Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10570/2007-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
JUROS REMUNERATÓRIOS
DESVALORIZAÇÃO DA MOEDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Constitui um depósito irregular a entrega de quantia em escudos moçambicanos, feita por nacional Português em Consulado de Portugal, para que lhe guarde aquela.
II- É tónica do depósito irregular a circunstância de a entrega do objecto – coisa fungível – ser efectuada no interesse do tradens, de o interesse preponderante naquela relação jurídica ser “o interesse de segurança do depositante.
III- Nesta espécie de depósito, não há lugar, salvo acordo das partes, ao pagamento de juros remuneratórios.
III- A actualização das prestações pecuniárias é admitida entre nós apenas a título excepcional.
IV- As desvalorizações ou valorizações da moeda, nomeadamente as alterações do seu valor de troca ou aquisitivo, não interessam. Só interessa o valor nominal da moeda e o seu curso legal no País.
V- Se houver modificação do sistema monetário, o princípio nominalista significará que o devedor há-de pagar em espécies monetárias do novo sistema, calculadas segundo a norma de equivalência que se tiver estabelecido na lei entre a nova e a antiga moeda.
(E.M.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I- J intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra o ESTADO, pedindo a condenação do Réu a:

- a restituir ao A. os 134 contos que depositou no Consulado geral da beira, Moçambique em 1976.

- a pagar juros às taxas legais que couberem sobre esta quantia, desde a efectivação dos depósitos até à sua restituição integral;

- a pagar uma indemnização correspondente à correcção monetária do valor daquele depósito com aplicação do coeficiente 17,25 estabelecido pela Portaria 393/99 de 29 de Maio.

- a pagar uma indemnização correspondente à correcção monetária que legalmente couber com referência aos Esc. 411 738$50 já restituídos, a liquidar em execução de sentença;

- a compensar o A de todos os prejuízos que lhe causou pela demora na restituição do dinheiro, em montante a liquidar em execução de sentença.

 Alegando, para tanto e em suma, que tendo regressado de Moçambique em Novembro de 1976, depositou no Consulado de Portugal na Beira a quantia de 545.738$00, pagando as respectivas taxas emolumentares.

Sendo que só em final de 1994 o Estado português, apesar das inúmeras reclamações do A., se dispôs a restituir-lhe a quantia de 411.738$00.

Estando assim em falta 134 contos.

Tendo-se que por força da aplicação dos coeficientes legais de actualização, quando o R. restituiu 411.738$50, deveria ter devolvido cerca de 5.000 contos.

A que agora acrescem mais 2.311.500$00 que é o valor actualizado dos 134 contos restantes.

Devendo ainda restituir os frutos da quantia em falta de 134.000$00, contados desde o depósito até à restituição.

Para além de o depósito haver sido feito pelo A. na convicção de que seria transferido para a Metrópole, o que não ocorreu, devendo ser indemnizado por esta omissão do R.

Contestou o R., excepcionando o pagamento de toda a importância depositada pelo A., a prescrição do arrogado direito do A. à restituição do depositado e a prescrição do crédito de juros, em quanto exceda os relativos aos últimos cinco anos.

Deduzindo ainda impugnação, na qual alega que os contratos de depósito celebrados foram no interesse exclusivo do A., não havendo disponibilidade da coisa depositada por parte do Estado.

Nem sendo convencionado local ou prazo para a restituição do depositado.

Remata com a sua absolvição do pedido.

O processo seguiu seus termos, tendo tido lugar audiência preliminar, com saneamento – julgando-se improcedente a excepção de prescrição do direito do A. à restituição do capital depositado, alegadamente em dívida – e condensação.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo o Réu Estado Português dos pedidos.

Inconformado, recorreu o A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“1º. O Réu não provou que tenha restituído a Parte dos depósitos irregulares efectuados pelo recorrente (contravalor de Esc: 134.000$00), embora no saneador tenha o Tribunal decidido não proceder a excepção peremptória de prescrição que lhe foi oposta;

2°. O Estado tem de restituir o contravalor deste montante como decidiu o seu Ministro das Finanças, procedendo em consequência o pedido que nesse sentido formulou o recorrente e consta como primeiro pedido do n°. 1 destas alegações — art.ºs  342, 1 e 2, 1205, 1206, 1142 e 1187 al. c) do Código Civil;

3º. Foram estes preceitos violados, como aliás é orientação dos Tribunais v.g. Ac. S.T.J. de 15.11.95 in BMJ 451 pág. 440.;

4°. A decisão recorrida é omissa quanto a esta matéria, o que importa a nulidade prevista no art°. 668.1 al. d) do C.P.C.;

5°. Dispõe o art°. 1145.1 do Cód. Civil, ao estipular sobre a gratuidade do mútuo que,          em caso de dúvida, este presume-se ONEROSO;

6°. Sendo o fattispecie julgado neste processo regulado pelas disposições combinadas dos art°s. 1206, 1142, e 1145.1 do Código Civil aliás referidos como fundamento da decisão, haveria que presumir os depósitos irregulares feitos pelo recorrente como onerosos;

7º. Aliás, de início, o Estado creditou juros nestes depósitos irregulares como é sabido e assim o declarou o recorrente nas suas alegações produzidas em sede de discussão do aspecto jurídico da causa (art.º 657 do C.P.C.) apresentadas em 18 de Janeiro de 2006:

8° Ao decidir em contrário o M°. Juiz da instância violou aquela disposição do art.º 1145.1 do Código Civil e os demais que lhe são correlativos;

9°. Procede em consequência o segundo pedido articulado na p.i. tendo em consequência sido violados os preceitos referidos no número seis destas conclusões;

10°. Determinou o Senhor Ministro das Finanças, por despacho de 12.12.94, que fosse "entregue" o CONTRAVALOR em escudos dos depósitos efectuados pelos Consulados Gerais de Portugal em Maputo e na Beira aquando da independência da República Popular de Moçambique....

Trata-se de divida de VALOR (ac. do S.T.J. de 14.11.97 = BMJ 471, pág. 351). E assim decidiu o órgão do Estado Réu que é o Senhor Ministro das Finanças qual fala em CONTRAVALOR naquele seu despacho n°. 90/94.

Relevam ainda, como complemento da prova aceite pelo Tribunal quanto ao quesito n° 4 da Base Instrutória o que consta da petição n°. 41/VI subscrita por 1.500 cidadãos e dirigida ao Senhor Presidente da Assembleia da Republica (fls. 89) com a expressa declaração de que " o dinheiro foi entregue naqueles Consulados para ser transferido para Portugal. Essa intenção tinham todos quantos aos consulados se dirigiram com maços de notas. Era aliás voz corrente que tal transferência se praticaria logo que em Portugal houvesse Governo estável".

O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão n°. 165/98 de 21.05.98 decidiu, em caso idêntico ao dos autos que (e transcrevendo a parte decisória):

"Pelo exposto, julgando a acção procedente em parte, condena-se o Réu (o Estado Português) a pagar ao autor a quantia de escudos portugueses equivalentes à quantia de 1.900.000$00 moçambicanos, na data dos depósitos, estes depois convertidos em meticais, segundo as normas de redução (cotação) estabelecidos pela República Popular de Moçambique e pelo Banco de Portugal, e se ordena a baixa do processo à segunda instância para conhecimento da restante parte do pedido (a questão da mora e juros) e a questão da indemnização pelos prejuízos a liquidar em execução de sentença). Seguem-se cinco assinaturas.

Este acórdão transitou.

Ao processo foi junto um parecer do Prof. António Pinto Monteiro e um outro também escrito do Prof. Antunes Varela que concordava com aquele.

Também se esclarece que o processo baixou e o Autor já recebeu o montante do capital com a correcção monetária e os juros. Também o Tribunal da Quarta Vara Cível em liquidação de sentença condenou o Estado no pagamento de uma indemnização (Proc°) condenação confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (Proc°. ) e pelo Supremo Tribunal de Justiça em recurso de revista desta decisão;

11°. Procedem, por estas razões, os pedidos elencados em terceiro e quarto lugares destas alegações (supra n°s. 8 e 9);

12°. De resto, o despacho do Senhor Ministro das Finanças (cfr. precedente conclusão n°. 10) ao falar em contravalor teve certamente em consideração as leis reguladoras da circulação fiduciária de Moçambique, do conhecimento oficioso do Tribunal, que obrigavam à convertibilidade da moeda em circulação, convertibilidade essa legalmente estabelecida no momento da sua emissão. Trata-se de obrigação caucionada pelas reservas estabelecidas pelo seu emissor (o emissor = Estado Réu) emissor que destruiu aquelas reservas ou alienou sem acautelar as moedas então em circulação e sem prevenir aqueles que delas eram proprietários na esperança da sua convertibilidade e como tal as depositaram no Consulado Geral da Beira (sempre o Estado Réu, que está agora na função de julgador);

13°. A. violação destas leis especiais de direito financeiro não pode aproveitar ao Estado Réu.;

14°. E a matéria não foi sequer enquadrada, nem conhecida pelo Réu, com a consequente violação do princípio consagrado no art°. 668. 1 alínea d) do C.P.C. com a consequente nulidade da sentença;.

15°. O quinto e último pedido feito pelo recorrente, da compensação dos prejuízos que o Estado lhe causou pela demora na restituição do dinheiro, a liquidar em execução de sentença, foi julgado com violação do disposto no art°. 483 do Código Civil;

16°. O Estado demorou           muitos anos a devolver o dinheiro que, em espécie, foi depositado no Consulado Geral da Beira, Moçambique. A imobilidade do dinheiro, a inflação inter corrente, as dificuldades escusadamente sofridas entretanto pelo recorrente constituem a causa de pedir que têm de determinar a procedência do pedido, como nele se contêm.

17°. A sentença constitui ainda violação dos art°s. 3.2 e 3, 14, 20.4 e 5, 62.1 e 203 da C.R.P.

18°. Pelo que e invocando sempre o douto suprimento, espera o recorrente provimento na apelação, como é

de DIREITO

e inteira JUSTIÇA”.

Contra-alegou o Recorrido, pugnando pela manutenção do julgado.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Preliminarmente, porém, importará assinalar:

1- No ponto 10 do corpo das suas alegações – e sem correspondência nas conclusões das mesmas – refere o Recorrente que:

“Uma compensação de todos os prejuízos que o Estado lhe causou pela demora na restituição do dinheiro em montante a liquidar em execução de sentença.

Reitera-se o que no precedente n°. 9 destas alegações se disse quanto à equação do tempo verificado nos actos das partes e quanto ao seu mau uso em desequilibrado e inconstitucional mau uso contra o recorrente e ainda mau uso a favor do Réu.. O tempo deveria ter sido ponderado objectivamente e as suas implicações na emergência. O que não aconteceu. Os efeitos da inflação e da entrega das reservas pelo emissor da moeda sem ponderar que esta existia foram totalmente ignorados.

Mas muito mal.

Foram articulados e levados à base instrutória os factos seguintes: - que "era intenção do Autor aplicar o dinheiro depositado na compra de um andar para sua residência" (art°. 13) e que o Autor não pôde concretizar o referido no artigo anterior, devido à sistemática omissão do Réu em lhe restituir o dinheiro depositado no Consulado Português da Beira (art.º 14).

Tais factos foram dados como não provados. Estamos em presença de julgamento com PROVA GRAVADA.

V. Exas. verão se a prova gravada leva a esta decisão, ou a outra contrária.

Em todo o caso, dir-se-á que não parece ao recorrente, e salvo sempre o devido respeito pelo julgador, que uma análise critica do que ficou gravado leve à conclusão a que chegou.

É evidente que o recorrente teve prejuízo com a restituição tardia e a demora tem de se imputar ao Réu. É injusto não ponderar todas as circunstâncias do caso. O Estado tinha que assegurar o valor do papel moeda que emitiu e não deveria entregar as reservas que garantiam este valor sem o acautelar, o que não aconteceu como é do conhecimento de todos os portugueses.”.

Como é bom dever – e foi anotado pelo recorrido nas suas contra-alegações – quando se devesse conceder estar assim em causa efectiva impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, mostrar-se-iam postergados, em absoluto, os ónus especificatórios contemplados no art.º 690º-A, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código de Processo Civil.

Disposições nos termos das quais, numa tal hipótese impugnatória, deverá o recorrente discriminar:

- Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

- Neste último caso, quando os meios probatórios indicados, como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do n.º 2 do artigo 522º-C.”

Ou seja, com referência ao início e termo da gravação de cada depoimento.

 

Posto o que sempre se imporia a imediata rejeição de uma tal impugnação, cfr. cit. art.º 690º-A, n.º 1. 

Mas, em rigor, nem a esse limiar acederá a postura do Recorrente, enquanto, remetendo para “a prova gravada”, alvitra que o colectivo de julgamento do recurso, verá se aquela “leva a esta decisão ou a outra contrária”, manifestando não lhe “parecer” que uma análise crítica do que ficou gravado leve à conclusão a que chegou.

2- Em sede formal de arguição de omissão de pronúncia, refere o Recorrente:

“6 – Restituição ao Autor de Esc: 134.000$00, acrescidos de juros de mora, contados à taxa legal, desde o efectivo depósito até à restituição integral.

Há omissão de pronúncia sobre esta matéria o que importa na nulidade prevista art.º 668.1 alínea d) do C.P.C.

Sobre a questão, na discussão do aspecto jurídico da causa — art.º 657 do C.P.C. alegou o recorrente (e transcrevendo):

O R. contestou a sua procedência, mas não provou que já tivesse restituído a quantia reclamada. Confessa até que não encontrou o recibo da restituição de Esc. 34.000$00 — de fls. 52). E quanto aos Esc: 100.000$00 restantes juntou um documento comprovativo do levantamento de igual quantia feita na Beira em 10.09.76 (fls. 51) antes do A ser compelido a regressar a Portugal, dois meses depois, em Novembro do mesmo ano.

Só que é o próprio R. a confessar por documento passado em 27.04.95 (fls. 51) que os 134 contos estavam em dívida, ou seja cerca de 19 anos depois, a dívida reclamada estava ainda em dívida por inteiro. Quer dizer, a quantia de 100 contos a que se reporta o recibo emitido em 10 de Setembro de 1976 (fls. 51) nada tem a ver com o que o A reclamou, pois se trata de dinheiro levantado pessoalmente pelo A, antes de se retirar de Moçambique. Confessa em Abril de 1995 que deve por inteiro cento e trinta e quatro contos.

E se cotejarmos o documento de fls. 64, não impugnado (requerimento ao Sr. Ministro da Cooperação em que o A. fala em depósitos de Esc: 763.131$10) maior é a convicção da falta de restituição da quantia pedida.

E assim o Estado obrigado a restituir o capital depositado pelo próprio Estado considerado em dívida e seus frutos — art°s. 342, 1 e 2, 1205, 1206, 1142 e 1187 al. c) do Código Civil

Assim têm decidido os Tribunais. Ver p. e. Ac. S.T.J de 15.11.95 in B.M.J 451 pág. 440.

O recorrente louva-se nestas razões que expressamente confirma.”.

Para lá da ausência de especificação cabal dos “concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, por referência, necessariamente, à base instrutória, temos que, conjecturando estar assim em causa, para o Recorrente, o decidido no confronto da matéria dos art.º 15º e 16º daquela peça processual, também aí deixou aquele de actuar o sobredito ónus de especificação.

Pois certo é que à matéria de tais art.ºs, e como se alcança da acta de folhas 309 a 313, depuseram quatro testemunhas arroladas pelo R., cujos depoimentos – conjugados, é certo, com os documentos do folhas 12, 13, 14 e 51-54 – fundamentaram, nessa parte, a convicção do julgador na 1ª instância, como se colhe na motivação do despacho decisório da matéria de facto, a folhas 316 a 320.

Logo por isso sendo aí igualmente caso de imediata rejeição da correspondente impugnação.

Mais apenas se assinalando que nem qualquer dos dois documentos a propósito referenciados pelo Recorrente é recondutível à categoria dos tais “elementos fornecidos pelo processo”, impondo “decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;”, contemplados no art.º 712º, n.º 1, al. b).

O que, quando fosse o caso – e nem o Recorrente desse modo pretende, reportando-se apenas à “maior…convicção da falta de restituição da quantia pedida” – imporia a oficiosa reapreciação, na parte afectada, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto. 

Assim, o documento de folhas 53 – e não de folhas 51, que é recibo relativo ao recebimento, pelo A., em 10 de Setembro de 1976, da importância de 100.000$00 – é um resumo de movimentos em contas correntes de depósitos de dinheiro, do Consulado-Geral de Portugal na Beira, e nele o quantitativo de 134.000$00 de crédito do A., mostra-se inscrito na coluna de “Pagamentos”.

Sendo de resto que no mesmo documento é constatável a referência, no canto superior direito, a “Relação dos que já receberam em meticais”.

Quanto ao documento de folhas 64, trata-se de suposto requerimento do próprio A., datado de 25-11-1975, dirigido ao Ministro da Cooperação – e aliás sem qualquer comprovativo de entrega – e que nunca faria prova plena quanto à exactidão do pretendido pelo A. em sede de saldo credor a seu favor.

Aliás, anote-se, sempre se trataria de documento anterior aos apurados levantamentos de 10 de Setembro de 1976 e “ulterior” a 21 de Abril de 1978.

Para além de nele nem se referir onde “deixou” o recorrente depositada a importância nele referida, em Moçambique – em Instituição Bancária…no Consulado… – sendo, aquela, bem diversa da “quantia global” que logo no art.º 5º da sua p. i. referiu ter depositado no Consulado Geral de Portugal na Beira.

*

Isto posto:

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se a sentença recorrida enferma da nulidade que lhe é assacada.

- se o Réu é devedor ao A. do reclamado montante de 134.000$00, depositado por aquele no Consulado Geral de Portugal em Moçambique.

- se são devidos juros sobre tal quantia desde a efectivação dos depósitos até à sua restituição integral.

- se os montantes depositados devem ser restituídos com actualização monetária, e qual.

- se é caso de arbitramento de indemnização ao A. por prejuízos ocasionados com a demora na restituição do dinheiro.

- se ocorre violação dos referenciados preceitos constitucionais.

*

Considerou-se assente, na primeira instância, sem que nada assim imponha diversamente, a factualidade seguinte:

«1. O Autor em 26/01/1976, efectuou no "Consulado-Geral de Portugal na Beira" um depósito no valor de 124.000$00, conforme documento que é fls. 12 – frente e verso – dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea A) dos Factos Assentes).         

2. No verso do documento referido na alínea anterior, sobre a epígrafe "OBSERVAÇÕES", no ponto dois lê-se: "As quantias depositadas ficam neste Consulado-Geral à ordem dos respectivos beneficiários, não se promovendo quaisquer diligências para a sua transferência para fora de Moçambique" (alínea B) dos Factos Assentes).       

3. O Autor, em 21/06/1976, efectuou no "Consulado-Geral de Portugal na Beira" um depósito no valor de 150.000$00, conforme documento que é fls. 13 – frente e verso – dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea C) dos Factos Assentes).         

4. No verso do documento referido na alínea anterior, sobre a epígrafe "OBSERVAÇÕES", no ponto dois lê-se: "As quantias depositadas ficam neste Consulado-Geral à ordem dos respectivos beneficiários, não se promovendo quaisquer diligências para a sua transferência para fora de Moçambique" (alínea D) dos Factos Assentes).       

5. O "Ministério dos Negócios Estrangeiros", por intermédio da sua "Direcção-Geral de Economia", enviou ao Autor a carta cujo original é fls. 66 e 66-A dos autos, datada de 21/11/1977, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:    

"1 – Tenho a honra de informar que, segundo esclarecimentos prestados pela Embaixada de Portugal, no Maputo e a fim da Inspecção de Crédito e Seguros de Moçambique se pronunciar sobre o pedido de transferência de capitais, deverá V. Ex.ª enviar para a Direcção-Geral de Economia, na Av. Infante Santo n° 42, 4° andar, em Lisboa, os seguintes documentos:    

a) Requerimento dirigido à referida Inspecção de Créditos e Seguros, solicitando a transferência e declarando, para interesse do interessado, a entidade bancária onde deverá ser creditada a importância autorizada a transferir;   

b) Declaração de residência em Portugal com assinatura reconhecida em presença de notário;            

c) Declaração pelo próprio do tempo e local de residência em Moçambique;        d) Extracto da conta bancária ou outras entidades similares;      

e) Documento que comprove rendimentos declarados para efeito de impostos em Moçambique ou declaração dos vencimentos auferidos naquele país;

j) Modelo E 45, do qual se remete um exemplar e que deverá ser preenchido pelo próprio;        

2 – No caso de alguns destes documentos já terem sido remetidos a esta Direcção-Geral deverá V. Ex.ª prestar uma declaração indicando os documentos que efectivamente entregou" (alínea E) dos Factos Assentes).

6. O "Ministério dos Negócios Estrangeiros", por intermédio da sua "Direcção-Geral de Economia", enviou ao Autor a carta cujo original é fls. 67 dos autos, datada de 13/02/1978, que aqui se da por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:   

"1 – Nos termos do despacho do Ministro das Finanças da República Popular de Moçambique, datado de 30 de Dezembro de 1977 e publicado naquele país em 31 do mesmo mês, os ex-residentes deverão nos 60 dias seguintes à data da publicação do referido despacho, comunicar às instituições de crédito a sua mudança de residência para o exterior.         

2 – Nesta conformidade, junto remeto a minuta da declaração que até 1 de Março de 1978, V. Ex.ª deverá enviar directamente a cada instituição de crédito de Moçambique onde possui depósitos.          

3 – Lembra-se que por força da Lei n° 5/77, cessaram em 1 de Janeiro último todas as actividades da Casa Bancária de Moçambique e dos departamentos do Banco de Crédito Comercial e Industrial e do Banco Comercial de Angola, tendo os respectivos depósitos sido integrados no Banco de Moçambique.    

Por outro lado, nos termos da Lei n° 6/77, foram extintos o Instituto de Crédito de Moçambique e a Caixa Económica do Montepio de Moçambique cujos depósitos foram integrados no Banco Popular de Desenvolvimento de Moçambique" (alínea F) dos Factos Assentes).     

7. O Autor, em 21/04/1978, efectuou no "Consulado-Geral de Portugal na Beira" um depósito no valor de 271.738$50, conforme documento que é fls. 14 – frente e verso – dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea G) dos Factos Assentes).

8. No verso do documento referido na alínea anterior, sobre a epígrafe "OBSERVAÇÕES", no ponto dois lê-se: "As quantias depositadas ficam neste Consulado-Geral à ordem dos respectivos beneficiários, não se promovendo quaisquer diligências para a sua transferência para fora de Moçambique" (alínea H) dos Factos Assentes).       

9. As entregas de dinheiro referidas nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes foram efectuadas quando Moçambique já era um Estado soberano e independente (alínea 1) dos Factos Assentes).     

10. O Réu, por intermédio da sua "Direcção-Geral de Economia" fez publicar, na imprensa escrita, de 08/12/1994, a nota informativa cuja cópia é fls. 17 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:           

"(...) Ministério dos Negócios Estrangeiros  

GABINETE DE APOIO AOS EXPOLIADOS.

NOTA INFORMATIVA

Pagamento de depósitos efectuados por cidadãos portugueses nos Consulados Gerais de Portugal nas cidades da Beira e de Maputo, decorrentes do processo de descolonização.         

Informam-se os titulares, ou outro(s) legítimo(s) interessado(s), que o Governo Português tomou a decisão de proceder ao pagamento das importâncias que, pelos mesmos, foram entregues para guarda e depósito nos Consulados acima referidos.            

Para tanto disponibilizou a verba adequada para o efeito pretendido, pelo que ficam os mesmos avisados para que, com a brevidade possível, remetam ao Gabinete de Apoio aos Expoliados, cujo endereço vai indicado no rodapé desta nota, requerimento, acompanhado da seguinte documentação (...).            

Para evitar especulações, informam-se ainda os interessados, que receberão os respectivos montantes, desde que provem ter direito aos mesmos, pela forma que a seguir se deixa exemplificada:     

0(s) titular(es) do(s) depósito(s) efectuado(s) à data da descolonização, em escudos moçambicanos, (100, 500, 1000, 10 000, 15 000, etc) receberão, em escudos portugueses, em moeda corrente actual, os correspondentes montantes (de 100, 500, 1000, 10 000, 15 000, etc).          

Mais se informa que este gabinete já promoveu todas as diligências necessárias junto dos supra-aludidos Consulados Portugueses, no sentido de obter informação oficial e autêntica que permita salvaguardar os legítimos direitos em causa, prevenindo a possível hipótese de alguns titulares não possuírem documentos com força probatória que acautelem aqueles direitos" (alínea J) dos Factos Assentes).          

11. A fls. 10 dos autos encontra-se uma cópia original do Certificado de Depósito Consular recebido pelo Autor, datado de 16/10/1995, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde nomeadamente se lê    

"(...) Para os devidos efeitos e de acordo com os documentos aqui arquivados, certifico que o senhor(a) J, dispõe de montante de Esc. Moç. 411.738$50 decorrente do(s) depósito(s) oportunamente efectuado(s) neste Consulado Geral e registado sob o n° 133.-

Consulado Geral de Portugal na cidade da Beira, aos 16 de Outubro de 1995" (alínea K) dos Factos Assentes).       

12. O "Ministério dos Negócios Estrangeiros", por intermédio do seu "Gabinete de Apoio aos Expoliados", enviou ao Autor o original da carta que é fls. 11 dos autos, datada de 06/12/1995, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:      

"Na sequência das diligências levadas a efeito, após a sua solicitação, relacionadas com o assunto epígrafado, foi recebido do Consulado Geral de Portugal na Beira, com o oficio n° 2530, de 24/11/95, o "certificado de depósito consular", pelo qual se certifica que o titular acima referido, "dispõe do montante de 411.738$50, decorrente do/s depósito/s oportunamente efectuado/s neste Consulado Geral e registado sob o n° 133. (documentos juntos por fotocópia) Assim sendo, juntam-se minutas de requerimento e declaração, que deverá fazer e enviar-nos, nos termos expostos e com a documentação mencionada na primeira das minutas" (alínea L) dos Factos Assentes).           

13. O Autor e M emitiram o original da declaração que é fls. 58 dos autos, datada de 20/12/1995, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:    

"J e M, casados no regime de comunhão de adquiridos, Industrial de Camionagem e Professora do 1° ciclo, residentes em Marco de Canavezes, titulares do depósito n°  efectuado no Consulado Geral de Portugal na Beira, no montante de 411.738$50, declaram que nada mais reclamarão do Estado Português, quanto a depósitos efectuados naquele Consulado, a partir da data em que nos for entregue o montante acima referido" (alínea M) dos Factos Assentes).       

14. A "Direcção-Geral do Tesouro" enviou ao Autor a carta cujo original é fls. 69 dos autos, datada de 19/06/1996, epigrafado de "Dep. Efectuados no Consulado-Geral de Portugal na Beira", que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde nomeadamente se lê:          

"Comunicamos que foi ordenado o crédito na sua conta NIB 003504380000689610012 por transferência bancária, do montante de 411.738$50, relativo ao assunto acima referenciado" (alínea N) dos Factos Assentes).           

15. Foram entregues ao Autor 411.738$50 conforme consta do documento acima referido na alínea anterior, dos 545.738$50 depositados, conforme referido nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes (alínea O) dos Factos Assentes).            16. O Autor enviou ao Réu o original da carta que é a fls. 16, datada de 29/12/1994, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:          

"(...) J, casado, Industrial de Camionagem, residente em ... e com o telefone n.° , tendo tido conhecimento, por nota informativa desse Gabinete, que o Governo disponibilizou a verba adequada para o pagamento dos depósitos efectuados por cidadãos portugueses nos Consulados Gerais de Portugal, nas cidades de Beira e de Maputo, decorrentes do processo de descolonização, vem solicitar na qualidade de titular dos depósitos n. °  no Consulado Geral da Beira no montante de 545.738$50 (quinhentos e quarenta e cinco mil setecentos e trinta e oito escudos e cinquenta centavos), que a respectiva importância lhe seja paga" (resposta ao quesito 1.°).        

17. O Autor enviou ao Réu o original da carta que é a fls. 64, datada de 29/11/1995, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:          

"(...) J, casado, comerciante, residente em..., com o telefone n.°... tendo deixado depositado em Moçambique a quantia de 763.131$10 conforme fotocópia do extracto anexo vem mui respeitosamente requerer a V Exa se digne autorizar a transferência da importância acima mencionada, para Portugal" (resposta ao quesito 2.º).   

18. O Autor é sócio da "A" actualmente com sede em Lisboa (resposta ao quesito 3.°).        

19. A "A no sentido da restituição aos espoliados de Moçambique que depositaram em espécie nos Consulados de Portugal na Beira e de Maputo, apresentou a Petição n.°  – a primeira por si apresentada, relativa à situação dos depósitos feitos no Consulado Geral de Portugal na Beira, Moçambique (resposta ao quesito 4.°).        

20. A A no sentido da restituição aos espoliados de Moçambique do que depositaram em espécie nos Consulados de Portugal da Beira e Maputo, apresentou a Petição n.° - a quarta por si apresentada, em que solicitou a revogação do art. 40.° da Lei n.° 80/77, de 26/10, o reconhecimento do direito dos ex-residentes no Ultramar a uma justa indemnização e a recomendação ao Governo para uma rápida resolução da questão (resposta ao quesito 5.°). 

21. O Réu Estado Português depositou em conta própria e em bancos de Moçambique o dinheiro que recebeu do Autor, por imposição da lei consular (resposta ao quesito 10.°).         

22. Em 10/09/1976 e relativamente às quantias depositadas referidas nas alíneas A) e C) dos Factos Assentes, o Autor levantou o montante de 100.000$00 (resposta ao quesito 15.°).           

23. Ulteriormente a 21/04/1978, em data não concretamente apurada, e relativamente às quantias depositadas referidas nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes, o Autor levantou o montante de 34.000$00 (resposta ao quesito 16.°).  

24. O Réu Estado Português recebeu do Autor os montantes referidos nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes com o único e exclusivo fim de os conservar em depósito e à sua guarda no Consulado Geral de Portugal na Beira (resposta ao quesito 17.°).         

25. As entregas referidas nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes efectuaram-se em escudos moçambicanos e tiveram lugar na sequência do processo que se seguiu à proclamação da República Popular de Moçambique, com            elevado risco de perda de haveres (resposta ao quesito 18.°).

26. Os depósitos referidos nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes tiveram como única finalidade a de proteger o dinheiro que foi entregue ao Réu Estado Português pelo Autor (resposta ao quesito 19.°).  

27. O Réu Estado Português não utilizou os montantes referidos nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes para financiar actividades próprias (resposta ao quesito 20.°).        

28. As quantias recebidas pelo Réu Estado Português nos termos referidos eram depositadas em contas abertas pelo Consulado, em Moçambique (resposta ao quesito 21°).  

29. Relativamente às quantias referidas nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes, as partes não convencionaram o local onde o Réu Estado Português deveria proceder à restituição do dinheiro (resposta ao quesito 22.°).   

30. Relativamente às quantias referidas nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes, não foi fixado qualquer prazo para a restituição do dinheiro (resposta ao quesito 23.°).».

*

Vejamos:

II-1- Da nulidade da sentença recorrida.

1. Estará em causa, para o Recorrente, e desde logo na invocação feita do disposto no art.º 668º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, a omissão de pronúncia.

A qual, como é sabido, representa o antitético do dever do juiz de conhecer de todos os pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções invocadas e das que oficiosamente lhe caiba conhecer, e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão.

2. Pretendendo o Recorrente, e por um lado, como se retira das suas conclusões 1ª a 4ª, que a sentença recorrida se não teria pronunciado sobre a questão de estar ou não o Réu obrigado a restituir o “contravalor” em escudos dos depósitos efectuados.

Sendo certo contrapor aquele um tal “contravalor” ao “valor nominal dos depósitos”, vd. n.º 8 do corpo das alegações.

Como de resto, já fazia no seu requerimento de 19-12-2001, a folhas 86 a 88.

Onde, porém, a questão do contravalor foi referida apenas para, na sequência do convite feito no despacho de folhas 83-84, esclarecer os termos da invocada coação sofrida relativamente à quitação dada no documento de folhas 58, e à obtenção do mesmo documento pelo Réu, em alegado uso de norma inconstitucional.

Mas sendo igualmente que faz agora corresponder a esse “contravalor”…o “pedido que nesse sentido formulou o recorrente e consta como primeiro pedido do n.º 1 destas alegações…”, vd. conclusão 2ª.

Ou seja, a condenação do R…. “a restituir-lhe os 134 contos que depositou no Consulado Geral da Beira, Moçambique em 1976”…

Cabendo assinalar que os demais pedidos formulados…são de condenação da Ré no pagamento de juros…de indemnização correspondente à correcção monetária…e de compensação por prejuízos alegadamente ocasionados pela demora do Estado na restituição do dinheiro.

Tendo-se pois que, incontornavelmente, se trata, um tal “contravalor”, para o Recorrente de algo distinto e que acresce aos peticionados juros, correcção monetária e indemnização.

Ora, como se colhe da p. i., jamais esteve em causa, naquele articulado, pretensão condenatória do Réu no pagamento de outra coisa que não fosse o “valor nominal” de depósito não restituído, mais as actualizações por aplicação do coeficiente legal, e dos “juros à taxa legal”, para além da indemnização por danos decorrentes da “sistemática omissão” do Réu relativa à disponibilização, e na Metrópole, do dinheiro entregue no Consulado, cfr. art.ºs 14º e seguintes da p. i.: “(14º) Com efeito, o A. reclamou do R. a restituição do seu dinheiro, em Moçambique…(15º) Restituição em valor nominal que, por aplicação do terminado na Portaria…deveria ter sido actualizado com aplicação dos coeficiente…(27º) Ao capital de Esc. 134.000$00 terão assim que acrescer juros à taxa legal que couber…(28) Por outro lado, quando o A. entregou o dinheiro no consulado foi no pressuposto de que este seria transferido para a Metrópole; (32º) Por esta omissão tem o R. de responder, indemnizando o A.”.

Tendo-se assim – e certo não ter ocorrido alteração ou ampliação do pedido – que não é configurável, nesta vertente, a pretendida omissão de pronúncia.

 

E a sentença recorrida pronunciou-se – em estilo sintético, é certo – em termos que abarcam todos os pedidos efectivamente formulados:

E, assim, considerando designadamente:

Tendo, por sua vez, o Réu Estado Português ficado vinculado à guarda e restituição do dinheiro entregue.           

Ora, tendo em consideração o circunstancialismo social e político que envolveram as decisões de entrega e de recebimento nos termos verificados, é de concluir que o contrato de depósito celebrado foi um contrato gratuito.           

Com efeito, o Réu Estado Português não pretendia atingir qualquer objectivo que não fosse o de acautelar da forma possível alguns dos bens de nacionais surpreendidos pelo processo de descolonização; e, por outro lado, o Autor, apenas, pretendeu colocar a salvo da sanha independentista algumas das suas economias, sem esperar qualquer remuneração.         

(…)

E, por outro lado, o Réu Estado Português logrou demonstrar ter procedido à entrega do dinheiro e, consequentemente, da extinção da obrigação assumida.     E, tal entrega foi efectuada pontualmente, por não ser exigível qualquer actualização, nem tão pouco o pagamento de juros, quer moratórios, quer remuneratórios.           

Com efeito, atenta a natureza do contrato em causa, o Réu Estado Português, apenas, se vinculou à restituição do montante recebido.”.

3. Por outro lado, e no tocante à mais adiante – conclusões 12ª a 14ª – pretendida omissão de pronúncia relativamente à questão da “violação destas leis especiais de direito financeiro…”, também não assiste razão ao Recorrente.

Repare-se que a invocação feita em sentido porventura assimilável ao de tal “violação”, na p. i. – cfr. art.ºs 22º a 25º -  não surgindo reportada a qualquer pedido de “contravalor” do depósito efectuado no Consulado respectivo, como visto não formulado, também não fundamenta, na economia do mesmo articulado, seja o pedido de juros, seja o de correcção monetária, seja, finalmente, o de “indemnização”.

O pedido de juros, escora-se na circunstância, alegada no art.º 26º, de o R. ter depositado em seu nome, nos “bancos” de Moçambique, por imposição da lei consular, o dinheiro que recebeu do A., dispondo dele como coisa sua, “tendo agora que o restituir, com os seus frutos – art.º 1187º al. c) do Cód. Civil.”.

O pedido de “correcção monetária”, fundamenta-se na desvalorização da moeda, pretendendo o A. dever aquela operar-se por aplicação da Portaria n.º 393/99, de 29 de Maio, que “para efeitos de determinação da matéria colectável do IRS e IRC, manda “aplicar os seguintes coeficientes de desvalorização da moeda aos bens e direitos alienados durante o ano de 1999”, vd. v.g., o art.º 15º da p.i.

Finalmente, o pedido “final” de indemnização tem por fundamento, e como visto já, os “prejuízos” alegadamente causados pelo Estado com a “tardia restituição dos valores depositados.”.

Surgindo assim o que relativamente a tal matéria da violação das leis financeiras, extraível é da p. i., como alegação inconsequente, por não se pretender, na economia de tal articulado, como causa de pedir de qualquer dos formulados pedidos.

Dela não cumprindo pois conhecer na sentença proferida sobre o mérito da causa.

*

Com improcedência do concluído pelo Recorrente nessa sede de nulidade de sentença.

*

II-2- Do reclamado montante de 134.000$00.

Considerou-se, na sentença recorrida, tratar-se, o acordo celebrado entre o A. e o Estado Português, e atenta a concluída natureza fungível da coisa entregue em depósito, de um contrato de depósito irregular, contemplado na conjugação dos art.ºs 1185º e 1205º, do Código Civil.

Não colocando o Recorrente em crise uma tal qualificação, que aliás acolhe expressamente nas suas alegações.

No sentido dessa qualificação se tendo pronunciado, relativamente a casos em tudo idênticos, o Supremo Tribunal de Justiça, nos seus Acórdãos de 25-11-92 e 21-05-98.[1]

Conquanto, na consideração de estar tal depósito sujeito também à disciplina do Regulamento Consular Português, aprovado pelo Decreto n.º 6462, de 21 de Março de 1920,[2] já aquele Supremo Tribunal haja entendido no seu Acórdão, de 13 de Maio de 2004 – proferido na revista n.º 1156/04-6, e reproduzido a folhas 413 a 419 – que melhor se tratará de contrato de depósito sui generis, [3] de natureza especial.

Sem deixar porém de alcançar a mesma solução que nos sobreditos anteriores Acórdãos.

E certo, em qualquer caso, que o regime do sobredito Regulamento nada dispõe contra o que da caracterização e regulamentação do depósito irregular releva no caso em apreço, sem prejuízo de desvios relativos, v. g., a aspectos como os da forma, cfr. art.ºs 1º, 2º, 624º

Assim sendo que se mostra salvaguardado o que, como refere Paula Ponce Camanho, constitui a tónica do depósito irregular, a saber, a circunstância de a entrega do objecto – coisa fungível – ser efectuada no interesse do tradens, de o interesse preponderante naquela relação jurídica ser “o interesse de segurança do depositante”.[4]

E, deste modo, na esteira do ensinamento de Cunha Gonçalves, segundo o qual “No depósito irregular é o depositante que vai entregar o dinheiro ao depositário, sem este o haver solicitado, nem dele carecer, sem prévia fixação do seu montante, só porque o considerou em melhor segurança nos cofres do mesmo depositário;”. [5]

Como tudo se alcança ser o caso, na consideração dos pontos n.ºs 24 a 27 da matéria de facto.

Pois que “O Réu Estado Português recebeu do Autor os montantes referidos nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes com o único e exclusivo fim de os conservar em depósito e à sua guarda no Consulado Geral de Portugal na Beira.”; “As entregas referidas nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes efectuaram-se em escudos moçambicanos e tiveram lugar na sequência do processo que se seguiu à proclamação da República Popular de Moçambique, com elevado risco de perda de haveres.”; “Os depósitos referidos nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes tiveram como única finalidade a de proteger o dinheiro que foi entregue ao Réu Estado Português pelo Autor.” E “O Réu Estado Português não utilizou os montantes referidos nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes para financiar actividades próprias.”.

Tendo sido pois o A. quem procurou o Consulado para que ali fosse guardado o seu dinheiro, sem que o Estado Português lho haja solicitado nem dele carecesse.

Nada apontando no sentido de o Consulado se haver obrigado a reter e restituir posteriormente as específicas unidades monetárias entregues pelo A./recorrente, antes sendo tal eventualidade afastada pela circunstância de nos termos do art.º 626º, § único, do citado Regulamento as quantias depositadas superiores a determinado montante deverem ser confiadas a um “banco de reconhecido crédito”, onde ficariam “depositadas, em conta corrente simples, também à ordem do consulado”.

Sendo que, está provado, “As quantias recebidas pelo Réu Estado Português nos termos referidos eram depositadas em contas abertas pelo Consulado, em Moçambique”, e “O Réu Estado Português depositou em conta própria e em bancos de Moçambique o dinheiro que recebeu do Autor, por imposição da lei consular”.

Como quer que seja, sempre estaria o R. obrigado à restituição do depositado, e para lá de se tratar, tanto nos quadros do depósito irregular como nos do tal depósito sui generis, de restituição apenas em género, qualidade e quantidade, que não já, como no depósito regular, de restituição in natura, e também sem prejuízo de eventualmente poderem as partes acordar na devolução em escudos portugueses.

Porém, e contra o que o Recorrente pretendeu nas suas alegações – postergando a factualidade apurada, que não impugnou, ao menos em termos processualmente relevantes – provado está que “Em 10/09/1976 e relativamente às quantias depositadas referidas nas alíneas A) e C) dos Factos Assentes, o Autor levantou o montante de 100.000$00” (facto 22), e “Ulteriormente a 21/04/1978, em data não concretamente apurada, e relativamente às quantias depositadas referidas nas alíneas A), C) e G) dos Factos Assentes, o Autor levantou o montante de 34.000$00 (facto 23).

Tendo-o feito, de resto, em escudos portugueses, como dos autos se colhe, com vantagem para o A., relativamente ao que resultaria da conversão legal da moeda corrente.

Nada havendo pois a restituir, nessa considerada parte.

E logo assim, sem necessidade de maiores considerações, resultando o improcedente do correspondentemente concluído pelo Recorrente.

II-3- Dos pretendidos juros sobre tal quantia desde a efectivação dos depósitos até à sua restituição integral.

Não estão em causa juros de mora, sendo certo, a propósito, que não se mostrando convencionado prazo para a restituição do respectivo montante – vd. n.º 30 da matéria de facto – também provado não está que o A., anteriormente aos levantamentos efectuados, haja interpelado, sem sucesso, o R. para cumprir.

Do que se trata é de juros remuneratórios, que o Recorrente reclama na consideração da presumida onerosidade dos “depósitos irregulares feitos”.

E, assim, com expressa invocação do disposto no art.º 1145º, n.º 1, ex vi do art.º 1206º, ambos do Código Civil.

Abandonando pois o inicial apelo à obrigação de restituição da coisa depositada, com os seus frutos, estabelecida no art.º 1187º, al. c), do Código Civil, para os depósitos regulares, como não é pois o caso. 

Logo importará assinalar que o legislador, no último dos citados preceitos, manda aplicar ao contrato de depósito irregular as normas relativas ao contrato de mútuo, “na medida do possível”.

Havendo pois, e como dá nota Paula Ponces Camanho,[6] “normas relativas ao mútuo que não se aplicam ao depósito irregular”.

Referindo Almeida e Costa[7] que “não se trata, evidentemente, de identificação de institutos, mas apenas de uma razoável extensão de regime”.

Ou, nas palavras de P. Lima e A. Varela,[8] “A equiparação do depósito irregular ao mútuo não é completa…algumas das disposições do mútuo são de todo inaplicáveis ao depósito irregular”.

E “As disposições dos artigos 1145º, 1146º e 1147º, que se referem ao mútuo oneroso são inaplicáveis. Os juros como remuneração do capital, são de per si suficientes, na generalidade dos casos, para atribuírem ao acto a natureza de empréstimo e afastarem a de depósito…É certo que poderá admitir-se, muito excepcionalmente, que as partes pretendam realizar um contrato de depósito em benefício do tradens, mas que, em atenção à possibilidade do uso por parte do accipiens, imponham a este, acessoriamente, uma obrigação de juros. Porém, neste caso, cuja possibilidade é mais teórica do que real, não tem razão de ser a presunção de onerosidade (art.º 1145º) nem se compreendem juros usurários (1146º), nem se pode presumir que os prazos sejam estabelecidos em favor de ambas as partes (art.º 1147º)”.[9]

Como igualmente refere Paula Camanho – que, note-se, afasta a qualificação do depósito bancário como contrato de depósito irregular, preferindo o entendimento de que aquele “reveste a natureza de um verdadeiro contrato de mútuo” – nos contratos de depósito irregular, “se houver lugar ao pagamento de qualquer quantia, esta é paga pelo depositante ao depositário, como correspectivo da obrigação de guarda”.

Pagamento esse que teve lugar, em cumprimento do sobredito Regulamento Consular, como o próprio A. assume e documenta a folhas 7, 8, 9, 13, 14 e 15.

Carecendo assim de fundamento o reclamado pagamento de juros, que não tendo sido acordado não está estabelecido supletivamente para a espécie.

Assinalando-se que nada alegou o Recorrente, oportunamente, quanto ao agora referido crédito de juros, por parte do Estado, “nesses depósitos irregulares”, vd. conclusão 7ª

Sendo que a discussão do aspecto jurídico da causa – sede em que o Recorrente veio invocar o pagamento de juros, pelo Consulado, “de início”, vd. folhas 325 – visa proporcionar aos advogados das partes o ensejo de “interpretar e aplicar a lei aos factos que tenham ficado assentes”, cfr. art.º 653º, n.º 5, parte final, do Código de Processo Civil.

Que não a ampliação ou modificação da causa de pedir, com alegação de novos factos, ou o suscitar de questões novas.

Tratando-se assim a matéria de tal crédito de juros, e incontornavelmente, de facto/questão nova, que não foi, nem tinha que ser, na circunstância, objecto da decisão impugnada.

Ora, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.[10]

São meios para obter o reexame de questões já eficazmente submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida – em termos processuais idóneos, ou como tal acolhidos – ao exame do tribunal de que se recorre.[11]

Deles se dizendo, por isso, que são recursos de revisão ou reponderação.

Não sendo, também assim, admissível, a invocação de factos ou questões novas, nas alegações de recurso,[12] sem prejuízo das hipóteses, de que nenhuma aqui se configura, de factos novos de conhecimento oficioso e funcional bem como dos factos notórios, vd. art.º 514º do Cód. Proc. Civil.

Sempre se dirá, conquanto assim apenas marginalmente, que uma tal circunstância, por si só, não implicaria o ter-se o Réu obrigado perante o A. ao pagamento daqueles juros relativamente ao período por que persistisse o depósito.

Melhor sendo de admitir, como também se concluiu no Acórdão desta Relação, de 2002-12-18, reproduzido a folhas 391 a 412, que um tal crédito inicial de juros resultaria da remuneração do sub-depósito bancário respeitante a verbas que sendo formalmente inscritas em nome do Consulado, pertenciam efectivamente ao A.[13]

Improcedendo pois as conclusões do Recorrente também quanto a este ponto.

II-4- Da pretendida correcção/actualização monetária.

1. Do que se considerou já supra, em sede de caracterização do contrato celebrado entre A. e R., e obrigações dele emergentes, logo resulta o improcedente da referida pretensão.

Não deixará contudo de se assinalar que o Recorrente fundamenta agora aquele pedido na circunstância de o Senhor Ministro da Justiça ter, por despacho de 12-12-1994, determinado o pagamento do contravalor em escudos dos depósitos efectuados dezoito anos antes.

O que não teria sido assim cumprido pela Administração.

Mas sendo que tal despacho, reproduzido a folhas 95 e v.º, e que corresponde a uma opção de natureza eminentemente política, não permite, como se considerou, aliás, no mesmo Acórdão desta Relação, de 2002-12-18, extrair outro resultado que não o traduzido na entrega de escudos portugueses numericamente equivalentes aos escudos moçambicanos que foram depositados.

Anote-se ainda que a actualização das prestações pecuniárias, espécie de que aqui se trata, é admitida entre nós apenas a título excepcional, no art.º 551º do Código Civil.

E, deste modo, atento o princípio nominalista expresso no art.º 550º, do mesmo Código, de acordo com o qual o pagamento daquelas obrigações deve fazer-se, em regra, atendendo ao valor nominal da moeda na data do cumprimento.

Como referem P. Lima e A. Varela,[14] citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-1979,[15] “O devedor desonera-se desde que entregue o número de moedas (com curso legal) necessárias para, atento o seu valor facial ou nominal, perfazer o montante ou quantia em dívida.”

E “As desvalorizações ou valorizações da moeda, nomeadamente as alterações do seu valor de troca ou aquisitivo, não interessam. Só interessa o valor nominal da moeda e o seu curso legal no País”.

Também, “Se houver modificação do sistema monetário, o princípio nominalista significará que o devedor há-de pagar em espécies monetárias do novo sistema, calculadas segundo a norma de equivalência que se tiver estabelecido na lei entre a nova e a antiga moeda.”.

Certo que, na ausência de estipulação relativa ao lugar de cumprimento da obrigação de restituição, sempre emergiria, in casu, a regra do art.º 1195º do Código Civil, sendo pois aquele o do Consulado Geral de Portugal na Beira. 

Mas o A., reitera-se, até acabou por receber do Estado Português não em escudos moçambicanos, nem em meticais – moeda que substituiu aquela – mas em escudos portugueses, nominalmente correspondentes aos escudos moçambicanos depositados, e como é notório, de valor superior, à data do pagamento, à das correspondentes unidades moçambicanas.

Tendo-se decidido no supracitado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 21-05-98, relativamente a outro caso de depósito de determinadas quantias em Consulado da Beira, que “II - Tratando-se de depósito irregular, o depositário só fica obrigado a restituir uma soma numérica equivalente à que recebeu e da mesma espécie monetária, sem levar em conta a desvalorização da moeda.”.

 

2. Ainda em sede de correcção monetária, e sem prejuízo do decidido supra quanto a nulidades de sentença, atento o reporte agora feito àquela matéria, nas conclusões de recurso, do considerado relativamente à suposta violação de não identificadas leis de direito financeiro – vd. conclusões 11ª a 13ª - não deixará de se citar o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-92:[16]

“III- O facto de, na altura do depósito, o escudo moçambicano ser cotado a par do escudo português em Moçambique, não podia significar que a restituição tinha que ser feita em escudos portugueses, porque aquela paridade só funcionava internamente em Moçambique, dado que o escudo moçambicano não era, então, convertível, o mesmo acontecendo com o metical, que o substituiu.

IV - Por outro lado, era impossível àquele Consulado cambiar o dinheiro moçambicano por dinheiro português, porque isso dependia unicamente da chamada "política monetária e cambial" do Governo da República Popular de Moçambique, no âmbito da soberania do respectivo Estado.

V - O problema dos escudos-ouro, do escudo moçambicano e da atinente responsabilidade do Estado Português é uma questão que extravasa do Direito Civil e do respectivo direito adjectivo.”.

*

Improcedendo deste modo, igualmente aqui, as conclusões do Recorrente.

II-5- Da indemnização por prejuízos ocasionados com a demora na restituição do dinheiro.

Desde que não houve retardamento ilícito da prestação, como visto já, sempre teria que naufragar aquela pretensão.

E sendo certo que o Recorrente reconduz uma tal indemnização aos quadros da responsabilidade civil extra-contratual, ponto é que também em qualquer caso se não vislumbra, no confronto da factualidade apurada, o acto ilícito, que, fora de âmbito contratual, assim teria sido praticado pelo R. Estado.

De qualquer modo, e por último, temos igualmente que a factualidade alegada pelo A./recorrente, tendencialmente integradora dos invocados “prejuízos”, e que carreada foi para os art.ºs 11º a 14º, resultou totalmente não provada.

Resultando nessa circunstância absolutamente espúria a referência pelo Recorrente, nas alegações de recurso, à “imobilidade do dinheiro e às dificuldades escusadamente sofridas”.

Com igual improcedência das conclusões respectivas.

II-6- Da enunciada violação dos art.ºs  3º, n.ºs 2 e 3, 14º, 20º, n.ºs 4 e 5, 62º, n.º 1 e 203º, da Constituição da República Portuguesa.

Não se vislumbra em que medida a decisão recorrida possa ter violado os princípios da soberania e da legalidade (art.º 3º n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa), e nem o Recorrente o substancia.

Também não se concedendo que relativamente a contencioso entre um cidadão nacional e o Estado Português, emergente de alegado incumprimento contratual de banda daquele último, se possa colocar a questão da violação do dever de protecção do Estado para o exercício dos direitos que não sejam incompatíveis com a sua ausência do País (art.º 14º).

 Por igual se não vendo como a sentença recorrida possa traduzir violação da regra do processo equitativo (art.º 20º, n.º 4) em qualquer das suas vertentes, quais sejam o princípio do contraditório, o princípio da igualdade das armas, o direito à comparência pessoal, a licitude da prova, o dever de fundamentação e o princípio da publicidade.[17]

Certo por outro lado que eventual preterição do “prazo razoável” para a decisão…apenas relevará, como decorre do cotejo com o art.º 22º da mesma Constituição da República Portuguesa, em sede de fundamento de acção a propor pelo particular lesado contra o Estado.

Nem o direito à propriedade privada (art.º 62º, n.º 1) surge beliscado pela aplicação do direito ao caso concreto operada na mesma sentença.

 Finalmente, não se antolha o efectivo alcance da referência ao art.º 203º da Constituição da República Portuguesa – correspondente ao primitivo art.º 208º, que passou a art.º 206º, na revisão de 1989, e, com a revisão de 1997, ao actual art.º 203º – e posto que nada vem sequer aludido pelo Recorrente no tocante à violação do princípio da independência dos tribunais.

Improcedente sendo pois também o concluído em sede de violação de preceitos constitucionais.

III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.

Lisboa, 2008-02-28

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Neto Neves)

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[1] Proc. 082051, e proc 98A165, respectivamente, in www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] In Diário do Governo, I série, n.º 57, de 21de Março de 1920. Tal diploma veio a ser revogado pelo art.º 2º do Decreto-Lei n.º 381/97, de 30 de Dezembro, cujo art.º 1º aprova o novo Regulamento Consular, “que faz parte integrante” do referido Decreto-Lei.

[3] Como aliás havia já decidido esta Relação, em Acórdão de 20-11-2003, Proc. 2600/2003-6.
[4] In “Do contrato de depósito bancário”, Almedina, 1998, págs. 183, 184.
[5] In “Tratado de Direito Civil”, VIII, pág.121. Também assim, Paula Camanho, in op. cit., pág. 189.
[6] In op. cit., pág. 179.
[7] In “Noções de Direito Civil”, Coimbra, 1991, pág.374.
[8] In “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., Coimbra Editora, 1997, págs. 861, 862. 
[9] Idem, pág. 862, sendo nosso o negrito.
[10] Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 395.
[11] Vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-02-1999, proc. n.º 98A1277 e de  11-04-2000, proc. n.º 99P312, in www.dgsi.pt/jstj.nsf; e desta Relação, de 08-02-2000, proc. n.º 0076737, e de 12-12-2002, proc. n.º 0054782, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[12] Assim, Teixeira de Sousa, op. cit. págs. 395 e 454; Armindo Ribeiro Mendes, in Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto, LEX, 1998, pág. 52; e João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil (Recursos), Ed. da AAFDL, 1972, págs. 23-24.
[13] Note-se, de resto, que “Os juros de depósitos” constituíam receita pública, nos termos do art.º 668º, 2º, do citado Regulamento.
[14] In Código Civil, Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1982, Coimbra Editora, pág. 528.
[15] Anotado por Vaz Serra, in RLJ, Ano 113º, 113 e seguintes.
[16] Proc. 082051, in www.dgsi.pt/jstj.nsf
[17] Cfr. Jorge Miranda – Rui Medeiros, in “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 192-200, e José Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, 1996, págs. 95-110.