Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5852/22.0T8LSB-A.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: PEÇA PROCESSUAL
ENVIO
RECUSA PELA SECRETARIA
NÃO RECLAMAÇÃO
CONSOLIDAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: MAIORIA*C/DECLARAÇÃO DE VOTO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1–Saber se a apresentação da contestação por correio eletrónico foi bem ou mal recusada pela secretaria não cabia ao tribunal recorrido apreciar, uma vez que não foi apresentada reclamação contra a recusa.

2–Relevante é que a recusa se tornou definitiva, não podendo, pois, valer como data da apresentação da contestação a data do envio do correio eletrónico.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


Na ação declarativa que AA move contra BB, esta interpôs recurso do despacho proferido a 12 de janeiro de 2023, pelo qual o tribunal recorrido não admitiu, por extemporânea, a contestação apresentada e, consequentemente, determinou o seu desentranhamento e devolução à respetiva apresentante, após trânsito.

Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja o despacho recorrido substituído por outro que aceite a apresentação da contestação, determinando o prosseguimento dos autos, tendo formulado as seguintes conclusões:
1Por douto despacho ora recorrido, não foi aceite a contestação e, assim determinado o seu desentranhamento porquanto o signatário ter enviado aquela via e-mail não certificado.
2No entanto, e salvo o devido respeito, o signatário ao apresentar a contestação por esta via fê-lo apenas porque estava à espera do certificado digital e respectiva instalação; justificou essa mesma situação, não tendo apresentado logo prova porquanto essa prova – por ser até uma proposição negativa – não poderia ser feita por qualquer meio.
3Posteriormente, e quando lhe foi finalmente enviado o certificado digital pela Multicert e assim, instalado, logo o signatário enviou ao tribunal prova documental com a instalação do certificado.
4a)-O mandatário da ré enviou, no dia 10 de Maio de 2022, por e-mail pessoal sem assinatura certificada digitalmente a contestação (…@gmail.com), é certo;
b)-Na contestação constavam a identificação da acção, as razões de facto e de direito, rol de testemunhas e comprovativo do pagamento da taxa de justiça e multa devida.
c)-No dia 11 de Maio de 2022, o mandatário da ré enviou por correio postal os originais;
d)- No dia 11 de Maio de 2022, o mandatário da ré recebeu no mesmo e-mail (…@gmail.com) a «(..) recusa do recebimento do presente e-mail» por parte da secretaria.
5O signatário, tendo em consideração a obrigatoriedade legal de apresentar os originais, enviou os mesmo por correio no dia seguinte.
6O signatário seguiu todos os formalismos legais perante a impossibilidade de entregar a contestação via cítius, bem como a jurisprudência fixada para estes casos, assim, «II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada, mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia.

III.A falta de entrega dos originais do referido prazo constituiu omissão de uma formalidade, a qual, não poderá, só por si, impossibilitar o aproveitamento do ato praticado, pois tal preclusão, a mais de desproporcionada, contrariaria o princípio do processo equitativo.» Aliás, este Ac. segue o mesmo entendimento do Tribunal Constitucional, por referência ao artigo 20.º da CRP, que tem vindo a considerar inconstitucional a «interpretação extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, ser julgada inconstitucional por ferir, de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na modalidade de direito a um processo equitativo».

A A. respondeu à alegação da recorrente, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1.A Recorrente não indica de forma clara e concreta os fundamentos por que pede a alteração da decisão recorrida, violando, pois, o disposto nos artigos 637.º, n.º 2, do CPC;
2.A Recorrente afirma que terá seguido todos os formalismos legais para a entrega da Contestação e fundamenta as suas conclusões numa parte do sumário do Acórdão do TRE de 05-04-2022, resultando do mesmo, porém, que tal entendimento é aplicável nos casos de rejeição de requerimento no âmbito do Processo Penal, o que não sucede na situação sub judice;
3.Não se verifica que a Recorrente indicou de forma clara e objetiva a norma jurídica que entende ter sido violada, nem apontou o sentido com que a norma que constituiu fundamento da decisão recorrida devia ter sido interpretada ou aplicada, tão pouco invocou norma jurídica válida a incidir no caso, violando, assim, o disposto no artigo 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC;
4.O Tribunal recorrido entendeu acertadamente como não provado e não configurado o justo impedimento alegado pela Recorrente;
5.A Recorrente não especifica quais são os concretos meios probatórios dos autos que determinavam decisão diversa da recorrida, em desconformidade com o estatuído no n.º 1 do artigo 640 do CPC;
6.O recurso da Recorrente não dispõe dos requisitos legais de admissibilidade, devendo ser rejeitado de pleno Direito;
7.A Recorrente foi citada no dia 22/03/2022, e no dia 10/05/2022 enviou a respetiva Contestação com o comprovativo de pagamento das custas e da multa, através de correio eletrónico proveniente de um endereço eletrónico não constante da base de dados da Ordem dos Advogados - “…@gmail.com”, para o correio eletrónico lisboa.localcivel@tribunais.org.pt, mas que, depois de ter sido rececionada, foi recusada pela Secretaria Judicial, não tendo a Recorrente disso reclamado;
8.A decisão recorrida é acertada quando considera não provado o justo impedimento invocado pela Recorrente, sobretudo porque no momento da remessa eletrónica do articulado a Recorrente não logrou cumprir o disposto no artigo 140.º do CPC;
9.Verifica-se que a Contestação apresentada pela Recorrente através de envio do email datado de 10/05/2022 está em desconformidade com o disposto na Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto e no artigo 144.º do CPC;
10.O ato processual praticado pela Recorrente é nulo, porque contrário à lei;
11.Ao contrário do que invoca a Recorrente, não se aplica ao presente caso o disposto no artigo 590.º, n.º 3 do CPC, porquanto tal ilegalidade não é suscetível de suprimento ou de correção;
12.Resulta do teor do Acórdão do TRE de 2019, citado pela Recorrente, que, naquele caso concreto, a remessa da contestação foi proveniente de email registado na base de dados da Ordem dos Advogados, como sendo de mandatário, ao contrário do email de envio utilizado no caso concreto pela Recorrente;
13.A sentença recorrida atribuiu às normas jurídicas que fundamentaram a decisão o sentido e alcance que deveriam ter face ao caso concreto;
14.Desde a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que alterou disposições da lei processual civil, que se tornou obrigatória a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados, pelo que, conforme dispõe o artigo 6.º do Código Civil “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”;
15.A decisão recorrida aplicou corretamente o disposto na alínea b) do artigo 7.º do artigo 144.º do CPC, aplicável ex vi do disposto no n.º 8 do mesmo preceito legal, porquanto, ainda que tivesse sido admitida a remessa da peça processual por correio eletrónico, vale como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
16.Uma vez que o registo postal da contestação original foi concretizado em 11 de maio de 2022, isto é, para além do prazo, tendo já em consideração o 3.º dia de multa previsto no artigo 139.º do CPC, assiste razão à decisão recorrida, quando declara extemporânea a contestação apresentada pela Recorrente.»
A 11 de maio de 2023, foi proferida decisão sumária, pela qual foi julgada procedente a apelação e, consequentemente, foi revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que aceita a apresentação da contestação e ordena o prosseguimento dos autos.

A recorrida reclamou para a conferência, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1.Não pode ser objeto de Decisão Singular um recurso que não convoca simplicidade da matéria que é seu objeto, nem versa sobre abundante jurisprudência, inclusive do Tribunal Constitucional;
2.A decisão sumária reclamada é omissa, pois que, ao mesmo tempo que recusa a aplicação das normas previstas nos artigos 5.º e 6.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, na versão atualizada com referência à Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro, bem como na alínea b) do n.º 7.º do artigo 144.º do CPC aplicável ex vi n.º 8, com base no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, não invoca, concretamente, a inconstitucionalidade das referidas normas no presente caso;
3.A decisão reclamada é omissa quando, na prática, recusa a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, porquanto não suscita, concretamente, a questão de inconstitucionalidade normativa, para efeito de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas, consoante o disposto nas alíneas a), b), g) e h) do nº 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional;
4.É nula a Decisão Singular reclamada, por omissão insanável nos seus fundamentos, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC;
5.A matéria em apreço no recurso, objeto de decisão sumária, não foi jurisdicionalmente apreciada, pelo menos, com base nos precedentes acórdãos indicados na decisão sumária;
6.No âmbito do Acórdão do Tribunal Constitucional, de 11/03/2020, proferido no Processo n.º 174/2020, a constitucionalidade da norma extraída da interpretação dos artigos 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27/12, e a Portaria n.º 642/2004, de 16/06, e a Portaria n.º 114/2008, de 06/02, e o artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26/06, o artigo 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, a Portaria n.º 280/2013, de 26/08, e ainda os artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e o artigo 195.º do CPC, foi apreciada e delimitada aos casos de rejeição de peça processual apresentada pelo arguido, por correio eletrónico, no âmbito do Processo Penal, o que não sucede na situação sub judice, contextualizando a situação jurídica ao tempo em que foi proferido, sobretudo analisando a evolução normativa da tramitação eletrónica de processos, tendo em conta a omissão normativa da matéria no Código de Processo Penal, conforme, aliás, elucidou nos pontos 8 e 13;
7.Não há correlação do Acórdão do TRE, de 05/04/2022, proferido nos autos de Processo 757/20.2GDLLE.E1, com a matéria ora em causa, que também se reporta ao envio de peças processuais eletrónicas em sede de processo penal, e na parte que dispõe sobre o direito a um processo equitativo e a garantia de haver um convite ao aperfeiçoamento das deficiências dos atos praticados em juízo, defendendo que tal entendimento somente se emprega nos casos em que a deficiência formal não decorra de erro manifestamente indesculpável;
8.A decisão reclamada não se pronunciou sobre o facto de a contestação ter sido enviada ao Tribunal de um correio eletrónico não constante da base de dados da Ordem dos Advogados, desacompanhada de procuração com poderes forenses e sem assinatura do subscritor, seja manual ou eletrónica;
9.A apresentação em juízo de peça processual através de procedimento contrário à Lei, cumulada com outros erros cometidos pelo Il. Mandatário da Recorrente, põe em causa a fidedignidade do referido documento, e, se, de facto, a contestação terá sido elaborada e apresentada por um advogado;
10.Ao reconhecer a apresentação da peça processual através da forma com que foi entregue, a Decisão Singular reclamada consolida precedente jurisprudencial que implicará a desresponsabilização do profissional que incumpre seus deveres perante o seu mandante, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato;
11.A Decisão singular reclamada é ainda contraditória, quando atribui à Recorrente o direito ao processo equitativo e ajustado à garantia da tutela jurisdicional efetiva, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, mas não pondera adequadamente a proporcionalidade entre o grau de restrição dos princípios em causa e restringe sobremaneira o princípio da confiança, da segurança jurídica e do devido processo legal;
12.Também o Acórdão do STJ, de 05/03/2015, não configura precedente jurisprudencial aplicável ao presente caso, porquanto, ao tempo dos autos, tal decisão firmou entendimento com base no artigo 150.º, n.º 1 do CPC, quando a transmissão das peças processuais para o Tribunal ainda não era um formalismo obrigatório;
13.A Decisão Singular reclamada constitui uma verdadeira decisão-surpresa, que ao julgar sumariamente a matéria, violou os princípios do devido processo legal, da confiança e da segurança jurídica, impedindo, assim, que a matéria pudesse ser decidida de forma colegiada, verificando-se, em consequência, que as questões discutidas em sede do presente recurso admitem e devem ser apreciadas e julgadas em Conferência.»
Notificada da apresentação da reclamação, a recorrente nada disse.
Uma vez que a decisão sumária é substituída pelo presente acórdão, a questão a decidir é apenas a seguinte:
- da extemporaneidade da contestação.
*

Resulta dos autos o seguinte:
1A 22 de março de 2023, CC assinou o aviso de receção respeitante à carta registada enviada para citação da R.
2O ilustre mandatário da R. remeteu a contestação pelo correio, com registo postal de 11 de maio de 2022, 16:01:04.
3A 8 de julho de 2022, o escrivão de direito da unidade central prestou a seguinte informação:
“No dia 10 de maio de 2022, pelas 17:48 horas foi rececionado uma mensagem via correio eletrónico, a qual foi remetida pelo ilustre mandatário da ré BB de um endereço não profissional …@gmail.com .
Nessa comunicação, o ilustre mandatário solicitou a junção de contestação alegando, sem qualquer comprovativo, a falta de certificado digital (confrontar o primeiro documento que se anexa à presente informação).
No dia 11 de maio de 2022, pelas 10:43 horas, foi a comunicação recusada pela secretaria, recusa essa que é prática comum baseada na portaria 280/2013 de 26 de agosto, conjugada com o disposto no nº 8 do Art.º 144º do CPC (confrontar o segundo documento que se anexa à presente informação).
Mais se esclarece que não foi apresentada qualquer reclamação, por parte do ilustre mandatário, da recusa efetuada pela secretaria.”
4O primeiro documento anexo à informação referida no ponto 3 é o mail enviado pelo ilustre mandatário da R., no dia 10 de maio de 2022, pelas 17:48, no qual se pode ler:
“Tenho a honra de enviar a V. Ex. a contestação e comprovativo do pagamento das custas e multa, no âmbito do processo supra identificado.
O presente requerimento segue por este meio porquanto o computador no qual o signatário se encontra a trabalhar é novo, estando a aguardar a exportação do certificado digital por parte do técnico informático; tendo em conta a urgência da presente contestação, não poderia o signatário mais aguardar pela instalação do certificado digital, tendo inclusivamente de pagar multa.”
5O segundo documento anexo à informação referida no ponto 3 é o mail enviado pelo oficial de justiça ao ilustre mandatário da R., no dia 11 de maio de 2022, pelas 10:43, no qual se pode ler:
“- Recusa de recepção de ficheiro(s) transmitido(s) por correio electrónico -
Nos termos da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, com as posteriores actualizações, a presente comunicação, sendo subscrita por Advogado, deverá ser efectuada via Citius.
No entanto, de acordo com o n.º 8 do art.º 144.º do Código de Processo Civil, havendo justo impedimento para a prática de actos processuais por transmissão electrónica de dados, aqueles podem ser praticados nos termos do disposto no n.º 7 daquele preceito, isto é, podem ser praticados através dos seguintes meios:
a)-Entrega em mão
b)- Correio postal registado
C)Telecópia/Fax
Assim, e de acordo com a legislação em vigor, recusa-se o recebimento do presente e-mail.»
*

Da fundamentação do despacho recorrido consta o seguinte:
«a situação alegada (“o computador no qual o signatário se encontra a trabalhar é novo, estando a aguardar a exportação do certificado digital por parte do técnico informático”), que na sua génese (computador novo) radica em facto que não se mostra estranho à vontade do Exmo. mandatário da Ré e que, nessa medida, ainda lhe é imputável, não configura justo impedimento.
Em adição, caso se entendesse de forma distinta (o que não é o caso), não bastaria ao Exmo. mandatário alegar as circunstâncias que teriam motivado o “justo impedimento”, impunha-se ainda que apresentasse logo os meios de prova.
O que também não fez.
Acresce que a verificar-se justo impedimento (e no caso assim não se autoriza concluir), a contestação teria que ter sido enviada, no prazo previsto para o efeito, por uma de três formas: i) entrega (em mão) na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega, ii) remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal, ou iii) envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.

O que não foi observado.
Por tal razão, desde logo por não se tratar de forma admissível à luz do referido quadro legal, a correspondência electrónica datada de 10 de Maio de 2022 e respectivos anexos (ficheiros), enviada pelo Exmo. Sr. Dr. …, foi recusada (em 11.05.2022) pela Unidade Central da Comarca de Lisboa.
Notificada, não foi apresentada reclamação contra a referida recusa.
Nestas condições, o acto objecto (e bem) de recusa (cuja decisão se tornou definitiva) não se pode ter por praticado no dia 10.05.2022.»
Saber se a apresentação da contestação por correio eletrónico foi bem ou mal recusada pela secretaria não cabia ao tribunal recorrido apreciar, uma vez que não foi apresentada reclamação contra a recusa.
Relevante é que a recusa se tornou definitiva, não podendo, pois, valer como data da apresentação da contestação a data do envio do correio eletrónico. Como bem afirmou o tribunal recorrido, a apresentação da contestação não se pode ter por praticada no dia 10 de maio de 2022.
É de salientar que o caso ora em análise é distinto do caso apreciado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 30 de junho de 2022, no processo 4837/13.2TBALM-C.L1-8, acessível em www.dgsi.pt, em que foi relatora a juiz Desembargadora Teresa Sandiães, adjunta neste coletivo.

Na fundamentação desse acórdão, pode ler-se:
“O envio de peça processual por correio eletrónico, meio que não está expressamente previsto no CPC (nem na mencionada Portaria), fora do âmbito de aplicação dos nºs 7 e 8 do artº 144º do CPC, constitui um vício, que importa qualificar com vista a aferir das respetivas consequências.
A inobservância do meio previsto para o envio de peças processuais não está cominada no regime legal aplicável.
O apontado vício não se insere em nenhuma das nulidades expressamente previstas na lei.
Assim, há que concluir que se trata de irregularidade que apenas se reconduzirá à nulidade inominada a que alude o artigo 195º, nº 1, do CPC, se for suscetível de influir no exame ou decisão da causa.

O ato foi praticado e notado pelo Tribunal, que o digitalizou e inseriu no sistema eletrónico.
A irregularidade cometida não teve qualquer influência no exame ou decisão da causa”.
No caso ora em análise, não houve digitalização e inserção no sistema eletrónico, mas sim recusa por parte da secretaria.
Se a R. podia ter reclamado contra tal recusa e não o fez, sibi imputet.

Da fundamentação do despacho recorrido consta ainda o seguinte:
«Aqui chegados, compulsados os autos constata-se que a Ré foi citada para os termos da acção em 22.03.2022 (cfr. fls. 55).
É de 30 dias o prazo previsto para apresentação da contestação (cfr. Artigo 569º, n.º 1 do CPC).
Ao referido prazo acresce uma dilação de 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa da Ré (cfr. fls. 55).
A partir da data da citação, onde não se inclui o próprio dia, logo a partir de 23.03.2022, conta-se o prazo da dilação, finda esta começa a correr o prazo para o oferecimento da defesa (cfr. artigos 242º e 569º, n.º 1 do CPC).
Posto que, face ao quadro legal aplicável, em 28.03.2022 (finda a dilação de 5 dias) se iniciou o prazo (de 30 dias) para a Ré apresentar contestação e em 05.05.2022 (cfr. artº 138º, ns.º 1 e 2, do CPC) ocorreu o seu termo.
Nesta conformidade, o prazo para apresentar contestação terminou impreterivelmente em 10.05.2022, terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, mediante o pagamento da respectiva multa (artigo 139º, n.º 5 do CPC).
A Ré apenas veio apresentar contestação em 12.05.2022 (cfr. 56 e seguintes).
Nestas condições, mostra-se extemporânea a contestação apresentada e é meramente consequencial o seu desentranhamento.»

Nos termos do art. 144º nº 8 do C.P.C., “quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no nº 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior”.
Apesar de o tribunal recorrido ter considerado que não havia justo impedimento para a apresentação da contestação por transmissão eletrónica de dados através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, não ordenou o desentranhamento da contestação com fundamento em ter a mesma sido apresentada pelo correio. O fundamento do desentranhamento foi a extemporaneidade da contestação apresentada.

A apresentação da contestação pelo correio foi não no dia 12 de maio de 2022, como referido pelo tribunal recorrido, mas no dia 11, sendo certo que, por força do art. 144º nº 7 al. b) do C.P.C., vale “como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal”.

Mesmo considerando o dia 11 em vez do dia 12, a conclusão é a mesma: a contestação foi apresentada fora do prazo.

Para que o caso em análise pudesse encontrar no ordenamento jurídico uma solução que evitasse o efeito drástico do desentranhamento da contestação, necessário seria que a R. tivesse reclamado da recusa.

“.. não procede o argumento ligado ao princípio da proporcionalidade, na medida em que o estabelecimento de regras formais e a previsão de efeitos preclusivos constituem marcas específicas do sistema processual civil” (www.dgsi.pt acórdão do STJ proferido a 7 de outubro de 2020, no processo 1075/16.6T8PRT.P1.S1).
*

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho recorrido.
Custas da apelação pela recorrente.



Lisboa, 28 de setembro de 2023



Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães

Luís Correia de Mendonça - vencido conforme voto que anexo
Mantenho a decisão que proferi.
Não se pode deixar de considerar autoritária e injusta uma decisão que, ancorada num derrotável formalismo, e sem atender às suas drásticas consequências, jugula, à nascença, o direito da ré a defender-se.
*
Lisboa, 28.9.2023
Luís Correia de Mendonça