 1.4., da mesma apelou então a Autora A, alegando e deduzindo a mesma em sede recursória as seguintes  conclusões :
1 - O presente recurso restringe-se à parte da sentença que absolveu a R. médica do pedido uma vez que se encontra assente - 3.2.9 - que foi o acto praticado por esta, em violação grosseira das legis artis, que provocou o dano corporal na A. Recorrente. A responsabilidade médica, emergente da responsabilidade civil, não deve ser apagada pelo facto de a A. se ter dirigido à clínica R. e não, directa e individualizadamente, à médica em questão que aí prestava os serviços típicos da sua profissão;
2 - Se a médica R. aceitou, tanto como a clínica também R., tratar a A. (independentemente da relação contratual entre aquelas) assumiu, dessa forma, a sua “obrigação de meios”, traduzida na obrigação de aplicação de todo o seu saber, experiência e boa prática na execução do acto médico, assim como assumiu a responsabilidade decorrente de uma eventual violação das legis artis que de tal prática viesse a resultar;
3 - Perante a A., nestas condições, quer a clínica quer a médica, ambas RR., assumiram o risco inerente à prática do acto médico em causa;
4 - Na dialéctica assim gerada entre a responsabilidade civil e a contratual (considerando assente a prática do acto médico em violação das “legis artis”, a fixação da culpa; a fixação dos danos e do nexo de causalidade) importa tomar o regime que melhor protege os direitos e as legítimas expectativas da A. lesada quanto à possibilidade de, efectivamente, vir a ser compensada pela lesão sofrida. A condenação, apenas, da R, clínica é susceptível de deixar a A. sem qualquer compensação uma vez que já encerrou a sua actividade e não tem seguro. Tendo o credor a possibilidade de escolher o regime que lhe parecer mais favorável desde logo, tal escolha, foi feita na PI com a formulação do pedido de condenação solidária da médica e do estabelecimento médico;
5 - A R. médica que, tal como resulta da decisão de facto, violou de forma grosseira as legis artis, provocando um dano irreversível da saúde da A., com as consequências descritas na sentença, não deverá beneficiar de uma absolvição que lhe permita sair impune de tudo isto, ao mesmo tempo que a A., por essa via, e na prática, fica sem tutela efectiva;
6 - Pelos motivos expostos, à decisão de facto emergente dos pontos 3.2.7 e 3.2.9, deveria ter sido aplicada a norma constante no n° 1, do art°. 507° do CC, atribuindo-se a responsabilidade, de forma solidária, à médica e ao estabelecimento médico e não, apenas, ao estabelecimento.
Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso com as legais consequências.
1.6. - Notificada da APELAÇÃO identificada em 1.5., veio a Ré E apresentar contra-alegações, aproveitando para no âmbito das mesmas AMPLIAR O ÂMBITO DO RECURSO, para tanto deduzindo as seguintes conclusões :
a) A Recorrida não pode deixar de responder às alegações de Recurso,
b) Não concordando com o fundamento apresentado,
c) Contudo torna-se necessário refutar mais do que a matéria recorrida,
d) Sob pena de hipótese de procedência da responsabilidade que pretende a Recorrente imputar.
e) Esta ampliação que se reflecte na matéria de facto que se impugna, pretende acautelar a alegação de violação da legis artis como razão para a procedência do Recurso apresentado.
f) Os factos que se impugnam e que ampliam o objecto do Recurso prendem-se com o ato médico praticado no dia 21 de Setembro de 2009.
g) Mais concretamente uma extracção de dente do siso.
h) Que tecnicamente foi designado por exodontia do dente 3.8
i) Estando em causa alguns dos factos considerados provados.
j)  Que não sendo impugnados se tornarão definitivamente assentes.
k) Desde logo resultou provado na Sentença que durante a exodontia do dente 3.8, a Recorrida perfurou a língua da Recorrente.
l) Permitindo que o instrumento utilizado para realizar a extracção resvalasse.
m) Que dessa perfuração resultou o seccionamento do nervo lingual no lado esquerdo da língua da Recorrente.
n) A Recorrida não pode aceitar como provado tal factualidade.
o) Factualidade que se concluiu por presunção e nunca por prova.
p) Se fosse verdade que a língua da Autora fora perfurada, tal consequência seria detectada na consulta que aconteceu no dia seguinte.
q) Essa consulta foi feita pela médica Susana ….., testemunha no processo.
r) A Recorrente não apresentava qualquer sinal de corte ou perfuração na língua.
s) A prova deste facto, foi junta pela Recorrida, como documento 1 da sua Contestação, consistindo na ficha clinica que relata tudo o que foi observado em todas as consultas havidas na clinica, também Ré no Processo.
t) No relatório consta apenas, grande inchaço inerente à extracção em causa e referência à medicação.
u) Não consta qualquer ferida ou corte observado pela médica.
v) Médica que reforçou no seu depoimento durante a Audiência de Julgamento não ter visto qualquer ferida.
w) Concluindo também os exames neurológicos que não existem alterações relevantes.
x) E admite o próprio relatório um quadro álgico associado a uma nevralgia.
y) De referir que estas perícias foram concretizadas já no decurso do presente processo e dele fazem parte integrante.
z) Na perícia realizada na especialidade de cirurgia maxilofacial o quadro clinico foi também interpretado como sendo dor neuropática.
aa) Ora, torna-se necessário conjugar tais relatórios com as declarações prestadas em audiência de julgamento pela Dra. Carina ……, o que não aconteceu.
bb) Tudo porque a testemunha Carina ….., também médica, apenas pôde fazer uma avaliação do que lhe é descrito e nunca da situação em concreto, uma vez que apenas viu a Recorrida oito dias depois da extracção numa única consulta.
cc) Mas a explicação técnica da testemunha não termina por aqui, uma vez que ainda refere de forma inequívoca que um exame neurológico seria suficiente para concluir se existiu ou não seccionamento do nervo em causa.
dd) E esses exames, como referido não concluíram efectivamente pelo seccionamento do nervo.
ee) Do depoimento da Dra. Carina ….. resulta claro que não lhe é possível mais do que presumir.
ff) Também presumiu a testemunha Dr. Francisco ….., uma vez que nunca deixou a certeza de qualquer corte ou perfuração.
gg) Desconhece agora e no momento da observação da paciente Rosa Anjos.
hh) Também resulta provado da Sentença que em consequência da perfuração da língua a Recorrente apresenta, até hoje, sequelas.
ii) Mais concretamente, sensibilidade diminuída no lado esquerdo da língua, mais evidente no terço anterior, condicionamento da mastigação, que provoca ferimentos na língua por traumatismo dentário aquando da mastigação, condicionamento da fala, por desvio da língua durante a fonação e ausência de paladar na referida metade esquerda da língua.
jj) E também quanto a este facto a Recorrida deve discordar.
kk) Resulta do depoimento das testemunhas conclusão diferente.
ll) Desde logo no depoimento do filho Vítor …….. que mais não faz do que um relato do que se pretende ver provado.
mm) O Tribunal a quo ao considerar provadas tais sequelas não considerou a afirmação peremptória da testemunha Francisco Salvado, médico.
nn) Quando refere que falou com a Recorrente há menos de um mês atrás, considerada a data da audiência de julgamento, e não se apercebeu de qualquer alteração da fala.
oo) Há que concluir pela demostração fantasiosa e inverdadeira da Autora e nem sempre consistente ao longo do depoimento.
pp) Por outro lado, o Tribunal a quo considerou como facto provado, que quando a Recorrida perfurou a língua da Recorrente “espirrou” sangue para a parede.
qq) Concluindo-se desta forma que existiria uma ferida muito grande e profunda de que a própria Autora se apercebera.
rr) Não pode deixar de ser relevado o facto de não ter existido qualquer comentário acerca da ferida e a curiosidade/preocupação em pretender ver a gravidade.
ss) Tudo porque foi questionado directamente pelo Tribunal se tinha pedido à mãe, pessoa tão próxima, que mostrasse a ferida, o mesmo respondeu que tal nunca aconteceu!
tt) E se é verdade que o Tribunal a quo criou as suas convicções pelas demostrações que foram sendo feitas em julgamento, não deveria ter deixado de lado tantos indícios de que a verdade não acompanhou todo este processo.
uu) Resulta ainda da Sentença, que o dever de protecção que estava cometido à Recorrida E foi violado.
vv) Sendo certo que em nenhum depoimento, em nenhum documento resultou prova de que a língua foi perfurada e de que a Recorrida violou o direito de protecção da Recorrente.
ww) A Sentença chega a imputar à Ré E, aqui Recorrida, um comportamento indevido.
xx) Sendo esta uma conclusão infundada, sem base probatória, sem qualquer correspondência com a realidade.
yy) Aceitar que existiu culpa, é uma mera presunção que não pode prevalecer como verdade pela ausência de prova.
zz) E quanto a esta matéria não poderia o Tribunal deixar de relevar o que foi dito pelas duas médicas inquiridas.
aaa) Uma vez que a médica Susana …. refere que todos que os sintomas manifestados pela autora eram sintomas possíveis e associáveis à extracção de dentes inclusos.
bbb) E que, tais sintomas não podem ter perdurado até à presente data.
ccc) E nesta perspectiva, que se acompanha, torna-se legítimo concluir que os sintomas iniciais foram reais e naturais, perante o ato médico em causa, contudo a determinada altura, que não se precisa, estes sintomas foram-se atenuando e terão cessado.
ddd) Certo é que a Recorrente, Autora no processo, insistiu em manter aposição independentemente das melhorias.
eee) Esta é uma realidade possível e que em toda a prova existente no processo não consegue ser refutada.
fff) Mais refere a testemunha Carina ….., que os sintomas descritos são possíveis e que podem ser uma consequência directa da cirurgia.
ggg) Refere ainda que o que verificou quando avaliou a paciente, aqui Recorrente, foi o que chamou de “feridinha”.
hhh) Que nunca poderia ser no resultado de imperícia ou de violação do dever de protecção.
iii) “feridinha” que relatório pericial assumiu como possível consequência de mordedura da língua na sequência da parestesia/ dormência daquela zona.
jjj) Mais referindo a própria Carina ….. que verificou a presença de uma ferida, que tal pode ser uma consequência inerente ao próprio ato médico e nunca uma consequência de qualquer comportamento indevido por parte da Recorrida.
kkk) E nesta senda, ao concluir como concluiu o Tribunal a quo, concluiu mal e sem prova que o acompanhe.
lll) A discordância e pedido de ampliação assenta na valoração que foi feita da prova produzida em Audiência de julgamento, assim como da desvalorização quanto à prova pericial.
mmm) Com a certeza de que a convicção criada pelo Tribunal a quo assenta numa presunção que não pode prevalecer.
nnn) Toda a prova existente no processo, seja documental, pericial e mesmo testemunhal aponta da direcção oposta à decisão tomada quanto à matéria de facto aqui em causa.
ooo) Neste raciocínio não poderão prevalecer as alegações da Recorrente,
ppp) Uma vez que não existindo, como não existiu violação da legis artis, não pode haver a imputação de qualquer responsabilidade à ora recorrida.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve improceder na totalidade o Recurso a que agora se responde, ser ainda admitida a ampliação do mesmo quanto à matéria de facto impugnada e em consequência ser revogada a douta Sentença no que à matéria agora impugnada se refere.
Fazendo com esta Decisão JUSTIÇA!
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º, nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes  :
I - Se importa in casu alterar a decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto, em razão da impugnação deduzida pela  recorrida em sede de ampliação do âmbito do recurso ;
II - Se deve a sentença apelada ser alterada, impondo-se também a condenação da Ré e recorrida E e solidariamente com a Ré B a tal não obstando a eventual alteração da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto, e por força da impugnação deduzida pela recorrida E;
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2. -  Motivação de Facto.
Em sede de sentença, fixou o tribunal a quo, a seguinte FACTUALIDADE :
A) PROVADA
2.1 - A Ré B explorava o estabelecimento de clínica médica, aberto ao público, sito na Avenida Almirante Reis, 184, r/c, em Lisboa.
2.2. - A A. acordou com a Ré B a exodontia dos dentes 1.8 e 3.8 no citado estabelecimento.
2.3. - A Ré E prestava serviços à B, mediante o recebimento de 30% do valor cobrado pela clínica.
2.4. - A Ré E firmou com a Axa um contrato de seguro do ramo “responsabilidade civil “,pelo qual transferiu a esta, que aceitou, os riscos apontados na apólice nº 0084.25.94782 , junta por cópia a fls. 151- cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.
2.5.  - Na referida apólice ficou a constar:
“ Modalidade: Ordens profissionais
Actividade: Dentistas – OMD
Coberturas contratadas: Responsabilidade civil profissional - € 600.000,00 – Franquia Tipo 30
()
Tipo 30 Esta cobertura fica sujeita a uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais no mínimo de € 125,00.
()
Declara-se que o capital indicado como garantido pela Cobertura Responsabilidade Civil Profissional, é definido para cada anuidade, ficando limitado, em cada sinistro, a 50% do respectivo valor”.
2.6. - No estabelecimento referido em 3.2.2., no dia 17 de Setembro de 2009 a A. foi submetida à exodontia do dente 1.8 e no dia 21 de Setembro de 2009 à exodontia do dente 3.8.
2.7. - Os referidos actos foram realizados pela Ré E, no âmbito da prestação de serviços referida em 3.2.3.
2.8. - Pela exodontia dos dentes 1.8 e 3.8., a A. pagou à B a quantia de € 252,00.
2.9. - Durante a exodontia do dente 3.8, o instrumento utilizado pela Ré E para realizar aquela, de natureza não concretamente apurada, resvalou e perfurou a língua da Autora, no lado esquerdo da mesma e seccionou, em parte, o nervo lingual.
2.10. - Nos dias seguintes e durante período de tempo não concretamente apurado, em consequência da perfuração da língua a A. sofreu:
- dores no lado esquerdo da língua,
- dificuldades em mastigar e, assim, de ingerir alimentos sólidos;
- dificuldades de expressão verbal por causa das dores na língua e perda de sensibilidade,
- dificuldades em adormecer por causa das dores.
2.11. - No dia 22.09.2009. a A. foi consultada, na clinica supra referida, pela Dra. Susana …. que observou a A. tendo consignado na ficha clinica da mesma o seguinte: “ Urgência: grande inchaço na zona da exodôncia . Telefonei à Colega e foi-nos informado que a Sra. Está a fazer Clavamox DT 12/12 h + Brufen 600 8/8. A sra não haviou o Ben-u-ron! Sente dormência na língua. Expliquei que a dormência da língua seria normal devido ao edema da face q com a diminuição do edema poderia demorar entre 15/dias a 1 mês!. Passei Dol-u-ron de 12/12 H – intervalado c/ o Bem-u-Ron. Vem 4ª feira dia 23 à consulta c/a colega”.
2.12. - Devido à persistência dos sintomas, a Autora deslocou-se ao Hospital de S. José, em Lisboa, no dia 29 de Setembro de 2009, onde foi atendida pela Dra. Carina ….., a qual redigiu o relatório junto por cópia a fls. 35-36 com o seguinte teor:
“ A senhora A foi submetida a uma extracção complicada de 3.8 incluso a 21/09/09 tendo ficado com raiz residual no alvéolo e queixas persistentes de hipostesia da hemi-lingua esq.
Refere traumatismo da base da língua / bordo esquerdo durante o procedimento.
Sem melhoria das queixas apesar da terapêutica com Neurotin.
Observa-se cárie por distal de 3.7, boa evolução cicatricial, traumatismo do bordo esq. da língua secundário à hispotesia.
Doente já agendada neste Hospital para extracção RR 3.8 sob AL, embora esta não seja seguramente a origem das suas queixas.
Agradeço que reavaliem a situação desta doente e que lhe dêem o apoio e orientação que necessita.”
2.13. - A partir de 11.11.2009. e até Junho de 2010, a A. passou a ser seguida no estabelecimento de clinica supra referido, onde lhe foram realizados diversos tratamentos dentários e testes de sensibilidade à língua – consultas de 11.11.2009., 30.01.2010. e 20.03.2010. – prescrito medicamento para a falta de sensibilidade – consulta de 11.11.2009. – e fisioterapia para a falta de sensibilidade– 22.05.2010., 05.06.2010. e 26.06.2010.
2.14. - À Autora nunca foi cobrada qualquer quantia pelas consultas e tratamentos referidos no ponto anterior e foram-lhe devolvidos, pela Ré D, os € 252,00 pagos pela exondontia dos dentes 1.8 e 3.8..
2.15. - A A. endereçou à Ré B a carta junta por cópia a fls. 42, datada de 19/07/2010.
2.16. - Esta carta não foi recebida pela Ré, tendo sido devolvida à Autora com a indicação de “dizem-me que se mudou”.
2.17. - Com data de 19 de Agosto de 2010, a Autora envia carta, de conteúdo idêntico, à Ré D, a qual recebeu.
2.18. - A Ré D endereçou á A., que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 47, com o seguinte teor:
 “ (.)
A ausência de sensibilidade que V.exa. tem sentido é uma reacção física que por vezes ocorre no tipo de intervenção efectuada. Todavia, a mesma tem vindo a ser minimizada através de tratamentos em curso, os quais, uma vez concluídos, se prevê que sanem, com sucesso, a situação.
Recordamos que face ao descontentamento pontual que Vexa. manifestou e como é política da nossa empresa, foi-lhe reembolsado o valor de € 252,00 () relativo não só á extracção do dente 3.8, como á extracção do dente 1.8..
Recomendamos, pois, que Vexa. prossiga com as consultas, como tem vindo a fazer, a fim de dar continuidade aos tratamentos que se mostram necessários.”
2.19. - A A. enviou á Ré D, que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 48, cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.
2.20. - A Autora consultou o Professor Francisco …., médico especialista em estomatologia e professor da FML, que a observou a 30 de Junho de 2010 e que formulou o seguinte diagnóstico: 1- disestesia da região do nervo lingual com aparecimento após exodoncia parcial do dente 38, 2- raiz retida na zona de 38, 3- lesão infecciosa da zona de 38.
2.21. - Este clínico medicou a Autora, tendo melhorado a infecção e mantido o quadro disestético.
2.22. - No dia 2 de Dezembro de 2010, este médico voltou a presenciar e a atestar quadro clínico idêntico.
2.23. - A A. endereçou à Ré D, que a recebeu, a carta junta por cópia a fls. 52, à qual anexou cópia do documento de fls. 51.
2.24. - A Ré não respondeu.
2.25. - A A. foi contactada por um perito da Axa.
2.26. - A Axa endereçou à A., que a recebeu a carta junta por cópia a fls. 55, datada de 29.09.2011., com o seguinte teor:
()
Após análise de todos os elementos do processo, informamos que não podemos accionar as garantias da apólice em apreço.
De facto, não ficou provado o nexo de causalidade entre as sequelas alegadas por Vexa. e a intervenção efectuada pela nossa segurada.
Ainda que assim não se entendesse, a responsabilidade pelos danos teria de ser assumida pela Clinica onde foi efectuada a intervenção referida, nos termos do art.º  800º,  n.º 1 , do Código Civil Português
2.27.- Em consequência da perfuração da língua referida supra, actualmente e de forma permanente, a A. apresenta sensibilidade diminuída no lado esquerdo da língua, mais evidente no terço anterior; condicionamento da mastigação, que provoca ferimentos na língua por traumatismo dentário aquando da mastigação; condicionamento da fala, por desvio da língua durante a fonação; e ausência de paladar na referida metade esquerda da língua.
2.28. - Devido ao condicionamento da fala a A. sente-se inibida quando tem de falar e por isso isola-se.
2.29. - Devido ao facto de morder a língua e ao sangramento provocado pelos ferimentos causados, a A. sente-se inibida em comer na presença de outras pessoas.
2.30. - Devido à ausência de paladar na referida metade esquerda da língua, a A. sente desgosto.
2.31. - Após a extracção de um dente, principalmente dos chamados dentes do siso, como é o 3.8, é normal que ocorram algumas queixas do paciente, como algumas dores no pós-operatório imediato e toda a zona dorida.
2.32. - Na sequência da exodontia realizada no dia 21.09.09. foi receitado á A. analgésico e antibiótico.
2.33. - No dia 21 de Setembro de 2009, a extracção não ficou concluída, tendo ficado raiz.
2.34. -  No dia 23.09.09. a A. foi observada pela Ré E, no estabelecimento de clinica supra referido, tendo a mesma inscrito na ficha clinica da A. o seguinte:
“ Edema já diminui um pouco, irriguei a zona da extracção com soluto de Dakin ( boa cicatrização / sem alveolite). A paciente está sem dores e a dormência mantêm-se. Avalio em 6 dias para remoção da sutura e acompanhamento da situação clinica.”
2.35. - A A. faltou à consulta agendada para o dia 30 de Setembro de 2009.
2.36. - A 12 de Novembro e em circunstâncias não concretamente apuradas, a Ré E teve conhecimento da carta da Dra. Carina …. , junta por cópia a fls. 35-36.
2.37. - A Ré E, na sequência do referido facto, telefonou para a consulta de estomatologia do Hospital de S. José, de modo a ter conhecimento directo do que se passava, e saber para quando estava agendada a cirurgia, tendo obtido a informação de que não existia cirurgia agendada.
B) NÃO PROVADA
2.38. - Munida da carta da Dra. Carina ……, a Autora voltou, de imediato, ao estabelecimento de clínica dentária onde extraiu o dente, procurando uma solução para o seu sofrimento.
2.39. -  Desde o dia do acto médico e por causa dele, a Autora já gastou €343,00 em consultas médicas e € 858,91 em medicamentos.
2.40 -  O facto de a A. ter ficado com a raiz do 3.8 determinou a reavaliação da situação para dois dias depois.
2.41 -   As consequências referidas em 3.2.10. e 3.2.27. constituem uma complicação da extracção do dente 3.8.
2.42. - As consequências referidas em 2.10. e 2.27. resultam da idade e género do paciente, de um diferente posicionamento e grau de inclusão dentária ou da endodontia do dente 3.7.
2.43. - Existem recomendações, para que, caso ocorram complicações ser preferível parar a extracção, do que continuar a insistir e complicar a situação ainda mais.
2.44. - Aplicando-se essa recomendação, mais ainda no presente caso, em que a paciente e ora autora, é diabética.
2.45 - Estranhando o facto de a paciente ter faltado à consulta agendada e estando preocupada, foi perguntando na clinica pela paciente Rosa Anjos, não tendo obtido resposta que a alertasse para qualquer problema.
2.46. -  A partir do dia 12 de Novembro de 2009, apesar de a ré ter continuado a perguntar pela paciente A, sempre lhe foi transmitido que estava tudo bem.
2.47. -A Ré E prestava serviços na qualidade de médica dentista, no estabelecimento da Ré B, enquanto trabalhadora independente.
2.48. - A Ré D assumiu todo o activo e passivo da sociedade B e com esta não tem qualquer relação.
2.49.-  Nas consultas realizadas pela Dra. Susana …, em 30 de Janeiro e 20 de Março de 2010, foram registadas melhorias em termos de sensibilidade.
*
3.- Da impugnação, pela recorrida E,da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
 Analisadas as alegações e conclusões da apelada, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que impugna a recorrida [ nos termos do nº 2, do artº 636º, do CPC ] diversas respostas/julgamentos da primeira instância no tocante a vários/concretos pontos de facto da referida decisão, considerando para tanto terem sido todos eles incorrectamente julgados.
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu a apelada E as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente , indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pela apelada indicadas, procedeu a mesma, outrossim, à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto impugnados [ que são os reproduzidos nos itens 2.30,  2.31, 2.37,  2.39,  2.40  e  2.49,  todos do presente Ac. ] .
3.1.Do ponto de facto nº 2.9..
Tendo o tribunal a quo julgado provado que [ no item de facto nº 2.9. ] “ Durante a exodontia do dente 3.8, o instrumento utilizado pela Ré E para realizar aquela, de natureza não concretamente apurada, resvalou e perfurou a língua da Autora, no lado esquerdo da mesma e seccionou, em parte, o nervo lingual “, discorda a apelada do referido julgamento.
No essencial, é entendimento da apelada que da avaliação pericial realizada e da globalidade da demais prova produzida, pacifico é que não foi possível concluir pela existência de um qualquer nexo causal entre o acto médico por si praticado e as queixas da Recorrente A, tendo o Exmº julgador lançado mão de meras presunções e nunca de factos, e , ademais, designadamente do depoimento da testemunha Dra. Carina …. e de outras, resulta claro que in casu não podia o Exmº Juiz mais do que presumir e concluir por meras hipóteses académicas.
Já o tribunal a quo, em sede de cumprimento do disposto no nº4, do artº 607º, do CPC, justificou [o que fez de forma pormenorizada e exaustiva ] o julgamento do ponto de facto nº 2.9 nos seguintes termos :
 “ (…)
- ponto 3.2.9. – Em declarações de parte, a A. declarou que aquando da extracção do dente 3.8., a Ré E, com a ferramenta que estava a utilizar, lhe perfurou a língua, de tal forma que “ espirrou” sangue para a parede.
A Ré E declarou que não cortou nem perfurou a língua á A. aquando da extracção do dente 3.8, tendo acrescentado que um corte da língua é uma situação que é praticamente impossível de acontecer, não passaria despercebido e que obrigaria a determinados procedimentos – estancamento da hemorragia e sutura.
Na ficha médica relativa á A. e que está junta a fls. 176 consta, pelo punho da Ré E: “ Exodontia 38. Semi incluso ( a exodontia não correu bem, ficou raiz Avalio em 2 dias).”
Confrontada com a locução “não correu bem” a Ré ora referiu que queria dizer que não foi rápida, para depois referir que queria dizer que deixou a raiz; mas quando confrontada com o facto de ter dito em audiência que o facto de deixar a raiz estava descrito na literatura como uma técnica adequada, referiu que foi por ser mais demorada.
Referiu ainda que utilizou instrumentos que podiam cortar ou perfurar a língua.
A legal representante das RR. B, C, D, Susana ……, também médica, que atendeu a A. no dia 22.09.09., declarou que não viu qualquer corte na língua.
A testemunha Carina ….., médica de cirurgia maxilo-facial declarou que observou a aqui A. no dia 29/09/09 e que elaborou o documento de fls. 35-36, tendo declarado ( consigna-se o depoimento tão próximo quanto possível do que foi prestado ) ter observado uma “complicação“ duma extracção dentária, em que a aqui A. terá ficado com uma falta de sensibilidade da língua em consequência dessa extracção, uma extracção pode ser complicada por ter ficado uma raiz “para trás”, que este facto não é razão para uma falta de sensibilidade da língua, a extracção pode levar a uma lesão do nervo lingual, que é algo que pode acontecer a qualquer um, orientou a A. no sentido de ser extraída a raiz, mas não era a extracção da raiz que iria levar á recuperação da sensibilidade, se o nervo ( lingual) fica lesado durante uma extracção pela instrumentação vai recuperar a sensibilidade mas, sendo seccionado, nunca mais vai recuperar, que a A. se apresentou com uma queixa de falta de sensibilidade na língua, o que está escrito no documento foi o que observou, que o referido no documento - “Refere traumatismo na base da língua / bordo esq durante o procedimento” - resulta não apenas do que a paciente lhe disse, mas do que observou, de tal modo que mais adiante escreveu “Observa-se traumatismo do bordo esq da língua secundário à hipostesia”, querendo com isto dizer que a A. tinha uma ferida, que quando refere“ Sem melhoria das queixas apesar da terapêutica com Neurotin”, queria referir-se a um medicamento utilizado para recuperar a sensibilidade nos casos em que o nervo não foi seccionado, que as melhorias podem verificar-se apenas ao fim de um ano, existem dois tipos de traumatismo do nervo, o nervo ficou magoado e acaba por recuperar ao fim de um ano, não há forma de perceber se o nervo foi seccionado ao fim de uma semana, apenas se observa uma ferida, se a pessoa mantém a falta de sensibilidade, é muito provável que o nervo foi seccionado, que é uma complicação possível da extracção, o sitio em que o dente foi tirado tinha uma boa cicatrização, viu uma ferida na língua ,no bordo da língua, onde passa o nervo lingual, quando vê a A. a ferida já está em cicatrização, não é possível dizer qual foi a profundidade da ferida, o nervo lingual é responsável pela sensibilidade, existe outro nervo, o hipoglosso, que é responsável pela motricidade da língua, o nervo lingual pode ser lesado durante a extracção de um siso, o instrumento utilizado na extracção para tal pode resvalar e ir para a língua, provavelmente o instrumento resvalou porque de outra forma não se explicava que a A. tivesse uma falta de sensibilidade na língua, há uma extracção complicada, há uma falta de sensibilidade na língua, há uma ferida na língua, provavelmente o nervo lingual foi afectado pelo instrumento cortante que é utilizado numa extracção, a falta de sensibilidade não provoca dificuldades na fala, se for uma falta de sensibilidade completa, pode morder a língua sem se aperceber, que qualquer pessoa que tem uma debilidade, encontra uma forma de a ultrapassar.
A instâncias do Ilustre Mandatário das RR. B,C,D, declarou que se a A. mantém uma falta de sensibilidade da língua actualmente, faz supor um seccionamento do nervo que é permanente, nos casos de lesão há uma recuperação até um ano, se passa dum ano faz supor um seccionamento do nervo, que o resvalar do instrumento é uma complicação e não uma violação das legis artis, o gesto técnico de extracção exige precisão e força, o local em que se opera é complicado e o instrumento pode resvalar.
A instâncias da Ilustre mandatária da Ré E  [ Maria …….] declarou que a falta de sensibilidade não pode resultar do facto de a A. ter mordido a língua, que dado o sitio em que estava a ferida não era possível ter resultado duma mordedura da língua, que no documento de fls. 35-36, quando fala em “traumatismo na base da língua/bordo esq “ quer significar que a ferida estava na parte de trás da língua, a ferida é responsável pela falta de sensibilidade, a dormência situa-se na metade esquerda da língua, a ferida está localizada em local próximo da extracção, é uma ferida provocada pelo instrumento que resvalou, que a ferida é no local em que passa o nervo lingual, que está muito superficial, que não tem influência no paladar porque a outra parte da língua tem sensibilidade.
A instâncias do tribunal declarou que teve formação prática em estomatologia, tendo feito muitas extracções, o nervo da motricidade passa muito mais abaixo, pelas queixas da A. o que terá sido atingido foi o nervo lingual, que é mais superficial, que o que aconteceu é algo inerente ao próprio acto, tendo comparado o acto em causa, com o acto de conduzir,
A testemunha Francisco …., estomatologista declarou que viu a A. em duas consultas que tiveram lugar a 30.06.2010. e 26.01.2011., que na primeira consulta a A. se apresentou com parestesia com dor na região lingual à esquerda, a parestesia é uma alteração, que pode ser transitória ou não, da sensibilidade na língua, no terço lateral esquerdo e anterior da língua, que observou a parestesia, que nestes casos não há passos seguintes a fazer, é para ser mantido em follow-up,na consulta de 26.01.2011. apresentou-se com dor na região lingual á esquerda, fez uma infiltração com anestésico local no tronco comum do nervo para melhor a dor, não sabe qual o resultado porque a A. não voltou, confirmou que elaborou o documento de fls. 51 e o que ali consta “ 1- disestesia da região do nervo lingual com aparecimento após exodoncia parcial do dente 38; 2- raiz retida na zona de 38, 3- lesão infecciosa da zona de 38 “ – que não conhecia a A. antes da A., não sabe qual a causa da disestesia, as causas de alterações do nervo lingual são múltiplas, não havia uma ausência total de sensibilidade, havia uma deficiência da sensibilidade associada a dor, esta situação pode provocar que a pessoa morda a língua, é raro perturbar a fala, porque não se trata de um nervo motor, é um nervo sensorial, quando falou com a A. recentemente, não lhe pareceu que a A. tivesse alterações da fala, na altura havia alguma perda de paladar, o que é frequente na associação à perda de sensibilidade.
A pedido dos esclarecimentos do tribunal declarou que não observou ferida, que a A. tinha efectivamente perda de sensibilidade no terço lateral e anterior esquerdo, na extracção do siso é uma intervenção que pode ter complicações, o instrumento com que se trabalha pode resvalar e perfurar a língua, mas não é frequente, é uma situação descrita na literatura como uma complicação do acto, perguntado se se tratava de uma situação que violava as legis artis, declarou que era uma cirurgia que é feita com anestesia local, que depende da colaboração do doente e com os conhecimentos técnicos do profissional, se houver colaboração do doente e o instrumento resvalar, isso não é uma complicação, mas uma má prática, só se doente efectuar algum movimento é que é uma complicação, é um acto que exige precisão e alguma força, que se não há uma evolução até dois anos, a situação fica estável e o doente vai ficar com a parestesia.
Importa ainda ter em consideração o que se escreveu nas entradas seguintes da ficha clinica da A.:
“ - 11.11.2009. - Teste sensibilidade da língua, c/ picada seguido de um desenho da língua em que em parte do lado esquerdo da mesma aparecem umas cruzes seguido das palavras “sem sentir” e no final “ receitei Neurobion”.
- 30.01.2010. – Novo teste de sensibilidade à língua seguido de um desenho da língua, com cruzes na parte lateral anterior da língua seguido de palavras que não são inteiramente perceptíveis mas que, aparentemente significam “ ainda há sensação dor lateral e por baixo”;
 - 20.03.2010. – aparece um desenho da língua, com cruzes na parte lateral esquerda e onde se refere: fala com a língua de lado. Queixa-se de dor na língua quando fala… Quando fala muito. Começa a colocar a língua para o lado esquerdo. A língua tem mobilidade.”
Finalmente e como resulta do Relatório pericial a fls. 378, datado de 13.04.2015. e do relatório pericial a fls. 552, datado de 23.08.2018., passados mais de dois anos a que se referiu a testemunha Francisco …… e sendo certo que a testemunha Carina …… tinha referido um ano, em consequência da perfuração da língua a A. apresenta sensibilidade diminuída no lado esquerdo da língua, mais evidente no terço anterior; condicionamento da mastigação, que provoca ferimentos na língua por traumatismo dentário aquando da mastigação; condicionamento da fala, por desvio da língua durante a fonação; e ausência de paladar na referida metade esquerda da língua.
Tendo em consideração que na ficha clinica da Ré E já consta que a “exodontia não correu bem”, que a explicação que a mesma deu, em audiência de julgamento para este facto, se mostra inconsistente, tendo em consideração o depoimento da testemunha Carina ….., que observou a A. 8 dias depois da exodontia do dente 3.8 e verificou a existência de uma ferida na língua, em local atravessado pelo nervo lingual, tendo em consideração a situação actual da A., podemos concluir que durante a extracção daquele dente, o instrumento utilizado pela Ré E para realizar aquela, resvalou e perfurou a língua da Autora, no lado esquerdo da mesma, tendo atingido o nervo lingual.
E, neste conspecto, o depoimento da Ré E, de negação desta realidade e o depoimento da testemunha Susana ….., que viu a A. no dia imediatamente a seguir e que declarou não ter visto qualquer ferida, não têm correspondência com a verdade ( ainda que no relatório pericial de fls. 557 se diga que é possível que o médico que realiza a extracção não se aperceba do corte na língua, o que suscita algumas dúvidas, na medida em que o profissional que realiza a intervenção sentirá, cremos, se o instrumento lhe escapou, qual a direcção que o mesmo tomou e, nomeadamente, se atingiu o tecido mole da língua, além de que tal corte provoca, como admitiu a Ré E, sangramento que é necessário estancar ).
Colocou-se a questão de saber se havia a possibilidade de uma eventual laceração da língua ter sido auto-infligida pela A. devido á anestesia aplicada.
No relatório pericial de fls. 557 respondeu-se afirmativamente.
Porém, a questão colocada aos peritos não referia a eventual localização da ferida.
A testemunha Carina ….declarou que face ao local da língua em que se encontrava a ferida, não era possível a laceração ter sido auto-infligida porque a dentição não chegava aquele local.
Finalmente o tribunal considerou que tinha sido seccionado, em parte, o nervo lingual, na medida em que apenas está atingida a sensibilidade em parte da língua.”.
Conhecidas as divergências da recorrida em relação aos fundamentos que terão sido os decisivos para a formação da convicção do Exmº Juiz a quo, e porque no tocante ao ponto de facto impugnado e ora em análise refere a Ré [ como critica principal que dirige ao julgamento de facto ] que subjacente ao seu julgamento estão apenas conclusões do julgador assentes em meras presunções, que não em provas efectivas produzidas, importa começar a nossa análise/apreciação por deixar bem claro que o recurso pelo julgador [ em sede de julgamento de facto ] às presunções judiciais ( nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC ) e às regras da experiência nada tem de censurável, antes mostra-se legalmente prevista no nº 4, do artº 607º, do CPC, sendo de resto entendimento uniforme da jurisprudência o de que consubstancia ele ( o referido uso ) também “ (…) critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica”. (1)
Ademais, é precisamente em sede de julgamento de facto que se espera e exige que o julgador aprecie a prova segundo a sua experiência, prudência e bom senso, e , sobretudo, com base em raciocínios ancorados em fundamentos racionais e ajustados às máximas da experiência  e  da normalidade da vida,  pois que, como bem nota Luís FILIPE DE SOUSA (2), no âmbito da livre apreciação da prova, o juiz tem o dever de raciocinar correctamente e de utilizar oficiosamente as máximas da experiência e das quais não deve em principio estar arredado, sob pena de proferir decisões não sensatas porque desfasadas da realidade da vida.
Acresce que, é ainda em sede de função probatória que hão-de as máximas da experiência servir de filtro à adesão do julgador a determinadas alegações fácticas, actuando então como elementos auxiliares do juiz em sede de valoração das provas, e isto porque, não se deve olvidar, é também o juiz um ser humano como qualquer outro, estando portanto sujeito a valorações subjectivas da realidade que o cerca, razão porque em principio se lhe exige e dele se espera que a valoração que faça das provas carreadas para os autos não deve em principio afastar-se muito da opinião comum/média que em relação às mesmas faria o bónus pater famílias - o modelo da pessoa capaz e responsável.
Ou seja, como bem notou CALAMANDREI (3), há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior.
A utilização e/ou o recurso à prova por presunções é além do mais justificado em questões como a dos autos, sabido que as dificuldades de prova em matéria de responsabilidade civil por actos médicos são patentes, a ponto de alguma doutrina considerar que de iure constituendo se justifica existir um inversão do ónus da prova da culpa a favor do paciente, conforme solução adoptada pela proposta de Directiva comunitária apresentada pela Comissão em 9/11/1990. (4) 
É vero que, não se olvida, porque no essencial o uso de presunções judiciais acaba por desencadear a recondução ao elenco de factos provados de alguns que são presumidos a partir de meros factos base-indiciários, exigível é ( para o referido efeito ) que estes últimos disponham de uma força de convicção e de persuasão tal que permita/justifique - em termos de probabilidade - considerar como verificado/provado o facto presumido.
Dito de uma outra forma, pressupondo a utilização de uma máxima da experiência a existência de um nexo lógico entre o facto-base e o facto presumido, qual relação lógica de causa-efeito,  deve a sua utilização estar reservada para as situações em que existe uma probabilidade qualificada  entre ambos (5), ou seja, deve sempre qualquer generalização derivada do id quod plerumque accidit estar rodeada de especiais cuidados, devendo pautar-se por critérios de racionalidade (6) , e , sobretudo, estar o seu aproveitamento condicionado a uma sua aplicação prudente e sensata , logo, isenta de excessivo voluntarismo. (7)
Ora, perante o exposto, e tendo presente as explicações exaustivas que o Exmº Juiz a quo produziu no tocante ao julgamento do ponto de facto nº 2.9., a primeira nota que importa de imediato realçar é a de que, prima facie, está longe – e muito - o julgamento do aludido ponto de facto de apontar/evidenciar uma qualquer aplicação insensata e/ou um excessivo voluntarismo do julgador no âmbito de presunções e/ou máximas de experiência.
É que, sejamos claros, tendo em atenção designadamente o testemunho prestado em sessão de audiência do dia 8/11/2011 e pela Drª Carina ….. [ Médica do IPO de Lisboa, sem qualquer ligação de proximidade – familiar, de amizade, profissional ou qualquer outra - à autora, e que referiu que em consulta/observação de urgência da autora realizada no dia 29/09/09, constatou existir um traumatismo do bordo esqº da língua – da autora - secundário à hipostesia”, querendo com isto dizer que a A. tinha uma ferida na língua – minutos 11.00 e segs. da gravação – precisamente em local por onde passa o nervo - minutos 22.00 e segs. da gravação ], pertinente não é concluir como o faz a recorrida E  [ Maria …….] nas suas alegações, ou seja, que a Factualidade inserta no item de facto nº 2.9 assenta em mera presunção , que não em prova produzida.
Acresce que, já no final do seu depoimento, precisou – justificando a ratio do seu conhecimento dirigido para extracções de dentes e riscos das referidas intervenções  - a testemunha Drª Carina ….. que teve experiência de extracções de dentes , tendo atendido cerca de 1500 doentes a fazer extracções, simples e complicadas.
Dito isto, vejamos já de seguida se efectivamente a prova pela recorrida invocada nas suas contra-alegações justifica e obriga a que este tribunal de recurso enverede por uma convicção diversa da formada pela primeira instância, impondo-se eliminar do elenco dos factos provados o correspondente ao ponto de facto nº 2.9.
Ora começando pelas declarações prestadas pela Dra. SUSANA ….., importa antes de mais recordar tratar-se a declarante da representante legal de todas as Rés sociedades à excepção da Ré Companhia de Seguros,SA.
A aludida circunstância, por si só, e prestando a Ré E a sua actividade profissional para as três pessoas colectivas referidas, é desde logo fundamento para questionar a isenção/imparcialidade das suas afirmações, e isto porque dificilmente manter-se-ão estas últimas alheias e distantes dos interesses em causa nestes autos.
Mas, incidindo directamente sobre o conteúdo das suas afirmações, e coadjuvado ele com o Doc- 1 [ ficha/registo clinico dos tratamentos ministrados à autora ] junto com a contestação da Ré E,  certo é que não se vislumbra que ambos ( declarações e documento ) obriguem a por em causa o depoimento prestado pela testemunha  Carina ….,  e , ademais, constando da aludida ficha clinica que no dia seguinte à extracção de dente se notava existir um grande inchaço na zona da exodontia, tal não justifica por si só concluir que a referida mazela era o único sinal/vestígio de ferimento existente, não existindo qualquer outro, o que por si só obriga a afastar de todo e com segurança a possibilidade de aquando da extracção do dente poder ter ocorrido acidentalmente uma qualquer perfuração ou corte da língua.
É que, em face da supra aludida ligação da declarante às três Rés pessoas colectivas à excepção da Seguradora, não é de descurar a possibilidade de a percepção dos factos pela declarante transmitida se mostrar inquinada e/ou influenciada pela preocupação subjacente às consequências decorrentes de um  relato fiel da sua observação.
Também à prova documental pela recorrida invocada [ Relatórios médicos de 22 de Junho de 2015 e de 21 de Julho de 2015 , respectivamente elaborados pela Dra. Ana ….. e pelo Dr. Ivan …. ], porque distanciada cerca de 6 anos após a ocorrência do dia 21 de Setembro de 2009, e , no essencial, respaldada em mera análise de elementos clínicos documentais [ v.g. processos clínicos da autora ], não pode ser atribuído um valor probatório significativamente maior e mais credível a ponto de infirmar o testemunho v.g. prestado pela Drª Carina ….  e que, recorda-se, relatou o que constatou directamente cerca de 8 dias após a ocorrência do dia 21 de Setembro de 2009.
Neste conspecto, recorda-se que no depoimento prestado pela Drª Carina ….. , é afirmado peremptoriamente a existência de uma ferida/traumatismo na língua da paciente e precisamente em local por onde passa o nervo responsável pela sensibilidade da língua [ o nervo lingual ] – minutos 12.00 e 22.00 e segs. .
Ou seja, a conjugação de ambos os relatórios com as declarações prestadas em audiência de julgamento pela Dra. Carina ….., e ao contrário do alegado pela recorrida, não justifica concluir forçosamente de forma diversa daquela a que chegou o Tribunal a quo.
Seguindo-se a análise do testemunho prestado pela testemunha Dr.  Francisco ….. [ que observou a Autora/paciente em 2010 e inícios de 2011 ], é vero que não foi a mesma assertiva em atestar ter existido, na realidade, um seccionamento do nervo lingual da língua da autora, mas, ainda assim e em face das queixas pela mesma apresentadas, elucidou a testemunha que  relacionado com sensações de parestesias na língua [ a queixa da autora ] encontra-se designadamente a possibilidade pertinente e credível de aquando da extracção de um dente ter sido afectado/ferido o nervo lingual.
Aqui chegados, ou seja, após a análise da prova pela recorrida indicada como sendo demonstrativa do erro de julgamento do tribunal a quo, importa atentar que, como se retira da wikipédia, as parestesias são sensações cutâneas subjectivas (ex., frio, calor, formigamento, agulhadas, adormecimento, pressão etc.) que são vivenciadas espontaneamente na ausência de estimulação e que podem ocorrer caso algum nervo sensorial seja afectado, seja por contacto ou pelo rompimento das terminações nervosas.
Por outra banda, como refere Miguel José Carvalho Badas (7), “O nervo lingual é um dos nervos sensitivos mais importantes da cavidade oral e é muito delicado, devido à sua localização e à sua anatomia. Aliás, podemos destacar que o nervo lingual tem várias variações anatómicas que podem tornar difícil os actos clínicos e, em alguns casos, podem levar a lesionar o próprio nervo e por isso devemos localizá-lo bem”.
Ainda segundo Miguel José Carvalho Badas, a “anatomia do nervo lingual pode influenciar na eficácia do procedimento anestésico, assim como na técnica cirúrgica de remoção de dentes inclusos ou na técnica de retalho em cirurgia mucogengival, assim, o conhecimento da sua anatomia pode ajudar-nos a diminuir os problemas associados com o seu traumatismo”, sendo que, “Devido ao seu trajeto superficial na região posterior mandibular e à variação no seu trajecto, o nervo lingual apresenta um alto risco de lesão durante procedimentos cirúrgicos e/ou durante procedimentos anestésicos. Para além da posição superficial, a alta incidência de ramificação deste nervo aumenta o risco de lesão”.
Por último, socorrendo-nos novamente de Miguel José Carvalho Badas, e no que às Alterações pós-traumáticas do nervo lingual diz respeito, certo é que , ainda que os distúrbios do nervo lingual sejam raros e poucos tenham sido documentados, a verdade é que foi já “ relatado que, uma vez que o nervo lingual é danificado, a recuperação da sensação, do sabor e da secreção salivar pode ser comprometida. Portanto, é necessário estar consciente de que os distúrbios sensitivos do nervo lingual podem ocorrer acidentalmente durante a extracção do terceiro molar mandibular ( Shimoo et al., 2017). Deficiências no gosto, alterações das sensações térmicas e de toque, assim como sensações anormais ( por exemplo, parestesia e disestesia ) são frequentemente causadas por danos nos nervos periféricos, levando a dificuldades na alimentação e/ou fala (Seo et al., 2008). Como consequência, os pacientes podem sofrer de perturbação neurossensorial ou sensação de gosto prejudicado (Al-Amery et al., 2016) . Outros sintomas que podem ser encontrados após lesão nervosa são a sensibilidade reduzida. Ocasionalmente, os pacientes podem desenvolver dor neuropática na região craniomandibular. Esses sintomas, especialmente a dor neuropática, levam a uma redução significativa na qualidade de vida. (Hölzle e Wolff, 2001).
Em face dos “ensinamentos” da comunidade científica acabados de citar [ e em parte sufragados também nos esclarecimentos prestados pelos peritos médicos António Capelo e Miguel Amaral …., nas respostas dadas ao tribunal a quo a 17/12/2018 ], temos assim que, prima facie, a factualidade vertida no ponto de facto impugnado e nº 2.9., consubstancia em rigor um evento explicável e razoável de ocorrer, existindo designadamente uma probabilidade séria de vir a ter lugar no âmbito de um acto médico de extracção de um dente do SISO.
A aludida razoabilidade do evento, confere assim toda a verosimilhança e credibilidade ao depoimento prestado pela testemunha Drª Carina … , a que acresce que esta última, e ao contrário de uma outra [ o Dr.  Francisco ….. ], não se limitou a avançar possibilidades/hipóteses susceptíveis de explicarem as queixas relatadas pela paciente/autora, antes produziu afirmações suportadas em observação efectuada [escassos 8 dias após ter sido a autora submetida à exodontia do dente  3.8. ] da paciente, máxime da visualização da  sua língua e da ferida que nela constatou existir.
O acabado de aduzir, justifica concluir que, ainda que a convicção da primeira instância subjacente ao julgamento do ponto de facto nº 2.9. se mostrasse amparada tão só [ o que não é de longe o caso dos autos ] em raciocínio presuntivo do julgador [ definido no artº 349º, do CC, como sendo as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido ], certo é que está aquele longe de ser objecto de reparo, máxime por padecer de um excessivo e de todo inaceitável voluntarismo.
Por outro lado, e como vimos já supra, certo é que o objecto do processo relaciona-se com factualidade cujas dificuldades de prova [ em causa está matéria de responsabilidade civil por actos médicos ] são patentes, e , consequentemente, compreensível é que o respectivo grau de standard de prova (8) não seja colocado num nível tal de exigência que em última análise conduza a que, na prática, determine a inviabilidade do reconhecimento do directo invocado.
Por último, não se olvidando os últimos esclarecimentos prestados nos autos pelos peritos médicos António Capelo e Miguel Amaral ….. [ em sede de esclarecimentos prestados ao tribunal a quo a 15/3/2019 ], certo é que deles não resulta a informação no sentido de não ter - durante a exodontia do dente 3.8 – ocorrido o seccionamento em parte, do nervo lingual, mas apenas a informação inócua e inconclusiva no sentido de não permitirem os exames imagiológicos realizados saber se a língua da paciente foi efectivamente cortada .
Tudo visto e ponderado, e considerando que :
- Sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do Código Civil ), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens ;(9)
- Não sendo de exigir em sede de valoração da prova que o tribunal fique plenamente convencido da veracidade ou falsidade da alegação, bastará então ao julgador para formar a sua convicção um tão alto grau de verosimilhança que não permita o surgimento de uma dúvida razoável ; (10)
- Lícito não é ao julgador lançar mão de imediato ( à mínima dúvida, e quase que por mera comodidade/facilidade )  ao principio a que alude o artº 414º, do CPC , pois que, a regra é o julgador ser confrontado no dia-a-dia com meios de prova apresentados pelas partes que divergem em absoluto, razão porque, em principio e na maioria das situações, deve, no exercício da sua função, tomar posição  [ socorrendo-se amiúde das regras da experiência, da normalidade da vida e do senso comum ], apenas sendo-lhe licito não o fazer quando a conjugação de toda a prova produzida conduz a uma dúvida bastante consistente e de todo inultrapassável ;
- Sendo pacífico que no âmbito da aferição da pertinência de se introduzirem alterações na decisão de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, importa que o tribunal de recurso forme a sua própria convicção (11) - o que deve fazer outrossim no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova -,  mas , ainda assim, pertinente é também não olvidar que nesta matéria não incumbe de todo ao tribunal de segunda instância realizar um segundo ou um novo julgamento, sendo antes a sua competência residual ,cabendo-lhe tão só  “proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.”; (12)
- Perante o aludido por último, compreensível é que  no âmbito do julgamento da impugnação da decisão de facto, evite o tribunal da  Relação a introdução de alterações quando não lhe seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência efectiva de um erro do tribunal a quo no âmbito da apreciação da prova no tocante aos concretos pontos de facto impugnados ; (13)
Temos por adequado e sensato não alterar o julgamento de facto da primeira instância no tocante à factualidade vertida no item de facto nº 2.9. .
3.2.Do ponto de facto nº 2.27.
Em sede de ampliação do recurso, impugna também a recorrida o ponto de facto nº 2.27. , o qual reza que Em consequência da perfuração da língua referida supra, actualmente e de forma permanente, a A. apresenta sensibilidade diminuída no lado esquerdo da língua, mais evidente no terço anterior ; condicionamento da mastigação, que provoca ferimentos na língua por traumatismo dentário aquando da mastigação; condicionamento da fala, por desvio da língua durante a fonação; e ausência de paladar na referida metade esquerda da língua.”.
Para o referido efeito, diz a recorrida que da prova produzida, designadamente do depoimento prestado pela testemunha Vítor ……., porque eivado de inverdades, forçoso é que o referido ponto de facto seja reconduzido ao elenco dos factos Não Provados.
Já o tribunal a quo, a justificar o julgamento de facto ora em análise, discorreu nos seguintes termos :
ponto 3.2.27. - Desde logo o tribunal teve em consideração as entradas na ficha clinica da A. de 11.11.09., 30.01.2010. e 20.03.2010. onde se refere:
“ 11.11.2009. - Teste sensibilidade da língua, c/ picada seguido de um desenho da língua em que em parte do lado esquerdo da mesma aparecem umas cruzes seguido das palavras “ sem sentir” e no final “ receitei Neurobion”.
30.01.2010. – Novo teste de sensibilidade à língua seguido de um desenho da língua, com cruzes na parte lateral anterior da língua seguido de palavras que não são inteiramente perceptíveis mas que, aparentemente significam “ ainda há sensação dor lateral e por baixo”;
20.03.2010. – aparece um desenho da língua, com cruzes na parte lateral esquerda e onde se refere: fala com a língua de lado. Queixa-se de dor na língua quando fala… Quando fala muito . Começa a colocar a língua para o lado esquerdo.
A língua tem mobilidade.”
De seguida o tribunal teve em consideração, essencialmente, o relatório pericial a fls. 552, onde se referem as situações descritas e o Relatório pericial a fls. 378 ( onde se refere alteração da sensibilidade no lado esquerdo da língua ) e, ainda, as declarações de parte da A., o depoimento da testemunha Vítor ….., filho da A. e António ……, ex-marido da A. e ainda o depoimento das testemunhas Carina ….. e Francisco …. quanto à irreversibilidade das sequelas.
Muito embora a A. tenha referido que tem como que “um cão a morder a língua“, não é, salvo melhor opinião, natural que a A. tenha dores onde não tem sensibilidade.”.
Ora, tendo presente que subjacente ao julgamento de facto do ponto de facto ora em análise se baseou o tribunal a quo na conjugação de diversa prova produzida, documental e testemunhal, que não apenas no depoimento prestado por Vítor …..,  e , ademais, nada justifica descredibilizar em absoluto o valor probatório deste último depoimento , porque pretensamente não idóneo, não imparcial e de todo não verosímil, inevitável se mostra outrossim a improcedência da impugnação da decisão de facto também nesta parte.
Acresce que, recorda-se, aquando do julgamento do mérito de impugnação de decisão de facto, não cabe ao tribunal de segunda instância realizar um segundo ou um novo julgamento, sendo antes a sua competência residual, ou seja, a impugnação deduzida pela recorrida “não pode transformar o tribunal de segunda instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes. (14)
Por último, certo é que a factualidade inserta no item de facto nº 2.27 mostra-se em parte igualmente suportada pelo relatório pericial [ mais exactamente pelos esclarecimentos prestados pelos peritos António Cabral …. e Miguel Amaral ….., em expediente junto aos autos a 19/3/2019 ] elaborado pelo Centro Hospitalar Universitário, Lisboa Norte, EPE, e coadjuvado por exame de Estomatologia realizado [ cfr  resposta dos peritos ao ponto 3.1. ] .
Em conclusão, improcedendo in totum a impugnação de decisão de facto deduzida pela recorrida em sede de ampliação da apelação da autora, no julgamento desta última a factualidade que releva é a que o tribunal a quo fixou.
*
4. - Da Motivação de Direito.
4.1. - Se deve a sentença apelada ser alterada, impondo-se também a condenação da Ré e recorrida E e  solidariamente com a B.
Em sede de fundamentação da decidida condenação [ APENAS ] da Ré B., e , concomitantemente, de absolvição da Ré E , e tendo por objecto a factualidade inserta no item de facto nº 2.9., discorreu o tribunal a quo nos seguintes termos :
“(…)
Está provado que:
3.2.1. A Ré B explorava o estabelecimento de clínica médica, aberto ao público, sito na Avenida Almirante Reis, 184, R/c, em Lisboa.
3.2.2. A A. acordou com a Ré B a exodontia dos dentes 1.8 e 3.8.no citado estabelecimento.
3.2.3. A Ré E prestava serviços à B, mediante o recebimento de 30% do valor cobrado pela clínica.
3.2.4. A Ré E firmou com a Axa um contrato de seguro do ramo “ responsabilidade civil “,pelo qual transferiu a esta, que aceitou, os riscos apontados na apólice nº 0084.25.94782 , junta por cópia a fls. 151- cujo integral teor se dá aqui por reproduzido.
(…)
3.2.6. No estabelecimento referido em 3.2.2., no dia 17 de Setembro de 2009a A. foi submetida à exodontia do dente 1.8 e no dia 21 de Setembro de 2009 à exodontia do dente 3.8..
3.2.7. Os referidos actos foram realizados pela Ré E, no âmbito da prestação de serviços referida em 3.2.3.
3.2.8. Pela exodontia dos dentes 1.8 e 3.8., a A. pagou à B a quantia de € 252,00.
Perante a factualidade constante dos pontos 3.2.1., 3.2.2., 3.2.6. e 3.2.8., impõe-se concluir que entre a A. e a Ré B foi celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, mais concretamente, um contrato tendo em vista a exodontia dos dentes 1.8 e 3.8.
E perante a factualidade constante dos pontos 3.2.3., 3.2.6. e 3.2.7. impõe-se que a Ré E é um auxiliar da realização daquelas prestações, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 800º n.º 1 do CC.
(…)
Uma vez que entre A. e a Ré B existe uma relação inter-subjectiva, existe uma relação obrigacional, está excluída a aplicação ao caso do regime da responsabilidade extracontratual ( nomeadamente a aplicação do disposto no art.º 493º do CC), prevalecendo o regime da responsabilidade contratual.
Sendo aplicável o regime da responsabilidade contratual, dispõe o art.º 800º n.º 1 do CC que o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.
A este respeito escreve Carneiro da Frada, in ob. cit., pág. 209, que “ projecta-se o comportamento do auxiliar na pessoa do devedor, isto é, este será responsável logo que a actuação dos auxiliares, pensada na pessoa do devedor, preencha uma previsão de responsabilidade.”
(…)
Ao estatuir que a responsabilidade ( objectiva) do devedor se conge aos actos daquelas pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, o art.º 800º n.º1 reflecte as razões que se acabaram de apontar. Estas ditam por outro lado que essa responsabilidade não tem de pressupor nenhum vínculo de subordinação ou dependência do auxiliar em relação ao dono do negócio, como é exigido pela relação de comissão, procedendo de igual modo quando o auxiliar é ( um empresário) independente actuando com autonomia.
A imputação da violação de deveres de protecção ao devedor segundo este modelo acaba, bem vistas as coisas, por reforçar a tutela da integridade do credor ”
Não tendo a A. contratado a prestação de serviços com a Ré E, mas sim com a Ré B e sendo aquela um auxiliar desta, que responde pelos actos praticados por aquela, como se fossem por si praticados, pode desde já afirmar-se que a acção deve ser julgada improcedente quanto á Ré E e à Ré Axa Portugal – Companhia de Seguros, SA, agora Ageas Portugal – Companhia de Seguros, SA, para quem aquela transferiu a responsabilidade civil emergente do exercício da sua profissão de dentista.
Não existindo, qualquer vinculação contratual entre a A. e a Ré E não é lícito àquela reclamar desta, enquanto auxiliar no cumprimento da R. B, indemnização pelos prejuízos causados na realização das prestações em referência, só sendo lícito fazê-lo perante a Ré B como devedora ( vd.a este respeito Vaz Serra, Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais ou dos Substitutos, in BMJ n.º 72, pag. 286; Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, pp. 410-411).
Dito  outra forma: no âmbito do art.º 800º n.º 1 o devedor responde exclusivamente.”
Dissentindo do aludida absolvição da Ré E e justificando a sua condenação solidária com a Ré B, aduz a recorrente e no essencial, as seguintes razões :
- Se a médica R. aceitou, tanto como a clínica também R., tratar a Autora (independentemente da relação contratual entre aquelas), assumiu dessa forma, a sua “obrigação de meios”, traduzida na obrigação de aplicação de todo o seu saber, experiência e boa prática na execução do acto médico, assim como assumiu a responsabilidade decorrente de uma eventual violação das legis artis que de tal prática viesse a resultar;
-  Ou seja, perante a A., quer a clínica quer a médica, ambas RR., assumiram o risco inerente à prática do acto médico em causa;
- Na dialéctica assim gerada entre a responsabilidade civil e a contratual (considerando assente a prática do acto médico em violação das “legis artis”, a fixação da culpa; a fixação dos danos e do nexo de causalidade) importa tomar o regime que melhor protege os direitos e as legítimas expectativas da Autora/lesada quanto à possibilidade de, efectivamente, vir a ser compensada pela lesão sofrida. A condenação, apenas, da R, clínica é susceptível de deixar a A. sem qualquer compensação uma vez que já encerrou a sua actividade e não tem seguro.
- Tendo o credor a possibilidade de escolher o regime que lhe parecer mais favorável desde logo, tal escolha, foi feita na PI com a formulação do pedido de condenação solidária da médica e do estabelecimento médico;
- A Ré médica que, tal como resulta da decisão de facto, violou de forma grosseira as legis artis, provocando um dano irreversível da saúde da A., com as consequências descritas na sentença, não deverá beneficiar de uma absolvição que lhe permita sair impune de tudo isto, ao mesmo tempo que a A., por essa via, e na prática, fica sem tutela efectiva;
- Pelos motivos expostos, à decisão de facto emergente dos pontos 3.2.7 e 3.2.9, deveria ter sido aplicada a norma constante no n° 1, do art°. 507° do CC, atribuindo-se a responsabilidade, de forma solidária, à médica e ao estabelecimento médico e não, apenas, ao estabelecimento.
Quid Juris ?
Ora, antes de mais, e não se olvidando que no referido segmento a sentença da primeira instância mostra-se inatacável [ nos termos do artº 635º, nº 5, do CPC, porque não objecto de impugnação recursória pela parte vencida ], sabemos já que na sentença apelada se veio a concluir que se justificava enveredar pela responsabilização de pessoa colectiva [ a ré  B , ainda que com referência a acto médico pela Ré/recorrida E praticado ] com fundamento no instituto da responsabilidade civil contratual, e no pressuposto - que é incontroverso - de que no âmbito da responsabilidade civil médica não estabelece/consagra a nossa lei situações/casos de responsabilidade civil objectiva ou de responsabilidade por factos lícitos danosos, antes se admite tão só que a resolução de questão relacionada com um erro médico seja apreciada no âmbito da responsabilidade contratual e/ou da extracontratual ou aquiliana.
De resto, e em face da factualidade provada [ máxime a vertida nos itens de facto nºs 2.1., 2.2. e 2.6. a 2.8. ] , pacífico é que entre a referida Ré pessoa colectiva e a autora foi outorgado um vínculo no âmbito do qual a primeira obrigou-se, a pedido da segunda, a ministra-lhe serviços médicos e a troco de uma retribuição, em suma, um contrato previsto no artº 1154º, do CC [ o qual reza que “ o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”].
Acresce que, ainda que pertinente fosse [ o que não é o caso ] encarar a responsabilidade civil médica da pessoa colectiva B , também sob a vertente delitual, aquiliana, extra-contratual ou ex delictu, certo é que e como vem entendendo de forma praticamente unânime o nosso Mais Alto Tribunal [ o  Supremo Tribunal de Justiça (15) ], podendo é verdade a responsabilidade civil médica ter, “ simultaneamente, natureza extracontratual e contratual, pois o mesmo facto pode constituir, a um tempo, uma violação do contrato e um facto ilícito lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade física“, em “ regra, a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual, solução mais ajustada aos interesses do lesado (16) e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada”.
Em suma, no âmbito de vínculo contratual estabelecido entre a apelante/paciente e a Ré/clínica , obrigou-se inquestionavelmente a última, como devedora, tão só “a desenvolver, prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza, e em contraposição com a obrigação de resultado , que se verifica quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a obter um certo efeito útil “ (17), sendo que, porque no âmbito da referida actividade de natureza médica se serviu da colaboração da Ré/recorrida E , bem andou a primeira instância em aplicar ao caso dos autos o disposto no artº 800º,nº1, do CC [ o qual reza que “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor “.
Precisando melhor, dir-se-á que tendo in casu a autora/paciente contratado directamente com um estabelecimento de saúde privado, e podendo em tese o relacionamento entabulado entre um tal estabelecimento de saúde e um doente carecido de cuidados médicos configurar uma de três modalidades típicas, a saber, contrato total[  no âmbito do qual a clínica assume directa e globalmente as obrigações de prestação de cuidados médicos a par das de internamento hospitalar ], “contrato dividido[ que em rigor permite configurar a existência de dois contratos, um com a clínica que compreende apenas as obrigações próprias do contrato de internamento, e outro, em conexão com o primeiro, de prestação de serviço médico directa e autonomamente celebrado com um médico ] e contrato cujo objecto exclusivo é a prestação de serviços médicos, necessariamente executados por um ou mais médicos”, contrato este por regra executado na “clínica” em regime de ambulatório e que se resume à prestação de cuidados de saúde simples ou à realização de exames complementares de diagnóstico”  [ cfr. Carlos FERREIRA DE ALMEIDA (18) ], forçoso é concluir que em face da factualidade provada a “nossa” modalidade é a primeira, não existindo um qualquer vínculo obrigacional estabelecido entre a autora e a Ré/ E  [ Maria …….].
Na verdade, não permite de todo a factualidade provada considerar que o vínculo pela autora outorgado foi vg um contrato total com escolha de médico (contrato médico adicional), que corresponde em rigor [ cfr. André DIAS PEREIRA (19) ] a “um contrato total mas com a especificidade de haver um contrato médico adicional (relativo a determinadas prestações)”, situação que por regra ocorre quando é o paciente que escolhe pessoalmente o médico porque vg por ele vinha já sendo anteriormente observada/acompanhada.
Aqui chegados, a questão que se coloca já a seguir é a de saber , tal como assim o considerou/decidiu o Tribunal a quo, se pelo facto de a autora não ter contratado a prestação de serviços com a Ré E, mas sim com a Ré B  [ Z… – Clínicas Médicas, Ldª ] e respondendo esta nos termos do artº 800º,nº1, do CC, inevitável e forçoso é que a acção deva ser julgada improcedente quanto á Ré E e à Ré Axa Portugal – Companhia de Seguros, SA, agora Ageas Portugal – Companhia de Seguros, SA, para quem aquela transferiu a responsabilidade civil emergente do exercício da sua profissão de dentista, ou seja, “não existindo, qualquer vinculação contratual entre a A. e a Ré E não é lícito àquela reclamar desta, enquanto auxiliar no cumprimento da R. B  [ Z… – Clínicas Médicas, Ldª ], indemnização pelos prejuízos causados na realização das prestações em referência, só sendo lícito fazê-lo perante a Ré B e como devedora” (sic).
Ora, adiantando desde já o nosso veredicto, a apontada ( pelo tribunal a quo ) solução não tem necessariamente que ser a aludida e que o primeiro grau veio a sufragar.
Vejamos.
Bem a propósito de questão que apresenta algumas semelhanças  com a dos presentes autos, veio recentemente o STJ a concluir, em douto acórdão de 23/3/2017 (20), que “ No âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos, de natureza civil, celebrado entre uma instituição prestadora de cuidados de saúde e um paciente, na modalidade de contrato total, é aquela instituição quem responde exclusivamente, perante o paciente credor, pelos danos decorrentes da execução dos actos médicos realizados pelo médico na qualidade de “auxiliar” no cumprimento da obrigação contratual, nos termos do artigo 800.º, n.º 1, do CC”.
Porém, no mesmo acórdão conclui-se também que “Porém, o médico poderá também responder perante o paciente a título de responsabilidade civil extracontratual concomitante ou, eventualmente, no âmbito de alguma obrigação negocial que tenha assumido com aquele”.
Alinhando pelo mesmo entendimento, este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido muito recentemente [ de 8/10/2020 (21) ], veio igualmente a concluir que :
“(…)
5 - O contrato mediante o qual uma clínica/hospital assume directa e globalmente perante um doente obrigações de prestação de actos médicos conjuntamente com as de internamento hospitalar, pode considerar-se um contrato de prestação de serviço médico, na modalidade de contrato total.
6. Nesta modalidade a clínica é responsável pelos actos praticados pelas pessoas que utilize para o cumprimento das suas obrigações, incluindo o médico que aja em execução da prestação correspondente aos actos médicos integrados no contrato (F. Almeida).
7. O médico não se obriga directamente perante o doente, mas pode ser responsável ex delictu, se se verificarem os requisitos respectivos, apurados de modo autónomo em relação aos da eventual responsabilidade contratual da clínica (idem).
(…)
9. Colocada como consequência da violação da obrigação de tratar, a responsabilidade do médico não deve ser situada em plano de exigência menor que o correspondente a qualquer outra obrigação.
10. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil quando um médico, colaborador de uma clínica, na realização de uma laparoscopia, para remoção de adenocarcinoma do recto e para retirar a vesícula por inflamação crónica da mesma por cálculos, secciona um uréter da doente, tornando-a dependente, para o resto da vida, de uma nefrostomia, sem que se demonstre que tal se ficou a dever a causa externa, a facto de terceiro, etc”.
E também este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, e em acórdão de  19/4/2005 (22), assim veio igualmente a concluir, o que fez do seguinte modo :
1. A responsabilidade extracontratual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que se encontram desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado (obrigação de indemnizar em consequência de um acidente de viação, por exemplo);
2. A responsabilidade contratual pressupõe a existência duma relação intersubjectiva, que atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação (caso típico da violação de um contrato).
3. A responsabilidade civil médica admite ambas as formas de responsabilidade, pois o mesmo facto poderá, ao mesmo tempo, representar a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual.
4. Mas, no domínio da responsabilidade aquiliana, apenas a responsabilidade civil fundada em factos ilícitos é admissível ( e não pelo risco ou por factos lícitos ).
5. O erro médico pode ser definido como a conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida de um doente. E pode ser cometido por imperícia, inconsideração ou negligência.
6. Embora tradicionalmente, a doutrina fosse relutante em admitir a natureza contratual da responsabilidade médica, por repugnar a aceitação da culpa presumida do médico sempre que o tratamento não tivesse alcançado os objectivos desejados, é hoje aceite em todos os ordenamentos jurídicos que a maior parte das situações de responsabilidade médica, derivada de lesões corporais provocadas pelo médico, tem natureza contratual.
7. Em regra, a relação entre o médico de clínica privada e o doente que o procura configura uma relação contratual, um contrato de prestação de serviços, ou um contrato médico, pelo que lhe serão aplicáveis as regras da responsabilidade contratual.
8. Pode acontecer, contudo, que o dano se mostre consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos chamados direitos absolutos, como o direito à vida ou à integridade física, ou seja: pode suceder que exista uma situação susceptível de preencher os requisitos de aplicação dos requisitos da responsabilidade contratual e extracontratual.”
Ou seja, tal como assim o veio a considerar o STJ em Acórdão de 28/1/2016 (23), mesmo quando existe uma situação típica de cumprimento defeituoso de contratos de prestação de serviços médico-cirúrgicos de que são devedores simultaneamente um Hospital e o médico/operador, tal não obsta a que se possa convocar a responsabilidade extracontratual designadamente nos casos em que é violado o direito à integridade física da paciente, direito absoluto tutelado pelo princípio geral de responsabilidade civil delitual do art. 483º, nº 1, do CC.
Em face do acabado de aduzir, temos assim que, prima facie, o facto de a responsabilização da Ré B, se justificar e impor em face da aplicação do disposto no artº 800º, nº1, do CC, tal não afasta liminarmente a possibilidade de a Ré/apelada E [ a pessoa utilizada” pela Ré  B no cumprimento da sua obrigação contratual ] poder/dever igualmente ser responsabilidade, ainda que à luz de instituto da responsabilidade civil  extracontratual e verificados claro está os respectivos pressupostos.
Neste conspecto, recorda-se que sendo a Ré B, para todos os efeitos, uma unidade privada de saúde ( maxime, uma “clínica privada”), afastada se mostra a possibilidade de in casu se equacionar a aplicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro [ referente ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas ], a qual tem como destinatários as unidades públicas de saúde pertencentes à rede do Serviço Nacional de Saúde, sendo que, em face do aludido diploma legal, “ O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício” [ Artº 7º,nº1, ], apenas existindo responsabilidade solidária dos “titulares de órgãos, funcionários e agentes … pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo [ Artº 8º,nº1 ].
A propósito ainda da questão ora em análise [ relacionada com a pertinência de se justificar in casu também a responsabilização da Ré/apelada E ], importa atentar que pacífico é na doutrina que em última análise a responsabilidade delitual estará sempre presente/garantida ao paciente aquando da prestação de actos médicos, desde logo porque no exercício de um acto médico a regra é “sempre estarem em causa direitos (absolutos) de personalidade, tais como o direito à integridade física e moral e o direito à autodeterminação (v.g.,  no caso de violação do consentimento informado), o que nos remete imediatamente para a primeira modalidade de ilicitude do art. 483.º, n.º 1 do CC” , logo, “em caso de dano provocado por acto médico, mesmo que entre o médico e o paciente não exista qualquer vínculo contratual paciente terá sempre, “pelo menos”, a responsabilidade extracontratual “. (24)
Dito de uma outra forma [ cfr. CLÁUDIA MONGE (25), apoiando-se designadamente em Luís A. CARVALHO FERNANDES (26) ], o médico ( e/ou estabelecimento hospitalar, consoante o contrato e a sua qualificação ) perante o paciente está sempre na posição de titular de um dever geral de abstenção em face de direitos de personalidade como o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à integridade moral e o direito à reserva da intimidade da vida privada, razão porque a responsabilidade civil, a responsabilidade penal e a responsabilidade disciplinar podem coexistir e produzir os seus efeitos simultaneamente, assumindo o cumprimento defeituoso do contrato de prestação de cuidados de saúde relevância nas referidas três dimensões susceptíveis de diferenciação lógico-sistemática, muito embora a sua fonte possa ser, e na maioria dos casos assim será, um único e mesmo acto .
Outrossim para MOITINHO DE ALMEIDA (27) “ quando, por culpa do médico, de uma deficiente assistência resultam prejuízos para o doente, a responsabilidade é, pois, de natureza contratual. A prestação não foi executada nos termos prometidos no contrato. Mas a conduta que se traduz na violação do contrato, se ofender direitos absolutos (direito à vida, à integridade física, à propriedade do doente), constitui igualmente o seu auto em responsabilidade extracontratual.» .
Ou seja, como assim o considera também MENEZES CORDEIRO (28), “ um mesmo evento pode preencher, em simultâneo, os pressupostos de ambas as responsabilidades: aquiliana e obrigacional “.
Por último, e a propósito ainda na questão que vimos apreciando, considera CLÁUDIA MONGE que partindo do pressuposto de que “ o critério de distinção entre os dois “tipos” tradicionais de responsabilidade civil deve enunciar-se nos seguintes termos: a responsabilidade contratual provém da violação de um dever especial; a responsabilidade extra contratual provém da violação de um dever geral”, então pertinente é até afirmar-se “ que a violação de situações jurídicas que integram a relação médico-paciente, ainda que o contrato seja estabelecido entre o paciente e o estabelecimento de saúde, com o qual o médico tem também uma relação contratual, geram também a aplicação das regras de responsabilidade contratual e não (apenas) as regras de responsabilidade extracontratual”. Acrescenta logo a seguir, que “ Não se pretende, porém, com esta afirmação fazer “deslocar” todos os deveres decorrentes do contrato clínica-paciente para a relação médico-paciente», tanto mais que se reconhece que o contrato de prestação de cuidados de saúde, em especial nas hipóteses do denominado “contrato total”, pode ditar como sujeito das situações jurídicas o próprio estabelecimento de saúde contratado, sendo o médico um executante do cumprimento.”  (29)
Aqui chegados, porque como vimos supra aponta a factualidade provada para a existência de um contrato total outorgado entre autora e a Ré B, importará de seguida aferir da  pertinência de a factualidade provada justificar também a responsabilização da Ré E [ que prestava serviços à B, mediante o recebimento de 30% do valor cobrado pela clínica ]  com fundamento na responsabilidade delitual como consequência da violação de direitos absolutos, os quais como sabemos surgem desligados de qualquer relação inter-subjectiva previamente existente entre lesante e lesado, ao contrário da responsabilidade obrigacional que pressupõe necessariamente a existência de uma relação intersubjectiva que que confere ao lesado um direito a prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.
Ora, como é reconhecido pela generalidade da doutrina, em sede de não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação, e no tocante ao critério baseado no efeito ou estado de facto que pode o mesmo desencadear, é “norma” distinguir-se o inadimplemento definitivo [ também designado por inadimplemento propriamente dito ou impossibilidade definitiva ], do simples retardamento no cumprimento [ mora solvendi ou mora accipiendi ], ou do cumprimento imperfeito e/ou defeituoso. (30)
De igual modo, pacífico é outrossim que, em sede de responsabilidade civil contratual ( tal como, de resto, também na extracontratual ), a obrigação que da mesma emerge pressupõe , enquanto factos constitutivos, a prova da verificação dos seguintes pressupostos : a) a existência de um facto objectivo (acção ou omissão); b) a sua ilicitude; c)  a culpa ; d) o dano/prejuízo  e [ e) ]  o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Todos os referidos pressupostos, à excepção do atinente à culpa [ em face da presunção de culpa a que alude o artº 799º, do CC ] , é ao credor que incumbe o ónus de alegação e prova , designadamente e também o da ilicitude do não cumprimento (31), e o qual, no âmbito da responsabilidade obrigacional, corresponderá no essencial a uma relação de desconformidade entre a prestação debitória devida e o comportamento observado.
Ou seja, em sede de relacionamento obrigacional entre paciente/doente e médico, não está assim o primeiro, na qualidade de “lesado”, dispensado de alegar a factualidade integrante e caracterizadora da acção ou omissão médica [ rectius, do cumprimento defeituoso ], beneficiando tão só da presunção de culpa a que alude o artº 799º, do CC , isto é, do ónus que incide sobre o médico de provar que agiu com diligência ou de acordo com a leges artis,  que o mesmo é dizer, que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua..
O acabado de explanar/concluir integra entendimento que, além de defendido pela generalidade da doutrina especializada (32), é também aquele que, o nosso mais Alto Tribunal, tem vindo a seguir/perfilhar, recordando-se de entre vários v.g. o douto Ac. de 15-12-2011 (33) , e no qual se concluiu designadamente que (SIC) :
III- Se é inquestionável que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode implicar para o médico uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, o corrente na prática é o acto médico envolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunção de obrigação de meios. Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar.
(…)
VI - Sempre que se trate de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado, incumbe ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico.
VII - Tem o paciente/lesado de provar o defeito de cumprimento, porque o não cumprimento da obrigação do médico assume, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda de demonstrar que o médico não praticou todos os actos normalmente tidos por necessários para alcançar a finalidade desejada.
VIII - Feita essa prova, então, funciona a presunção de culpa, que o médico pode ilidir demonstrando que agiu correctamente, provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados.
IX - Em termos gerais, ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual, ter o médico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, o médico devia e podia ter actuado de modo diferente.
 Todos os supra aludidos pressupostos, recorda-se, mostram-se também presentes na responsabilidade médica aquiliana e cujo princípio geral encontra-se previsto no artº 483º, do CC [ o qual reza que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação “ ],  apenas se justificando salientar que a modalidade de incumprimento que por regra acontece com maior frequência é a do cumprimento defeituoso , mais conhecido como erro médico [ caracterizado por GERMANO de SOUSA (34) como a conduta profissional inadequada resultante de utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrecta que se revelam lesivas para a saúde ou a vida do doente] e na modalidade de erro de tratamento ou erro terapêutico  [ cfr. Álvaro da Cunha GOMES RODRIGUES (35 ) ].
O erro de tratamento, como explica GOMES RODRIGUES (36), e quando cometido a título de negligência ( previsibilidade do resultado e violação do dever de cuidado ),  pode traduzir-se numa ofensa á integridade física do paciente ou à vida deste, sendo causal de um crime de ofensas à integridade física por negligência ou de homicídio involuntário, por parte do médico inábil ou imprudente”.
Do erro médico [ como o será v.g. o da perfuração ou secção inadvertida  de um órgão, de um vaso ou de um nervo durante a cirurgia  ou até do manuseio de instrumental durante um acto médico não cirúrgico (37) ]  importará distinguir o mero ACIDENTE [ ocorrência desagradável não esperada mas previsível, como as intercorrências que acontecem, tanto no diagnóstico, como no terapêutico, como são, por exemplo, os acidentes radiológicos , anestésicos e cirúrgicos, ou até a simples COMPLICAÇÃO - , que é o aparecimento de uma condição mórbida no decorrer de uma doença, devida ou não à mesma causa. (38)
No seguimento dos ensinamentos acabados de aduzir, e incidindo finalmente a nossa atenção sobre a factualidade provada, sabemos que a Ré  E, quando prestava serviços à B, mediante o recebimento de 30% do valor cobrado pela clínica, foi agente de actos médicos na pessoa da Autora A, procedendo a exodontia dos dentes 1.8 e 3.8 .
Sabemos também que a mesma Ré  E , quando no dia 21 de Setembro de 2009 submeteu a autora à exodontia do dente  3.8. [ dente do siso ], e durante a execução do aludido acto médico, permitiu que o instrumento que então utilizava resvalasse e  perfurasse a língua da Autora, no lado esquerdo da mesma , seccionando em parte o nervo lingual.
Na sequência do ocorrido [ seccionamento em parte do nervo lingual ], veio  a autora nos dias seguintes e durante período de tempo não concretamente apurado, a sofrer  dores no lado esquerdo da língua, dificuldades em mastigar e de ingerir alimentos sólidos, dificuldades de expressão verbal por causa das dores na língua e perda de sensibilidade e dificuldades em adormecer por causa das dores,  e  , em consequência da aludida perfuração da língua , apresenta actualmente e de forma permanente sensibilidade diminuída no lado esquerdo da língua [ mais evidente no terço anterior ], condicionamento da mastigação [ que provoca ferimentos na língua por traumatismo dentário aquando da mastigação],  condicionamento da fala, por desvio da língua durante a fonação e ausência de paladar na referida metade esquerda da língua.
Por último, é também do nosso conhecimento [ vide o exposto no item 3.1. do presente acórdão ] que o nervo língual é um dos nervos sensitivos mais importantes da cavidade oral e é muito delicado, devido à sua localização e à sua anatomia, podendo influenciar a técnica cirúrgica de remoção de dentes inclusos e, devido ao seu trajecto superficial na região posterior mandibular e à variação no seu trajecto, apresenta um alto risco de lesão durante procedimentos cirúrgicos , além de que a alta incidência de ramificação deste nervo aumenta também o risco de lesão”.
A propósito ainda da delicadeza de que se reveste o acto médico de extracção de terceiros molares, máxime do risco [ caso o acto médico não seja realizado com todos os cuidados exigíveis ] de no acto se afectar o nervo lingual, vejamos mais alguns trechos de pertinente trabalho científico com o título de Parestesia do nervo lingual após extracção de terceiros molares: revisão de literatura e relato de caso (39) :
“(..)
Na porção mais posterior da cavidade oral, o nervo lingual se mostra superficial e pode até ser visto através da mucosa que recobre a linha Milo hióidea ao nível dos segundos e terceiros molares inferiores (DUBRUL; 1991). Sendo assim, alto o risco de lesão ao nervo quando se estende retalhos nesta área, tendo como consequência a anestesia, parestesia, perda do paladar e redução da secreção salivar.
(…)
As lesões aos nervos lingual e alveolar inferior são complicações bem reconhecidas de cirurgias de terceiros molares. Estudos precedentes revelam que a prevalência de danos a tais nervos durante exodontias foi de 0,4% a 8,4% ao nervo alveolar inferior e 0% a 23% ao nervo lingual (JERJES; SWINSON; MOLES, 2006)
(…)
É evidente, que a melhor maneira de lidar com uma complicação cirúrgica é a prevenção, e esta deverá ser feita com o máximo de cuidado possível por meio de uma avaliação pré-operatória, um plano de tratamento abrangente e sempre utilizar-se de recursos complementares como o exame radiográfico que embora bidimensional, avaliar a posição dental e suas estruturas adjacentes como o canal mandibular “.
Ora, perante tudo o acabado de relatar, em termos de factualidade provada e de literatura médica com o caso dos autos inequivocamente relacionada, inquestionável é para nós que integra aquela - a apontada factualidade - a previsão do artº 483º, do CC, tendo a Ré E  [ Maria …….] e aquando da prática de acto médico por si realizado incorrido claramente no cometimento de acto ilícito [  na vertente de violação de um direito – subjectivo e absoluto – de personalidade de  outrem , previsto no artº 70º,nº1, do CC ] , o que fez de forma culposa [ ainda que em sentido estrito, ou seja, com negligência , porque perante o conhecido alto risco de lesão do nervo lingual , exigia-se -   nos termos  do nº 2, do artº 487º, do CC - que tivesse agido de forma mais cautelosa/prudente e de modo a evitar resultados antijurídicos como o é o do seccionamento em parte do nervo língual ], existindo em suma um evidente nexo de imputação subjectiva do facto à Ré/agente E.
Bem a propósito de questão que não diverge com relevância da que é objecto da presente apelação, recorda-se que vg em Acórdão do STJ e de 1 de Outubro de 2015 (40), se veio  a considerar – quanto à ilicitude de uma situação de perfuração do intestino de uma doente – que “ poder-se-á questionar se essa perfuração deve ser considerada como que desligada do contrato em execução (…), e tratá-la como uma agressão à integridade física da autora e, por esse facto, como geradora de responsabilidade civil extracontratual ”. Mas, “ Na verdade, a perfuração do intestino ocorreu durante e por causa da execução do contrato destinado à realização de um exame médico; independentemente de encontrar a construção juridicamente mais correcta, a verdade é que objectivamente ocorreu uma lesão da integridade física da autora, não exigida pelo cumprimento do contrato; a ilicitude está verificada.”
 Mas, ainda mais associado ao caso dos autos [ porque igualmente relacionado com uma extracção de dente do siso e que se encontrava incluso ],encontra-se o Acórdão de 10/11/2016 e deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (41), no qual se concluir que se “na sequência do que lhe foi apresentado como um ato de medicina dentária inofensivo (extracção do siso), vem a paciente a sofrer lesão no nervo lingual direito - o que no imediato e durante pelo menos um ano  provocou na paciente fortes dores, grande dificuldade em comer e em falar, sensação de encortiçamento e de formigueiro na língua e perda de sensibilidade na língua -  por inaptidão médica,  e decorridos oito anos após a extracção do aludido dente, mantém a autora dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e na hemilíngua direita, com sensação de formigueiro, com parestesia, com sensação de encortiçamento, com grande dificuldade e dor na mastigação, não consegue mastigar com o lado direito, continua a acontecer-lhe morder a língua inadvertidamente, mantendo a insensibilidade na hemilíngua direita, mantém a dificuldade em articular a fala e em pronunciar correctamente algumas palavras, afigura-se adequada a atribuição, a título de indemnização por danos não patrimoniais, da quantia actualizada de € 18 000,00”.
Tudo visto e ponderado, porque outrossim subjacente ao cumprimento defeituoso da Ré/agente E se encontra a inobservância pela mesma das leges artis, consubstanciando aquele um efectivo erro médico, e porque também no nosso caso foi ele causa de lesão da integridade física da autora enquanto paciente, existindo um dano, não se descortina portanto existir fundamento legal [ que não o é por si só o disposto no artº 800º, do CC ] para a não responsabilização da referida Ré médica e a agente do acto médico na pessoa da autora/paciente.
Ademais, como bem se chama à atenção no recente acórdão proferido igualmente por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa e acima já indicado [ o de 08-10-2020 (42) ] e socorrendo-se de André Gonçalo DIAS PEREIRA (43), lícito é INCLUSIVE presumir-se a culpa do causador directo do dano quando se lesionam outras áreas do corpo mais ou menos próximas da que está a ser objecto de tratamento, como o é manifestamente o caso dos autos .
Em conclusão, se pela via contratual tal não se afigura possível, pelo menos pela via aquiliana não se concebe afastar a Ré E  [ Maria …….] da obrigação de responder perante a autora, porque manifestamente preenchidos os respectivos pressupostos – todos os do artº 483º, do CC.
Deve portanto a ré E, tal como já o foi a Ré B, responder civilmente, justificando-se outrossim a sua condenação a pagar á A. a quantia de € 17.500,00 acrescida de juros calculados à taxa legal desde a data da presente sentença.
E, porque havendo pluralidade de responsáveis, há solidariedade na responsabilidade extra-obrigacional (art. 497.º do CC), instituto este último que fundamenta a obrigação de indemnização a cargo da Ré E, temos assim que, pelo pagamento à autora da indemnização no valor de € 17.500,00 [ acrescida de juros calculados à taxa legal desde a data da sentença apelada ] e em que se mostra já condenada a Ré B, é também responsável, solidariamente,  a Ré E.
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4.2. – Da Prescrição.
A Ré E veio contestar também por excepção, dizendo que foi no dia 21 de Setembro de 2009 que teve lugar a exodontia do dente 3.8, razão porque tendo sido citada para a presente acção apenas  a 12.10.2012, manifesto é que quando o foi mostrava-se já decorrido o prazo de três anos a que se refere o n.º 1 do art.º 498º do CC, em suma, havia já PRESCRITO o direito de indemnização que pretende a autora fazer valer na presente acção e contra si.
A excepção aludida não foi objecto de decisão pelo tribunal a quo, considerando-se na sentença apelada prejudicada a sua apreciação.
Importa portanto, da excepção de  prescrição do direito da A. aqui e agora conhecer, nos termos do artº 665º,nº2, do CPC, considerando-se ser caso de manifesta desnecessidade ouvir as partes nos termos do artº 865º, nº3, do CPC, porque nos autos tiverem já a oportunidade de se pronunciarem sobre a matéria.
E apreciando.
Reza o artº 498º, nºs 1, 2 e 3, que:
1.O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
Já no que à contagem do prazo prescricional diz respeito, importa ter presente o disposto no nº1, do artigo 306.º do Código Civil, nos termos do qual  “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)”, sendo que, se o “beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição “.
Mas, uma vez iniciada a contagem do prazo prescricional, certo é que [ cfr. artº 323º, do CC, no seu nº1, e sob a epígrafe de “ interrupção promovida pelo titular “ ] o mesmo apenas se  interrompe “ pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, logo acrescentando o nº 4, do mesmo normativo, que “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido “.
A interrupção da prescrição referida [ a qual inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo - cfr. nº1, do artº 326º, do CC ] , importa não olvidar, é aquela que é promovida pelo titular do direito, denominada a parte creditoris  ou  por iniciativa do credor,  pressupondo a mesma um acto judicial que, directa ou indirectamente, dê a conhecer ao devedor a intenção do credor exercer a sua pretensão (44).
Ou seja, para o referido efeito, o credor tem de dar conhecimento ao devedor da intenção de exercício do seu direito, através de citação do Réu - na sequência da proposição de uma acção - , de notificação judicial ou de outro meio judicial. (45)
Por fim, pertinente é também [ para thema decidendum ] ter presente que, “ Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias “ - cfr. nº 2, do artº 323º, do CC.
Aqui chegados, porque a acção pela Autora/apelante foi interposta a 13/8/2012, importa pelo menos considerar-se  – nos termos do nº2, do artº 323º, do CC -  a prescrição como tendo sido objecto de interrupção a 7/9/2012, sendo que, porque requerida e deferida a citação urgente [ por despacho de 14/8/2012, e ao abrigo do disposto nos artºs 143º,nº2, e 234º,nº4, alínea f), ambos do CPC à data vigente ], a interrupção aludida deve inclusive ter-se como efectivada ainda no decurso do período das férias judiciais.
Ora, datando de 21 de Setembro de 2009 o inicio do prazo de prescrição de 3 anos do artº 498º, do CC , manifesta é a improcedência da excepção da prescrição pela Ré invocada, o que aqui e agora se DECRETA.
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4.2. – Da responsabilidade da Ré Axa Portugal – Companhia de Seguros,SA.
No seguimento do decidido no item 4.1. do presente acórdão [ no tocante à responsabilidade da Ré/apelada E ], certo é que revela-nos o ponto de facto provado nº 2.4. que a Ré E firmou com a Ré Axa Portugal – Companhia de Seguros,SA, um contrato de seguro do ramo “responsabilidade civil”, pelo qual transferiu a esta última, que aceitou, os riscos apontados na apólice nº 0084.25.94782.
Da referida apólice, junta aos autos, decorre que o contrato de seguro outorgado é o da “Modalidade Ordens profissionais, Actividade  Dentistas – OMD”, sendo a cobertura contratada o da Responsabilidade civil profissional.
Por último, decorre outrossim do ponto de facto nº 2.4. que o valor da cobertura contratado é o de 600.000,00€, ficando aquela – cobertura – todavia sujeita a uma franquia [ a franquia, segundo MENEZES CORDEIRO (46)” traduz-se na «margem não-coberta pela indemnização e que fica a cargo do segurado» ] de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais no mínimo de € 125,00.
Perante o exposto, respondendo a Ré E no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e, a Ré Axa Portugal – Companhia de Seguros,SA, por força e dentro dos limites do contrato de seguro que com aquela celebrou [ sendo solidária a  responsabilidade de ambas como o estipula o art.º 497º, nº 1, do Código Civil ], a Seguradora apenas está assim  obrigada ao pagamento [ em relação à indemnização total já fixada pelo primeiro grau e no valor de € 17.500,00 ] à lesada do montante de 15.750,00€ [ pela dedução da Franquia de 10% ], cabendo à Ré E pagar à lesada o remanescente de € 1.750,00 [ 1.750,00€ + 15.750,00€ = € 17.500,00.
Finalizando, a apelação de A procede in totum .
*
5.  - Em conclusão ( cfr. artº 663º, nº7,  do CPC) (acima transcrito)
6.-  Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado por A:
6.1 – Condenar solidariamente as Rés E  e  Axa Portugal – Companhia de Seguros,SA. , a pagarem à Autora A a quantia de € 17.500,00 [ a título de indemnização pelos danos sofridos, a qual todavia não acresce à já fixada pelo primeiro grau e da responsabilidade B ] , acrescida de juros calculados à taxa legal desde a data da sentença da primeira instância, deduzindo-se todavia a franquia de € € 1.750,00 relativamente à ré Axa Portugal – Companhia de Seguros,SA;
*
As CUSTAS ficam a cargo de [ por força do disposto nos Artigos 527º, nºs 1, 2 e 3, 607º, nº 6 e 663º, nº2, todos do Código de Processo Civil ]:
a) Na primeira instância
Da autora e Rés B  [ Z… – Clínicas Médicas, Ldª ], E  [ Maria …….] e Axa Portugal – Companhia de Seguros,SA., e na proporção, respectivamente, de 60% para a primeira e 40% para as segundas;
b) Na apelação:
Das Rés E [ Maria …….]  e  Axa Portugal – Companhia de Seguros,SA..
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(1) Cfr. Ac. do STJ de 6/7/2011, Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, in www.dgsi.pt..
(2) In Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, págs. 77 e segs..
(3) In Veritá e verossimiglianza nel processo civile, Rivista di diritto processuale, Padova,  CEDAM, 1955.
(4) Cfr. Manuel Rosário Nunes, in “O Ónus Da Prova Nas Acções De Responsabilidade Civil Por Actos Médicos”, 2ª Edição, Almedina, pág. 94.
(5) Cfr. Sánchez de Movellán, apud Luís Filipe de Sousa , in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 45.
(5) Cfr. Luís Filipe de Sousa , in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 82.
(6) Cfr. Ac. do TRL, Proc. nº 2155/2003-7, sendo Relator ABRANTES GERALDES e in www.dgsi.pt.
(7) Em “ O impacto da variação anatómica do nervo lingual na cirurgia oral “, em Dissertação apresentado à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para obtenção de grau de Mestrado Integrado em Medicina Dentaria, 2019, e acessível em https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/8496/1/PPG_29801.pdf.
(8) Como bem se chama à atenção em recente Acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa [Ac. do TRL de 8/10/2020, proferido no proc. 1616/11.5TVLSB.L1-8, sendo Relator LUÍS CORREIA DE MENDONÇA e in www.dgsi.pt .] “Na responsabilidade civil médica, área onde o paciente está numa posição mais desfavorável do que a do médico no levantamento dos ónus probatórios, a valoração da prova deve convocar standards necessariamente menos exigentes” .
(9) Cfr. Prof. João de Matos ANTUNES VARELA e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.
(10) Cfr Othmar Jauernig, em Direito Processual Civil, Almedina ,2002, pág. 263.
(11) Cfr. De entre muitos outros os Acs. do STJ de 2/12/2013, Proc. Nº 1420/06.2TVLSB.L1.S1, e de 24/1/2012, Proc. nº 1156/2002.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
(12) Cfr. Ac. do STJ de 1/7/2014, Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(13) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 318.
(14) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ibidem, pág. 309.
(15) Cfr. vg os Acs. de 7/3/2017in Proc. nº 6669/11.3TBVNG.S1 , sendo Relator o Exmº Cons. GABRIEL CATARINO ] e de 26/4/2016 [ in Proc. nº 6844/03.4TBCSC.L1.S1 , sendo Relator o Exmº Juiz Consº. SILVA SALAZAR ] , ambos  in www.dgsi.pt.
(16) Como bem chama à atenção o STJ no seu douto Ac. de 7/10/2010 [ In Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. FERREIRA DE ALMEIDA in www.dgsi.pt.], a tutela contratual é a que mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória [  face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa - cfr. art.ºs 799.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, ambos do CC  ], e a que, “ sem dúvida, melhor protege o lesado contra eventuais “conspirações do silêncio” em sede probatória”, muito comuns neste tipo de situações!...”.
(17) Cfr. Prof. Mário Júlio de ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, Almedina, 9ª edição, pág. 971.
(18) Em Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, in Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, 1996, página 90.
(19) Em Direitos dos pacientes e responsabilidade médica, 2015, págs. 684 e segs. .
(20) Acórdão proferido no Proc. nº 296/07.7TBMCN.P1.S, sendo Relator o Exmº Cons. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt..
(21)  Acórdão proferido no Proc. nº 1616/11.5TVLSB.L1-8, sendo Relator o Exmº Desembargador LUÍS CORREIA DE MENDONÇA e in www.dgsi.pt..
(22) Acórdão proferido no Proc. nº 10341/2004-7, sendo Relator o Exmº Desembargador PIMENTEL MARCOS e in www.dgsi.pt..
(23) Acórdão proferido no Proc. nº 136/12.5TVLSB.L1.S1, sendo Relatora a Exmª Juiz Consª MARIA DA GRAÇA TRIGO e in www.dgsi.pt..
(24) Cfr. Paulo Jorge Ferreira Rosa, em “A Natureza Jurídica da Relação Médico-paciente: O Contrato de Prestação de Serviços Médicos”, 2012/2013, Trabalho apresentado no âmbito da unidade curricular Direito Civil II, do Mestrado científico em Direito (revisto), FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, pág. 8 e acessível em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/23850/1/paper%20prest%20serv%20m%C3%A9dicos2.pdf.
(25) Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,  em “Responsabilidade civil na prestação de cuidados de saúde nos estabelecimentos de saúde públicos e privados”, Edição ICJP , Julho de 2014, págs. 13/16, e acessível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_jornadas_saude.pdf.
 (26) Em Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, página 26, ao afirmar, a propósito dos actos ilícitos em geral, que « as sanções são da mais diversa natureza ( civil, penal, disciplinar), podendo mesmo verificar-se a sua aplicação cumulativa a um mesmo ilícito ».
(27) Em “A Responsabilidade civil do médico e o seu seguro, página 329, Apud CLÁUDIA MONGE, ob. cit, páginas 25/26.
(28) Em Tratado de Direito Civil, VIII, página 39, Apud CLÁUDIA MONGE, ob. cit, página 26.
(29) Ibidem, págs. 50/51 .
(30)  Cfr. Mário Júlio de ALMEIDA COSTA, ibidem, págs. 754 e segs., e João de Matos ANTUNES VARELA, in Direito das Obrigações, Almedina, 3ª edição, Vol. II, págs. 62 e segs..
(31)  Cfr. Prof. João de Matos Antunes Varela, ibidem, pág. 97.
(32) Cfr. v.g. Álvaro GOMES RODRIGUES , in “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos“, Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Volume XIV, 2000, Tomo 3, pág. 182, e J. C. Moutinho de Almeida, ibidem, pág. 337.
(33) In Proc. nº 209/06.3TVPRT.P1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. GREGÓRIO SILVA JESUS, e in www.dgsi.pt
(34) Em Negligência e Erro Médico, em Boletim da Ordem dos Advogados ,nº 6,  págs. 12/14.
(35) Em  “Responsabilidade Médica em Direito Penal”, ( Estudos dos Pressupostos Sistemáticos ), Almedina, 2007, pág. 293.
(36) ibidem, pág. 295.
(37) Cfr. Álvaro da Cunha GOMES RODRIGUES ,ibidem, pág. 296/297.
(38) Cfr. Álvaro da Cunha GOMES RODRIGUES ,ibidem, pág. 297.
(39) Da autoria de ANGÉLICA CRISTIANE FARDIN [ Cirurgiã Dentista ], ELLEN CRISTINA GAETTI-JARDIM [ Mestranda de Cirurgia e Traumatologia ] ELERSON GAETTI JARDIM JÚNIOR [Professor Adjunto da Disciplina de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP, São Paulo, Brasil ] e ALESSANDRA MARCONDES ARANEGA [ Professora Doutora da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba– UNESP, São Paulo, Brasil ], e acessível em file:///C:/Data/mj01343/Documents/Downloads/869-1-2511-1-10-20171121.pdf.
(40)  Proferido no Proc. nº 1616/11.5TVLSB.L1-8, sendo Relatora a Exmª Conselheira MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA e in www.dgsi.pt..
(41) Proferido no Proc. nº 23592/11.4T2SNT.L1-2, sendo Relator o Desembargador JORGE LEAL, e in www.dgsi.pt..
(42)   Supra indicado na NOTA 8.
(43) Em Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Coimbra Editora, Coimbra, 2015: 782).
(44) Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 223.
(45) Cfr. Ana Filipa Morais Antunes, ibidem , pág. 223.
(46) Em Manual de Direito Comercial, 2ª ed., 2007, pág. 819.
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LISBOA ,19/11/2020
António Manuel Fernandes dos Santos
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva