Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10849/2007-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: ASSOCIAÇÃO
TITULAR DE ÓRGÃO
DESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: No que respeita às associações, não existe na lei qualquer menção à possibilidade de destituição ou suspensão judicial, mesmo com justa causa, dos titulares dos respectivos órgãos, as quais não se encontram nela previstas; assim, o associado não tem o direito a requerer a destituição judicial dos titulares dos órgãos da associação, cabendo antes de mais à assembleia-geral deliberar sobre o assunto.
(M.J.M.)
Decisão Texto Integral:             Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - J e M intentaram contra a A acção especial de suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais em que pediram que seja decretada a imediata suspensão de funções dos actuais corpos sociais em exercício e que os mesmos sejam destituídos.
Foi proferido despacho indeferindo a requerida suspensão, sem embargo do que posteriormente viesse a ser decidido quanto ao pedido principal de destituição.
Deste despacho agravaram os requerentes, concluindo pela seguinte forma a respectiva alegação de recurso:
A) A interpretação feita do artigo 1484°-B do Código de Processo Civil não está, salvo o devido respeito e melhor opinião, em concordância com a respectiva letra;
B) Com efeito, a vírgula anterior à conjunção "ou" significa que a frase que vem a seguir está intercalada referindo-se a expressão "nos casos em que a lei o admite" às situações de contitularidade de direitos, pelo que não existe qualquer restrição à possibilidade de ser pedida judicialmente a destituição de titulares de órgãos sociais;
C) Mesmo que assim se não entendesse, o que por mera hipótese de raciocínio sem conceder se coloca, os preceitos invocados pelo douto despacho recorrido não têm, salvo o devido respeito e melhor opinião, o alcance que o douto despacho recorrido lhes pretende dar;
D) O artigo 257° do Código das Sociedades Comerciais não estabelece quais os casos em que é possível o recurso ao Tribunal para pedir a destituição judicial de titulares dos órgãos sociais das sociedades por quotas, antes estabelece em que situações é que a lei impõe que a destituição seja levada a cabo por essa forma e não outra qualquer o que é substancialmente diferente pois pressupõe é que a destituição judicial é sempre admissível, sem necessitar de preceito que a permita;
E) No que respeita ao regime das sociedades anónimas, passa-se exactamente a mesma coisa;
F) No que respeita ao artigo 172° do Código Civil, este também não estabelece qualquer proibição de recurso ao Tribunal para pedir a destituição de titulares de órgãos sociais por justa causa;
G) Este artigo destina-se apenas a fazer uma atribuição de competências entre os vários órgãos da pessoa colectiva, não afastando qualquer hipótese de recurso ao Tribunal;
H) Aliás nesse sentido e de forma bastante clara no que à interpretação deste preceito se refere, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima mencionado.
A agravada contra alegou nos termos de fls. 39-42.
                                                           *
II - No despacho recorrido entendeu-se que, face ao art. 172 do CC, a lei não admitia a possibilidade de destituição judicial de órgãos sociais, não consentindo, por maioria de razão, a respectiva suspensão imediata que, por isso, foi indeferida. Os agravantes, por seu turno, defendem que a lei não impede o recurso a Tribunal para pedir a destituição de titulares de órgão sociais.
Tendo em conta que nos termos dos arts. 684, nº 3, 690, nº 1, e 660, nº 2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, a única questão que se coloca no presente recurso é, pois, a da possibilidade, face aos termos da lei, do recurso a Tribunal para que seja decretada a suspensão judicial imediata de órgãos sociais de Associações.
                                                           *
III - A factualidade a ter em conta – e de que dispomos – é, apenas, a que decorre do relatório supra.
Vejamos, então.
Dispõe o nº 1 do art. 1484-B do CPC: «O interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns de contitulares de participação social, nos casos em que a lei o admite, indicará no requerimento os factos que justificam o pedido».
Argumentam os agravantes que a referência, na transcrita disposição legal, aos «casos em que a lei o admite» visa, tão só, a destituição judicial de representantes comuns de contitulares de participação social de titulares de órgãos sociais e não, também, a destituição judicial de titulares de órgãos sociais.
Não se nos afigura que assim seja, antes nos parecendo, da leitura do texto legal, que a restrição respeitante aos «casos em que a lei o admite» se dirige a ambas as hipóteses – a de destituição judicial de titulares de órgãos sociais, bem como a de representantes comuns de contitulares de participação social.
Aliás, mesmo que a lei adjectiva não mencionasse expressamente aquela restrição, é obvio que caso a lei substantiva não admitisse a possibilidade de destituição judicial (e a suspensão imediata) o Tribunal não a poderia decretar.
Como refere Lopes do Rego ([1]) «prevê este artigo a destituição judicial, em processo autónomo (cfr. nº 5), de titulares de órgãos sociais ou de representantes comuns de contitulares de participação social, adjectivando os preceitos que a prevêem, nomeadamente quando ocorra “justa causa” (cfr. arts. 257, nº 4, 358, nº 3 e 403, nº 3 do Cód. Das Sociedades Comerciais)».
Assim, o art. 257 do Cód. das Sociedades Comerciais, contempla duas modalidades de destituição de gerentes: por deliberação dos sócios e pelo Tribunal, na sequência de requerimento formulado naquele sentido. Por um lado, vigora o princípio da destituição dos gerentes por deliberação dos sócios (nº 1 daquele art. 257), mas admite-se que o sócio requeira ao Tribunal a suspensão e destituição de gerente existindo justa causa.
Prevendo, igualmente, a destituição com justa causa encontramos o nº 3 do art. 403 do Cód. das Sociedades Comerciais, referente às sociedades anónimas (exigindo que a destituição judicial de administrador seja requerida por um ou mais accionistas que detenham, pelo menos 10% do capital social e enquanto não tiver sido convocada a assembleia geral para deliberar sobre o assunto).
Porém, no caso dos autos, estamos face a uma associação (a requerida, Associação) e não face a uma sociedade comercial. Preverá a lei, no caso que especificamente nos ocupa, a suspensão judicial imediata de órgãos sociais?
Dispõe o art. 172 do CC:
«1. Competem à assembleia geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva.
2. São, necessariamente, da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo».
Daqui decorre que, nas associações, tudo aquilo que não é da competência de outros órgãos é da competência da assembleia geral, havendo, porém, actos que são da exclusiva competência da assembleia geral – os assinalados no nº 2 – ([2]) entre os quais a destituição dos titulares dos titulares dos órgãos da associação, atento o carácter imperativo desta norma (são «necessariamente, da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação…»).
Saliente-se que a assembleia geral é composta pelo conjunto dos associados, aqui residindo a sua soberania pelo que surge como natural que lhe caiba decidir sobre os destinos da associação, beneficiando de poderes deliberativos que a colocam acima dos corpos gerentes, sendo a obediência à lei e aos estatutos a única limitação ao seu poder.
Não existe na lei qualquer menção à possibilidade de destituição ou suspensão judicial, mesmo com justa causa, a qual não se encontra prevista – como se encontra prevista, nos casos acima assinalados, em relação às sociedades comerciais por quotas e anónimas.
Neste contexto faz sentido que se entenda que qualquer associado não tem o direito de requerer a destituição judicial dos titulares dos órgãos da associação, cabendo antes de mais à assembleia geral deliberar sobre o assunto ([3]).
Pelo que é de manter a decisão recorrida.
                                                           *
IV – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos agravantes.
                                                           *

Lisboa, 24 de Janeiro de 2008

Maria José Mouro
      Neto Neves
  Isabel Canadas

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[1]              «Comentários ao Código de Processo Civil», pag. 774.
[2]              Ver, a propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. I, pag. 172; Manuel Vilar de Macedo, «As Associações no Direito Civil», pag. 73 e segs.,  H. E. Hörster, «A Parte Geral do Código Civil Português», pag. 400.
[3]              Esclarece-se que da leitura do pelos agravantes aludido Acórdão do STJ de 8-10-2002 (e não de 19-2-2002, como certamente por lapso é indicado pelos agravantes), ao qual se poderá aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 02A2454, não se retiram quaisquer argumentos em favor de tese contrária.