Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3731/13.1TBFUN.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.A doutrina e jurisprudência não se têm manifestado de forma unânime em relação à norma do artigo 58º, nº 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais.

2.Segundo uma tese, o instituto do abuso do direito está afastado do campo de actuação do citado normativo, posto que se as deliberações incorrerem em qualquer das situações abusivas consagradas no artigo 334º do Código Civil (venire contra factum proprium, inalegabilidades formais, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício em abuso), o regime aplicável é o da nulidade, por violação de um princípio injuntivo previsto no artigo 56.°, nº 1, alínea d) do CSC.

3.Segundo outra tese, o instituto do abuso do direito aplica-se no âmbito das deliberações sociais, articulando-se o artigo 58º, n.º 1, alínea b), do CSC com o artigo 334º do CC, uma vez que o primeiro não prevê taxativamente todas as situações de abuso do direito que possam decorrer, sendo necessário recorrer à cláusula geral do artigo 334º do CC para sancionar os restantes casos que não se enquadram no aludido preceito do CSC.

4.No artigo 58º, nº 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais sanciona-se com a anulabilidade a deliberação social em que o direito de voto é exercido com fins alheios ao interesse social, prosseguindo vantagens especiais para o votante ou terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou de ambos.

5.O voto é abusivo, na previsão da alínea b) do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais, quando a deliberação seja objectivamente apta a satisfazer uma intenção subjectiva de um ou mais sócios votantes, de obter vantagens especiais, para si ou terceiros, em detrimento da sociedade ou de outros sócios, ou de causar danos à sociedade ou a outros sócios.

6.Não demonstrando a autora a verificação nem do pressuposto objectivo, nem do subjectivo, para se considerar abusiva a identificada deliberação social, naufraga a respectiva acção de anulação.


(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.


I.RELATÓRIO:


ANTÓNIO  UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua ……, intentou, em  31.08.2013, contra  ASSOCIADOS, LIMITADA,  com sede em …… a acção declarativa comum, sob a forma Sumária, através da qual pede seja:
a)- decretada a nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral do dia 19.07.2013, por violação do disposto no artº. 56º nº. 1 d) do C.S.C. ex vi arts. 21º, 248º e 379º, todos do mesmo diploma legal;
ou,
b)-decretada a anulabilidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral do dia 19.07.2013, por violação do disposto no artº. 56º nº. 1 d) do C.S.C. ex vi arts. 21º, 248º e 379º, todos do mesmo diploma legal;
c)-decretada a anulabilidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral do dia 19.07.2013, por violação do disposto no artº. 58º nº. 1 a) e b) do C.S.C.;
tudo com as legais consequências.

Fundamentou a autora a sua pretensão, no essencial, da forma seguinte:
1.O Autor, conjuntamente com os sócios YOUNG ..., TAVARES ....., MANUEL ......, ANTÓNIO ....e PAULO ......, são os únicos sócios da sociedade Ré.
2.A Ré é uma sociedade comercial por quotas, com o capital inteiramente realizado e tem por objecto social “o exercício das actividades atribuídas por lei às sociedades de revisores oficiais de contas e acessoriamente a consultoria e docência de matérias para as quais as habilitações para o exercício de revisor oficial de contas são exigidas”, conforme se extraí da certidão que ora se junta como doc. nº 1.
3.No dia 19 de Julho de 2013, reuniu a Assembleia Geral da Sociedade “ASSOCIADOS, LIMITADA.”, na qual estiveram presentes todos os seus sócios, o Autor Tavares C (por representação), António …. e por representação os sócios Manuel e Paulo ......, com a excepção da sócia YOUNG ..., representando 99,71% do capital social,

4.A aludida Assembleia Geral tinha a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um: Deliberar sobre a anulação das deliberações sociais aprovadas na Assembleia Geral da Sociedade de 8 de Fevereiro de 2013, lavradas em acta número 30.
Ponto Dois: Deliberar sobre a ratificação das desistências apresentada pela Sociedade processo de inquérito que corre termos na 8 secção do DIAP de Lisboa, com o n. 662/10.0TDLSB, no processo que corre termos junto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e no processo que corre termos junto da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas;
Ponto Três: Deliberar sobre o Relatório de Gestão e Contas do Exercício relativos ao ano de 2012;
Ponto Quatro: Deliberar sobre a proposta de Aplicação de Resultados;
Ponto Cinco: Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;
Ponto Seis: Deliberar sobre a alteração do contrato de sociedade, quanto ao seu artigo terceiro, alínea d), substituindo-se a referência a António Augusto …. por António, Unipessoal, Limitada.”, de acordo com a acta nº 31 e convocatória da mesma, que junta.

5.Acontece, porém, que participou nas deliberações transcritas para a acta nº 31 um alegado sócio, quando o não podia fazer, visto que já não era sócio da sociedade desde o dia 08 de Fevereiro de 2013.
6.De facto, como se extraí do teor da acta nº 31, encontrava-se presente o alegado sócio Armando …., ainda que representado pelo sócio António …., que participou em todas as votações dos pontos da ordem de trabalhos e cuja presença e contagem de quota afectou, de sobremaneira, a contagem da percentagem de capital social que aprovou as deliberações, para além da sua presença ser ilegal, por já não deter qualquer participação social da ora Ré.
7.Na deliberação de 08 de Fevereiro de 2013, correspondente à acta nº 30, a quota de Armando … foi amortizada, tendo esta deliberação sido registada por Depósito 2645/2013-03-14, conforme se extraí da certidão permanente, junta sob o documento nº 1.
8.Verifica-se, pois, que Armando … já não era sócio da sociedade ora Ré desde o dia 08 de Fevereiro de 2013, devido à sua quota ter sido amortizada nesta data.
9.Logo, as deliberações tomadas na acta nº 31, posta em crise com a presente acção, são nulas porque os sócios e a sociedade permitiram que um ex-sócio fosse convocado para a Assembleia Geral da sociedade ora Ré
10.e, mais grave ainda, permitiram que o mesmo participasse na Assembleia Geral e votasse os vários pontos da ordem de trabalhos, com isso afectando o capital social que aprovou cada uma das deliberações.
11.Daqui resulta que as deliberações tomadas pelos sócios na Assembleia Geral do dia 19 de Julho de 2013, reproduzidas na acta nº 31 ora junta, são nulas ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 1 do art. 56º do C.S.C., por violação directa dos artigos 379º ex vi 248º e 21º do mesmo diploma legal, nulidade esta que ora se invoca para os devidos efeitos legais.
12.Mesmo que não se entenda que as deliberações ora postas em crise são nulas, por violação de Lei, as mesmas serão sempre anuláveis por força do disposto na alínea a) do nº1 do art. 58º do C.S.C.
13.Na Assembleia Geral do dia 19 de Julho de 2013 e que corresponde à acta nº. 31 da sociedade ora Ré, foi aprovado o ponto Dois da ordem de trabalho, correspondente aos votos dos sócios Tavares ....., António …., Manuel … e Paulo .......
14.Acontece, porém, que esta deliberação é ilegal e portanto anulável e altamente prejudicial para os interesses societários e dos próprios sócios.
15.Os sócios denunciaram criminalmente o ex-sócio Armando ....., por crimes de abuso de confiança, de abuso de cartão de crédito e de falsificação de documentos, cujo inquérito encontra-se a decorrer termos na 8ª. Secção do DIAP de Lisboa, sob o nº. 662/10.0 TDLSB, e no qual o autor se constituiu assistente, visto que são denunciados factos cometidos por Armando …, que determinaram graves prejuízos para os sócios e para a própria sociedade, como é reconhecido por todos, quer Autor quer todos restantes sócios, na ordem dos muitos milhares de euros e que se extraí da própria deliberação ora posta em crise.
16.A actuação do ex-sócio Armando … para com a sociedade e restantes sócios foi de tal maneira gravosa, que também se encontra a correr termos um processo de inquérito na O.R.O.C. e na O.T.O.C.
17.Relativamente às deliberações tomadas na Assembleia Geral de 19 de Julho de 2013, designadamente a aprovação do ponto dois da ordem de trabalho, são lesivas para a sociedade e para os restantes sócios, e são apropriadas para satisfazer o propósito do ex-sócio Armando …. de obter para si vantagens especiais, já que não terá que responder pelos seus actos, nem indemnizar a sociedade e os seus sócios dos montantes que, indevidamente, fez seus, na ordem dos muitos milhares de euros, montante este que se encontra devidamente identificado no processo de inquérito nº. 662/10.0 TDLSB que se encontra a correr termos pela 8ª. Secção do DIAP de Lisboa.
18.Ao aprovarem tais propostas da ordem de trabalho, designadamente os Pontos Dois da mesma, os sócios estão a beneficiar um ex-sócio em notório prejuízo da sociedade e pelo menos do sócio ora Autor, pelo que também respondem solidariamente perante a sociedade e os outros sócios – o ora Autor – pelos prejuízos causados por tal deliberação ilegal e anulável, ao abrigo do disposto no nº. 3 do artº. 58º do C.S.C.
19.As deliberações tomadas na Assembleia Geral ocorrida no dia 19/07/2013 e reproduzidas na acta nº. 31 são ilegais porque contrárias à Lei e altamente prejudiciais para a sociedade e restantes sócios, designadamente a aprovação do ponto dois da ordem de trabalho, e que têm como fim único beneficiar o ex-sócio Armando …., pelo que são anuláveis ao abrigo do disposto no artº. 58º do C.S.C.
20.A presente acção é o meio próprio para peticionar a anulabilidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 19.07.2013 da “ASSOCIADOS, LIMITADA”, sendo a mesma tempestiva, ao abrigo do disposto no artº. 59º do C.S.C. e arts. 143º e 144º do C.P.C.

Citada, a ré ASSOCIADOS, LDA apresentou contestação, em 13.10.2013, invocando, em síntese:
1.Para melhor se compreender o que está em causa neste processo judicial  e, já agora, noutros que estão a decorrer, teria sido interessante que a Autora não se tivesse “esquecido” de mencionar que desenvolve actividade em concorrência directa com a Ré.
2.A Autora também deveria não se ter “esquecido” de referir que é sócia da Silva & Marques ...., conforme registo da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e publicação no Portal da Justiça que se juntam como Docs. 1 e 2, os quais fazem parte integrante da presente contestação.
3.E que essa Silva & Marques .... tem na sua carteira de clientes um grupo de empresas para quem a Ré prestava serviços, nomeadamente a MT, SGPS, S.A, a N.G.S. S.A., a Representações Têxteis, S.A. e a Rolhas de Champanhe, S.A., conforme informações da Conservatória do Registo Comercial que se juntam como Docs. 3, 4, 5 e 6.
4.E ainda que a Ré deixou de prestar serviços para essas empresas quando o sócio e gerente único da Autora, ainda enquanto gerente da Ré, decidiu unilateralmente terminar os contratos de prestação de serviços com essas empresas e renunciar aos mandatos em curso sem que nada o justificasse, conforme informações da Conservatória do Registo Comercial que se juntam como Docs. 7, 8, 9 e 10.
5.Ou seja, o sócio e gerente único da Autora, na altura ainda enquanto gerente da Ré, decide, unilateralmente e sem que nada o justificasse, terminar os contratos de prestação de serviços com aquelas empresas e assim renunciar em nome da Ré aos respectivos mandatos em curso, verificando-se depois, por grande coincidência, que essas mesmas empresas passam a figurar na carteira de clientes da sociedade revisora oficial de contas de que a Autora é sócia.
6.Percebe-se, assim, melhor o que está em causa neste processo judicial, e quão despreocupados a Autora e o seu sócio e gerente único estão, verdadeiramente, com o prejuízo que a Ré possa sofrer.
7.De facto, dificilmente se pode compreender como está a Autora tão preocupada com os prejuízos que alegadamente se produzem na esfera jurídica da Ré com as deliberações que pretende ver anuladas, ao mesmo tempo que está a fazer concorrência directa e desleal contra a Ré.
8.Bem se percebe que a Autora apenas pretende criar o caos no seio da Ré, procurando por todas as formas bloquear o normal funcionamento da mesma, na expectativa porventura de daí retirar mais dividendos.
9.E quanto se refere supra é, desde logo, manifesto quando se verifica que a Autora pretende bloquear a deliberação da Ré que anulou voluntariamente as deliberações sociais da Ré de 8 de Fevereiro de 2013, lavradas em acta n.º 30
10.Então não foi a Autora quem intentou uma acção judicial - que corre termos neste mesmo Juízo e Tribunal sob o número 1146/13.0TBFUN - visando a anulação dessas deliberações sociais?
11.Será que a Autora pretende apenas o litígio pelo litígio, ao ponto de não se coibir de inundar os tribunais com demandas contraditórias entre si?
12.Porque, na verdade, efectivamente tal é o que sucede neste caso, na medida em que a Autora primeiro intenta uma acção judicial visando a anulação das deliberações sociais, para logo depois intentar outra acção judicial procurando que não produza efeitos a deliberação social que aprova a anulação voluntária das anteriores deliberações sociais.
13.Afinal de contas, o que pretende a Autora?
14.E depois mal se entende o argumento de que as deliberações são nulas por terem sido votadas por Armando ......
15.De facto, basta ler a acta junta pela Autora para se perceber que Armando ..... não votou a deliberação de anulação das deliberações lavradas em acta n.º 30 e a deliberação de ratificação das desistências nos processos judiciais, não podendo deixar de decair de imediato esse pretenso argumento da Autora.
16.Por outro lado, quanto às demais deliberações em que participou Armando ....., tendo sido deliberada a anulação da deliberação que tinha aprovado a amortização da quota representativa do capital social da Ré e sendo essa deliberação de anulação plenamente eficaz entre as partes – porquanto, como se sabe, o registo comercial apenas pretende salvaguardar a oponibilidade perante terceiros -, não poderia deixar de se colocar a situação como ela se encontrava antes da deliberação anulada, isto é, reconhecendo-se a legitimidade de Armando ..... para participar nas posteriores deliberações.
17.Já quanto ao alegado prejuízo na deliberada ratificação das desistências dos processos judiciais – que tanto preocupa uma sócia, ora Autora, que não se coíbe de actuar em concorrência directa e desleal em relação à Ré… - sempre se dirá que, mais uma vez, não se compreende quanto alega a Autora.
18.Conforme se refere na acta junta aos presentes autos, a situação litigiosa entre a Ré e o sócio Armando ..... estava a causar sérios danos à imagem e ao bom nome da Ré junto de terceiros, nomeadamente clientes, fornecedores, instituições bancárias e, mesmo, junto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
19.Em particular, a Ré foi confrontada com a perda de clientes, muito força da manutenção e arrastamento de tal conflito, estimando uma perda equivalente a cerca de 200.000 Euros entre 2010 e 2011, e de aproximadamente 400.000 Euros entre 2011 e 2012.
20.Ou seja, a Ré contabilizou uma perda de cerca de 600.000 Euros entre 2010 e 2012, que reputa como uma consequência da degradação da imagem da mesma junto do mercado e da Ordem de Revisores Oficiais de Contas por força da manutenção de tal conflito.
21.Por outro lado, a manutenção deste litígio, com o objectivo de a final ser a Ré ressarcida, afigurou-se também uma hipótese não só longínqua, como também dificilmente exequível, na medida em que das indagações que foram feitas, não foram encontrados quaisquer bens em nome do referido sócio Armando .....que pudessem mais tarde ser executados para ressarcimento da Ré.
22.Acabaria a Ré com, porventura, com sentenças que até lhe poderiam ser favoráveis, mas que na prática de nada serviriam. A típica vitória de Pirro…
23.Mas, pior do que se tratar apenas de uma potencial vitória de Pirro, como se percebia na altura a manutenção do litígio apenas servia para degradar ainda mais a imagem da Ré, o que significava que manter essa situação acabaria por criar prejuízos ainda mais avultados para Ré, a tal ponto que se arriscava a sofrer um dano manifestamente superior e então irreversível.
24.Perante tal cenário e avaliados todos os prós e contras, chegaram todos os gerentes e sócios da Ré à óbvia conclusão de que seria melhor parar de imediato com tal litígio, sob pena de não o fazendo estar a condenar-se irremediavelmente o futuro da Ré.
25.Apenas a Autora e o seu sócio e gerente único não compreenderam – ou querem fazer crer que não compreendem…- tal evidência.
26.Mas tal também não surpreende, sobretudo sabendo-se, como se sabe hoje, os actos de concorrência desleal da Autora e do seu sócio e gerente único contra a Ré.
27.Com efeito, para a Autora e para o seu sócio e gerente único seria manifestamente melhor que o declínio da Ré continuasse, mesmo que o destino óbvio fosse o fim da Ré, pois dessa forma aumentariam ainda mais as probabilidades de, prosseguindo a estratégia de concorrência desleal que meticulosamente gizou, recolher dividendos e benefícios em proveito próprio.
28.Não pode, assim, deixar de se concluir que não assiste qualquer razão à Autora em relação aos alegados fundamentos que levariam à declaração de nulidade e anulação destas deliberações sociais, resultando assim expressamente impugnados os Artigos 1º, 5º, 7º a 15º, 19º a 33º da petição inicial.
Termina a ré a sua contestação, requerendo que a acção seja considerada improcedente por não provada e, em consequência, ser a ré absolvida dos pedidos da autora, tudo com as legais consequências.

Notificada, a autora ANTÓNIO  UNIPESSOAL, LDA., respondeu à contestação da ré, em 06.11.2013, invocando pretender responder à matéria da excepção aduzida na contestação e refutou os factos alegados pela ré, concluindo como na petição inicial.

Em 28.02.2014, foi proferido DESPACHO, incidente sobre o valor da causa e da sua incidência na competência do tribunal, no qual se considerou que estava em causa acção sobre interesses imateriais, cujo valor a atribuir era de 30.000,01 euros, nos termos do artigo 303º n.º1 do nCPC, entendendo que, face do disposto no artigo 97º n.º 1 a) da LOFTJ, seriam competentes para a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do tribunal da Relação as Varas Mistas do Funchal e não o tribunal onde for proposta a acção, razão pela qual, atenta a incompetência relativa do tribunal, foi determinada a remessa dos autos às Varas Mistas do Funchal, após trânsito em julgado.

Já nas Varas de Competência Mista do Funchal, foi proferido Despacho, em 17.10.2014, no qual se determinou a remessa do processo para a secção de comércio do Funchal, face à entrada em vigor, em 01.09.2014, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário – regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março (cfr. art. 118.º deste diploma), já que nos termos do art. 128.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, a preparação e julgamento das acções de suspensão e de deliberações sociais competia às secções de comércio, deixando de estar atribuída à secção cível.

Na respectiva Secção de Comércio do Funchal foram os autos apresentados ao julgador, em 12.11.2014, simultaneamente com o processo n.º 1146/13.0TBFUN, conforme havia sido ordenado no despacho de 10.11.2014, pelo que foi proferido o seguinte Despacho: Após consulta do processo mencionado supra constata-se que o mesmo tem os mesmos sujeitos, assim como os mesmos pedidos que na presente lide, incidindo estes sobre uma deliberação anterior àquela que ocorre nos presentes autos.
Face ao exposto, determina-se que se notifiquem as partes para o efeito do exposto no art. 267.º n.º 4 do CPC, uma vez que ambos os processos pendem perante o mesmo Juiz.

Por requerimentos de 27.11.2014 e 28.11.2014, autora e ré vieram dizer que não se opunham à referida apensação de processos.
Por despacho de 11.03.2015 foi determinada a apensação do processo n.º 1146/13.0TBFUN a estes autos, nos termos do artigo 267.º do CPC, tendo sido apensado, a estes autos, em 18.05.2015, o processo de Anulação de Deliberações Sociais com o n.º 3731/13.1TBFUN- A, em que eram partes: António Unipessoal, Lda e Associados, Lda e outros.

Realizada a audiência prévia, em 09.06.2015, foi, no início da mesma, proferido o seguinte Despacho, ao qual os mandatários das partes nada opuseram:
Ao abrigo do exposto no art.º 6.º n.º 1 do Código de Processo Civil e após ouvir as partes aqui representadas, determina-se que a tramitação de ambos os processos aqui em causa seja realizada em conjunto, a tomar lugar no processo principal, a saber 3731/13.1TBFUN, e isto sem prejuízo da autonomia de cada uma das questões suscitadas em ambos os autos.”

Tendo o julgador verificado que, no que dizia respeito ao processo apenso 1146/13.0TBFUN, não havia sido dado cumprimento ao disposto no artigo 5.º n.º 4 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, foi determinada a notificação imediata a ambas as partes para, querendo, indicarem os meios de prova que pretendiam ver produzidas e analisadas no processo supra mencionado, as quais disseram pretenderem os mesmos meios de prova realizados nos presentes autos.

Foi proferido despacho saneador, tendo ficado consignado que: “a defesa realizada nos autos, para além de impugnar a factualidade mencionada foi realizada por exceção peremptória cujo conhecimento se relega para a fase de sentença nos termos do art.º 595.º n.º 1 al. b) e n.º 4 do Código de Processo Civil”.

Foi ainda identificado o objecto do litígio: declaração de nulidade das deliberações tomadas nas assembleias gerais melhor identificadas nos autos assim como na anulação das mesmas e enunciados os Temas da Prova: apuramento, por parte do tribunal, da existência, validade ou invalidade das deliberações melhor identificadas nos autos.

A audiência final realizou-se, em 21.10.2015, tendo os mandatários das partes acordado que a presente acção apenas teria por objecto as deliberações relativas aos pontos 2 e seguintes da ordem de trabalhos da assembleia geral que ocorreu no dia 19 de Julho de 2013, perdendo utilidade a acção a que se reporta o apenso A dos autos, tendo o Exmo. Juiz do Tribunal a quo proferido o seguinte Despacho:
Em face da posição assumida pelos ilustres mandatários e tendo em consideração os elementos constantes dos autos, verifica-se, por força da deliberação que aprova o ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia geral de 19 de Julho de 2013, que perde utilidade a ação a que se reporta o apenso A dos presentes autos, pelo que se determina a respetiva extinção da instância.
Após terem sido produzidas as respectivas alegações, já que não houve produção de prova testemunhal, o Tribunal a quo proferiu, desde logo decisão, na qual referiu que:
A autora sustenta que a deliberação que aprovou o ponto 2 da ordem de trabalhos é inválida, por violação do disposto nos art.º 56º, n.º 1, al. d), do C.S.C., e por violação do art.º 58º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma.
A deliberação em causa aprovou o ponto da ordem de trabalhos que propunha a ratificação das desistências apresentadas pela sociedade em relação a várias queixas contra o sócio Armando ..... (correcção efectuada no despacho de 25.02.2016)
Não se vislumbra fundamento para impedir a sociedade de desistir de queixas que anteriormente deduziu.
Nessa medida não se vê que possa estar em causa uma ofensa aos bons costumes ou a violação de preceitos legais inderrogáveis.
Não se verifica pois a violação do disposto no art.º 56º, n.º 1, al. d), do C.S.C.
Por outro lado, na deliberação em causa, o sócio que da referida deliberação era beneficiário, Armando ....., não tomou parte.
Desse modo, também não se verifica a violação do disposto no art.º 58º, n.º 1, al. b), do C.S.C.
Improcede pois a ação nesta parte.
Relativamente às demais deliberações tomadas, verifica-se que, por força da deliberação que aprovou o ponto 1 da respectiva ordem de trabalhos, Armando ..... assumiu a qualidade de sócio, podendo em tais deliberações naturalmente participar, como refere a ré nos articulados apresentados, para os quais se remete.
Não se verifica pois, qualquer vício que invalide tais deliberações.
Refira-se, por último, que a demais matéria constante dos articulados afigura-se inútil, pois para apreciação e decisão do objecto da acção não assume qualquer relevância a actividade da autora. Nessa medida, o Tribunal sobre tais questões não se pronunciará.
Em conclusão: a presente ação improcede.

Consta, assim, do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Em face do exposto o Tribunal decide julgar improcedente, por não provada, a presente ação, julgando, consequentemente, improcedentes os pedidos deduzidos, não se declarando a invalidade das deliberações impugnadas.
Custas pela autora.
Registe e notifique.

Inconformada com o assim decidido, a autora, ANTÓNIO UNIPESSOAL, LDA., interpôs recurso de apelação, em 23.11.2015, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.É um facto notório e que decorre dos próprios autos, que o principal ponto da presente acção é a anulabilidade da deliberação constante do ponto 2 da ordem de trabalhos, da assembleia geral realizada no dia 19 de Julho de 2013.
ii.O Meritíssimo Juiz “a quo”, de uma maneira simplista, entendeu que a acção devia ser considerada como improcedente (relativamente a este ponto 2), com base nos seguintes argumentos:
- não existir fundamento para impedir a sociedade de desistir de queixas que anteriormente deduziu;
- que o sócio Armando .....não tomou parte da deliberação de que era beneficiário.
iii.A sociedade Ré/Recorrida desistiu de todas as acções que se encontravam a decorrer contra o sócio Armando …., nomeadamente do inquérito crime que se encontrava a decorrer termos na 8ª. Secção do DIAP de Lisboa, sob o nº. 662/10.0 TDLSB, na qual o sócio Armando ..... foi denunciado por crimes de abuso de confiança, de abuso de cartão de crédito e de falsificação de documentos, que determinaram graves prejuízos para a sociedade, ora recorrida e para todos os seus sócios, na ordem dos muitos milhares de euros.
iv.A actuação do sócio Armando .....foi de tal maneira gravosa, que determinou a abertura de processos de inquérito na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.
v.A deliberação tomada por maioria e referente ao ponto 2 da ordem dos trabalhos é, sem mais, susceptível de causar enormes prejuízos para a sociedade ora recorrida, bem como para todos os seus sócios, onde se incluí a Autora/Recorrente.
vi.O sócio Armando .....não indemnizou a sociedade da qual fazia parte, nem procedeu à reposição de todos os valores de que, indevidamente, fez seus em prejuízo da sociedade Associados, Ldª.
vii.Face ao disposto na alínea b) do nº1 do art. 58º do C.S.C., verifica-se que uma deliberação social é anulável quando se procura, com essa deliberação, servir interesses que são alheios ao interesse social, em prejuízo da própria sociedade, ou dos sócios ou sócio e até de ambos.
viii.A nossa jurisprudência, que tende a convergir na opinião que existe deliberação abusiva quando os sócios da maioria pretendem ou causem prejuízos para a sociedade e/ou sócios, a fim de servir interesses alheios ao devir social e em seu benefício ou de terceiros.
ix.A fundamentação da sentença ora posta em crise, é de tal maneira simplista que não aprofunda o fundamental da norma em questão, ou seja, da alínea b) do n.º 1 do art.º 58.º do C.S.S., tendo o Meritíssimo Juiz “a quo” cometido erro notório de julgamento, não lançando mão das disposições jurídicas que se aplicam às deliberações sociais, mormente a atrás aludida alínea b).
x.O Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter analisado a situação em concreto, se a deliberação sob impugnação causava ou não prejuízos à sociedade, ou a outro sócios ou a ambos.
xi.É manifesto que a deliberação referente ao ponto 2 da Assembleia Geral do dia 19 de Julho de 2013 é susceptível de causar prejuízo à sociedade e ao aqui Autor/Recorrente, tanto mais que quiseram e aceitaram que o sócio Armando .....deixasse de ser perseguido criminalmente por actos que cometeu.
xii.A sociedade ficou prejudicada em centenas de milhares de euros, conforme decorre da acta nº. 31, que foi dada como inteiramente reproduzida pela sentença posta em crise com o presente recurso.
xiii.Torna-se necessário que a deliberação social seja objectivamente apta a causar danos ou prejuízos à sociedade ou a outro sócio e que, subjectivamente, os sócios que votaram a deliberação abusiva previram como possível a existência de prejuízos/danos para a sociedade ou/e outros sócios.
xiv.Face à materialidade dada como provada, nomeadamente todo o teor da acta nº 31 da sociedade ora Ré/Recorrida, não assiste qualquer dúvida ao Auto/Recorrente que, na deliberação sob sufrágio judicial, alguns dos sócios da Ré/Recorrida obtiveram vantagens especiais para si e também para terceiro–neste caso o agora sócio Armando,
xv.Prejudicaram, pois, a sociedade e o sócio, agora Autor/Recorrente, para além de que a deliberação tomada pela maioria dos votos é contrária ao interesse social.
xvi.A Ré/Recorrida é uma sociedade de auditoria, que tem como seu objecto social a prestação de serviços de auditoria e de revisão oficial de contas, estando investida de poderes especiais, tal como é reconhecido pelos Estatutos da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
xvii.O Código Deontológico da OROC não permite aos seus membros que se escamoteie factos ilícitos que prejudiquem, seriamente, a segurança jurídica da sua actividade.
xviii.A, aliás mui douta, sentença ora posta em crise violou, directamente, o disposto na alínea b) do nº1 do art. 58º do C.S.C.
xix.Deve ser proferida decisão que considere a deliberação, tomada na Assembleia Geral do dia 19/07/2013, referente ao ponto 2 da Ordem dos Trabalhos, como anulável, por causar danos e prejuízos à sociedade Ré/Recorrida e ao Autor/Recorrente, enquanto sócio da mesma.

Pede, por isso, a apelante, que seja proferida decisão que contemple as conclusões aduzidas.

A ré, ASSOCIADOS, LDA apresentou contra-alegações, em 12.01.2016, propugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i.Na fundamentação da sentença posta em crise com o presente recurso verifica-se um manifesto erro material/inexactidão, onde se lê: “A deliberação em causa aprovou o ponto da ordem de trabalhos que propunha a desistência de várias queixas contra o sócio Armando .....”, deve ler-se “A deliberação em causa aprovou o ponto da ordem de trabalhos que propunha a ratificação das desistências apresentadas pela sociedade em relação a várias queixas contra o sócio Armando .....”, conforme resulta claramente da mera leitura da peça por confronto com a prova documental produzida e reproduzida na sentença, designadamente a convocatória e a acta n.º 31, pelo que se requer a rectificação desse erro material ou, caso se entenda não ser passível de rectificação, impugna-se expressamente tal ponto da fundamentação da sentença a quo.
ii.A Recorrente não apresenta qualquer fundamento atendível, de facto ou de direito, para sustentar o presente recurso, e não impugna a decisão da matéria de facto nem alega a violação de qualquer disposição da lei processual pelo tribunal a quo, censurando apenas a convicção expressa pelo tribunal resultante da subsunção dos factos à lei, pelo que não estamos em presença de erro de julgamento mas tão só de discordância total da decisão proferida, certamente, por lhe ser desfavorável.
iii.A norma do art. 58.º, n.º 1, al. b) do CSC é de natureza substantiva e dirige a sua previsão para vícios dos votos dos sócios na tomada das deliberações sociais, pelo que não é susceptível de ser violada pelo Mmo. Juiz a quo na decisão jurisdicional.
iv.A Recorrente terminou as suas conclusões no sentido de que “deve ser proferida decisão que considere a deliberação (...) como anulável” (susceptível de ser anulada), e não no sentido da alteração ou anulação da decisão a quo, o que equivale a pretender que seja declarado o que a norma substantiva do art. 58.º, n.º 1, al. b) do CSC abstractamente já consagra (‘São anuláveis as deliberações que: ...’), retirando assim conteúdo útil à decisão do julgador face ao que o legislador já estabeleceu e isso, com o devido respeito, é fazer mau uso do processo. (sublinhado nosso)
v.A prova produzida na acção restringiu-se à prova documental, não  tendo nenhum dos documentos apresentados sido impugnado, designadamente os juntos pela Autora /Recorrente, pelo que os factos resultantes de todos eles devem ser considerados provados.
vi. Na sentença posta em crise com o presente recurso, o Mmo. Juiz a quo deu genericamente como provada toda a factualidade decorrente da acta n.º 31 da assembleia geral de 19 de Julho de 2013, designadamente quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos, e respectiva convocatória, e deu esses dois documentos por reproduzidos na sentença, tendo depois seleccionado apenas os factos que entendeu relevantes para a decisão da causa.
vii.Face às alegações e conclusões apresentadas pela Recorrente no presente recurso, a Recorrida impugna a decisão da matéria de facto de restringir os factos selecionados apenas aos indicados, e requer, a ampliação, a título subsidiário, dessa matéria (art. 636.º, n.º 2 do CPC), em concreto, no que concerne à globalidade da factualidade resultante: (a) da acta n.º 31 relativa ao ponto 2 da ordem de trabalhos, (b) doc. 13, junto pela Autora /Recorrente para prova parcial do artigo 16.º da réplica (requerimento ref.ª 14975763 / no documento, é referenciado como doc. 15), e (c) à factualidade não impugnada que decorra dos articulados e não colida com a defesa na sua globalidade, designadamente a vertida no artigo 21.º da contestação.
viii.Devem assim ser dados como provados também os factos seguintes, que a Recorrida entende serem relevantes para a apreciação e decisão da causa:
a)- Das indagações feitas pela sociedade não foram encontrados quaisquer bens em nome do sócio Armando .....que pudessem mais tarde ser executados para ressarcimento da Ré / Recorrida.
b)- Em 13 de Maio de 2013, os gerentes da sociedade apresentaram um requerimento nos autos de Inquérito n.º 662/10.0TDLSB da 8.ª Secção do DIAP de Lisboa, em que declaram desistir da queixa contra o sócio Armando …..
c)-A deliberação relativa ao ponto 2 da ordem de trabalhos teve por objecto a proposta de ratificação / confirmação das desistências apresentadas pela sociedade cerca de dois meses antes no DIAP de Lisboa, na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, e na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.
d) -Na assembleia geral de 19 de Julho de 2013, em momento imediatamente anterior à votação sobre o ponto 2 da ordem de trabalhos, e relativamente a essa deliberação, a gerência deu aos sócios a explicação que já lhes tinha dado na assembleia geral de 08-02-2013 sobre as razões daquela desistência (que se dão por reproduzidas).
ix.Com a deliberação sobre o ponto 2 da ordem de trabalhos, os sócios apenas ratificaram /confirmaram as desistências das queixas já feitas pela gerência cerca de dois meses antes dessa assembleia geral, não tendo assim decidido a realização de quaisquer actos novos.
x.Por outro lado, os crimes imputados ao sócio Armando .....e objecto da queixa ao DIAP são crimes de natureza pública que não admitem desistência da queixa, pelo que a desistência apresentada não concorreu para o arquivamento desses autos.
xi.Por outro lado ainda, pelas indagações então feitas, não foram encontrados bens em nome do sócio Armando .....que, no âmbito de um pedido de indemnização civil, pudessem responder pelos ilícitos que se provassem.
xii.Por todas estas razões, se outras não houvesse, os votos emitidos pela maioria dos sócios para formar a deliberação em causa, e ela própria, foram notoriamente insusceptíveis de ser apropriados para satisfazer o propósito de algum dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiro, em prejuízo da sociedade e / ou de outros sócios, pelo que não é abusiva, nem anulável. Para além disso,
xiii.Não foi alegada nem provada factualidade que conduzisse ao preenchimento dos dois pressupostos, conjuntamente exigidos, para considerar abusiva uma deliberação social, (ainda que regularmente tomada): quer o da ‘adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos sócios’, quer o do ‘propósito de conseguir uma vantagem especial para os sócios que votaram favoravelmente a deliberação, ou para terceiros, em prejuízo da sociedade e/ou dos sócios’.
xiv.Competia à Autora / Recorrente, dentro das regras gerais de repartição do ónus da prova, nos termos gerais do art. 342.º do CC, a demonstração de que, no caso concreto, se encontravam preenchidos esses dois pressupostos, o que não fez.
xv.A Autora / Recorrente também não alega nem prova qual ou quais os sócios que, no seu entender, emitiram votos abusivos e que obtiveram, para si e para terceiro, vantagens especiais, nem em que se traduziram essas vantagens especiais em detrimento da sociedade e / ou dos outros sócios; sendo certo que não é minimamente verdade que tal factualidade, o mínimo indício sequer, decorra da acta n.º 31 (basta ler o documento).
xvi.Quanto a eventuais prejuízos para a sociedade e / ou para os sócios, não basta acenar abstractamente com “prejuízos”, é necessário indicá-los e prová-los. E,
xvii.Mesmo na eventualidade de se verificarem prejuízos (o que não se concede), estes seriam proporcionalmente iguais para todos os sócios, quer para os que votaram a favor da proposta quer para a Recorrente que votou contra, uma vez que da deliberação em causa não resulta qualquer alteração às regras da repartição dos prejuízos pelos sócios de acordo com a proporção do capital detido por cada um.
xviii.Não é verdadeira a conclusão da Recorrente de que: “a sociedade ficou prejudicada em centenas de milhares de euros, conforme decorre da acta n.º 31”, também porque desta não decorre o mínimo indício quanto a essa matéria (uma vez mais basta ler o documento).
xix.A deliberação em causa, tomada pela maioria dos votos, não é contrária ao interesse social, e foi tomada precisamente para acorrer a esse interesse, conforme se retira da explicação apresentada pela gerência imediatamente antes da votação para fundamentar a desistência das queixas.
xx.Nos termos da parte final do art. 58.º, n.º 1, al. b) do CSC, a deliberação só é afectada na sua globalidade se, para a sua formação, tiverem contribuído votos abusivos sem os quais ela não poderia ser tomada; porém, se uma vez desconsiderados os votos abusivos se mantiver a maioria necessária dos votos regularmente emitidos, a deliberação é válida.
xxi.No caso, pela mera aritmética dos votos registados na acta n.º 31, a deliberação relativa ao ponto 2 da ordem de trabalhos teria sido tomada mesmo desconsiderando algum hipotético voto abusivo que, contudo, não foi identificado.
xxii.Não existe qualquer fundamento para impedir que a sociedade desista de queixas que anteriormente tenha apresentado.
xxiii.A sentença impugnada não violou qualquer norma legal, designadamente o art. 58.º, n.º 1, al. b) do CSC. Com efeito,
xxiv.A deliberação tomada pelos sócios relativamente ao mencionado ponto 2 da ordem de trabalhos em causa, não sofre de qualquer vício e é insusceptível de violar o art. 58.º, n.º 1, al. b) do CSC, logo, de causar prejuízos à sociedade e/ou aos sócios, pelo que deve ser confirmada a douta decisão impugnada no sentido de que não sofre de qualquer vício que a invalide.

Em 25.02.2016, o Exmo. Juiz do Tribunal a quo proferiu o seguinte Despacho:
Antes de mais, e porque se trata de mero erro material sem influência da decisão tomada, determina-se a rectificação da sentença prolatada, nos termos requeridos pela Ré (artigos 1º a 3º das contra-alegações apresentadas).
Notifique.

O recurso foi admitido na 1ª instância, em 19.01.2017, e ordenada a sua subida a este Tribunal de recurso, após o que a ré, apresentou, em 09.02.2017, ainda no Tribunal a quo, um extenso requerimento, acompanhado de vários documentos, que não foi ali apreciado, tendo sido, por despacho de 26.04.2017, de novo, ordenada a subida do recurso a este Tribunal da Relação. E, já neste Tribunal da Relação, por despacho da relatora de 17.05.2017, foi determinado que tal requerimento e documentos, constantes de fls. 297 a 342, não seriam atendidos por este Tribunal de Recurso, extravasando manifestamente o objecto do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i.DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS

O que implica a ponderação sobre:
DOS VÍCIOS DAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS
Por forma a apurar se foram praticados ou omitidos actos que consubstanciam a violação de preceitos legais ou estatutários nas deliberações efectuadas na assembleia geral de 19.07.2013.
E, subsidiariamente, no caso de procedência recurso da autora, ponderar sobre:

ii.A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO REQUERIDA PELA APELADA, CONSISTENTE NA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO INSERTA NA SENTENÇA RECORRIDA.


III.FUNDAMENTAÇÃO.

A–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida,
o seguinte:
1.Na assembleia geral de 19 de Julho de 2013, foram aprovados os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos, por maioria.
2.Nas deliberações referidas no ponto 1, não participou o sócio Armando ......
3.Nas demais deliberações tomadas na assembleia geral referida em 1, aprovadas por maioria, teve participação o sócio Armando ......
AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 607º, Nº 4 E 663º, Nº 2, do NCPC
4.É o seguinte o teor das deliberações aprovadas na assembleia geral da ré, referidas em 1.:
Ponto Um: Deliberar sobre a anulação das deliberações sociais aprovadas na Assembleia Geral da Sociedade de 8 de Fevereiro de 2013, lavradas em acta número 30.
Ponto Dois: Deliberar sobre a ratificação das desistências apresentada pela Sociedade processo de inquérito que corre termos na 8 secção do DIAP de Lisboa, com o n. 662/10.0TDLSB, no processo que corre termos junto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e no processo que corre termos junto da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas;
Ponto Três: Deliberar sobre o Relatório de Gestão e Contas do Exercício relativos ao ano de 2012;
Ponto Quatro: Deliberar sobre a proposta de Aplicação de Resultados;
Ponto Cinco: Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;
Ponto Seis: Deliberar sobre a alteração do contrato de sociedade, quanto ao seu artigo terceiro, alínea d), substituindo-se a referência a António Augusto por António, Unipessoal, Limitada.”,

5.Em relação ao ponto 2 das deliberações aprovadas na assembleia geral da ré, referidas em 4., a gerência entendeu dar a seguinte explicação relativamente a este ponto da ordem dos trabalhos:
considerando o facto da sócia António Unipessoal, Lda., representada pelo Sr. António …, ter entendido impugnar a deliberação de 08 de Fevereiro de 2013, que consta da acta nº 30, por na referida deliberação, o sócio Armando ....., ter votado favoravelmente pontos da ordem de trabalhos nos quais era parte interessada. deste modo a gerência entendeu propor a anulação das referidas deliberações e propor ainda que a Assembleia Geral ratifique as desistências no processo que corre termos na Secção do DIAP de Lisboa sob o n° 662/10, TDLSB; no processo que corre termos na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas I e no processo que corre termos na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, sendo as razões da desistência as mesmas que foram enunciadas na Assembleia Geral de 08 ele Fevereiro de 2013, que são do conhecimento de todos e que resumidamente se indicam:
"A situação litigiosa entre a sociedade e o sócio Armando ..... está a causar sérios danos à imagem e ao bom nome da sociedade. junto de terceiros nomeadamente, clientes, fornecedores, instituições bancárias, e Ordem dos Revisores Oficiais ele Contas, entre outros, danos estes, que se traduzem, em perdas avultadas, de difícil quantificação. A manutenção da situação litigiosa por tempo indeterminado, e encontrando-se ainda em fase de inquérito, o processo, é espectável a sua morosidade. por vários anos. Tal facto, implicará para a sociedade a continuação de danos na sua imagem e no bom nome, bem como custos avultados, com tribunal, advogados. A gerência ela sociedade após ponderação dos factos enunciados acordou unanimemente na desistência dos processos identificados.

6.Após a explicação da gerência referida em 5., foi a proposta posta a votação tendo a mesma sido aprovada por 66,48% da representação do capital social. tendo votado contra esta proposta o representante da sócia António, Unipessoal, Lda., detentor de 16,62% do capital social.
7.O representante da sócia António, Unipessoal, Lda. apresentou a seguinte declaração de voto: " A ratificação das desistências apresentadas pela gerência da Associados, Lda., no processo que corre termos na 8ª secção do DIAP de Lisboa sob o n° 662/10.0TDLSB, no processo que corre termos na Ordem cios Revisores Oficiais de Contas e no processo termos na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas contra o sócio Revisor Oficial de Contas Armando ....., não está de acordo com os interesses da sociedade Associados, Lda., e dos seus sócios, nomeadamente os nossos, porque os valores que constam da participação da Associados, Lda., contra o sócio Revisor Oficial de Contas Armando ..... no processo que corre termos na 8ª secção do DIAP de Lisboa sob o nº 662/10.0TDLSB, por indícios do cometimento dos crimes de abuso de confiança agravado, abuso de cartão de crédito e falsificação de documentos, não foram ressarcidos por parte de Armando ......

BFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Insurge-se a autora/apelante contra a sentença recorrida, que entendeu não vislumbrar fundamento para impedir a sociedade ré de desistir de queixas que anteriormente havia deduzido, por considerar a apelante que, como havia invocado na petição inicial, a deliberação tomada por maioria referente ao ponto 2 da ordem de trabalhos, na Assembleia Geral da ré ocorrida no dia 19.07.2013, é anulável, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 58º do CSC, porque prejudicial para a sociedade e restantes sócios.

Vejamos se lhe assiste razão.

Resulta do disposto no artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais, sob a epígrafe, “Deliberações Nulas”, que:
1São nulas as deliberações dos sócios:
a)-Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b)-Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c)-Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;
d)-Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
2Não se consideram convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência, aquelas de cujo aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião e as que reúnam em dia, hora ou local diversos dos constantes do aviso.
3A nulidade de uma deliberação nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação.

E, preceitua o artigo 58º do CSC, sob a epígrafe “Deliberações anuláveis:
1São anuláveis as deliberações que:
a)-Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade;
b)-Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c)-Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
2Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados directamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56º.
3Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do nº 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.
4Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:
a)-As menções exigidas pelo artigo 377º, nº 8;
b)-A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo
prescritos pela lei ou pelo contrato.

Da leitura dos citados normativos, e do confronto entre o artigo 58º, nº 1 e 56º, nº 1, alínea d) do CSC pode concluir-se que estabelece a lei um regime regra, que é a anulabilidade. E, mesmo nas situações de nulidades há que distinguir entre os vícios de conteúdo e vícios de procedimento.

Para distinguir os vícios que determinam a nulidade e a anulação de uma deliberação viciada, há que ponderar se eles dizem respeito ao conteúdo ou ao processo de formação, procedimento da deliberação: os primeiros insertos nas alíneas c) e d) do artigo 56º e os segundos nas alíneas a) e b) do mesmo artigo.
                                           
Se a deliberação colidir com normas dispositivas ou do pacto social, i.e., todas as que estão na disponibilidade dos sócios, elas já serão só anuláveis, conforme decorre do artigo 59º do CSC.

Mas, a dicotomia entre normas imperativas e dispositivas só tem relevância quando o vício ataca o conteúdo de deliberação.

Para ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 226, o artigo 58º do CSC prevê dois grandes tipos de vícios: a contrariedade à lei (ampla) ou aos estatutos e o abuso, previstos no nº 1, alínea a) e b). O artigo 56º, nº 2 precisa a contrariedade à lei, enquanto o artigo 56º, nº 1, alínea c) e o artigo 58º, nº 4 concretizam em especial caso desse tipo de contrariedade: a violação do dever de informação. O artigo 58º, nº 3 estipula consequências pessoais, para os sócios, pela prática de abuso (…).
A contrariedade à lei provoca anulabilidade quando, por via de alguma das alíneas do artigo 56º, nº 1, não implique nulidade aludida no artigo 58º, nº 2.
Os vícios de forma ou de procedimento quando não caiam no artigo 56º, nº 1, alíneas a) e b) geram anulabilidade, mas apenas quando a falha possa intervir no sentido final da deliberação. Trata-se da regra geral do processo (201º/1 do CPC), que serve também o favor societatis.

Com efeito, os sócios para manifestarem a sua vontade relativamente aos conteúdos mais importantes da vida da sociedade, fazem-no mediante deliberação. As deliberações dos sócios podem revestir diferentes modalidades, no entanto, apenas é admissível deliberar tendo em conta as formas previstas pela lei, nos artigos 53º e 54º do CSC.

A Assembleia Geral equivale, como esclarece ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., 216, ao modo matricial básico de tomar deliberações pelos sócios de uma sociedade, sendo que as regras relativas à assembleia geral que decorrem, quer da lei quer dos estatutos, aplicam-se, como decorre do nº 1 do artigo 53º do CSC, a todos os modos de deliberar, salvo diversa solução interpretativa, como flui do nº 2 do citado normativo.

As assembleias gerais de uma sociedade podem ser ordinárias ou extraordinárias. Na primeira, a assembleia reúne obrigatoriamente uma vez por ano para discutir, aprovar ou modificar o balanço e o relatório do exercício anterior e substituir os corpos gerentes quando for caso disso. Todas as demais assembleias são extraordinárias.

Nos termos do artigo 21º, nº 1, alínea b) do CSC, todos os sócios têm direito a participar nas deliberações, sem prejuízo das restrições previstas na lei e para esse efeito, as deliberações são tomadas, em regra, em assembleia geral devidamente convocada.

Como refere ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., 137, nas assembleias gerais o direito de participar implica o de usar da palavra, o de colocar questões, o de adiantar argumentos, o de formular propostas e o de votar.

Mas, é consabido que o voto maioritário sempre prevalecerá, conforme se infere dos artigos 189º, 250º, 386º, 410º e 423º, todos do CSC, não obstante as várias disposições do Código das Sociedades Comerciais que traçam uma reserva de protecção das minorias.

O artigo 58º, n.º 1, alínea b) do CSC, prevê a anulabilidade das deliberações que sejam apropriadas para satisfazer;
1)- o propósito de um dos sócios;
2)- de conseguir através do exercício do direito de voto;
3)- vantagens especiais para si ou para terceiros;
4)- em prejuízo da sociedade ou de outros sócios;
5)- ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes.

A anulabilidade da deliberação é, todavia, afastada, caso se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos (a chamada prova de resistência de uma deliberação válida).

A doutrina e jurisprudência não se têm manifestado de forma unânime em relação à aludida norma.

Segundo uma tese, o facto de no preceito não se fazer qualquer referência à manifesta contrariedade à boa-fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito, assim como a falta da cominação de ilegitimidade, afasta a possibilidade de actuação do citado artigo 58º, n.º1, alínea b), do CSC do campo do abuso do direito – v. neste sentido PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2ª Ed., Almedina, 2006, 153, ou ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, 228, ao referir que: (…)“O exercício do voto pode, como em qualquer situação jurídica, incorrer em abuso do direito (334.°do Código Civil). Para tanto, ele deverá defrontar o núcleo axiológico fundamental do sistema, expresso pela locução boa fé e concretizado através de dois princípios mediantes: (a) a tutela da confiança legítima; (b) a primazia da materialidade subjacente. O abuso do direito toma corpo em grupos típicos de situações abusivas: venire contra factum proprium, inalegabilidades formais, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício. Todos estão profundamente radicados na jurisprudência dos últimos vinte anos. As deliberações sociais podem, por essa via, incorrer em abuso, violando, através de algumas destas figuras (que não são taxativas), o 334.° do Código Civil. Quando isso suceda, segue-se o regime da nulidade, por violação de um princípio injuntivo – 56.°/l, d). O 58.°/l, b), não pretende, objectivamente, ocupar o lugar do 334.° do Código Civil; nem faria sentido que, violado este preceito, se seguisse a mera anulabilidade”. Em idêntico sentido, do mesmo autor, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina 2009, 226-228.

Seguindo este entendimento, o Ac. TRC de 06.11.2012 (Pº 281/08.1TBVNO.C1), acessível em www.dgsi.pt., defendeu que as deliberações e os votos abusivos não são identificáveis com o abuso do direito.

Outra tese propugna, ao invés, pela aplicabilidade do instituto do abuso do direito no âmbito das deliberações sociais, pelo que haverá que articular o artigo 58º, n.º 1, alínea b), do CSC com o artigo 334º do CC, uma vez que o primeiro não prevê taxativamente todas as situações de abuso do direito que daqui possam decorrer. É, por isso, necessário recorrer à cláusula geral do artigo 334º do CC para sancionar os restantes casos que não se enquadram no artigo 58º, n.º1, alínea b), do CSC. Considera, portanto, esta tese que a aplicabilidade de um dos artigos não afasta a aplicabilidade do outro – v. neste sentido, ARMANDO MANUEL TRIUNFANTE, A Tutela das Minorias nas Sociedades Anónimas – Direitos de Minoria Qualificada; Abuso de Direito, Coimbra Editora, 2004, 376 e ss.;  JORGE HENRIQUE DA CRUZ PINTO FURTADO, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2005, 656 e ss. que igualmente defende que a aplicabilidade do artigo 58º, n.º1, al. b), do CSC, deve ser patenteada pelo cumprimento de pressupostos previstos pelo artigo 334º do CC, ou seja, para este autor existe articulação entre ambos os artigos; cfr. também do mesmo autor, Curso de Direito das Sociedades, 3ª ed., Almedina, 450 e ainda, a título meramente exemplificativo, Ac. TRP de 17.02.2011 (Pº 117/07.0TYVNG.P1).

Porém, e independentemente da tese perfilhada, a verdade é que se deve defender como deliberação social abusiva, toda a deliberação, formal e objectivamente correcta, desarmónica com o fim social, que causa um prejuízo à sociedade ou aos sócios, nessa qualidade. Carateriza-se por visar a prossecução de um interesse particular, prejudicando o interesse dos sócios, sem que isso corresponda ao interesse da sociedade.

Para se verificar se uma deliberação é abusiva ou não, importa averiguar o voto, em si mesmo e não o conteúdo da própria deliberação, pois a norma em causa reporta-se essencialmente ao exercício do direito de voto, abrangendo assim as deliberações sociais que sejam tomadas mediante votos abusivos e que, objectiva ou subjectivamente impliquem vantagens especiais para o próprio (geralmente patrimoniais, mas também poderão ser vantagens na posição jurídico-corporativa), em prejuízo da sociedade ou de terceiros ou tenham em vista prejudicar a sociedade ou outros sócios.

O artigo 58º, n.º 1, alínea b), do CSC prevê, portanto, duas modalidades de deliberações abusivas:
a)- deliberações que revelem o intuito do sócio de conseguir vantagens especiais para si, ou para terceiros, em detrimento de outros sócios ou da própria sociedade, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios, de conseguirem, através do exercício do direito do voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios;
b)- deliberações que revelem o intuito do sócio em prejudicar a sociedade ou os outros sócios, através do exercício do seu direito de voto, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou os outros sócios.

Esta última espécie de deliberação é também designada de deliberação emulativa e assenta essencialmente nesse desiderato: em satisfazer um único propósito, o de prejudicar a sociedade ou os outros sócios – cfr.  JORGE HENRIQUE DA CRUZ PINTO FURTADO, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 4ª ed. Almedina, 555-560.

São, por conseguinte, requisitos que se têm de verificar para que se considere a deliberação abusiva:
a)- pressuposto objectivo da deliberação, ou seja, deverá verificar-se, objectivamente, que o benefício desejado pelo sócio acarretou prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, i.e., adequação da deliberação para provocar uma situação de vantagem para os sócios em causa ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou uma situação de simples prejuízo para a sociedade sem que se obtenham vantagens especiais;
b)- pressuposto subjectivo da deliberação que assenta na intenção do sócio em determinar através do seu voto, um prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, i.e., o propósito do sócio de conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou simplesmente de prejudicar a sociedade, exigindo-se assim o dolo, ainda que revestido na modalidade de dolo eventual.

Resulta do exposto, que o impugnante, na acção de anulabilidade de uma deliberação abusiva terá de fazer prova que essa deliberação é apropriada para satisfazer o propósito ilícito de um sócio e/ou sócios, dela derivando prejuízo para a sociedade e/ou para os sócios.

Vejamos o que sucedeu no caso concreto.

Ficou provado que a deliberação essencialmente aqui em apreciação, aprovada na assembleia geral da ré, de 19.07.2013, por 66,48% da representação do capital social, apenas tendo votado contra o representante da autora, detentora de 16,62% do capital social, consistiu na “ratificação das desistências apresentada pela Sociedade processo de inquérito que corre termos na 8 secção do DIAP de Lisboa, com o n. 662/10.0TDLSB, no processo que corre termos junto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e no processo que corre termos junto da Câmara de Técnicos Oficiais de Contas;

Tais desistências foram justificadas, segundo a explicação dada pela gerência da ré, pela forma seguinte: “a situação litigiosa entre a sociedade e o sócio Armando ..... está a causar sérios danos à imagem e ao bom nome da sociedade, junto de terceiros nomeadamente, clientes, fornecedores, instituições bancárias, e Ordem dos Revisores Oficiais ele Contas, entre outros, danos estes, que se traduzem, em perdas avultadas, de difícil quantificação. A manutenção da situação litigiosa por tempo indeterminado, e encontrando-se ainda em fase de inquérito, o processo, é espectável a sua morosidade, por vários anos. Tal facto, implicará para a sociedade a continuação de danos na sua imagem e no bom nome, bem como custos avultados, com tribunal, advogados. A gerência ela sociedade após ponderação dos factos enunciados acordou unanimemente na desistência dos processos identificados - v. Nºs 1, 4 e 5 da Fundamentação de Facto.
              
Ora, da prova produzida – unicamente documental, já que nenhuma outra prova foi indicada – não é possível inferir que a deliberação de ratificação das desistências da queixa do processo crime que corria termos no DIAP ou das participações apresentadas na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e na Câmara de Técnicos Oficiais de Contas, relativamente ao sócio Armando ....., haja sido aprovada pelos sócios maioritários com o intuito de conseguirem vantagens especiais para si, ou para terceiros, com prejuízo da sociedade ou de outros sócios, particularmente da autora.

Não se provou que essa deliberação, que resultou da aprovação maioritária dos sócios da ré, revele o intuito de prejudicar a sociedade ou os outros sócios, neste caso a autora que a não aprovou.

Com efeito, em relação à desistência do processo crime que se encontrava em fase de inquérito, sendo públicos os crimes alegadamente denunciados, torna a mesma manifestamente irrelevante para a prossecução do processo, a eventual dedução de acusação e possível condenação em julgamento.

É verdade que o sócio Armando ..... poderá ter sido beneficiado, com relação à desistência das participações contra ele apresentadas, na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e na Câmara de Técnicos Oficiais de Contas, embora se desconheça se as mesmas teriam ou não fundamento. Todavia, a argumentação para tal decisão, apresentada pela gerência da ré afigura-se plausível e, do confronto que a gerência e os sócios maioritários da ré, certamente efectuaram, entre o benefício decorrente dessas participações e o prejuízo para a imagem da ré, este terá sido sobreponível àquele.

Como sinteticamente o evidenciou a sentença recorrida, “não se vislumbra fundamento para impedir a sociedade de desistir de queixas que anteriormente deduziu”.

Não ficou, portanto, provado, que a deliberação maioritária em causa seja contrária ao interesse social, que seja adequada a provocar uma situação de vantagem para um determinado sócio ou terceiro em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou de uma situação de simples prejuízo para a sociedade, sem que se obtenham vantagens especiais.

Acresce que, tão pouco se provou que os sócios maioritários da ré hajam tido o propósito em determinar, através do seu voto, vantagens especiais para eles ou para terceiros em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou simplesmente de prejudicar a sociedade ré.

Destarte, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.


ii.DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO POR PARTE DA RECORRIDA

A ré/recorrida, nas suas contra-alegações, veio requerer, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso, propugnando pela ampliação da matéria de facto provada.

Como é sabido, a ampliação do recurso, prevista no nº 1 do artigo 636º do CPC, destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer do fundamento da acção não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente.

Por sua vez, o nº 2 do citado normativo permite ao recorrido, na sua respectiva alegação e a título subsidiário, nomeadamente, impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas, situação que a ré/recorrida invocou nas suas alegações, como fundamento de ampliação do âmbito do recurso.

E, muito embora a discordância da apelada seja susceptível de integrar o fundamento de ampliação do recurso contemplado no citado normativo, em face do ora decidido, quanto à improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida, prejudicada ficou a apreciação da ampliação do âmbito do recurso da autora, formulada pela ré.

A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.


IV.DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 2 de Novembro de 2017



Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins         
Arlindo Crua