Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1585/23.9T8TVD-R.L2-8
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (PRESIDENTE)
Descritores: CONFLITO DE DISTRIBUIÇÃO
DISTRIBUIÇÃO
PROCESSO CIVIL
RELATOR
BAIXA DOS AUTOS
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/08/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONFLITO DE DISTRIBUIÇÃO
Decisão: RESOLVIDO
Sumário: 1. O conhecimento dos autos - aquando da primitiva distribuição - não teve lugar, por o mencionado relator ter entendido que os autos não dispunham dos elementos necessários para o efeito, determinando a baixa dos autos com vista a que os autos fossem devidamente instruídos.
2. Considerando o disposto no artigo 652.º do CPC, ao relator incumbe deferir todos os termos do recurso até final.
3. Entre esses atos de deferimento – ou instrução – do recurso, contam-se os enumerados nas várias alíneas do n.º 1, como sejam a correção do efeito do recurso, a verificação de alguma circunstância que obste ao seu conhecimento, o julgamento sumário do objeto do recurso, a determinação das diligências consideradas necessárias, etc.
4. Carecendo, no âmbito do exercício desses poderes pelo relator, de ser praticado ato instrutório do apenso de recurso na 1.ª instância, a ulterior remessa desses autos ao Tribunal da Relação importará a atribuição dos autos ao coletivo de juízes já determinado com a operação distributiva, uma vez que, na referida situação, inexiste legal fundamento para que os autos sejam objeto de nova distribuição, não padecendo a primeira de erro ou de invalidade.
5. A circunstância de – na perspetiva do aludido relator – o recurso se encontrar indevidamente instruído, sem o despacho de admissão de um recurso interlocutório, ou, sem a composição das peças processuais referentes a outros recursos que, na sua perspetiva, deveriam instruir os mesmos autos de recurso em separado, não determina alteração da competência para a apreciação dos autos, inexistindo razão para que, por via da tramitação ulterior dessas questões, venha a ter lugar nova operação distributiva, que desafore, sem razão, a atribuição de competência definida com a primitiva distribuição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: *
I.
1) Em 20-12-2024, no apenso A (processo de promoção e proteção instaurado pelo Ministério Público em benefício das crianças AA, nascido em ...-...-2017 e BB, nascido em ...-...-2018) aos presentes autos foi emitido acórdão cujo teor do dispositivo é o seguinte:
“Decisão:
Pelo exposto, decide o Tribunal:
I- Aplicar às crianças, AA e BB, a medida de apoio junto de outro familiar, no caso, dos tios maternos, CC e DD, pelo prazo máximo de 1 ano com revisão obrigatória no final do prazo de 6 meses (artigos 35° n i alínea b), 60° e 62° da LPCJP).
II. Durante a execução da medida, os tios exercerão as responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância e da vida corrente dos menores, tendo os pais direito a ser informados de tais decisões, mas não necessitando as mesmas do seu acordo ou consentimento.
III. Sem prejuízo do referido em II) a mudança de residência das crianças para fora de um raio de 20 quilómetros da residência actual dos tios carece de autorização judicial.
IV. Os tios ficam obrigados a prestar às crianças os cuidados de que estas necessitam ao nível da alimentação, vestuário, higiene, educação e saúde, assegurando o seu desenvolvimento saudável e, nomeadamente, acautelando que os menores frequentam as consultas médicas para as quais sejam convocados, bem como frequentem a escola com assiduidade e pontualidade.
V. Para o efeito, os tios ficam, desde iá, autorizados pelo Tribunal a inscrever as crianças em escola da sua área de residência sem necessidade de qualquer consentimento dos pais, bem como a tratar de todos os assuntos referentes à educação, à saúde ou à obtenção de documentos dos menores. Para o efeito, a EMAT deverá auxiliar os tios na referida inscrição escolar.
VI. Os Tios assegurarão que as crianças frequentem acompanhamento psicológico, devendo a EMAT encaminhar os menores para as consultas de psicologia.
VII. Os progenitores obrigam-se a manter o acompanhamento psicológico que têm vindo a ter, o qual deverá ter como foco centrar ambos na colocação do superior interesse dos filhos à frente do conflito parental, bem como nas questões referidas nos relatórios periciais de avaliação psicológica de cada uni dos progenitores.
VIII. Os pais deverão ainda frequentar sessões de terapia familiar de forma a sanarem o conflito parental e aprenderem estratégias de comunicação que lhes permitam no futuro cuidar dos filhos sem os exporem a tal conflito. O terapeuta familiar deverá articular tal intervenção com o acompanhamento psicológico de ambos os pais.
IX. Os pais ficam proibidos de expor as crianças a conflitos entre si. bem como a incorrer em qualquer tipo de violência física, psicológica ou verbal, na presença ou na ausência dos filhos. Mais ficam obrigados a não denegrir a imagem um do outro junto das crianças durante os períodos de visita fixados nesta decisão, ficando o aumento do tempo de convívio das crianças com os mesmos e a futura substituição da medida aplicada por medida de apoio junto dos pais dependente da cessação das referidas estratégias de conflito por parte de ambos.
X. No primeiro mês de aplicação da medida, os pais conviverão com os filhos em sábados alternados entre as 10h00 e as 20h00, recolhendo as crianças em casa dos tios e entregando-os no mesmo local. Para o efeito, o primeiro sábado será passado com o pai, sendo o segundo sábado passado com a mãe e assim sucessivamente de forma alternada. No final do primeiro mês e, caso os tios, bem como o CAFAP, na defesa do superior interesse das crianças não veiam obstáculo nisso, os convívios passarão a incluir pernoita, sendo de sábado, pelas 10h00, e domingo pelas 18h00, cabendo ainda aos progenitores recolher as crianças na casa dos tios e entrega-las no mesmo local nos referidos horários. No final do prazo de 3 meses, o Tribunal reverá o regime de convívios, podendo estes ser aumentados ou diminuídos, consoante a evolução do comportamento dos progenitores. O CAFAP acompanhará a situação, verificando o bem-estar dos menores durante os períodos de convívios com os pais, bem como articulando com os tios.
XI. Sem prejuízo, no Natal (dia 24/12 ou 25/12), bem como nos aniversários das crianças e nos aniversários dos progenitores, os tios deverão permitir convívios das crianças com cada um dos pais por períodos não superiores a 3 horas em termos a acordar entre tais familiares, devendo o CAFAP em caso de conflito determinar qual o dia, horário e modo do convívio, cabendo aos pais recolher as crianças em casa dos tios e entrega-las no mesmo local no final da visita.
Os pais pagarão, no caso da mãe, prestação de alimentos no valor mensal de € 600.00 (€ 300,00 por cada criança) e, no caso do pai, de €300.00 (€ 150.00 por cada filho), a qual será liquidada até ao dia ... mês com início cm ... por transferência bancária para a couta que os tios indicarem nos autos no prazo de 5 dias. A prestação de alimentos será actualizada a partir de ..., segundo a taxa de inflação publicada pelo INE. As despesas de educação e saúde, quando pagas pelos tios, serão repartidas entre os progenitores em partes iguais, devendo os tios comunicar aos pais tais despesas por escrito no prazo de 10 dias após o seu pagamento, juntando recibo comprovativo c devendo os pais, cada qual, pagar metade da despesa no prazo de 10 dias a contar de tal comunicação.
XIII. A EMAT fiscalizará o cumprimento da medida aplicada, juntando relatório final até 15/5/2025.
Emita mandados de condução das crianças a casa dos tios, CC e DD, a executar com muita urgência pela EMAT com o auxilio da autoridade policial competente, podendo tais mandados ser executados na residência das crianças, na residência vizinha (do primo da progenitora), bem como na escola ou em qualquer outro local onde os menores se possam encontrar.
Comunique ao CAFAP, solicitando a intervenção prevista na decisão.
Comunique, desde já, ao inquérito criminal de violência doméstica.
Notifique.
Registe.”.
2) Em 09-01-2025, o progenitor EE apresentou em juízo alegações de recurso da decisão referida em 1), que constam do presente apenso R (autos de apelação em separado remetidos a este Tribunal da Relação em 05-05-2025), apresentando novos requerimentos, nesse sentido, em 31-01-2025 e 05-02-2025.
3) Em 13-01-2025, a progenitora FF apresentou em juízo alegações de recurso da decisão referida em 1), que constam do presente apenso R.
4) Em 30-03-2025 no referido apenso A foi proferido o seguinte despacho, pelo Juízo de Família e Menores de Torres Vedras:
“Como se promove.
(…) Uma vez que o recorrente tem legitimidade, está em tempo (art.s 631º e 638º, nº1, ambos do C.P.C.), e observou os requisitos formais previstos nos art.s 639º a 642º, do C.P.C., recebe-se o recurso interposto que é de Apelação e subirá imediatamente nos autos (art. 123º d LPCJP), com efeito devolutivo, juntamente com todos os recursos interlocutórios.
Juntas as alegações decorrido o prazo para o efeito, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Notifique (…)”.
5) Em 06-05-2025 os presentes autos foram objeto de distribuição, por sorteio, tendo sido distribuídos à 8.ª Secção, figurando o Sr. Juiz Desembargador Rui Manuel Pinheiro de Oliveira, como relator, a Sra. Juíza Desembargadora Carla Cristina Figueira Matos, como 1.ª adjunta, e a Sra. Juíza Desembargadora Fátima Viegas, como 2.ª adjunta.
6) Em 07-05-2025, o Sr. Juiz Desembargador Rui Manuel Pinheiro de Oliveira proferiu despacho onde se lê o seguinte:
“Respeita o presente apenso R ao recurso de apelação interposto em 13.01.2025, pela progenitora FF, do acórdão proferido em 20.12.2024 (no apenso A – Processo de Promoção e Protecção).
Do apenso constam, apenas, o requerimento de interposição do recurso e alegações da recorrente, bem as contra-alegações do progenitor recorrido e do Ministério Público, seguidos de um despacho proferido em 24.04.2024, com o seguinte teor: «Subam os autos ao V. Tribunal da Relação de Lisboa».
O apenso não se encontra instruído com as peças processuais pertinentes ao conhecimento do mérito do recurso, dele não constando sequer a decisão recorrida e o despacho de admissão do recurso (art. 646.º do CPC).
Por razões de celeridade e economia processuais, em face da natureza urgente do processo, procedemos à consulta electrónica do apenso A, mas dele não consta qualquer despacho de admissão (em separado) do recurso interposto em 13.01.2025.
Aliás, por requerimento de 16.04.2025, a progenitora/recorrente acusou a falta de admissão desse recurso, sem que, ainda assim, tenha sido proferido o despacho a que alude o art. 641.º do CPC.
Acresce que, analisado o apenso A., verificamos que o acórdão proferido em .20.12.2024 foi, também, objecto de recurso por parte do progenitor EE, interposto em 09.01.2025 (antes, portanto, do recurso interposto pela progenitora, que deu origem ao presente apenso R).
Posteriormente, em 05.02.2025, o progenitor EE interpôs, ainda, recurso do despacho proferido em 30.03.2025.
Ora, do mesmo apenso A consta um despacho proferido em 30.03.2025, com o seguinte teor:
«Uma vez que o recorrente tem legitimidade, está em tempo (art.s 631º e 638º, nº1, ambos do C.P.C.), e observou os requisitos formais previstos nos art.s 639º a 642º, do C.P.C., recebe-se o recurso interposto que é de Apelação e subirá imediatamente nos autos (art. 123º d LPCJP), com efeito devolutivo, juntamente com todos os recursos interlocutórios.
Juntas as alegações decorrido o prazo para o efeito, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa».
Quer pela menção “o recorrente”, quer pelo regime de subida fixado (nos próprios autos), pode concluir-se que este despacho de admissão de recurso respeita ao recurso interposto em 09.01.2025, pelo progenitor (caso contrário, teria sido formado outro apenso em separado para esse recurso, o que não sucedeu).
Havendo dois recursos interpostos da mesma decisão final - e ainda que se aceitasse que pudessem ser admitidos por despachos diversos - os mesmos terão, obviamente, que ser apreciados conjuntamente, pelo que não se vislumbram razões para que o recurso interposto pela progenitora em 13.01.2025 seja processado separadamente, por apenso.
Consigna-se, ainda, que constam do histórico do processo, como pendentes, os recursos de apelação em separado que constituem os apensos N e P, tendo-se apurado que:
- no apenso N foi proferida decisão nesta Relação de Lisboa, em 29.04.2025, que não admitiu o recurso interposto;
- no apenso P foi proferida decisão nesta Relação de Lisboa, em 23.04.2025, que rejeitou o recurso interposto.
Assim sendo, quer por não ter sido proferido despacho de admissão do recurso interposto em 13.01.2025, quer por o despacho de admissão do recurso proferido em 30.03.2025 ter ordenado a subida, nos próprios autos, do recurso interposto em 09.01.2025 “juntamente com todos os recursos interlocutórios”, determino, ao abrigo do disposto no art. 652.º, n.º 1 al. b), do CPC, a devolução dos autos à 1.ª instância, para os fins tidos por convenientes.
Notifique e dê baixa (…)”.
7) Regressando os autos à 1.ª instância, aí, pelo Juízo de Família e Menores de Torres Vedras foi proferido, em 30-05-2025, despacho determinando o arquivamento dos autos.
8) Em 13-06-2025, o Ministério Público apresentou em juízo requerimento do seguinte teor:
“A magistrada do Ministério Público junto deste tribunal, vem expor e requerer a V. Exa o seguinte:
O Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão proferida em 7.05.2025, decidiu: “ quer por não ter sido proferido despacho de admissão do recurso interposto em 13.01.2025, quer por o despacho de admissão do recurso proferido em 30.03.2025 ter ordenado a subida, nos próprios autos, do recurso interposto em 09.01.2025 “juntamente com todos os recursos interlocutórios”, determino, ao abrigo do disposto no art. 652.º, n.º 1 al. b), do CPC, a devolução dos autos à 1.ª instância, para os fins tidos por convenientes.”
Salvo melhor opinião, não se mostram reunidos os pressupostos para o arquivamento do presente apenso e visto em correição uma vez que o tribunal a quo ainda não se pronunciou sobre as questões elencadas pelo Tribunal superior.
Espera deferimento (…)”.
9) Com data de 17-06-2025, o Juízo de Família e Menores de Torres Vedras proferiu despacho onde se lê o seguinte:
“Altera-se o despacho de 30.03.25, determinando-se que o recurso suba por apenso e não nos próprios autos, de harmonia com o disposto no art.126º da LPCJP e 645º do CPC”.
10) Em 23-06-2025, os autos foram objeto de distribuição, por sorteio, ficando atribuídos à 6.ª Secção, sendo a Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate, como relatora, o Sr. Juiz Desembargador Jorge Almeida Esteves, como 1.º adjunto, e a Sra. Juíza Desembargadora Elsa Melo, como 2.ª adjunta.
11) Em 23-06-2025, a Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate proferiu o seguinte despacho:
“Os autos foram devolvidos à 1ª instância para aí ser cumprido o despacho proferido pelo Exmo Relator Desembargador Rui Manuel Pinheiro de Oliveira em 07/05/2025 que, após a sua análise, entendeu ser necessário que ali fosse regularizado o processado quanto aos recursos interpostos. Assim, tendo subido os autos novamente ao tribunal superior, deveriam ter sido distribuídos/atribuídos ao Exmo Relator.
Assim, remeta os autos à secção central.”.
12) Em 24-06-2025, os autos foram objeto de atribuição, na Secção Central, ao coletivo de juízes desembargadores referidos em 5).
13) Em 25-06-2025, o Sr. Juiz Desembargador Rui Manuel Pinheiro de Oliveira proferiu o seguinte despacho:
“Ressalvado o devido respeito, consideramos que inexistem razões para que os presentes autos sejam atribuídos ao signatário.
É o que tentaremos demonstrar, não obstante as dificuldades decorrentes da deficiente e confusa tramitação que o tribunal a quo, lamentavelmente, tem conferido ao processo principal (apenso A - processo de promoção e protecção) e seus apensos.
Vejamos.
Quando o apenso R foi, inicialmente (em 05.05.2025), remetido a esta Relação e distribuído ao signatário, respeitava, apenas, ao recurso interposto em 13.01.2025 pela progenitora BB do acórdão final proferido em 20.12.2024 no apenso A - vide a composição do Proc. n.º 1585/23.9T8TVD-R.L1 (distribuído ao signatário) consultável no CITIUS.
Por despacho de 07.05.2025, foi pelo signatário determinada a devolução dos autos à 1.ª instância, uma vez que não havia sido proferido despacho de admissão desse recurso interposto em 13.01.2025.
Na verdade, o tribunal a quo havia, apenas, proferido despacho (em 30.03.2025) de admissão do recurso interposto em 09.01.2025 pelo progenitor AA do mesmo acórdão, com subida nos próprios autos (apenso A) e “juntamente com todos os recursos interlocutórios” pelo mesmo interpostos, pelo que se afigurou ao signatário que, havendo dois recursos interpostos da mesma decisão final - e ainda que se aceitasse que pudessem ser admitidos por despachos diversos - os mesmos teriam, obviamente, que ser apreciados conjuntamente, pelo que não se vislumbravam razões para que o recurso interposto pela progenitora em 13.01.2025 fosse processado separadamente, por apenso, mas, ao invés, conjuntamente com o recurso do progenitor de 09.01.2025, nos próprios autos como determinado.
Os presentes autos (apenso R) foram devolvidos à 1.ª instância, que, num primeiro momento, ordenou o seu arquivamento (despacho de 30.05.2025), decisão que parecia ter subjacente que o recurso de 13.01.2025 (apenso R) subiria nos próprios autos conjuntamente com o recurso de 09.01.2025, pelo que o apenso R. deixaria de ter sentido.
Posteriormente, alertado pelo MP para o facto de não se encontrarem reunidos os pressupostos para esse arquivamento, o tribunal a quo proferiu, em 17.06.2025, o seguinte inusitado despacho: «Altera-se o despacho de 30.03.25, determinando-se que o recurso suba por apenso e não nos próprios autos, de harmonia com o disposto no art.126º da LPCJP e 645º do CPC».
Ora, o despacho de 30.03.2025, como se disse, respeita à admissão do recurso interposto em 09.01.2025 pelo progenitor AA, pelo que persiste a situação por nós anotada em 07.05.2025: não foi, até ao momento, proferido despacho de admissão do recurso de 13.01.2025, que havia dado origem ao apenso R.
Estranhamente, e sem que nada tenha sido consignado ou feito constar nos autos (quer neste apenso, quer no processo principal), após a prolação, na 1.ª instância, do despacho de 17.06.2025, a composição do apenso R foi alterada e dele passou a fazer parte, como primeiro acto, o recurso interposto pelo progenitor em 09.01.2025, seguido do recurso da progenitora de 13.01.2025 e de um recurso do progenitor de 05.02.2025 - veja-se a composição do Proc. n.º 1585/23.9T8TVD-R.L2, consultável no CITIUS.
E foi esse apenso assim composto, que foi remetido novamente a esta Relação em 23.06.2025 e sujeito a distribuição, como entendemos que tinha que ser.
Sucede que a Exm.ª Juíza Desembargadora Relatora Dr.ª Anabela Calafate, a quem o processo foi distribuído, considerou que «Os autos foram devolvidos à 1ª instância para aí ser cumprido o despacho proferido pelo Exmo Relator Desembargador Rui Manuel Pinheiro de Oliveira em 07/05/2025 que, após a sua análise, entendeu ser necessário que ali fosse regularizado o processado quanto aos recursos interpostos. Assim, tendo subido os autos novamente ao tribunal superior, deveriam ter sido distribuídos/atribuídos ao Exmo Relator. Assim, remeta os autos à secção central».
Salvo melhor opinião, não perfilhamos este entendimento.
É que, conforme decorre do exposto, não só o recurso inicialmente distribuído ao signatário neste apenso R. (o recurso de 13.01.2025) continua por admitir, como o apenso R. passou a integrar outros recursos (um anterior, de 09.01.2013, e outro posterior de 05.02.2025) que nunca foram distribuídos e que carecem de o ser, inexistindo qualquer razão para que se proceda à sua atribuição ao signatário e para que se considere ser o mesmo o competente para os decidir.
No despacho de 17.06.2025, o tribunal a quo ordenou a subida do recurso de 09.01.2025 em separado (sendo que o despacho de 30.03.2025, que o admitiu, havia determinado que, com ele, subissem os recursos interlocutórios) tendo sido iniciativa da secretaria integrá-lo no apenso R e remetê-lo a esta Relação.
E foi esse recurso (e o interlocutório de 05.02.2025) que foi distribuído à Exm.ª Juíza Desembargadora Relatora Dr.ª Anabela Calafate.
Repare-se que o tribunal a quo nem sequer ordenou a subida conjunta dos recursos, tendo o despacho de 17.06.2025 determinado, reitera-se, que o recurso interposto pelo progenitor em 09.01.2025 e admitido em 30.03.2025 subisse em separado.
E mesmo que se entendesse que os recursos de 09.01.2025 e 05.02.2025, agora remetidos a esta Relação neste apenso 1585/23.9T8TVD-R.L2, são dependentes do recurso de 13.01.2025 - o que não sucede - sempre teríamos que este não chegou a ser admitido na 1.ª instância, pelo que os demais recursos já admitidos, a serem remetidos a esta Relação, teriam que ser sujeitos a distribuição.
Ao Exm.º Relator a quem foram distribuídos, competirá decidir se o recurso da progenitora de 13.01.2025 deve ser ou não ser, também, decidido naqueles autos, se e quando for admitido.
Por todo o exposto, considera-se que os autos foram devidamente distribuídos e que não devem ser alvo de atribuição ao signatário.
Configura-se, assim, uma situação de conflito negativo, a decidir, superiormente, pelo Exm.º Presidente deste Tribunal da Relação de Lisboa, a quem deverão os presentes autos ser de imediato conclusos (…)”.
14) Em 06-07-2025, o Ministério Público pronunciou-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, por força do disposto no artigo 114.º do mesmo Código, da forma seguinte:
“O que está em causa nos presentes autos é saber se tendo sido interposto recurso por ambas as partes da decisão final proferida (no caso Acórdão) e não tendo sido proferido despacho na 1.ª instância (especificamente) a admitir o recurso interposto por uma das partes relativamente a essa decisão, tendo este inicialmente sido distribuído neste tribunal e por despacho do Juiz Desembargador relator devolvido o processo para a eventual prolação desse despacho. E posteriormente tendo os autos novamente sido remetidos e distribuídos a relatora que não o original, se o mesmo deve-se manter no mesmo relator e secção ou deverá ser atribuído à nova relatora.
De facto parece-nos que tem razão o Senhor Desembargador da (8.ª secção), uma vez se atentarmos na tramitação do processo (apenso A), Apenso R L1 e no atual Apenso R L2 o mesmo não é constituído pelas mesmas peças, neste último ao contrário do inicial foi junto pela 1.ª instância o recurso do progenitor pai, sendo que no inicial (L1) apenas constava o recurso da progenitora, a resposta do pai e do MP.
Sendo certo, que o recurso interposto pelo pai deu entrada em momento anterior ao da progenitora e já se mostra admitido, sendo que ambos o foram da decisão final proferida.
Mostrando-se omissa a lei relativamente à questão se o processo se deve manter nestes casos no mesmo Relator ou deve ir à distribuição para atribuir um novo relator entendemos que face ao exposto no despacho pelo Senhor Desembargador J8 que é competente para o recurso a Senhora Desembargadora do J6, conforme resultou da nova distribuição”.
*
II. Nos termos do disposto no artigo 203.º do CPC, o ato processual da “distribuição” – designado pelo legislador como “especial” – tem a seguinte finalidade: “É pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço judicial, se designa a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator.”.
De harmonia com o previsto no artigo 204.º do CPC, as operações de distribuição e registo previstas nos números 2 a 6, são realizadas por meios eletrónicos, as quais devem garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º (n.º 1).
A portaria a que se refere o referido normativo é – no que respeita aos tribunais judiciais -a portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto (retificada pela declaração de retificação n.º 44/2013, de 25 de outubro), alterada pelas portarias n.ºs. 170/2017, de 25 de maio (cfr. retificação n.º 16/2017, de 6 de junho), 267/2018, de 20 de setembro, 86/2023, de 27 de março e 360-A/2023, de 14 de novembro.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 204.º do CPC, a distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do tribunal de comarca e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária sempre que, quanto àqueles, a composição do tribunal o permita.
A distribuição obedece às seguintes regras (cfr. artigo 204.º, n.º 4, do CPC):
a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata;
b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;
c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.
A lei regula outros aspetos acessórios, prescrevendo, em particular, no n.º 6 do artigo 204.º do CPC (com a redação conferida pelo D.L. n.º 97/2019, de 26 de julho e pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto) que, “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma”.
Por seu turno, estabelece o n.º 1 do artigo 205.º do CPC que, “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final”.
A lei processual prevê disposições particulares sobre o ato de distribuição nos tribunais superiores, a que se referem, em particular, os artigos 213.º a 218.º do CPC, que, em suma, se podem resumir ao seguinte:
- A distribuição que contém as espécies referidas no artigo 214.º do CPC, é efetuada uma vez por dia, de forma eletrónica;
- A distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do respetivo tribunal e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária, podendo estar presentes, se assim o entenderem, os mandatários das partes;
- É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 204.º, n.ºs. 4 a 6 do CPC, com as seguintes especificidades:
a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;
b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo;
- Quando tiver havido erro na distribuição, o processo é distribuído novamente, aproveitando-se, porém, os vistos que já tiver; mas se o erro derivar da classificação do processo, é este carregado ao mesmo relator na espécie devida, descarregando-se daquela em que estava indevidamente;
- A distribuição é efetuada por meios eletrónicos, nos termos previstos nos artigos 204.º e 213.º do CPC; e
- Na distribuição atende-se à ordem de precedência dos juízes, como se houvesse uma só secção.
O Regulamento nº 269/2021, de 22 de março, do Conselho Superior da Magistratura, Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos (publicado no DR nº 56/2021, Série II, de 22-03-2022) veio estabelecer, por seu turno, os princípios, critérios, requisitos e procedimentos a que deve obedecer a determinação pelo Conselho Superior da Magistratura das medidas a que aludem os artigos 149.º, n.º 1, alíneas n) e o), 151.º, alínea c), e 152.º -C, n.º 1, alíneas g) e h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aplicáveis aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Primeira Instância, definindo diversas situações:
a) Distribuição: conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial;
b) Alteração da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, através do modo manual por certeza;
c) Redução da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, operada através da fixação de uma percentagem do número total de processos ou na limitação das espécies processuais a repartir, com os fundamentos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 152.º -C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo que em caso de limitação quantitativa, a diferença entre o número de processos correspondente à percentagem fixada e o número total de processos que deveria ser repartido pelo Magistrado, de acordo com os modos de distribuição que comportem sorteio, é repartido pelos demais Magistrados que integrem a unidade orgânica, efetuando o sistema informático, de forma automática, as compensações nos contadores da distribuição;
d) Suspensão da distribuição: interrupção, por tempo determinado, das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais;
e) Redistribuição: repetição do conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, a qual pode comportar ou não a exclusão de um ou mais Magistrados Judiciais da nova repartição e pressupõe, em qualquer caso, que os processos objeto da mesma já tinham sido distribuídos em momento anterior, pela forma indicada em a).
Estabelece o artigo 4.º do referido Regulamento os princípios gerais nesta matéria: “A alteração, suspensão, redução da distribuição ou a consequente redistribuição de processos, pressupõe a impossibilidade de substituição por outro juiz, devendo garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, assegurando a salvaguarda dos princípios do juiz natural, da legalidade, da proibição do desaforamento, da independência e da imparcialidade dos tribunais”, regulando-se, nos artigos seguintes do Regulamento, as diversas situações que podem determinar a alteração, redução ou suspensão de distribuição.
Sobre situações de “segunda distribuição” dispõe o artigo 217.º do CPC, nos seguintes termos:
“1 - Se no ato da distribuição constar que está impedido o juiz a quem o processo foi distribuído, é logo feita segunda distribuição na mesma escala; o mesmo se observa caso, mais tarde, o relator fique impedido ou deixe de pertencer ao tribunal.
2 - Se o impedimento for temporário e cessar antes do julgamento, dá-se baixa da segunda distribuição, voltando a ser relator do processo o primeiro designado e ficando o segundo para ser preenchido em primeira distribuição; se o impedimento se tornar definitivo, subsiste a segunda distribuição”.
Por seu turno, estabelece o artigo 218.º do CPC – com a epígrafe “Manutenção do relator, no caso de novo recurso” – que: “Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do artigo 682.º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator.
É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação. E a interpretação da lei há-de efetuar-se seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto (letra) da lei.
Referia Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, II Vol., p. 525) que: “(...) Nos tribunais superiores (Relações e Supremo Tribunal de Justiça) de constituição colectiva, é pela distribuição que se apura quais os juízes que hão-de intervir no julgamento do feito (...).
Lê-se no artigo 209.º que a distribuição aponta o juiz que há-de exercer as funções de relator; e dos artigos 226.º, 227.º e 700.º se conclui igualmente que a distribuição visa somente a determinar o desembargador ou o conselheiro a quem cabe exercer o papel de relator. Mas como os desembargadores e os conselheiros estão colocados no tribunal por certa ordem, previamente fixada, (...), e, por outro lado, os juízes chamados a intervir são os imediatos ao relator (arts. 707.º e 728.º), segue-se que, designado o relator, ficam necessariamente designados os outros julgadores. (...)”.
De facto, nos tribunais superiores, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, a distribuição bastava-se com a determinação aleatória do relator, pois, estando os juízes desembargadores ou conselheiros colocados no tribunal por certa ordem pré-fixada, em termos da sua antiguidade na categoria correspondente, assim se determinava a composição do tribunal coletivo (mostrando-se, por consequência, que não seria necessária qualquer previsão no sentido de abranger na previsão do artigo 218.º do CPC, então em vigor, a expressa referência aos juízes adjuntos que compunham, com o relator, o coletivo.
Sucede que, com a alteração conferida pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, as alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC passaram a prever que a distribuição “é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro” e que “deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo”.
A referida lei teve por base o projeto de Lei 553/XIV/2ª, que visou introduzir mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, procedendo à décima alteração ao Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho lendo-se na respetiva Exposição de motivos, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Determinam-se regras claras a que deve obedecer a distribuição: (i) os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal, ficando a listagem anexa à ata; (ii) se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem; (iii) as operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas nelas presentes, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.
Nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, exige-se que fique explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma.
(…)
As alterações ora introduzidas ao Código do Processo Civil aplicam-se à distribuição de processos não só nos tribunais de 1.ª instância, mas também nos tribunais superiores, concretamente nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, sendo que nestes últimos se introduzem as seguintes especificidades: (i) a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; (ii) deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo de juízes.
Estas especificidades justificam-se para eliminar as eventuais cumplicidades existentes entre os juízes que compõem o coletivo decisor do recurso e para favorecer a existência de uma efetiva equipa que aprecia e decide o objeto do recurso.
Como é sabido, no atual sistema, o relator a quem é distribuído o processo nos tribunais superiores é, por regra, acompanhado sempre dos mesmos juízes-adjuntos, o que gera climas de confiança excessivos e propícios a análises menos ponderadas por parte destes últimos, sendo exatamente isto que este projeto também pretende evitar.
É precisamente para evitar que situações dessas sucedam que se propõe que as distribuições nos tribunais superiores sejam feitas por relator e por juízes-adjuntos, procurando-se garantir que não sejam sempre os mesmos juízes a constituir a dupla decisora (no crime) ou o trio decisor (no cível) (…)”.
Sucede que, com a entrada em vigor da referida lei, para além de se ter deixado intocada a previsão do n.º 2 do artigo 652.º do CPC e do artigo 203.º do CPC, não se alterou o regime constante do artigo 218.º do mesmo Código.
Em face da conjugação das normas atualmente em vigor pode, assim, questionar-se, no caso de ocorrer a situação prevista no artigo 218.º do CPC – de se manter o relator, no caso de novo recurso e tenha, no primeiro, ocorrido decisão de anulação ou revogação com remessa do processo à 1.ª instância (caso em que o processo lhe deverá ser atribuído) – se deverá proceder-se, ou não, à distribuição do processo por novos adjuntos em conformidade com o previsto nas mencionadas alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC.
A interpretação normativa da previsão do artigo 218.º do CPC há-de efetuar-se não só no seu sentido literal, mas, compreender-se não só no contexto histórico – sendo que a sua previsão literal fazia sentido num regime em que os juízes adjuntos estavam pré-determinados, por força da consideração da respetiva ordenação – mas também, interpretando a referida norma atualística e sistematicamente, por forma a concluir que, em caso de se ter determinado primeiramente a anulação ou revogação com remessa do processo para julgamento e, ocorrendo este, venha a ter lugar novo recurso, não visou o legislador (salvo se ocorra motivo de impedimento de um dos juízes adjuntos), que se efetuasse nova distribuição, pela simples circunstância de que, o ato de distribuição inicialmente efetuado não padece de qualquer erro ou irregularidade, antes, tendo, legitima e propriamente à face da lei então em vigor, determinado o relator (e os juízes adjuntos) que deveriam julgar o recurso inicial e, que, caso a decisão fosse de anulação ou de revogação de decisão da 1.ª instância – e o processo houvesse de prosseguir termos – em caso de novo recurso, julgariam o novo recurso.
A constituição do coletivo com novos juízes adjuntos, na apontada situação, determinaria, na prática, uma situação de desaforamento ilegítimo (cfr. artigo 39.º da LOSJ) face à designação legal dos juízes determinada pela primeira operação distributiva efetuada (e com referência à determinação dos juízes adjuntos que a lei, à data, então, compelia a efetuar).
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III. Dispõe o artigo 218º do CPC que:
“Se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
Como anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., 2023, p. 249):
“Esta norma introduzida no CPC de 2013 rege estritamente sobre matéria recursória, constituindo expressão do princípio da plenitude da assistência do juiz (art. 605º). À mesma subjaz um intuito profiláctico de obviar à proliferação de decisões meramente formais nas instâncias superiores e prossegue também objectivos atinentes à eficácia dos mecanismos processuais, na medida em que a apreciação do novo recurso que venha a ser interposto incumbe ao mesmo relator”.
Pretende-se com o preceito, a continuidade do relator quando, em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada.
Conforme se lê na exposição de motivos da Proposta de lei n.º 113/XII, de 22-11-2012 (que deu origem ao Código de Processo Civil), a respeito do regime instituído pelo artigo 218.º do CPC:
“Procede-se ao reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz. No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso. Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
O critério que parece resultar da previsão normativa do artigo 218.º do CPC e na manutenção ou não do relator anterior assenta, pois, na circunstância de o objeto da reformulação da decisão primeiramente proferida – e do consequente recurso dela interposto – resultar encerrada, ou não, com o recurso decidido.
Assim, se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator.
Nos mesmos moldes se orientou a decisão singular proferida pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 13-02-2020 (Pº 308/16.3T8SLV.E2, rel. CANELAS BRÁS): “…quando se encerra o tema objecto do recurso, se não ordena tal reformulação (apenas que se confirma ou revoga o decidido) e o processo volta a subir em novo recurso: aí já não vai para o mesmo relator”.
Assim, se a decisão do tribunal superior põe definitivamente termo à questão em causa no recurso, qualquer outro recurso que no mesmo processo venha a ser interposto posteriormente fica sujeito a distribuição e não a atribuição ao primitivo relator.
Se, por exemplo, o tribunal de recurso decide sobre a não admissão de um meio prova, sobre a admissão de incidente de intervenção de terceiros, sobre a não suspensão da instância, sobre a competência absoluta do tribunal, ou condene em multa ou outra sanção processual, qualquer outro recurso que venha posteriormente a ser interposto fica sujeito a distribuição, uma vez que se hão-de considerar encerradas as questões objeto do recurso.
Porém, se a decisão do tribunal ad quem não põe termo definitivo à questão em discussão no recurso e implica uma nova decisão, como por exemplo, nos casos em que tribunal superior ordena a produção ou renovação de produção de meios de prova, manda corrigir deficiências de fundamentação de facto, manda aditar novos factos, ou determina o aperfeiçoamento de articulados, então, não pondo essas decisões termo definitivo à questão subjacente ao objeto do recurso, operará a regra da manutenção do relator estabelecida no artigo 218.º do CPC.
Vejamos a situação dos autos:
No caso em apreço, a Sra. Juíza Desembargadora Anabela Calafate remeteu os autos ao anterior coletivo, por considerar que a baixa dos autos ocorreu para regularização do processado quanto aos recursos interpostos, pelo que, subindo, novamente, os autos, os mesmos deveriam ser atribuídos a tal coletivo.
Ao invés, o Sr. Juiz Desembargador Rui Oliveira considera que os autos foram bem distribuídos na nova vinda ao Tribunal da Relação, por entender que o despacho de 30-03-2025 respeitou apenas à admissão do recurso do progenitor, estando por admitir o recurso inicialmente distribuído (o de 13-01-2025) e o apenso R passou a integrar outros recursos que nunca foram distribuídos e carecem de o ser, inexistindo razão para a atribuição dos autos.
Vejamos:
Parece-nos líquido que, o conhecimento dos autos - aquando da primitiva distribuição ao coletivo onde figura como relator o Sr. Juiz Desembargador Rui Oliveira- não teve lugar, por o mencionado relator ter entendido que os autos não dispunham dos elementos necessários para o efeito, determinando a baixa dos autos com vista a que os autos fossem devidamente instruídos.
Considerando o disposto no artigo 652.º do CPC, ao relator incumbe deferir todos os termos do recurso até final.
Entre esses atos de deferimento – ou instrução – do recurso, contam-se os enumerados nas várias alíneas do n.º 1, como sejam a correção do efeito do recurso, a verificação de alguma circunstância que obste ao seu conhecimento, o julgamento sumário do objeto do recurso, a determinação das diligências consideradas necessárias, etc.
Carecendo, no âmbito do exercício desses poderes pelo relator, de ser praticado ato instrutório do apenso de recurso na 1.ª instância, a ulterior remessa desses autos ao Tribunal da Relação importará a atribuição dos autos ao coletivo de juízes já determinado com a operação distributiva, uma vez que, na referida situação, inexiste legal fundamento para que os autos sejam objeto de nova distribuição, não padecendo a primeira de erro ou de invalidade.
Por outro lado, não existe motivo para considerar que os presentes autos apenas respeitam ao recurso interposto pela progenitora e, não, pelo progenitor, incumbindo tramitar e decidir os recursos objeto do presente apenso.
A circunstância de – na perspetiva do aludido relator – o recurso se encontrar indevidamente instruído, sem o despacho de admissão de um recurso interlocutório, ou, sem a composição das peças processuais referentes a outros recursos (que, na sua perspetiva, deveriam instruir os mesmos autos de recurso em separado), não poderá determinar alteração da competência para a apreciação dos autos, inexistindo razão para que, por via da tramitação ulterior dessas questões, venha a ter lugar nova operação distributiva, que desafore, sem razão, a atribuição de competência definida com a primitiva distribuição.
Não existindo motivo para a operação distributiva operada em 23-06-2025 – por inexistir erro ou invalidade na distribuição antes efetuada em 06-05-2025 - , deve dar-se baixa da correspondente distribuição.
O presente conflito de distribuição deverá, pois, ser resolvido em conformidade.
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IV. Nos termos expostos, decide-se o presente conflito de distribuição, no sentido de que é competente para a decisão a proferir nos presentes autos, o coletivo de juízes a quem os mesmos foram inicialmente distribuídos – o Sr. Juiz Desembargador Rui Manuel Pinheiro de Oliveira, como relator, a Sra. Juíza Desembargadora Carla Cristina Figueira Matos, como 1.ª adjunta, e a Sra. Juíza Desembargadora Fátima Viegas, como 2.ª adjunta.
Não existindo motivo para a operação distributiva operada em 23-06-2025, deve dar-se baixa da correspondente distribuição.
Sem custas.
Notifique, d.n. e, após trânsito, publique-se na base de dados de acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa (https://www.dgsi.pt), remetendo-se a mesma, por email, através do secretariado da Presidência, a todos os Srs. Juízes Desembargadores das Secções Cíveis, da Secção de Comércio, da Secção Social e da Secção da P.I.C.R.S.

Lisboa, 08-07-2025,
Carlos Castelo Branco.