Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALEXANDRA LAGE | ||
Descritores: | FALTAS POR ÓBITO DE FAMILIAR MODO DE CONTAGEM | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | O artigo 251.º do Código de Trabalho deve ser interpretado no sentido de se referir a dias consecutivos de calendário. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Recorrentes; AA e BB. Recorrido: Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPERAM. I- Relatório 1.AA e BB1 intentaram ação declarativa, sob a forma comum, contra Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPERAM pedindo que, na procedência da mesma, fosse a ré condenada: “a) (…) a reconhecer que no âmbito das faltas justificadas por morte dos familiares, a que a luz o artigo 251.º do Código de Trabalho não entram para o seu cômputo os dias de descanso dos trabalhadores. b) (…)a justificar as faltas dos enfermeiros AA e BB, por morte dos seus respetivos pais, no caso, do enfermeiro AA, cuja mãe faleceu a 5 de junho de 2023, à noite, e que, estava de folga de descanso do trabalho nos dias 9 e 11 de junho de 2023, ser considerada justificada as faltas que deu aos dias 6, 7, 8, 10 e 12 de junho de 2023, e do enfermeiro BB, cujo pai faleceu a 12 de maio de 2023, e que estava de folga de descanso do trabalho nos dias 15 e 17 de maio de 2023, serem consideradas justificadas as faltas nos dias 13, 14, 16, 18 e 19 de maio de 2023. c) (…) a abster-se do referido comportamento violador de Lei, para tanto aplicando-lhe uma sanção pecuniária, a fixar dentro do prudente arbítrio do Tribunal d) Ser a Ré condenada nas custas e demais procuradoria.” 2. Realizada audiência de julgamento o Tribunal a quo proferiu sentença julgando a ação improcedente por não provada e absolveu a ré Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, EPERAM do pedido. 3. Inconformados os autores apresentaram recurso com a seguinte síntese conclusiva: “A) Vem o presente recurso interposto da decisão que considerou improcedente a ação declarativa, sob a forma comum, proposta contra o SERVIÇO DE SAÚDE DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, EPERAM., peticionando que se condene aquela Ré (…); B) Douto Tribunal a quo, com o merecido e devido respeito, decidiu mala questão de facto e de direito, sendo que, inclusive a mesma está em contradição com a sua fundamentação. C) Efetivamente, por aceitação e não impugnação da Ré, (vide a sua contestação) a nível factual, além dos factos referidos em douta sentença de 1.º a 5) Ficou provado que: 6- O enfermeiro AA, cuja mãe faleceu a 5 de junho de 2023, à noite, estava de folga de descanso do trabalho nos dias 9 e 11 de junho de 2023, 7- E o enfermeiro BB, cujo pai faleceu a 12 de maio de 2023, estava de folga de descanso do trabalho nos dias 15 e 17 de maio de 2023, D) Pelo que, requer-se o aditamento à matéria de facto destes 2 artigos. E) No mais trata-se essencialmente de uma questão de direito, sendo que a questão a apreciar é a forma de contagem do número de faltas que um trabalhador tem direito em caso de falecimento de parente no 1º grau na linha recta, efetuando o Tribunal a quo, uma aplicação não consentânea com o Direito, sendo que, a sua fundamentação, contradiz a sua decisão, conforme se denotará. F) Defendemos que a contagem do tempo legal a que os Recorrentes têm direito por morte dos respetivos progenitores, de 5 dias, por força do artigo 251.º alínea b) do Código de Trabalho, contam-se de modo consecutivo, mas não abarcam os dias de descanso, pois é consabido que ninguém pode faltar no seu dia de descanso, não havendo necessidade de “justificar” faltas em dias de descanso, sendo tal situação absurda. G) decidiu mal o Tribunal a quo, sendo que, o trabalhador tem direito a faltar por morte de algum familiar nos termos que estipula a lei, a que faz referência o artigo 251.º do Código de Trabalho, mas para o cômputo dessas faltas não entra os dias de descanso obrigatório, de descanso complementar e/ou feriados, por nesses dias não estar obrigado a prestar a sua atividade laboral. H) Este entendimento tem inclusive sido seguido por parte da doutrina, entre eles, João Leal Amado, (como refere sentença) Diogo Vaz Marecos, na anotação feita ao comentário desde artigo, pela administração pública, pela Autoridade de condições no trabalho, pelo conselho superior da magistratura, Provedoria de Justiça, (vide pareceres já juntos nos docs 7 a 10 da petição inicial). I) Tais entendimentos que vêm sendo firmados, integram fontes do direito, provindas de órgãos estaduais competentes, são usos que não contrariam os princípios da boa-fé, [n]este aspecto vide artigos 1.º e 2.º do Código Civil e artigo 1.º do Código do Trabalho. J) Para mais, as normas de Direito do trabalho tiveram desde o início, a intenção assumida de firmar, soluções mais favoráveis para os trabalhadores. O princípio do “favor laboratoris”, ou do “tratamento mais favorável do trabalhador”, desempenha um papel fulcral. E este papel consiste em munir o intérprete de uma presunção fundamental: a presunção de que a norma a interpretar admite especificação para mais, no sentido da maior vantagem para o trabalhador. Ou seja, a presunção de que as normas jurídico-laborais, comportam sempre um limite quanto à protecção mínima do trabalhador e uma possibilidade de especificação para mais. Ora, segundo este entendimento, mesmo aquela norma que se mostra expressamente limitativa comportará uma especificação para mais, sob pena de preterição do princípio do “favor laboratoris”, enformador de todo o direito laboral. K) Mais acresce que entendemos que existe contradição entre a fundamentação e a sua decisão. 18- Efetivamente tais dias terão de ser gozados de forma “consecutiva”, ou seja, de imediato, não podem ser gozados noutra altura mas não podem abarcar os dias de descanso do trabalhador 19- Outro entendimento é inconstitucional, por violação em nosso entendimento dos artigos 59.º n.º 1 alíneas b) , c) da Constituição da República Portuguesa.” 4. A ré apresentou resposta ao recurso pugnando pela sua improcedência. 5. A Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser alterada a matéria de facto e que se considerasse justificadas as faltas dos autores. 6. Nenhuma das partes se pronunciou quanto ao Parecer. 7. Cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657º do CPC (Código de Processo Civil) e realizada a Conferência cumpre decidir. II – Objeto do recurso. Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º2, al. a) do CPT ( Código de Processo de Trabalho), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa). Assim, são as seguintes as questões a decidir: i. Impugnação da matéria de facto; ii. Forma de cômputo dos dias que o trabalhador pode faltar por falecimento de familiares, no caso progenitores; iii. Se as faltas dadas pelos autores podem ser consideradas justificadas. III – Fundamentação de Facto 3.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: “1. O Sindicato dos Enfermeiros da Região Autónoma da Madeira (SERAM) é uma associação sindical que tem por objetivo a defesa e promoção dos direitos socioprofissionais dos seus associados, e é constituído pelos profissionais que nele filiado exerçam enfermagem e cujo exercício seja reconhecido pela Ordem dos Enfermeiros, tendo como uma das finalidades, defender e promover, os interesses dos associados, considerados individualmente ou coletivamente como classe profissional. 2. Os Autores AA e BB, são enfermeiros seus associados. 3. E são trabalhadores, enfermeiros, da Ré ao abrigo do contrato individual de trabalho. 4. A mãe do enfermeiro AA, CC, faleceu a 5 de junho de 2023. 5. E o pai do enfermeiro BB, DD, faleceu a 12 de maio de 2023. “ 3.2 O art.º 640 do CPC sob a epigrafe “[ó]nus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” dispõe que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)” Cumprirá, assim, aferir se os recorrentes que impugnaram a decisão da matéria de facto, cumpriram os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, se especificam como a lei impõe, os concretos pontos da matéria de facto que pretendem ver apreciados e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada e a decisão que deve ser proferida. No caso em apreço, tendo os recorrentes indicado a matéria de facto que pretendem ver apreciada, os concretos meios de prova e, ainda, a decisão que deve ser proferida, nada obsta ao conhecimento da impugnação da matéria de facto. 3.3. Os recorrentes pretendem ver aditada à matéria de facto a seguinte factualidade: “6- O enfermeiro AA, cuja mãe faleceu a 5 de junho de 2023, à noite, estava de folga de descanso do trabalho nos dias 9 e 11 de junho de 2023, 7- E o enfermeiro BB, cujo pai faleceu a 12 de maio de 2023, estava de folga de descanso do trabalho nos dias 15 e 17 de maio de 2023.” Fundamentam a sua pretensão referindo que se trata de matéria aceite e não impugnada. Na petição inicial foi alegado, no art.º 8º que “[n]o caso, o enfermeiro AA, cuja mãe faleceu a 5 de junho de 2023, à noite, e que, estava de folga de descanso do trabalho nos dias 9 e 11 de junho de 2023, (…)” e no art.º 9º que “ [e] o enfermeiro BB, cujo pai faleceu a 12 de maio de 2023, e que estava de folga de descanso do trabalho nos dias 15 e 17 de maio de 2023 “. No que concerne à data em que ocorreu o óbito dos progenitores dos autores, a mesma consta já dos pontos 4 e 5 dos factos provados pelo que inexiste qualquer alteração que, em face do exposto, se imponha. Relativamente à alegação de que os dias 9 e 11 de junho de 2023 corresponderam a dias de folga do autor AA, e os dias 15 e 17 corresponderam a dias de folga do autor BB, não foi deduzida impugnação em sede de contestação. A recorrida, através do requerimento datado de 28.02.2024, com a referência citius 5660253, juntou aos autos vários documentos, entre eles, o mapa de horário e a folha de assiduidade. Relativamente ao autor AA, resulta do documento denominado “mapa – horário de trabalho” que o dia 11 de junho de 2023 lhe estava atribuído como descanso semanal obrigatório2 e, na “folha de assiduidade”, os dias 9 e 11 de junho de 2023 aparecem atribuídos como sendo de folga. Por seu turno, quanto ao autor BB, no documento denominado “mapa – horário de trabalho” os dias 15 e 19 aparecem como dias de ausência ao serviço (falta), no entanto, no documento folha de assiduidade o dia 15 já aparece atribuído de descanso semanal obrigatório (DSO) e o dia 19 como descanso semanal obrigatório (DSO). Considerando a falta de impugnação e, vistos os documentos, designadamente as folhas de assiduidade, entendemos assistir razão aos recorrentes e, consequentemente, decide-se aditar à matéria de facto provada os seguintes factos: 6- Ao enfermeiro AA estavam atribuídos os dias 9 e 11 de junho de 2023 como dias de folga. 7- Ao enfermeiro BB estavam atribuídos os dias 15 e 17 de maio como dia de descanso obrigatório e dia de descanso semanal, respetivamente. IV- Fundamentação de Direito 4.1. As partes estão de acordo que à situação sub judice se aplica o art.º 251º do Código de Trabalho (CT). O dissenso das partes reside na forma de cômputo dos dias em que o trabalhador pode faltar em caso de falecimento de parente no 1º grau na linha recta. Os recorrentes entendem que a contagem do tempo legal a que têm direito por morte dos respetivos progenitores, ou seja, 5 dias, por força do art.º 251º al b) do CT, se faz de modo consecutivo mas não abarca os dias de descanso, já que ninguém pode faltar no seu dia de descanso, como afirmam na conclusão da alínea G). Por seu turno, a recorrida defende que dias “consecutivos” outro significado não tem, senão o de “dias seguidos” independentemente de serem dias úteis, dias de trabalho ou dias de descanso. Desde já, se adianta que perfilhamos o entendimento de que a norma do art.º 251º do CT deve ser interpretada no sentido de se referir a “dias consecutivos” de calendário, independentemente de serem dias de trabalho de descanso semanal ou feriados, seguindo o entendimento defendido no Acórdão desta Relação de 23 de outubro de 2024, proferido no processo n.º 8957/23.7T8LSB.L2, disponível in www.dgsi.pt. 3 O n.º 1 do art.º 251º do CT estabelece que “O trabalhador pode faltar justificadamente: a) Até 20 dias consecutivos, por falecimento de descendente ou afim no 1.º grau na linha reta; b) Até cinco dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim ascendente no 1.º grau na linha reta; c) Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral. 2 - Aplica-se o disposto na alínea b) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica. Coloca-se aqui, como nos parece óbvio, um problema de interpretação da lei que impõe recurso aos princípios do artigo 9º do Código Civil (CC). Estabelece-se com efeito, neste preceito legal, que: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema judicial, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não contenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa. 3. Na fixação e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e só sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados.” Como primeira nota a este propósito refere-se que não colherá apenas o argumento literal impondo-se que se tenha em conta a "ratio legis", isto é, que se determine o sentido da norma em função da própria razão de ser dela ou do seu sentido prático. Há muito que a legislação laboral acolhe como motivo de justificação das faltas ao trabalho a morte de familiares ou afins, sendo a redação utilizada no art.º 251º do CT, na parte relevante, a mesma das normas entretanto revogadas.4 A razão de ser da justificação destas faltas decorre da “paradigmática consideração da inseparabilidade da pessoa do trabalhador “ da pessoa que morre “relevando neste caso a qualidade de membro da uma família e os laços de afetividade que é suposto existirem entre os respetivos membros” considerando-se “ natural e expectável a dor que se presume associada à morte de familiares”5, como foi certamente nos autos em que os trabalhadores não compareceram ao trabalho em face da morte dos respetivos progenitores. Sendo inequívoco que os períodos de ausência estabelecidos no art.º 251º do CT correspondem a dias consecutivos os mesmos serão no nosso entendimento (tal como referido no citado Acórdão desta Relação) dias consecutivos de calendário e não dias de falta ao trabalho. Com efeito, desde a primeira legislação que consagrou as faltas justificadas por morte até recentemente entendia-se que o período de faltas por luto se contabilizava em dias consecutivos de calendário, não se questionado se, nesse período, se deviam descontar dias intermitentes que correspondessem a dias de descanso ou de férias. Em apoio deste entendimento, ainda que não seja só por si decisivo, temos o elemento literal e histórico, que sempre atribuiu à expressão “dias consecutivos” o sentido de dias seguidos de calendário, não ocorrendo fundamento válido para o alterar. Mas mais relevante, porém, é o elemento teleológico, evidenciando-se aqui a razão de ser da atribuição do direito a faltar na sequência da morte de um familiar, o qual se revela incontornável. Com efeito, “ [e]ntendendo-se, como julgamos, ser pacífico, que se visa permitir que o trabalhador não tenha de comparecer ao serviço a prestar a actividade nos dias imediatamente a seguir ao falecimento de familiares de que se presume ser próximo, dado o grau de parentesco ou de afinidade, faz sentido que o período de ausência se contabilize em dias de calendário consecutivos( e não em dias de trabalho) pois é evidente que não se interrompem nem se suspendem durante os dias de não-trabalho os motivos que determinaram a consagração de um período durante o qual se considera não ser exigível que o trabalhador execute a actividade contratada, porque se presume estar a vivenciar uma situação em que, devido à dor resultante da morte de familiares próximos, não está em condições psicológicas e emocionais para se dedicar ao trabalho. O que releva é a situação emocional e a necessidade de acompanhamento dos demais familiares que é expectável que o trabalhador vivencie nos dias subsequentes ao óbito, pois certamente que tal situação não se altera consoante tais dias sejam ou não de trabalho. E faz sentido que o período se situe nos dias consecutivos subsequentes, sejam ou não de trabalho, pois é nesses dias que se presume que o desgosto e a dor se fazem sentir com mais intensidade e que é maior a necessidade de acompanhar outros membros d família que comungam dos mesmos sentimentos e emoções.” 6 E a ser, assim, afigura-se-nos difícil de aceitar que o período de luto se possa iniciar no dia do óbito do familiar ou da cerimónia fúnebre cabendo a escolha ao trabalhador, como preconizam os recorrentes, sem prejuízo do pressuposto relativo ao efetivo conhecimento do óbito, por parte do trabalhador. No entendimento que adotamos impõe-se, ainda, efetuar referência a sua compatibilização com a noção legal de falta, sabendo-se que só pode ser qualificada como falta a ausência do trabalhador do local de trabalho durante o período em que devia desempenhar a atividade a que está adstrito, cfr. art.º 248 n.º 1 do CT. É que, como referem os recorrentes parte da doutrina7 tem defendido que “só poderá falar-se em falta se se verificar uma ausência ao trabalho em dias em que o trabalhador tinha, em princípio, a obrigação de trabalhar, o que significa que os dias não úteis do trabalhador em causa não devem ser contemplados naquele cômputo”8 existindo, ainda, pronúncia sobre esta questão e neste sentido pela Autoridade para as Condições de Trabalho, Nota Técnica n.º 7 (documento n.º 8 junto com a petição inicial), o Parecer do Conselho Superior de Magistratura ( documento n.º 9 junto com a petição inicial),ou a Recomendação 13/A/2021 da Provedoria da Justiça (documento n.º 10 junto com a petição inicial). Não deixamos, no entanto, de continuar a acompanhar Pedro Furtado Martins quando refere que “a letra da lei é perfeitamente compatível com a diferente interpretação seguida durante largo tempo. Ao dizer-se que o trabalhador pode faltar até um dado número de dias consecutivos, estão a considerar-se justificadas as faltas (em sentido próprio) que se localizem no período consecutivo de dias de calendário. Dizendo de outro modo: a lei considera justificadas as faltas que o trabalhador der na sequência do falecimento de familiares e afins dentro do período fixado para as diferentes situações, que se computa em dias consecutivos de calendário).”9 A favor do entendimento que sufragamos veja-se, ainda, o citado acórdão desta Relação, onde analisando os artigos 38º A do CT e 91º do CT, refere: “[e]m todas estas situações, a expressão “dias consecutivos” reporta-se a um período de dias seguidos de calendário, dentro do qual cabe aferir se ocorrem faltas nos termos do art.º 248.º. Trata-se de situações em que, justificadamente, se atendeu ao período de tempo globalmente julgado razoável para o trabalhador dispor por inteiro das suas forças físicas, psíquicas e emocionais para lidar com as consequências de acontecimentos importantes ou graves da sua vida pessoal, situados a montante, sendo certo que tais consequências não são maiores ou menores nos dias em que o trabalhador devesse comparecer ao trabalho ou nos dias que fossem de descanso semanal ou feriado. Acresce que, sendo esta a finalidade das normas citadas, mormente do art.º 251.º em apreço, a interpretação tradicional segundo a qual a expressão “dias consecutivos” equivale a dias seguidos de calendário é a que se mostra conforme aos princípios constitucionais da igualdade e dignidade dos trabalhadores perante a lei. Com efeito, considerando os motivos que presidiram à fixação legal de determinados períodos de tempo, não só não se vislumbra justificação para diferenciação entre trabalhadores em função da intercorrência de dias de descanso ou feriados durante os mesmos, como também não se vislumbra justificação para diferenciação em função do número de dias que, dentro deles, o trabalhador esteja obrigado a comparecer ao trabalho, a ponto de na mesma empresa, por exemplo, um trabalhador de escritório a tempo integral poder faltar por óbito do cônjuge durante cerca de quatro semanas e uma trabalhadora de limpeza que trabalhe às Segundas, Quartas e Sextas poder faltar durante cerca de sete semanas. (…) De acordo com esta norma [91º do CT], no caso de provas em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, o trabalhador-estudante pode faltar justificadamente em tantos dias imediatamente anteriores quantas as provas a prestar, aqui se incluindo os dias de descanso semanal e feriados. Assim, por exemplo, um trabalhador-estudante que tenha duas provas numa Quarta-Feira pode faltar justificadamente na Segunda-Feira e na Terça-Feira; mas se tiver duas provas numa Segunda-Feira, já não tem direito a qualquer falta justificada (no pressuposto de que trabalha de Segunda a Sexta-Feira e os Sábados e Domingos sãos os seus dias de descanso semanal). Esta norma explicita, como se vê, o que se afigura ser o sentido geral da expressão “dias consecutivos” no Código do Trabalho, mas como – convenhamos – nesta situação concreta a sua justeza e equilíbrio se podiam prestar a dúvidas, o legislador achou por bem dirimi-las de forma expressa, o mesmo não sucedendo nos restantes casos, por manifesta desnecessidade à luz duma sã interpretação assente nos elementos literal, histórico, teleológico, sistemático e actualista – e dizemos também actualista na medida em que o legislador tem introduzido alterações nas normas que se vêm referindo, designadamente aumentando significativamente alguns dos períodos de tempo previstos, o que leva a crer que parte do princípio que mantêm o sentido dado pelos demais elementos referidos, nos sobreditos termos.” 4.2. Convocam, ainda, os recorrentes em defesa da sua argumentação o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador também designado por “favor laboratoris”. Este princípio constitui uma técnica de resolução de conflitos de normas, nomeadamente entre a lei e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não consagrando um princípio geral de interpretação. 10 Ora, sendo assim, como entendemos que é, e tendo esta Relação decidido a interpretação do artigo do art.º 251º do CT, o referido princípio não tem aplicação ao caso em apreço, por não estar em causa um conflito de normas, mas apenas uma questão de interpretação de uma norma legal que se encontra resolvida. 4.4. Os recorrentes referem-se à existência de uma contradição entre a fundamentação e a decisão sem, contudo, qualificarem o vício que, deste modo, imputam à sentença. Designadamente não invocam qualquer nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º do CPC, sendo que as nulidades previstas neste artigo não são de conhecimento oficioso. Deduz-se da sua alegação a discordância da fundamentação, por se ter referido, em termos doutrinários, o entendimento de que no direito de faltar cinco dias consecutivos ao serviço não poderão ser computados os dias de descanso e/ou feriados intercorrentes e, ainda assim, se ter concluído, diversamente, pela improcedência da pretensão dos recorrentes. Ora, a citação que na sentença é feita à doutrina, concretamente à posição de João Leal Amado e de Luís11 Menezes Leitão, não pode ser encarada isoladamente, mas sim de acordo com o afirmado antes e após a citação, para se apreender o entendimento acolhido na sentença recorrida, como resulta dos excertos que se transcrevem: “[r]etomando ao caso em apreço, o artigo 251º prevê expressamente o gozo consecutivo, ou seja imediato e ininterrupto. Ora, este entendimento é consentâneo com a letra e com espírito da lei, correcto e razoável face ao segmento normativo “dias consecutivos”. É certo que “considera-se falta a ausência do trabalhador do local em que deveria desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário” (artigo 248º, do Código do Trabalho). Mas tal por si não afasta a letra da lei. (…) Assim, tais dias terão de ser gozados de forma “consecutiva”, ou seja, de imediato, pois não podem ser gozados noutra altura e à escolha do trabalhador.” O enquadramento assim efetuado e a conclusão de improcedência a que chegou o Tribunal a quo revela-se pois sem contradição. 4.3. Outrossim os recorrentes argumentam que outro entendimento é inconstitucional por violação do artigo 59º, n.º 1 alíneas b) e c) da Constituição da República Portuguesa. Apesar da invocação destes preceitos, os recorrentes não referem em que medida se encontram violados por força da interpretação acolhida. Ou seja, os preceitos constitucionais foram invocados sem que minimamente se explicitem as razões subjacentes à alegada inconstitucionalidade. Esta invocação sem qualquer consistência afasta a possibilidade de verificação da inconstitucionalidade arguida. * O entendimento de que a norma do art.º 251º do Código de Trabalho deve ser interpretada no sentido de se referir a dias consecutivos de calendário- independentemente de serem dias de trabalho, de descanso obrigatório ou complementar, ou simplesmente de folga - prejudica a apreciação do demais suscitado no recurso. V- Responsabilidade pelas custas. Porque ficaram vencidos, incumbe aos recorrentes o pagamento das custas (não tendo relevo autónomo na decisão a impugnação da matéria de facto, em que obtiveram vencimento), arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, e 528.º, n.º 4, do CPC. VI – Decisão Em face do exposto, decide-se: - aditar aos factos provados os pontos 6º e 7º, nos termos sobreditos; - negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Condenar os recorrentes em custas. Lisboa, 18 de junho de 2025 Alexandra Lage Paula Santos Alda Martins _______________________________________________________ 1. A ação foi intentada ainda pelo Sindicato dos Enfermeiros da Região Autónoma da Madeira (SERAM) que foi considerado parte ilegítima prosseguindo a ação apenas com estes autores. 2. Utilizando-se a nomenclatura constante do documento 6 a) junto com a p.i. (ver fls. 41). 3. Acórdão relatado pela Exma Sr.ª Desembargadora ora segunda Adjunta. 4. Veja-se a referência à evolução legislativa, Pedro Furtado Martins, in Revista de Direitos e de Estudos Sociais, Janeiro/Dezembro, Ano de 2022, páginas 149 e seguintes 5. Revista de Direitos e de Estudos Sociais, Janeiro/Dezembro, Ano de 2022, obra citada, página 153. 6. Revista de Direitos e de Estudos Sociais, Janeiro/Dezembro, Ano de 2022, obra citada, página 156. 7. Veja-se João Leal Amado e Milena Silva Rouxinol in “0 problema do cômputo dos dias de falta justificada por morte de familiar – a propósito do Acórdão da Relação do Porto, de 13 de julho de 20222, in Prontuário do Direito de Trabalho, 2º Semestre de 2022, Número II. E, ainda, Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho, Comentado, 2023, 5ª Edição que refere que “da definição de falta daquele n.º1 do art.º 248º resulta que só se considera falta a ausência durante o período normal de trabalho diário, pelo que não é abrangido pelo conceito de falta a ausência do trabalhador nos dias: de descanso semanal obrigatório (cfr. artigo 232º); de descanso semanal complementar(cfr. artigo 233º); que sejam ferido (cfr, artigo 234º e segs.), e em que se encontre a gozar férias( cfr. art.º 237º e segs).” 8. João Leal Amado e Milena Silva Rouxinol, obra citada, pág. 272. 9. Obra citada, páginas 157 e 158. 10. Ver Romano Martinez in Direito de Trabalho, 2015, 7ª Edição, páginas 218 e 219. 11. A referência na sentença recorrida a “António” resultará de mero lapso de escrita. |