Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17446/17.8T8LSB.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: REGIME DOS SISTEMAS DE PAGAMENTO
SERVIÇOS DE PAGAMENTO
RISCO
RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: No âmbito do Regime dos Sistemas de Pagamento, aprovado pelo Decreto-Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, recai sobre o prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1-Relatório:

A autora, S., Lda., intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a ré, Caixa Económica ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe, o valor de € 37.984,80€ acrescido de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, invocou que um terceiro terá remetido um e-mail à sua gestora de conta, funcionária da ré, ordenando uma transferência da quantia de € 12.800,00, transferência essa a que o legal representante da A. era alheio, não tendo a referida gestora de conta confirmado a autenticidade do pedido, nem do mail, tendo assim sido vítima de fraude, sendo a responsabilidade imputável ao R., cuja funcionária executou operações bancárias, sem autorização da A.
A R. apenas lhe devolveu, em 30.9.2015, a quantia de € 4.379,45, permanecendo em falta € 8605,35, acrescidos de juros de mora que ascendem a € 1163,89, num total de € 9769,24.
Alegou ainda que a conduta da ré lhe provocou danos, para além do montante supra mencionado, que quantificou em € 25.000,00.

A R. contestou, alegando que a transferência em causa foi efectuada conforme era prática comum no Balcão, pois havia um acordo assumido entre as partes para que fossem efectuadas as transferências solicitadas por mail, comprometendo-se o cliente a assinar presencialmente o pedido logo que lhe fosse possível, por conveniência deste.
Referiu ainda que na queixa crime apresentada pela A., a mesma declarou ter-lhe sido furtado um Ipad, num voo entre Lisboa e Ponta Delgada, o qual tinha a conta de e-mail activa.
A A. tinha liquidez para continuar a sua actividade e a transferência foi realizada com respeito pela metodologia anteriormente utilizada e acordada, sendo alheia à utilização por terceiros do e-mail da A. e nessa medida deve a acção ser julgada improcedente.
Realizou-se a audiência prévia, na qual a A. reduziu o pedido para € 37.799,80, a qual foi admitida ao abrigo do artº 295º, nº2 do CPC.

Foi proferido despacho saneador e despacho a que alude o artº 596º do CPC.
 
Prosseguiram os autos para julgamento, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:
«Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a presente acção, intentada por S., Lda. contra Caixa Económica ..., condeno esta última a pagar à A. a quantia de € 8605,35, acrescida de juros de mora, contados à taxa supletiva legal para juros civis, acrescida de 10%, desde 21.8.2015 até integral pagamento».

Inconformada recorreu a ré, concluindo as suas alegações:
1.O contrato verbal estabelecido entre autora e ré, não se enquadra no âmbito do DL 317/2009, de 30 de outubro.
2. Conforme decorre dos depoimentos destacados [A – 3.º segmento; B –1.º, 2.º, 3.º e 4.º segmentos; C – 1.º e 2.º segmentos e D – 1º e 3.º segmentos], incorrectamente apreciados e valorados pelo tribunal a quo.
3. Assim, entendemos que a autora apenas poderia demandar a ré com base na sua eventual responsabilidade contratual.
4. A qual, é inexistente.
5. Considerando-se haver algum grau de responsabilidade contratual por parte da ré, sempre haveria culpa da lesada, cabendo neste caso ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. (Art.º 570.º do C.C.)
6. Na hipótese de assim não se considerar (i.é., entendendo-se ser de aplicar o DL 317/2009), o que apenas por cuidado de patrocínio se concede,
1. Com as devidas adaptações do regime ao contrato verbal em causa e ao contrário do entendimento do tribunal a quo, julgamos estar solidamente demonstrado que o sócio gerente da autora, ao ignorar factualidade susceptível de comprometer gravemente a segurança do meio escolhido para emitir as suas ordens de transferência ao banco, não cumpriu, por negligência grave, as obrigações decorrentes do supra referido art.º 6 do DL 317/2009.
2.Conclusão essa que o tribunal a quo deveria ter retirado dos depoimentos destacados [A – 1.º, 2.º e 4.º segmentos e D – 2.º segmento], por si incorrectamente apreciados e valorados.
3. Deste modo, a decisão recorrida, viola, entre outros, os preceitos contidos nos artigos 570.º e 799.º do Código Civil e art.ºs 67.º, 68.º, 70.º, 71.º e 72.º do DL 317/2009.

Por seu turno, contra-alegou a autora:
1. A douta sentença recorrida não merece qualquer censura, porque a decisão sobre a matéria de fato está em perfeita consonância com a prova documental constante dos autos, bem como com a prova produzida em audiência.
2. E só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida é que se pode concluir ter a 1ª instância incorrido em erro na apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo tribunal superior.
3. E é pela fundamentação invocada para a decisão que, normalmente, se afere
a  correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas; este não se basta com a mera referência e indicação dos meios de prova, antes implica também a descrição da formação da convicção através da explicitação das razões justificativas da opção por um dos meios de prova e consequente preterição de outro(s).
4. O Réu, ora Recorrente, com o presente recurso, pretende pôr em causa uma
Decisão bem fundamentada e estruturada para a qual confluíram múltiplos fatores, de que se salientam: as percepções obtidas dos elementos documentais constantes do processo e submetidos a esclarecimento durante a audiência; a imediação e oralidade decisivas na formulação do juízo do julgador; os aspectos comportamentais dos depoentes apreendidos ou percepcionados pelo julgador e que contribuíram para a formação da sua convicção e as convicções inferidas ou extraídas das regras da experiencia comum.
5. Nas respostas dadas sobre a matéria de facto, por referência à factualidade
alegada quer tenha sido dada resposta de "provado" ou restritiva, quer de "não provado", baseou-se o tribunal recorrido na conjugação de toda a prova produzida, que analisou, fundamentando a sua decisão nos depoimentos das várias testemunhas ouvidas, que sumariou por referência ao que resultou do conjunto dos seus depoimentos, conjugando com a documentação junta aos autos e no processo principal de que este é apenso, que concretizou, explicando o seu raciocínio.
6. O Tribunal valorou ainda os depoimentos das testemunhas na parte em que
se mostraram espontâneos, isentos e coerentes, quer individualmente considerados, quer no confronto uns com os outros, de modo a merecerem credibilidade, tendo todos eles sido analisados criticamente à luz das regras da experiência comum.
7. É sabido que quem efectua o julgamento e contacta directamente com as testemunhas tem, necessariamente, uma percepção da prova muito mais completa do que aquilo que é trazido, mediante a gravação, aos juízes do tribunal de recurso.
8. Deste modo, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal de 1ª instância
na fixação da matéria de facto será relevante no tribunal ad quem apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, para que aquele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo mesmo recorrente. (Cfr. Ac da RC de 31/10/2000 (C.J. ano XXV, tomo IV, pág.27).
9. A douta sentença proferida nos presentes autos não padece dos vícios de apreciação de prova arguidos pelo Recorrente.
10. A decisão que recaiu sobre a matéria dada como provada e não provada foi
o resultado de uma apreciação e ponderação do conjunto da prova constante dos autos.
11. A Apelante não deu cumprimento ao disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do
artigo 640º do CPC na medida em que nas conclusões do recurso – as quais limitam o seu objecto – omitiu, por completo, a indicação dos concretos factos que considera incorrectamente julgados.
12. Pelo que ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do nº1 do artigo 640º do
CPC deve ser rejeitada a apreciação da decisão sobre a matéria de facto com todas as consequências legais.
13. Estabelece o art. 640º do CPC: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre
a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
14. Na verdade, consta da sentença os factos dados como provados [alíneas 1)
a 48)] e os dados como não provados [a a g], pelo que competia à apelante indicar, nas conclusões do recurso, quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que impugna, bem como a decisão, que no seu entender, deve ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada.
15. As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto”.
16. O Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
17. Vejam-se, entre outros, os seguintes arestos do Supremo Tribunal: Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe; II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.(…)
18. Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):(…)
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida
(art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
19. Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima (…) II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a
alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.; IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados.
20. No caso dos autos e na fundamentação que aduziu nas alegações, a recorrente não indicou os pontos da matéria de facto impugnados e a decisão pretendida.
21. Aos presentes autos aplica-se o Decreto-Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro,
que aprovou o Regime jurídico que regula o acesso à atividade das instituições de pagamento e a prestação de serviços de pagamento e resultou da transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, entrou em vigor em 1 de Novembro de 2009, tendo sido alterado pelo Dec. Lei n.º 2482/2012, de 07.11 e pelo Dec. Lei n.º 157/2014, de 24.10.
22. Nos presentes autos, existe uma especificidade fáctica que importa ter em
conta para apreciação da responsabilidade do réu, ora Apelante, pois, apesar de se ter apurado que existia um contrato de homebanking, não só para a A. efectuar consultas, mas também transacções, o certo é que não foi junto aos autos o respectivo clausulado, desconhecendo-se pois os canais de comunicação à distancia aí expressamente previstos e as normas procedimentais para a respectiva utilização, designadamente para efectuar transacções.
23. Em concreto, não se apurou se tal contrato previa a utilização do correio
electrónico como forma de comunicação à distância.
24. Em matéria de responsabilidade por operações de pagamento não autorizadas, importa atentar nas seguintes disposições deste diploma:
Artigo 71.º Responsabilidade do prestador do serviço de pagamento por operações de pagamento não autorizadas 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 69.º, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsá-lo imediatamente do montante da operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada; 2 - Sempre que o ordenante não seja imediatamente reembolsado pelo respectivo prestador de serviços de pagamento nos termos do número anterior, são devidos juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o utilizador de serviços de pagamento haja negado ter autorizado a operação de pagamento executada, até à data do reembolso efectivo, calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais, sem prejuízo do direito à indemnização suplementar a que haja lugar.
25. Decorre deste regime, que os riscos pela utilização normal do sistema correm por conta do prestador de serviços, isto é sobre o banco, o que não deixa de ser uma obrigação perfeitamente normal já que é o banco que vai retirar os maiores benefícios económicos do seu bom funcionamento.
26. O legislador onerou o Banco com o ónus da prova de que as operações de pagamento (nas quais se inserem as transferências bancárias) não foram afetadas por avarias técnicas ou por quaisquer outras deficiências, não bastando o registo da operação para, por si só, provar que a operação foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das obrigações decorrentes do artigo 67º no Dec. Lei n.º 317/2009 de 30/10.
27. E fê-lo pela simples razão de que o utilizador não podia ser colocado na necessidade de fazer prova sobre a operacionalidade e o funcionamento regular de um sistema informático complexo da entidade bancária e que não domina.
28. Pelo que se fez recair sobre o banco prestador do serviço o risco das falhas e
do deficiente funcionamento do sistema (como decorreria também do disposto no artigo 796º do Código Civil), impendendo ainda sobre este o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
29. Por outro lado, o utilizador do serviço de pagamento tem de dispor de um
conjunto de dispositivos de segurança (código de acesso, cartão matriz, etc.) que lhe permitem aceder a esse serviço.
30. Esses dispositivos de segurança personalizados têm uma função de autenticação – artigo 2º, al. t) do RSP – permitindo identificar o utilizador e verificar se este é efetivamente o cliente.
31. Exige-se, por isso, ao utilizador que tome todas as medidas razoáveis em
ordem a preservar a eficácia desses dispositivos de segurança personalizados. Esses dispositivos de segurança personalizados visam evitar que terceiros consigam aceder, fraudulentamente, através do sistema, à conta do cliente utilizador do serviço de homebanking, logrando apropriar-se de fundos aí existentes.
32. Ao Recorrente ora, apelante, competia elidir aquela presunção, afastando a
sua culpa ou demonstrando mesmo a culpa do cliente pela deficiente utilização daqueles meios expeditos, designadamente, alegando e provando que o cliente beneficiário violou o contrato, divulgando na internet dados pessoais, secretos e intransmissíveis relativos ao seu acesso, em benefício de hackers.
33. Das normas enunciadas decorre pois, como se entendeu na decisão recorrida, que a responsabilidade por operações de pagamento não autorizadas incumbe, ao prestador de serviços de pagamento, conforme regra estatuída no artigo 71.º, cabendo ao ordenante nas concretas situações previstas nos n.ºs 1 a 3 do artigo 72.º, designadamente em caso de negligência grave do ordenante.
34. A entidade bancária Ré não logrou fazer a prova de ter o Autor autorizado a
operação de pagamento relativa à transferência bancária e nem logrou fazer prova de que, através de uma sua conduta, tivesse permitido a um terceiro a utilização abusiva das suas credenciais de acesso, e menos ainda que tal lhe possa ser de algum modo imputável.
35. No caso em apreço, apesar de não estar em causa o sistema de homebanking do Réu, o certo é que resultou provado que o banco réu, a par de tal sistema, permitiu à A., sua cliente, movimentar a conta bancária, efectuando transferências com ordens escritas dadas por e-mail, disponibilizando-lhe assim outro meio de movimentação da conta bancária à distância.
36. Para se precaver, atento o regime de responsabilidade que sobre o mesmo
impende por força do regime legal supra mencionado, o R. poderia ter negado tal possibilidade à cliente, ora A., por questões de segurança, mas, em vez disso, certamente por razões de ordem comercial, aceitou efectuar transacções por correio electrónico, assumindo assim o risco de tal tipo de operação.
37. Consta da matéria dada como assente e não impugnada pela Apelante, que a Autora foi estranha à transferência ocorrida de € 12.800,80, não tendo sido aquela a dar a ordem de transferência da aludida importância.
38. No caso destes autos, não se evidencia qualquer incumprimento doloso gravemente negligente por parte da utilizadora, ora A., totalmente alheia ao acesso fraudulento de terceiro ao e-mail do seu legal representante, meio aceite por ambas as partes para efectuar transferências à distância.
39. Não existindo qualquer prova nesse sentido, o prestador do serviço, ora réu,
fica obrigado a reembolsar imediatamente o montante do pagamento não autorizado, repondo a conta debitada na situação em que se encontraria se a operação não autorizada não tivesse sido executada, e pagando juros moratórios acrescidos no caso de atraso no reembolso (artº 60º da Directiva e artº 71º do RSP).
40. Aliás, no caso dos autos, e atento o circunstancialismo fáctico apurado, ponderando ainda regras de experiência comum, decidiu muito bem o Tribunal a quo ao decidir que o Banco Réu deve ser responsabilizado, não só por força do regime legal supra aludido, mas também pela manifesta negligência dos funcionários que executaram e supervisionaram a ordem de transferência em causa, considerando: por um lado, que lhes era exigível um grau de competência técnica acrescido em relação ao homem médio.
41. Com efeito, as instituições de crédito, como é o caso do réu, estão legalmente vinculadas não só a adotar uma orgânica própria e os meios técnicos necessários à prestação de um serviço de qualidade e eficiente (competência técnica), como também a agir com diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso pelos interesses dos clientes. As normas de conduta enunciadas no RGICSF estabelecem verdadeiros deveres jurídicos, de fonte legal, sendo, por conseguinte, juridicamente vinculativas.
Elas concretizam e densificam as exigências éticas da ordem jurídica, intensificando, assim, o grau de diligência das instituições de crédito.
42. Com a atuação dos seus funcionários ora em causa, a ora Apelante pôs em crise, nomeadamente, os deveres a que está vinculado, de cuidado, de diligência, de segurança e de lealdade, não tendo adotado a diligência que uma pessoa média, colocada naquela situação e dispondo dos mesmos meios, adotaria.
43. Na verdade e por outro lado, resultaram provados indícios de fraude atendendo ao teor dos e-mails (e apesar dos e-mails serem provenientes do endereço correto), como sejam o valor elevado do montante a transferir (muito superior a qualquer das transferências anteriores da A.), o beneficiário da mesma que era novo e de nacionalidade diferente de todos os anteriores, a redacção dos e-mails em causa (pelo português utilizado de forma deficiente no que respeita a vocabulário e sintaxe, erros notórios e manifestamente distintos dos meros erros de ortografia por vezes existentes nos e-mails anteriores devido à rapidez de escrita).
44. Todos estes factores, conjugados com a circunstância de estarmos perante uma agência bancária pequena, cujos funcionários conheciam pessoalmente o legal representante da A. e o tipo de actividade desenvolvida pela mesma, conduzem à antecedente conclusão da falta de diligência da ré neste caso.
45. O tribunal a quo ao decidir pela responsabilidade da ré, ora Apelante, enquanto prestadora do serviço no reembolso da quantia objecto da transferência fraudulenta, acrescida de juros moratórios, nos termos já acima mencionados, ou seja, contados à taxa supletiva legal para juros civis, acrescida de 10%, desde 21.8.2015 até efectivo e integral reembolso, fê-lo no âmbito da apreciação da prova constante dos autos em consonância com um juízo de Equidade, Razoabilidade e de Justiça, pelo que deve ser mantida nos seus exactos termos.


Foram colhidos os vistos.


2- Cumpre apreciar e decidir:

As conclusões de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº2, 5º, 635º e 639º, todos do CPC.    

As questões a dirimir consistem em aquilatar:
- Sobre apreciação de matéria de facto.
- Da responsabilização da ré.
 
A matéria de facto delineada na 1ª.instância foi a seguinte:
1) A Autora é uma sociedade que se dedica à recuperação e reparação certificada de equipamentos.
2) A Autora é titular da conta bancária com o Nib 00... domiciliada junto da Ré.
3) A Autora tem como único sócio e gerente o senhor Eng. RC.
4) A conta da Autora era e é movimentada a débito e a crédito através do seu representante legal, id. em 3).
5) Dou por reproduzido o teor do documento n.º 3, junto à p.i., correspondente à 1ª página de um extracto da conta titulada pela A., referida em 2), extracto esse intitulado “consulta de movimentos” referentes ao mês de Agosto de 2015.
6) Em 21 de Agosto de 2015, quando o representante legal da Autora, o senhor Eng.º RC, acedeu à referida conta, verificou a existência de uma transferência da quantia de 12.800,00 €.
7) De imediato entrou em contacto com a R., na pessoa da Dra. AV, tendo esta lhe transmitido que tinha recebido um mail seu a pedir que efectuasse tal transferência.
8) O sócio gerente da Autora, afirmou e esclareceu que não tinha enviado mail nenhum para a referida funcionária a pedir que efectuasse qualquer transferência.
9) A referida funcionária, apresentou de seguida, ao legal representante da A. os mails abaixo aludidos.
10) No dia 18 de Agosto de 2015, a funcionária recebeu o e-mail com o seguinte teor:
“ Bom dia,
por favor que me envie um breve resumo da todos os conta de saldos hoje.
Melhores cumprimentos
RC”, e-mail esse cuja cópia foi junta como documento n.º 6 com a p.i.
11) Em resposta, a trabalhadora da R. enviou um e-mail de teor não apurado.
12) No dia 19 de Agosto, a funcionária da Autora, recebeu um novo mail com o seguinte teor:
 “ Bom dia
Estou no estrangeiro no momento, favor transferir 12.800,80€ para dados seguem abaixo para compra de alguns bens que eu comprei.
Debito conta: 29...
Banco Nome: ABN AMRO
BANCO ENDEREÇO: oostelie postbus 2885 1000 CW Amesterdam
NOME: P.R.T Amstellveen
ENDEREÇO: witte de withstraat 8-3 1057XV Amsterdam
IBAN: NL85ABNA05014...
BIC: ABNANL2A
Envie me o comprovativo sff”, e-mail esse cuja cópia foi junta como documento n.º 7 com a p.i.
13) No mesmo dia e, por volta das 12.35, a trabalhadora da R. recebeu um novo mail, com o seguinte teor:
“Boa tarde,
Nome do benificiário: Prt Amstelveen
Débito Conta: 29...
Solicito que me envie o comprovativo para o fazer chegar ao fornecedor”, e-mail esse cuja cópia foi junta como documento n.º 8 com a p.i.
14) A referida trabalhadora da R., AV, enviou a seguinte resposta:
“ Boa tarde
Este número de conta que está a dar é do plafom do cartão de crédito, não podemos fazer a transferência por débito do cartão, tem que ser por débito da conta à ordem.”, e-mail este cuja cópia foi junta como documento n.º 8 com a p.i.
15) Nessa sequência, a mesma trabalhadora recebeu o seguinte e-mail em 20.8.2015:
“Bom dia,
Estou no estrangeiro no momento, por favor faça a transferência da suficiente conta.
Envie me o comprovativo sff”, e-mail este cuja cópia foi junta como documento n.º 9 com a p.i.
16) Após o e-mail referido em 15), a funcionária da R. enviou o comprovativo da transferência no valor de 12.800,80 €.
17) A transferência em causa não foi solicitada, nem ordenada pela Autora através do seu representante legal.
18) Esta operação não foi autorizada pela Autora.
19) O representante legal da Autora não assinou qualquer documento de autorização de transferência, nem ordenou qualquer pedido de transferência e também não foi contactado telefonicamente pela R..
20) A A., através do seu legal representante, nunca tinha remetido um e-mail de conteúdo idêntico ao reproduzido em 10).
21) A funcionária da Autora conhecia o representante legal da Autora, o qual possui formação académica superior.
22) Dou por reproduzida a correspondência trocada entre as partes e junta como docs.11 e 12 com a p.i.
23) A R. solicitou ao legal representante da A. que assinasse o documento intitulado “Carta de indemnização” e junta aos autos como doc.13 com a p.i.
24) Por entender que a referida Carta de indemnização visava desonerar a R. de qualquer responsabilidade para com a Autora, o seu legal representante recusou-se a assinar a referida declaração, enviando em sua substituição a declaração junta como documento n.º 14 com a p.i.
25) Em 30/09/2015, a R. devolveu à Autora a quantia de 4.379,45€ através de transferência bancária para a sua conta.
26) À A. foi atribuído pela R., em 2011.07.05, o n.º de cliente 5...
27) Das suas relações comerciais, junto da ré, destacam-se as seguintes contas:
a. N.º 299..., conta-cartão com subproduto Business Trade, aberta em 2012.03.08, com o limite de crédito de 15.000,00 e como modalidade de pagamento “15% do saldo em dívida”;
b. N.º 299.1..., conta D.O., cujo contrato de depósito entre a CE... e o sócio-gerente, RC, foi celebrado em 2011.07.05.
c. N.º 299.3..., conta empréstimo com subproduto Crédito ao Investimento Prestações Constantes, contratado em 2014.12.05, pelo montante de € 15.000,00 e prazo de 60 meses.
d. N.º 299.37..., conta empréstimo com subproduto Conta Corrente Flexível, contratado em 2015.08.10, por € 25.000,00 e prazo de 6 meses.
28) Com a data de 2011.07.06, RC subscreveu o pedido de Adesão ao M24 Empresas para aquela conta D.O. (n.º 299...), definindo-se com “Autorizador” no perfil de utilizador da empresa, para acesso a todas as funcionalidades previstas para o serviço Multicanal, designadamente, consultas e realização de transacções.
29) O pedido de adesão ao M24 Empresas foi inserido no sistema transacional em 2011.07.05 e a emissão do respectivo cartão-matriz foi efectuada em 2011.07.06.
30) Dou por reproduzido o teor do e-mail datado de 2015.08.21, remetido por RC, e junto como doc.4 com a contestação.
31) Da conta D.O. n.º 299..., titulada pela A., entre 2014.11.01 e 2015.10.30, foram emitidas 38 ordens de pagamento sobre o estrangeiro (transferências internacionais), tendo apenas três sido realizadas via Net24 Empresas, pois as restantes trinta e cinco foram solicitadas por e-mail, através do endereço electrónico roberto.couto2005@gmail.com.
32) Os avisos de débito pertencentes a 29 ordens encontram-se assinados pelo identificado representante da empresa e das restantes 6, encontram-se assinados pelo mesmo cliente os respectivos certificados de operação impressos do sistema transacional da CEMG.
33) Em 5 (cinco) dos e-mails onde são solicitadas a realização de transferências
internacionais, o cliente expressamente indica estar ausente da ilha.
34) A transferência supra aludida tem a referência 299..., foi emitida em 2015.08.20, pelo montante de € 12.800,00, para o beneficiário “P.R.T. AMSTELVEEN”, com o IBAN NL85ABNA05014... e BIC/SWIFTABN... (ABN AMRO BANK).
35) Sobre a identificada transferência, o representante da autora, RC, intentou queixa-crime, em 2015.08.21, junto da Polícia de Segurança Pública – Comando Regional dos Açores – Divisão Policial de Ponta Delgada – Esquadra de Vila Franca do Campo, à qual foi atribuída o NPP 374..., dando-se aqui por reproduzido o “Auto de Denúncia” junto como doc.11 com a contestação.
36) No dia 2015.08.21, por iniciativa do próprio balcão, foi solicitado ao Departamento de Inspecção e Fraudes (DIF) da CE..., que diligenciasse pela recuperação da verba transferida, promovendo a intervenção do Departamento de Operações de Estrangeiro – Núcleo de Operações Estrangeiro (DSE).
37) Em 2015.08.24, o DSE informou o DIF que o Banco do beneficiário não pode devolver os fundos, uma vez que não tem autorização de débito da parte do beneficiário.
38) Em 2015.08.28, foi recepcionada uma mensagem Swift remetida pelo Banco do beneficiário – ABN AMRO – solicitando esclarecimentos sobre “que tipo de fraude se trata” e “se é possível terem acesso ao relatório da Polícia sobre esta fraude”.
39) Com data de 2015.09.15, o sócio-gerente da empresa, RC, subscreveu uma autorização para a CE... “…fornecer ao ABN AMRO cópia do auto de participação criminal por fraude bancária…”;
40) Dou por reproduzido o email de 2015.09.15, dirigido ao Balcão Vila Franca do Campo, pela DSE da R., e junto como doc. 14 com a contestação.
41) Por email datado de 2015.09.23, o balcão informa que “ (…) conforme mail recebido pelo cliente, este indica que não assina a carta indemnizatória. ”tendo encaminhado um email remetido pelo cliente, na mesma data.
42) No seguimento daquela informação, o DIF deu indicação ao DSE no sentido de se diligenciar pela devolução dos fundos junto do Banco Beneficiário, enviando uma “carta de indemnização”, com a assunção pela Caixa Económica ... de todas as responsabilidades decorrentes da solicitada devolução, não obstante não ter sido possível a obtenção de “carta indemnizatória” assinada pela cliente.
43) Em 2015.09.30, foi creditada na conta D.O. n.º 299.1... a quantia de € 4.379,45 respeitante à devolução parcial da ordem de pagamento reclamada, conforme consta em 25).
44) A autora tinha contratado (299.3...), em 2015.08.10, uma conta empréstimo com subproduto Conta Corrente Flexível, por € 25.000,00, por um prazo de 6 meses.
45) Desse crédito de € 25.000,00, e até 20 de Agosto de 2015, a A. apenas tinha utilizado € 1.500,00.
46) Tendo, ainda, à sua disponibilidade, em 2015.08.20, após a transferência de € 12.800,80, que deixou a sua conta (299.10.002429- 6) a negativo (8.501,07-), um crédito de € 14.998,93 (25.000 – 500 – 1000 – 8.500,91 = 14.999,09).
47) A transferência em causa foi materializada de acordo com metodologia anteriormente utilizada.
48) A transferência fraudulenta em causa deveu-se à utilização, por parte de terceiros, do endereço de correio electrónico do representante legal da autora, utilização essa provavelmente proporcionada devido ao anterior extravio de um “tablet IPAD NINI”, por parte da esposa daquele, onde a sua conta de correio electrónico estaria activa e disponível.
 
Não se provou que:
a) Qualquer ordem de transferência carecia previamente de ser autorizada de forma expressa com assinatura do seu legal representante.
b) A R. na pessoa da sua trabalhadora não respeitou este requisito referido em a).
c) Ao remeter todos os extractos bancários das contas da A., a R. expôs toda a situação bancária da Autora e permitiu que a sua conta fosse objecto de fraude bancária.
d) O valor transferido seria utilizado para pagamento imediato de compra de peças para revenda.
e) Sem o dinheiro em causa, a Autora viu-se impedida de efectuar o pagamento imediato de compras, perdendo a sua margem de ganho que lhe permitiria ganho superior a 25.000,00 €.
f) A Autora perdeu fornecedores e contratos de prestação de serviços.
g) Da atuação da R. resultaram prejuízos para a Autora de 25.000,00 €.


Vejamos:

Insurge-se a apelante quanto à sentença proferida, alegando que, como decorre dos depoimentos destacados, foram segmentos incorrectamente apreciados e valorados pelo tribunal a quo.
Ora, nos termos plasmados no nº. 1 do art. 640º do CPC., quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: para além dos concretos factos que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, devia ser proferida.
Como alude Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, a pág. 123, em anotação àquele art. 640º: «Encontra correspondência no art. 685º-B do anterior CPC., mas com algumas alterações. Desde logo, o reforço do ónus de alegação, devendo o recorrente, sob pena de rejeição, indicar a resposta que no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. Em segundo lugar, tornando inequívoco que, relativamente a provas gravadas, basta ao recorrente a indicação exacta das passagens da gravação, não sendo em caso algum obrigatória a sua transcrição».
E, ainda o mesmo autor, na obra indicada, a fls. 126 e 128 «Com o art. 640º do novo CPC. o legislador visou dois objectivos: sanar dúvidas que o anterior preceito suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação nas conclusões dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos».
Com efeito, as conclusões de recurso balizam as questões a dilucidar, ou seja, têm a função de delimitar o objecto do recurso, como resulta do disposto no nº3 do art. 639º do CPC.
As conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo (cfr. Código de Processo Civil Anotado, António Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, vol. I, pág. 767-768).
Porém, na situação em apreço, compulsadas as conclusões do recurso apresentado, constatamos que ali não se encontra vertida qual a razão ou razões concretas da discordância da apelante com o tribunal a quo, nem quais os concretos pontos da matéria de facto em causa, nem qual a redacção proposta.
O que foi vertido nas conclusões de recurso foi apenas o seguinte:
«2. Conforme decorre dos depoimentos destacados [A – 3.º segmento; B –1.º, 2.º, 3.º e 4.º segmentos; C – 1.º e 2.º segmentos e D – 1º e 3.º segmentos], incorrectamente apreciados e valorados pelo tribunal a quo».
As conclusões do recurso são completamente omissas quanto à matéria em causa e não faz qualquer remissão para o corpo das alegações.
Porém, ainda que tivesse feito remissão para aquelas, seria inócuo.
Como resulta do corpo das alegações, o que ali consta trata-se tão só, tal como é apelidado, de segmentos seleccionados dos depoimentos, ou seja, extractos de depoimentos prestados pelo legal representante da autora e pelas testemunhas, AV e CS, mas sem indicação do que se pretende com as mesmas, quais os factos em causa e a razão da discordância.     
Ora, a impugnação da matéria de facto não se pode reportar a uma mera discordância com o percepcionado pelo julgador, pois, nos termos do disposto no nº. 5 do art. 607º do CPC., o juiz aprecia livremente as provas, sendo que, não é a convicção em si que será atacável, mas a forma como foi efectuada a indagação dos factos.
O que a apelante deveria ter demonstrado era se a convicção alicerçada pelo tribunal a quo, tinha ou não suporte na prova produzida, o que não sucedeu.
Assim, não poderemos concluir que a apelante impugnou a factualidade, pois, das respectivas conclusões do recurso, não constam os requisitos legais para o efeito, nem qualquer remissão a este respeito para o corpo das alegações, o que aliás, como se mencionou supra, também não cumpria o desiderato legal.
E nem se diga, que poderia ter sido determinado que se corrigissem as conclusões, pois, no âmbito da factualidade a lei não o permite, conforme resulta do art. 639º do CPC. (o que tem vindo a ser reconhecido pelo STJ., nomeadamente, Ac. de 27-10-2016 e Ac. de 27-9-18, in http://www.djsi.).
Destarte, por incumprimento dos requisitos supra aludidos e impostos por força do disposto no art. 640º do CPC., não se admite a impugnação fáctica, decaindo nesta parte o recurso, com a consequente manutenção dos factos provados e não provados narrados na sentença.
Também discorda a apelante da sentença proferida, na medida em que entende não existir qualquer responsabilidade contratual sua, nem a situação se enquadrar no âmbito do Decreto-Lei nº. 317/2009, de 30 de Outubro.
Ora, resulta da factualidade apurada, nomeadamente que:
- A Autora é titular da conta bancária com o Nib 0036... domiciliada junto da Ré.
- A conta da Autora era e é movimentada a débito e a crédito através do seu representante legal.
- Das suas relações comerciais, junto da ré, destacam-se as seguintes contas:
a. N.º 299.03..., conta-cartão com subproduto Business Trade, aberta em 2012.03.08, com o limite de crédito de 15.000,00 e como modalidade de pagamento “15% do saldo em dívida”;
b. N.º 299.10..., conta D.O., cujo contrato de depósito entre a CE... e o sócio-gerente, RC, foi celebrado em 2011.07.05.
c. N.º 299.36..., conta empréstimo com subproduto Crédito ao Investimento Prestações Constantes, contratado em 2014.12.05, pelo montante de € 15.000,00 e prazo de 60 meses.
d. N.º 299.37..., conta empréstimo com subproduto Conta Corrente Flexível, contratado em 2015.08.10, por € 25.000,00 e prazo de 6 meses.
- Com a data de 2011.07.06, RC, subscreveu o pedido de Adesão ao M24 Empresas para aquela conta D.O. (n.º 299.10.002429-9), definindo-se com “Autorizador” no perfil de utilizador da empresa, para acesso a todas as funcionalidades previstas para o serviço Multicanal, designadamente, consultas e realização de transacções.
- O pedido de adesão ao M24 Empresas foi inserido no sistema transaccional em 2011.07.05 e a emissão do respectivo cartão-matriz foi efectuada em 2011.07.06.
- Da conta D.O. n.º 299.10..., titulada pela A., entre 2014.11.01 e 2015.10.30, foram emitidas 38 ordens de pagamento sobre o estrangeiro (transferências internacionais), tendo apenas três sido realizadas via Net24 Empresas, pois as restantes trinta e cinco foram solicitadas por e-mail, através do endereço electrónico r(...).c(...)@gmail.com.
- Os avisos de débito pertencentes a 29 ordens encontram-se assinados pelo identificado representante da empresa e das restantes 6, encontram-se assinados pelo mesmo cliente os respectivos certificados de operação impressos do sistema transaccional da CEMG.
Com efeito, entre a autora e a ré vigorava um contrato de conta bancária ou de abertura de conta e um contrato de homebanking, para consultas e realização de transacções.
Como escreveu José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, pág. 483, designa-se por contrato de conta bancária, também designado correntemente, contrato de abertura de conta, o contrato celebrado entre um banco e um cliente através do qual usualmente se constitui, disciplina e baliza a respectiva relação jurídica bancária.
Por seu turno, o contrato de homebanking, trata-se de um contrato mediante o qual o cliente adere a um serviço prestado pelo banco, que consiste na possibilidade de manter relações via internet, de forma a aceder a informações sobre produtos e serviços do banco, obter informações, realizar operações bancárias sobre contas de que seja titular, realizar pagamentos, em suma, toda uma panóplia de operações bancárias, on line.
Estas situações encontravam-se aquando dos factos ocorridos nos autos, contempladas pelo Decreto-Lei nº. 317/2009, de 30 de Outubro, resultante da transposição da Directiva nº. 2007/64/CE, de 13 de Novembro.
Tal regime jurídico, nos termos do seu art. 1º, regula o acesso à actividade das instituições de pagamento e a prestação de serviços de pagamento.
Definindo na al. m) do seu art. 2º, o conceito de contrato quadro, ou seja, um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento.
E dispondo por seu turno, a al. o) do mesmo nº 2 que, conta de pagamento será uma conta detida em nome de um ou mais utilizadores de serviços de pagamento, que seja utilizada para a execução de operações de pagamento.
Com efeito, será considerado contrato quadro, não só um contrato de abertura de conta, mas todos os que respeitem a serviços e operações de pagamento.
Ora, na situação em apreço, ao abrigo da relação contratual processada entre a autora e a ré, originada pelo negócio bancário nuclear, a respectiva abertura de conta, desenrolou-se toda uma actividade entre o cliente e a entidade bancária, à qual, não se poderá excluir a aplicabilidade do diploma supra identificado, em conjugação com as regras gerais da responsabilidade contratual.
Assim, contrariamente ao preconizado pela apelante, a sua responsabilidade não pode deixar de ser tratada à luz do Decreto-lei nº. 317/2009, em conjugação com os normativos atinentes também às normas da responsabilidade contratual.
Com efeito, conforme consta da factualidade assente, em 21 de Agosto de 2015, quando o representante legal da Autora acedeu à referida conta, verificou a existência de uma transferência da quantia de 12.800,00 €.
O sócio gerente da Autora, afirmou e esclareceu que não tinha enviado mail nenhum para a referida funcionária a pedir que efectuasse qualquer transferência.
A transferência em causa não foi solicitada, nem ordenada pela Autora através do seu representante legal.
Esta operação não foi autorizada pela Autora.
O representante legal da Autora não assinou qualquer documento de autorização de transferência, nem ordenou qualquer pedido de transferência e também não foi contactado telefonicamente pela R.
A este respeito, dispõe o art. 71.º do Decreto-Lei nº. 317/2009, atinente à responsabilidade do prestador do serviço de pagamento por operações de pagamento não autorizadas que:
1- Sem prejuízo do disposto no artigo 69.º, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsá-lo imediatamente do montante da operação de pagamento não
autorizada e, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.
Sendo que, nos termos do nº. 1 do seu art. 72º, no caso de operações de pagamento não autorizadas resultantes de perda, de roubo ou da apropriação abusiva de instrumento de pagamento, com quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados imputável ao ordenante, este suporta as perdas relativas a essas operações dentro do limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, até ao máximo de € 150.
2 - O ordenante suporta todas as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas, se aquelas forem devidas a actuação fraudulenta ou ao incumprimento deliberado de uma ou mais das obrigações previstas no artigo 67.º, caso em que não são aplicáveis os limites referidos no n.º 1.
Também, face ao preceituado na al. a) do nº. 1 do art. 68º, o prestador do serviço de pagamento tem a obrigação de assegurar que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento.
Nos termos do nº. 1 do seu art. 67º, o utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento tem a obrigação de o utilizar de acordo com as condições que regem a sua emissão e utilização.
Mas, nos termos do nº. 1 do art. 70º do diploma, caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi correctamente efectuada, incumbe ao respectivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.
Como se aludiu no Ac. do STJ. de 14-12-2016, in www.dgsi.pt. «Compreende-se este regime: por um lado, só o prestador do serviço de pagamentos, também fornecedor deste serviço, pode assegurar a operacionalidade do complexo sistema informático utilizado e a regularidade do seu funcionamento, garantindo também a confidencialidade dos dispositivos de segurança que permitem aceder ao instrumento de pagamento.
Daí que recaiam sobre o banco prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema, como decorreria também do disposto no art. 796º do Código Civil, impendendo ainda sobre este o ónus da prova de que a operação de pagamento não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência».
Efectivamente, é sobre o prestador dos serviços de pagamento que incumbe assegurar a qualidade e eficácia dos respectivos sistemas, preservando a segurança e a confiança por banda do utilizador titular das contas.
No caso vertente, como se escreveu na sentença proferida «… provou-se que a autora foi estranha à transferência ocorrida, não tendo sido aquela a dar a ordem de transferência da quantia de € 12.800,80.
E não se evidencia qualquer incumprimento doloso ou gravemente negligente por parte da utilizadora, ora A., totalmente alheia ao acesso fraudulento de terceiro ao e-mail do seu legal representante, meio aceite por ambas as partes para efectuar transferências à distância».
Desta feita, não se apurando qualquer culpa da lesada, para a produção ou agravamento dos danos, será sobre a ré e ora apelante que recai a responsabilidade, na qualidade de prestadora do serviço, de proceder ao reembolso do valor indevidamente transferido para um terceiro e ainda não ressarcido à legítima titular.
Destarte, não assiste razão à apelante, nenhuma censura merecendo a sentença proferida, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado.

Em síntese:
- No âmbito do Regime dos Sistemas de Pagamento, aprovado pelo Decreto-Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, recai sobre o prestador do serviço o risco das falhas e do deficiente funcionamento do sistema.

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.

Custas a cargo da apelante.

Lisboa,  
Rosário Gonçalves,
José Augusto Ramos e
Manuel Ribeiro Marques