Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9214/20.6T8LRS.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: MANDATO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PERDA DE CHANCE
PROPOSITURA DE ACÇÃO PELO MANDANTE
ILICITUDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - O advogado que, no exercício de mandato judicial, viola os deveres de estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, não utilizando todos os recursos da sua experiência, saber e atividade, incorre em responsabilidade contratual.
2 - Conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2022, “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
3 - Propor ação destinada a efetivar a responsabilidade contratual de mandatário implica imputar falha a mandatário e, conforme resulta do art. 150º nº 2 do C.P.C., isso não é ilícito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
                                                             
Na presente ação declarativa que F… move contra G… e A…, o A. interpôs recurso do despacho saneador na parte em que absolveu as RR. do pedido e a R. G… interpôs recurso do mesmo despacho na parte em que absolveu o A. do pedido reconvencional.
Na alegação de recurso, o A. pediu que seja anulada a decisão recorrida e proferida decisão que reconheça o direito do A. a ser indemnizado pela conduta negligente da R. G…, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.º A douta sentença recorrida deve ser anulada, porquanto assenta em fundamentos de direito incorretos.
2.º Entende o Autor que teve prejuízos sérios com a conduta da 1.ª Ré, e mais concretamente com a sua falta de diligência na condução do mandato forense outorgado pelo Autor, o que pode originar uma responsabilidade civil, disciplinar e mesmo criminal.
3.º A 1.ª Ré não respeitou o prazo acordado com o Autor para a propositura da ação de impugnação de paternidade, tendo ainda emitido uma fatura depois de o Autor ter resolvido o contrato de mandato estabelecido com aquela.
4.º A ação proposta perdeu o seu efeito útil, pois o Autor não foi devidamente acompanhado juridicamente pelos patronos nomeados pela Ordem dos Advogados, tendo-se formado um caso julgado, que opera por via de exceção (a exceção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria, isto em virtude da falta de zelo da 1.ª Ré que não acompanhou o processo em causa.
5.º E o que verdadeiramente se discute nos presentes autos é a conduta da 1.ª Ré, que para além de não respeitar o prazo acordado com o Autor para a propositura da ação de impugnação de paternidade, não acompanhou o processo do Autor com o devido zelo e cuidado, tendo o Autor sofrido graves danos patrimoniais e não patrimoniais, pois o Autor viu-se sobretudo impossibilitado de saber se é o pai biológico do seu filho, para além de todo o sofrimento moral que a situação descrita ocasionou, pelo que foi violado o artigo 798.º, 799.º e 801.º do Código Civil.”
 Na alegação de recurso, a R. G… pediu que seja o A. condenado como litigante de má fé em pesada multa e elevada indemnização a favor daquela e que seja julgado procedente o pedido reconvencional, condenando-se o A. a indemnizar a R. G… em quantia não inferior a quinze mil euros.
Esta R. formulou as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu absolver o A. do pedido reconvencional formulado pela ora Apelante.
II. Com base na matéria alegada nos artigos 81.º e ss. da contestação-reconvenção a Apelante formulou um pedido indemnizatório contra o A./ Apelante.
III. Para tal, a Apelante alegou uma série de factos e circunstâncias e juntou diversos documentos, tais como os docs. 7, 8 e 9.
IV. Sucede que, a douta sentença recorrida não só não deu como provada a matéria de facto adveniente do teor destes documentos (como o fez, v.g., com os pontos 11 e 12 da matéria de facto e com base nos respetivos documentos) como também não extraiu nenhuma consequência jurídica dos mesmos no âmbito da reconvenção.
V. Mostra-se assim necessário, ao abrigo do disposto no art.º 640º do Código de Processo Civil (doravante CPC), que a apelante proceda à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com base em vários documentos dos autos.
VI. A Apelante considera que existem pontos de facto incorretamente julgados porque totalmente omitidos na douta sentença.
VII. Atendendo a que toda a impugnação da matéria de facto tem por base (apenas e tão-só) omissão de factualidade que se pedirá seja dada como provada.
VIII. Na verdade, o Apelado, na sua réplica, não impugnou nenhum dos documentos juntos pela Apelante com a sua contestação-reconvenção, devendo o teor desses documentos serem dados como provados e porque pertinentes para a reconvenção, como se passa a demonstrar.
IX. Em primeiro lugar, deve ser aditado um ponto 14 à matéria de facto, resultante do teor do doc. 2 junto com a PI.
X. O Apelado não impugnou o doc. 2 da contestação-reconvenção, devendo o teor desse documento ser dado como provado e porque pertinentes para a matéria da reconvenção.
XI. Sugere-se a seguinte redação para o ponto 14 com base no mencionado doc. 2 junto com a contestação-reconvenção:
14. O A. recebeu no dia 19 de junho de 2012 cópia de minuta da petição inicial da ação de impugnação da paternidade, tendo escrito na carta que acompanhava essa p.i., e aposto pelo seu punho, “recebi o original”.
XII. Ainda com base no referido doc. 2 deve ser ainda o seguinte facto 15 aos factos dados como provados:
15. Na carta identificada no ponto 14 pode ler-se “…nos suscita dúvidas a procedência da ação, quer por razões de forma, quer por eventuais insuficiências probatórias que se podem adivinhar”.
XIII. Requer-se ainda que sejam aditados no ponto 16, também ele decorrente no doc. 2 não impugnado, cuja redação se sugere seja a seguinte:
16. Na mesma carta entregue ao Apelado pode ler-se “é precisamente em face dessas mesmas dúvidas, de caráter técnico decorrentes da elaboração do articulado, que nos surge de extrema relevância a prévia aprovação da mesma minuta e a consciencialização das referidas dificuldades.”
XIV. Para terminar a matéria de facto que se pretende ser aditada com base no citado doc. 2, requer-se que seja aditado facto provado número 17, com a seguinte redação:
17. Na referida carta consta ainda que a R. reiterou proposta de honorários pelo valor de € 1500,00 mais IVA, pedindo a entrega por parte do A. de € 1000,00 mais IVA e inquirindo o A. sobre a forma de os liquidar.
XV. Esta a matéria de facto que se requer ser aditada, tem toda a relevância para o pedido reconvencional e para a sua procedência.
XVI. A Apelante requer ainda que seja aditada a matéria de facto incorretamente julgada porque omitida, resultante do teor do doc. 6, também ele não impugnado.
XVII. Entende-se que tal matéria deve ser aditada como ponto 18 da matéria de facto e nos termos seguintes:
18. No âmbito do processo n.º 5250/12.0TSLRS-A foi solicitado pelo MMº Juiz um laudo de honorários relativamente à fatura de € 1000,00 mais IVA pelos serviços prestados pela R. ao A. nos autos de impugnação de paternidade.
XVIII. Ainda com base no mesmo doc. 6 deverá ser aditado o seguinte ponto à matéria de facto dada como provada, sendo este o n.º 19:
19. No teor deste laudo lê-se “Da análise da informação e documentação carreada para o processo, verificamos que a Petição Inicial elaborada pela Requerida, no processo judicial supra identificado de Ação de Impugnação de Paternidade Presumida, exigiu um profundo conhecimento e dedicação ao assunto, nomeadamente, no que diz respeito ao enquadramento legal e jurisprudencial, assim, como, exigiu ao seu subscritor uma elevada sensibilidade e delicadeza no relacionamento com o seu Constituinte e terceiros, sendo aquela ação ordinária de alguma complexidade jurídica, para a qual a referência das 9 horas de tempo despendido nos parece muito dignas e corretamente aplicadas.
Acresce referir que, a dificuldade e urgência do assunto são, no nosso entendimento, de grau de dificuldade médio elevado, porque estamos perante uma ação que versa sobe relações familiares, cujos contornos são efetivamente de grande melindre e para os quais se exige uma elevada sensibilidade pessoal e jurídica, tanto mais que tais factos poderão ter ocorrido num meio pequeno, designadamente, Valpaços em Trás-os-Montes, onde quase toda a população residente se conhece.
Por último e relativamente aos usos profissionais, o valor hora apresentado pela Requerida de €75,00 é perfeitamente aceitável, pecando até por escasso.”
XIX. Novamente, esta matéria de facto resulta de documentos não impugnados e é relevante para a matéria dos autos e para o pedido reconvencional.
XX. Por seu turno, deve ser aditado o ponto 20 da matéria de facto dada como provada com a seguinte sugerida formulação, decorrente do teor – não impugnado – do doc. 7 junto com a contestação-reconvenção:
20. No dia 24 de setembro de 2012 o A. apresentou junto do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados participação disciplinar a qual se fazia acompanhar por um requerimento dirigido ao BNI (Balcão Nacional de Injunções) na qual, e também no teor da participação o A. escreveu: “...ainda me colocaram à frente dois documentos para escrever no cabeçalho com a minha letra, determinada a redação da qual não tenho memória... fui prejudicado no atraso de quarenta e cinco dias.”
XXI. Agora, mas com base no doc. 8, que consiste na decisão proferida pela Ordem dos Advogados relativamente à queixa disciplinar (doc. 7, acabado de mencionar) deve ser aditado o ponto 21 da matéria de facto dada como provada com a seguinte sugerida formulação:
21. Por acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, a participação disciplinar efetuada pelo A. contra o Dr. …, integrado na Sociedade de Advogados 1ª R. foi arquivado por a respetiva participação assumir a natureza de inviável.
XXII. O último segmento da matéria de facto que se impugna no presente recurso tem a ver com a omissão de factos decorrentes do teor do doc. 9, documento este, novamente, não impugnado; destarte, com base neste doc. 9 deve ser dado como provado, desde logo, o facto seguinte:
22. O A., em escrito assinado pelo seu punho, formulou nos autos de execução da sentença que o condenou a pagar honorários à Apelante o seguinte requerimento:
«…foi feita uma petição inicial que não correspondeu às exigências do executado».
XXIII. Também com base nesse doc. 9 deve ser aditado um último facto à matéria de facto provada:
23. Mais consta no requerimento referido acima em 22. que nele o ora A. escreveu o seguinte: “foi feita uma petição inicial que não correspondeu às exigências do executado”; o Exequente mandou o Executado assinar um documento cuja “folha nº 2 não foi sequer mostrada ao Executado, a isto se chama de litigância de má fé”; «…o executado …foi julgado à revelia, penhorado injustamente …e quanto à fatura de € 1.056,88”, a qual era correspondente à quantia exequenda base “que foi dada à injunção, não foi alvo de negociações nenhumas e nada foi assinada pelo executado, tendo o exequente”, ou seja, a Apelante, “um comportamento ilegal, indigno, injusto e fraudulento.”
XXIV. Toda a matéria de facto que se requer seja aditada esta matéria decorre de documentos juntos aos autos, não impugnados, cuja análise crítica impõe que sejam dados como provados, e sendo que têm todo o interesse para a boa e justa decisão sobre o mérito da causa, em concreto, para a boa decisão do pedido reconvencional, cuja absolvição é o objeto deste recurso.
XXV. Sem o aditamento à matéria de facto dos pontos acima referidos e com base nos respetivos meios de prova nos quais nos baseamos, será quase impossível a procedência do pedido reconvencional.
XXVI. Com base, portanto, na supra requerida alteração à matéria de facto passemos à questão da reconvenção.
XXVII. O tribunal absolveu do pedido reconvencional através da, salvo o devido respeito, limitada ótica de que o Apelado «Não imputou falsamente à 1ª R. a prática de quaisquer ilícitos, sejam de natureza cível ou de natureza criminal. Apenas alegou que a 1ª R. não cumpriu um prazo que havia sido acordado entre ambos e que tal incumprimento lhe causou prejuízos. É certo que nenhuma razão assiste ao A., mas isso não determina a perda de reputação da A. nem ofende o seu bom nome, já que não foi alegado qualquer ato suscetível de causar tais efeitos.»
XXVIII. Ora, é desde logo, salvo o devido respeito, incompreensível que a douta sentença entenda que a ora Apelante não alegou sequer matéria de facto conducente à procedência do pedido reconvencional pois a Apelante alegou e detalhou nos artigos 81.º e ss., toda a matéria de facto que se lhe afigura necessária e suficiente para decidir do pedido reconvencional naturalmente condenando o apelado no seu pagamento.
XXIX. Com base na matéria alegada na contestação-reconvenção e não impugnada na réplica e com base nos documentos dos autos e na matéria de facto que acima se requereu seja aditada para uma boa decisão da causa, vamos explicar por que motivos deverá o A. ser condenado no pedido reconvencional.
XXX. Desde logo, importa ter presente que os deveres que o Apelado violou não foram apenas os conexos com a propositura da presente e injusta ação judicial.
XXXI. Na verdade, a conduta do Apelado foi muito mais extensa do que aquela: o Apelado, além de litigar nos presentes autos com a maior má-fé, por ter vindo a juízo com uma pretensão cuja fala de fundamento não podia desconhecer, falta de fundamento esse que a própria sentença recorrida apontou, veio afirmar que a Apelante, o que é falso, violou os deveres do mandato.
XXXII. As pessoas coletivas têm o direito ao seu bom nome e reputação e não podem ser sujeitas a propositura de ações totalmente infundadas ademais imputando-lhe falsamente a prática de ilícitos de natureza civil.
XXXIII. A presente ação mancha infundadamente o bom nome e reputação da Apelante construído por esta no exercício da advocacia há mais de 30 anos.
XXXIV. A Apelante não é uma sociedade comercial, não se dedica a atos de comércio.
XXXV. É uma sociedade civil de advogados que se pauta pelo rigoroso cumprimento dos seus deveres deontológicos e profissionais.
XXXVI. A Apelante vê o seu bom nome e reputação postos em causa com a presente e infundada ação.
XXXVII. Vê-se alvo de manchas e suspeição sobre o seu bom nome e reputação, o que lhe causa direta e necessariamente um dano na reputação e na imagem, dano esse querido e praticado voluntariamente pelo Apelado.
XXXVIII. A reputação da Apelante é afetada publicamente por parte do ora Apelado, desde logo, nesta demanda persecutória e injusta, pelos requerimentos que fez na ação de honorários e na execução, e pela participação que fez à Ordem dos Advogados, tal como decorre dos pontos de facto que se requereu fossem aditados.
XXXIX. Por outro lado, o Apelado só demandou a Apelante, o que é nítido pelo que alega na última parte do artigo 20.º da p.i., porquanto foi alvo da cobrança judicial, lícita, dos serviços que a esta lhe prestou e que se recusou a pagar e, nas suas alegações de recurso da douta sentença volta à carga com a fatura e com a dívida na qual foi condenado judicialmente a pagar, e alvo de execução ainda pendente pois nada pagou!
XL. O Apelado, ao pedir, na completa omissão do dever de informar a Apelante, a nomeação de patrono oficioso, aproveitou-se de todo o esforço e labor da Apelante, e interrompeu intempestiva, inoportuna, infundada e grosseiramente, o contrato de mandato a que estava adstrito.
XLI. O Apelado, com a sua conduta, resolveu, ainda que tacitamente, o contrato a que se vinculara com a Apelante e esta resolução foi totalmente ilícita, porque infundada e fora dos pressupostos legais que permitiriam ao Apelado operá-la ou invocá-la.
XLII. Acresce, e na senda da matéria de facto colocada em crise no presente recurso, que o Apelado teve as seguintes condutas:
XLIII. Apresentou em 26/MAR/2020, no âmbito da execução de sentença, um requerimento assinado pelo próprio no qual afirmou o seguinte (cfr. pontos 22 e 23 da matéria de facto que se requereu seja aditada):
XLIV. Que “foi feita uma petição inicial que não correspondeu às exigências do executado”;
XLV. Que o Exequente mandou o Executado assinar um documento cuja “folha nº 2 não foi sequer mostrada ao Executado, a isto se chama de litigância de má-fé”;
XLVI. Mais ali verteu que “o Executado nunca foi ouvido nesta matéria foi julgado à revelia, penhorado injustamente, ... não foi alvo de negociações nenhumas e nada foi assinado pelo Executado, tendo o Exequente um comportamento ilegal, indigno, injusto e fraudulento” – sublinhado no original; cfr. doc. n.º 9, cit. e ponto 23 da matéria de facto que se requereu fosse aditada.
XLVII. Com estas imputações, assinadas pelo próprio punho do ora Apelado e ali Executado, este vem imputar a prática de um crime de falsificação de documento, e insulta vilmente a Apelante no final do seu requerimento supra transcrito!
XLVIII. O Apelado, em 24/SET/2012, participou disciplinarmente, em pura denúncia caluniosa, contra a Apelante, nos termos que se podem ver da respetiva participação disciplinar – doc. 7, acima referido e ponto 20 da matéria de facto a aditar, mesmo sem esquecer que esta participação correu termos contra o Dr. …, advogado mais antigo e administrador da ora Apelante.
XLIX. Nessa participação, omitiu deliberadamente a junção da carta de 19/Jun/2012 (cit. doc. 2 e pontos 14 e 15 da matéria de facto supra que se requereu fosse aditada) e a minuta da petição inicial, para poder imputar o crime de falsificação, afirmando, com consciência dessa falsidade, de que eram “dois papéis preenchidos na frente e ver[s]o” quando bem sabia que se tratou de uma única folha com frente e verso.
L. Em 14/Jul/2014 dirigiu requerimento ao Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados recorrendo do despacho de arquivamento do processo disciplinar, voltando a afirmar todas as inverdades, nomeadamente a falsificação da carta que assinou indo desta vez ao ponto de negar que lhe foi entregue o original da carta – vd. págs. 12 e 13 do doc. 9.
LI. E neste requerimento ao Conselho de Deontologia afirma que, aquando da instauração do processo, ao invés de mencionar os factos ditados pelo Apelado, quiseram expor à sua maneira factos que o tribunal não levaria tendo o processo sido arquivado, com o que, no fundo, imputa na Apelante a violação do dever básico de verdade e de fidelidade com os interesses do cliente, tudo com dolo direto e intenso.
LII. No mesmo requerimento, como se disse, invoca que nunca foi ouvido “nesta matéria”, que foi “julgado à revelia”, “penhorado injustamente”, e que “nada foi assinado pelo executado”, “tenho o exequente um comportamento ilegal, indigno, injusto, e fraudulento”.
LIII. No âmbito dos seus deveres acessórios de conduta o mandante forense está sujeito às regras do mandato, da boa-fé contratual, da verdade, e da proteção dos interesses legítimos da contraparte.
LIV. Sucede que, a imputação, perante funcionários judiciais e magistrados, de condutas criminais junto dos tribunais onde em cada dia a Apelante exerce a sua atividade, é suscetível, o que quis, de lançar a dúvida quanto à integridade da Apelante e a sua imagem pública e consideração de honorabilidade a que a Apelante tem direito.
LV. Violação dolosa e sistemática dos seus deveres contratuais de tutela dos direitos e interesses legítimos da contraparte, violando assim o contrato de mandato quanto a estes deveres e constituindo-se, voluntária, necessária e diretamente, em responsabilidade civil contratual e no correspetivo dever de indemnizar a Apelante.
LVI. O dano é grave, merece a tutela do direito, e assume caráter reiterado, persecutório há mais de oito anos, atingindo bens jurídicos tutelados, tais como a imagem e reputação do advogado, que são o seu bem mais precioso.
LVII. Embora a divulgação dos factos e o cometimento do dano não tenham sido feitos perante a generalidade das pessoas, grave, de outra banda é que o foi feito perante órgão de soberania, funcionários judiciais, agente de execução e colegas de profissão, e até perante a Ordem dos Advogados.
LVIII. Ou seja, genericamente, o Apelado manteve uma conduta violadora dos seus deveres advenientes do contrato de mandato, posto que o violou, e posto que ilicitamente nos autos de execução de sentença e nos autos de injunção que lhe foram movidos pela primeira Ré formulou diversos requerimentos atentatórios do bom nome e reputação da primeira Ré.
LIX. Ao redor do mandato que celebrou e revogou sem justa causa e no âmbito dos litígios que manteve, por sua culpa, com a Apelante, o Apelado violou deveres de cuidado de não alegar falsidades, imputando dolosamente e falsamente ilícitos cometidos pela primeira Ré e mais alegando graves falsidades tudo isto condutas ofensivas do bom nome e reputação e imagem da primeira Ré geram danos que merecem a tutela do direito.
LX. Acresce que, o Apelado nem sequer se coibiu de efetuar uma gravemente falsa participação disciplinar à Ordem os Advogados a qual mereceu o destino acima referido.
LXI. A propósito da honra e consideração devida à Apelante, teceremos as seguintes considerações, relativamente à ofensa ao bom nome e reputação de pessoa coletiva.
LXII. Reconhece-se que a matéria aqui em causa é controversa do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial.
LXIII. A tendência é a de considerar que apenas as pessoas singulares têm direito ao bom nome e à honra, e tal porque se trata de um direito de personalidade.
LXIV. Porém, vem prevalecendo na doutrina e na jurisprudência, a opinião segundo a qual também as pessoas coletivas podem gozar de alguns direitos de personalidade - é o caso, desde logo, do direito ao bom nome, tutelado por lei (art. 484º do Código Civil).
LXV. Há de concluir-se que as pessoas coletivas têm alguns direitos de personalidade, como os direitos ao bom nome, imagem social e reputação.
LXVI. A Apelante não é uma sociedade comercial, mas, como dito, uma sociedade civil que se dedica à prática da advocacia.
LXVII. A sua relação com os clientes, como foi o caso do Apelado, não é obviamente comercial e tem um envelope deontológico.
LXVIII. A relação de mandato forense que esse estabeleceu com o Apelado tem, assim, o envelope da deontologia da Apelante.
LXIX. Como abordar a violação grosseira, grotesca até, do bom nome e reputação que se espelha nos autos e na matéria de facto que se requereu fosse aditada? Como encarar o facto de o Apelado insultar vilmente a Apelante, uma sociedade de advogados, por causa do exercício das suas funções?
LXX. Em bom rigor, esta questão apenas pode ter uma de duas respostas: ou será exclusivamente a pessoa de um advogado concreto que as ofensas praticadas pelo aqui autor podem atingir e gerar um dever de indemnizar, o esse dever de indenizar também se estende à sociedade de advogados aqui ré e Apelante.
LXXI. Tendo presente que nenhum advogado é visado nesta ação, mas, sim, a sociedade, a ora Apelante, em si, teremos por certo que esta também tem direito a indemnização pelas grosseiras violações do seu bom nome e reputação que foram cometidas pelo aqui autor e pela violação dos seus interesses enquanto contraparte do contrato de mandato forense.
LXXII. Na realidade, quem prestou os serviços jurídicos foi a sociedade, e a atividade desta, embora manifestada pela pessoa concreta de cada advogado, não deixa de estar sujeita as regras deontológicas, embora seja óbvio que só as pessoas singulares têm responsabilidade disciplinar.
LXXIII. Mas coisa diferente será rejeitar a partida que uma sociedade civil de advogados não possa sentir-se atingida na sua honra e consideração quando se trata de ser agredida por causa da prática desses atos típicos da profissão, e bem assim coisa diferente é admitir que essa violação não gera (sequer) o dever de indemnizar.
LXXIV. Recordemos que no caso vertente estamos perante um contrato de mandato e que o aqui autor violou os seus deveres de proteção dos legítimos interesses da contraparte.
LXXV. Um desses legítimos interesses será o do bom nome e reputação da mandatária sociedade de advogados.
LXXVI. E não cabe dúvida de que esse bom nome se mostra vilipendiado pelo autor.
LXXVII. A aqui ré e Apelante continua a praticar os seus atos típicos de advocacia perante os tribunais, conservatórias, notários e demais entidades.
LXXVIII. E no caso vertente foi atacada pelo modo como exerceu, e de forma correta, o seu mandato forense.
LXXIX. Não se tratando a Apelante de sociedade comercial entende-se que atendendo a sua área de atividade, que é a advocacia, os atos praticados pelo aqui autor, que objetivamente violam o bom nome e reputação da aqui ré, merecem a tutela do direito.
LXXX. E temos de ir mais longe: impõem a sua condenação não só como litigante de má-fé em pesada da multa e em indemnização a favor da apelante, em valor que se requer que esta Relação quantifique, o que se requer, mas, também, deve o autor ser condenado no pedido reconvencional.
LXXXI. Toda a conduta do autor perante a Apelante, na senda da sua ilegítima insatisfação com o resultado da ação de investigação da paternidade, resultado para o qual foi devidamente avisado pela aqui ré, todo esse comportamento é indigno e deve ser punido a título de indemnização por danos não patrimoniais ao atingirem, como o autor expressamente quis, o bom nome e reputação desta sociedade de advogados.
LXXXII. Terá, pois, este Venerando Tribunal de decidir se, na sua perspetiva, uma sociedade de advogados merece tutela pelas violações que objetivamente foram cometidas contra o seu bom nome e reputação, como ocorreu no caso vertente.
LXXXIII. Violações, também, dos deveres gerais de proteção da contraparte no mandato forense, consistentes na abstenção de a vilipendiar, insultar e imputar inclusivamente a prática de ilícitos criminais.
LXXXIV. Na nossa ótica, naturalmente que entendemos que a pessoa coletiva sociedade de advogados tem direito a essa indemnização.
LXXXV. Pensamos que já o demonstrámos acima.
LXXXVI. E por tudo quando se vem exposto, na sequência do pedido de alteração da matéria de facto, deve o autor ser condenado: (i) como litigante de má-fé, em pesada multa e em indemnização à Apelante a arbitrar pela Relação; e (ii) a pagar uma indemnização por ofensa ao bom nome e reputação dá aqui Ré.
LXXXVII. Quanto ao o valor dessa indemnização, foi peticionada uma indemnização no valor de 15000 EUR. Será muito? Será pouco?
LXXXVIII. Terá de ser o este Venerando Tribunal a entender, se der por provados os requisitos da respetiva indemnização, qual o montante justo pela violação daquele direito algum nome honra consideração e reputação da pessoa coletiva sociedade de advogados aqui Apelante.
LXXXIX. Por nossa parte entendemos que o valor de 15000 EUR continua a afigurar--se justo perante a gravidade das condutas perpetradas pelo autor contra a aqui Ré e pela forma grosseira e gratuita como atingiu o seu bom nome e reputação.
XC. A Apelante fica, assim, se lhe é permitido dizê-lo, aguardando que este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa quantifique de forma justa, o que talvez a própria apelante não consiga fazer, pelo menos de forma desassombrada, o valor adequado da indemnização que o autor terá de pagar à apelante.
XCI. E assim, alterando a matéria de facto, e condenando o autor litigante de má-fé e em pesada multa e em indemnização a arbitrar à Apelante, e bem assim por verificação dos pressupostos de facto e de direito, condenando-o no pedido reconvencional, Vossas Excelências farão Justiça!
XCII. Normas violadas: arts. 70.º, n.º 1, 484.º, 562.º, 566.º, 1167.º, al. d), 1172º.º, al. c), todos do Código Civil e arts. 542.º e 543-º do Código do Processo Civil.»
São as seguintes as questões a decidir:
- da ampliação da matéria de facto provada;
- da responsabilidade de mandatário;
- da ofensa ao bom nome; e
- da litigância de má fé.
*
Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
“1. A 1.ª Ré é uma sociedade de advogados com registo n.º … na Ordem dos Advogados de Portugal.
2. O Autor, em 30 de Abril de 2012, contratou a 1.ª Ré para, designadamente, intentar uma ação de impugnação de paternidade contra a sua ex-mulher e filho.
3. O Autor pagou, pelo menos, € 200,00 (duzentos euros) à A.
4. O Autor efetuou o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição da ação em 03-05-2012.
5. Em 18-06-2012 o Autor deslocou-se ao escritório da 1.ª Ré.
6. A referida ação de impugnação de paternidade foi proposta, em 19 de Junho de 2012, no Tribunal de Loures, via citius, teve o número de processo 5350/12.0TCLRS, e correu termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.
7. Em 25-06-2012, o Autor requereu apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.
8. A 1.ª Ré renunciou ao mandato forense em 11 de Julho de 2012.
9. Tendo ainda, na mesma data, emitido uma fatura no valor de € 1.056,88 (mil e cinquenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos), por honorários pelos serviços prestados ao Autor.
10. O Autor não pagou a mencionada fatura, tendo a 1.ª Ré proposto uma injunção contra o Autor, que originou o apenso com o n.º 5350/12.0TCLRS-A, que correu termos por apenso à ação de impugnação de paternidade.
11. Por despacho saneador proferido em 2.07.2013, no âmbito do processo n.º 5350/12.0TCLRS, foi julgada verificada a exceção perentória de caducidade do prazo para propor tal ação e absolvidos os RR. dos pedidos.
12. Em tal despacho pode ler-se que «o próprio autor alega que não manteve relações sexuais de cópula completa com a primeira ré durante o período legal de concepção, pelo que desde essa altura que sabe que não podia ser o pai do segundo réu, mas só intentou a presente acção 38 anos depois disso. O autor não alega quaisquer circunstâncias que afectassem o seu conhecimento ou capacidade de compreensão, pelo que qualquer adulto normal sabe qual é o período de gestação e sabe fazer os cálculos simples que eram necessários para poder concluir pela sua não paternidade.
Assim, o prazo para propor a presente acção mostra-se ultrapassado há muito.»
13. Por sentença proferida em 30.11.2017 no âmbito do processo n.º 5350/12.0TCLRS-A foi julgado procedente o requerimento de injunção interposto pela aqui 1ª R. contra o aqui A. e este último foi condenado a pagar à 1ª R. a quantia de € 1.056,88 a título de capital, acrescido de juros de mora à taxa legal desde o dia 11.07.2012 até integral e efetivo pagamento, e de € 51,00 de taxa de justiça paga.”
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Nos termos do art. 640º nº 1 al. a) do C.P.C., “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”.
Pretendendo a R. G… a ampliação da matéria de facto provada, tinha de especificar os concretos pontos de facto omitidos.
Nos termos do art. 5º nº 1 e nº 2 al. b) do C.P.C., “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”; “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz… os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
Assim, a especificação dos concretos pontos de facto omitidos deveria ser feita por referência a artigos da contestação.
Contudo, nas conclusões recursivas, a R. G… não fez referência a artigos da contestação, mas sim a documentos juntos com tal articulado.
Aquela R. confundiu, pois, factos e provas.
No artigo 1º da réplica, o A. impugnou “todos os factos da reconvenção, da 1.ª ré, por não corresponderem de forma cabal e rigorosa à verdade”.
Acresce dizer que a decisão recorrida é um despacho saneador.
Conforme resulta do disposto no art. 595º nº 1 al. b) do C.P.C., “o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.”
“Tal acontecerá (i) quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, (ii) quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e (iii) quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental” (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de fevereiro de 2017, processo 4716/15.9T8VCT-A.G1).
Importa, pois, verificar se os factos considerados como provados pelo tribunal recorrido permitem, sem necessidade de apuramento de outros factos, julgar improcedente a ação e a reconvenção já no despacho saneador.
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Do ponto 2 da matéria de facto provada resulta que A. e R. G… celebraram um contrato de mandato previsto no art. 1157º do C.C.
O advogado que, no exercício de mandato judicial, viola os deveres de estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, não utilizando todos os recursos da sua experiência, saber e atividade, incorre em responsabilidade contratual.
Nos termos do art. 798º do C.C., “o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Da leitura desta norma pode-se extrair os pressupostos da responsabilidade contratual, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
Conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 2/2022 (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 5 de julho de 2021, processo 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A), “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
Da fundamentação de tal acórdão consta o seguinte:
«Em face de tal incerteza sobre qual seria, sem as faltas dos advogados, o resultado dos processos, quer a doutrina, quer a jurisprudência, começaram por ir no sentido de recusar o ressarcimento do dano da perda de chance (da perda da oportunidade de ganhar um processo): para haver obrigação de indemnizar – argumentava-se e ainda se argumenta – o dano a ressarcir tem que ser certo, o que não acontece na perda de chance, que tem como característica essencial haver uma incerteza, também no futuro, sobre a existência do dano, na medida em que não é possível determinar com segurança qual seria a situação hipotética do lesado que existiria caso não se tivesse verificado o evento lesivo; por outro lado – argumentava-se e ainda se argumenta – tal incerteza também não permite que se possa dizer que existe nexo causal entre o facto lesivo (no caso, a falta do advogado) e o resultado final desfavorável do processo (não se pode dizer que sem o facto lesivo o resultado final desfavorável não teria ocorrido).

Argumentos que conduziam a que um mandatário que não agisse com a devida diligência (que não intentou a ação, que não a contestou, que não apresentou o rol ou que não apresentou recurso) escapasse à responsabilidade e – é o aspeto que perturba o “sentido de justiça” – com o fundamento em se desconhecer (ser incerto) qual teria sido o desenrolar e o desfecho normal do processo caso ele tivesse tido o comportamento devido, sendo que foi exatamente a circunstância de ele ter tido tal comportamento indevido (a sua conduta ilícita) que impediu o desenrolar e o desfecho normal que determina a incerteza que agora se invoca para recusar o ressarcimento da perda de chance.
Justamente por isto – para repor a justiça – foram-se desenhando abordagens tendentes a evitar que tais eventos lesivos escapem, de todo, às malhas da responsabilidade civil, não obstante a incerteza sobre o que teria acontecido (depois de tais eventos lesivos).

Sendo que o que aqui tem relevo – e é o gérmen da contradição jurisprudencial que suscita a presente uniformização – é saber se toda e qualquer perda de chance pode/ deve ser reconhecida como um dano indemnizável ou se só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável.

Para um dano ser indemnizável, exige-se, concorda-se, que o mesmo seja certo e não meramente eventual, porém, observa-se, a certeza de que se fala e que deve ser exigida não é matemática ou absoluta, mas apenas uma certeza relativa, que se deve contentar com uma expetativa razoável.
Se, como é o caso, em razão do comportamento indevido dum mandatário, o desenrolar e o desfecho normal dum processo não aconteceu e nem alguma vez acontecerá, não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas).

Mas não há outro modo de sair da “aparente contradição” que o dano da perda de chance coloca: não pode afirmar-se, por um lado, com certeza absoluta, qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal” (com o argumento de que todo o processo judicial tem um ineliminável e irredutível elemento de incerteza sobre o seu resultado), mas, por outro lado, demonstrando o lesado que se encontrava em situação fáctico-jurídica idónea a um resultado favorável do processo, fica-se com a certeza de que, caso se não tivesse verificado o evento lesivo, o lesado não teria perdido a esperança de vir a obter um ganho (ou evitar uma perda).
É a esta última certeza que o tribunal não pode fechar os olhos – há que reconhecer a “complexidade do real” e procurar, nos limites da ordem jurídica, uma resposta que seja normativamente congruente e que evite a manutenção de zonas francas de irresponsabilidade – tendo que a considerar como tutelada pelo direito e indemnizável de acordo com os princípios e regras do nosso atual direito de responsabilidade civil, ou seja, respeitando quer a finalidade essencialmente ressarcitória/ reparatória da indemnização civil quer a proibição do enriquecimento do lesado à custa do lesante.

Não se ignora que tal apuramento – tal “julgamento dentro do julgamento” – nem sempre será fácil, havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão recorrido) a falta do mandatário na não interposição de recurso de apelação, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário; e havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão fundamento) a falta na não apresentação tempestiva do requerimento probatório, será bem menos acessível estabelecer o desfecho que o processo (dependente de prova que não foi produzida) teria tido sem a falta do advogado.
Tanto mais que, repete-se, no incidental “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão, uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/ facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental).»
Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
“Funda o A. a sua pretensão no facto de a 1ª R. não ter cumprido o prazo acordado para intentar a ação de impugnação de paternidade, o que no seu entender constitui um incumprimento contratual e determinou a perda de efeito útil da ação.
Contudo, dos factos alegados pelo A., mesmo após o convite ao aperfeiçoamento que lhe foi apresentado, não se vislumbra em que medida o atraso alegado pelo A. pode ter dado origem à perda de efeito útil da ação.
Na realidade, resulta dos factos provados que o direito a intentar tal ação já se encontrava caducado no momento em que o A. solicitou junto da 1ª R. a sua interposição. Foi essa a posição assumida pelo Tribunal no saneador-sentença proferido em 2.07.2013.
Assim, mesmo que a 1ª R. tivesse intentado a ação no próprio dia em que o A. a contactou para o efeito, ainda assim a decisão de absolvição dos RR. do pedido formulado manter-se-ia, não obtendo sucesso a pretensão do A. naqueles autos.
Desta forma, ainda que o A. lograsse provar todos os factos alegados na presente ação, nunca aqui se poderia concluir que um eventual atraso na propositura daquela ação tivesse dado origem ao seu desfecho, já que este se encontrava traçado há mais de 30 anos.”
Concordamos com o tribunal recorrido. A fundamentação do despacho saneador proferido na ação de impugnação de paternidade permite concluir, sem necessidade de averiguar se houve ou não atraso da R. G… na propositura da ação, que não se verifica dano da perda de chance processual decorrente do alegado atraso.
Afirmou o A., nas conclusões recursivas, que a R. G…, “para além de não respeitar o prazo acordado com o Autor para a propositura da ação de impugnação de paternidade, não acompanhou o processo do Autor com o devido zelo e cuidado”.
Contudo, resulta da matéria de facto provada que, “em 25-06-2012, o Autor requereu apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono” e que “a 1.ª Ré renunciou ao mandato forense em 11 de Julho de 2012”.
A não interposição de recurso do despacho saneador proferido na ação de impugnação de maternidade não pode, pois, ser imputada à R. G…, mas sim ao patrono oficioso que então representava o A.
Assim, andou bem o tribunal recorrido em absolver as RR. do pedido no despacho saneador.
Nos termos do art. 483º nº 1 do C.C., “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Da leitura desta norma pode-se extrair os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
A ilicitude significa contrariedade ao direito, podendo revestir duas modalidades: violação de direitos absolutos e violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Nos termos do art. 70º nº 1 do C.C., “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
Os direitos de personalidade são, pois, direitos absolutos.
Conforme dispõe o art. 484º C.C., “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados”.
Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
“Veio a 1ª R. peticionar o pagamento pelo A. da quantia de € 15.000,00, por entender que a propositura da presente ação, injusta e infundada, constitui uma ofensa ao seu bom nome e reputação.
Dispõe o artigo 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que, na administração da justiça, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
Assim, quando duas pessoas têm entre si um conflito, é ao Tribunal que cabe dirimi-lo, aplicando a lei e jazendo justiça em nome do povo. Razão pela qual foi criado um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que visa assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
O A. entendeu que a 1ª R. não salvaguardou os seus direitos e que não cumpriu devidamente o mandato que lhe conferiu, razão pela qual intentou a presente ação, direito que lhe assiste.
Não imputou falsamente à 1ª R. a prática de quaisquer ilícitos, sejam de natureza cível ou de natureza criminal. Apenas alegou que a 1ª R. não cumpriu um prazo que havia sido acordado entre ambos e que tal incumprimento lhe causou prejuízos.
É certo que nenhuma razão assiste ao A., mas isso não determina a perda de reputação da A. nem ofende o seu bom nome, já que não foi alegado qualquer ato suscetível de causar tais efeitos.
A não ser assim, estar-se-ia a coartar a qualquer cidadão a possibilidade de fazer uso dos tribunais para reivindicar os direitos que entende assistir-lhe, sob pena de todos os demandados poderem considerar-se ofendidos no seu bom nome ou reputação com a mera interposição de uma ação, que nem sequer é do conhecimento da generalidade da sociedade.
Assim, necessariamente se conclui que também à 1ª R. não assiste qualquer razão, pelo que também o seu pedido improcede.”
A R. G…, nas conclusões recursivas, afirmou que “a reputação da Apelante é afetada publicamente por parte do ora Apelado, desde logo, nesta demanda persecutória e injusta, pelos requerimentos que fez na ação de honorários e na execução, e pela participação que fez à Ordem dos Advogados”.
Na fundamentação da decisão recorrida, o tribunal recorrido atendeu apenas à propositura da presente ação, apesar de, nos artigos 112º a 126º da contestação apresentada pela R. G…, esta ter alegado factos relativos à ação de honorários, à ação executiva e à participação à Ordem dos Advogados.
Compulsados os autos, constata-se que não foi proferido despacho de admissão da reconvenção.
O tribunal recorrido, ao apreciar o pedido reconvencional, implicitamente admitiu a reconvenção.
Essa admissão implícita não significa que toda a factualidade alegada pela reconvinte pode ser atendida na apreciação da reconvenção.
Nos termos do art. 266º nº 2 do C.P.C., “a reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”
As afirmações feitas pelo mandatário do A. noutros processos, porque não têm efeito útil defensivo, não podiam ser atendidas pelo tribunal recorrido.
Nos termos do art. 9º nº 2 do C.P.C., “nenhuma das partes deve usar, nos seus escritos ou alegações orais, expressões desnecessárias ou injustificadamente ofensivas da honra ou do bom nome da outra”.
Conforme dispõe o art. 150º nº 2 do C.P.C., “não é considerado ilícito o uso de expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa”.
Propor ação destinada a efetivar a responsabilidade contratual de mandatário implica imputar falha a mandatário.
Assim, andou bem o tribunal recorrido em julgar improcedente o pedido reconvencional.
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Nos termos do art. 542º nº 2 do C.P.C., “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
“A doutrina tem classificado a má fé de que trata o preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº 2, e a segunda, os das alíneas c) e d) do mesmo número.
A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma, tem a consciência de não ter razão” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 11 de setembro de 2012, processo 2326/11.09TBLLE.E1.S1).
“A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do artigo 542º do CPC, admitindo a lei uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 9 de março de 2021, processo 528/16.0T8VNG.S1.P1.S1).
Não se verifica, pois, a hipótese prevista no art. 542º nº 2 al. a) do C.P.C.
Não se verifica também a hipótese prevista na alínea b), uma vez que não resulta da matéria de facto provada que o A. alterou a verdade dos factos.
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes os recursos interpostos, mantendo a sentença recorrida.
Não se condena o A. como litigante de má fé.
Custas dos recursos pelos respetivos recorrentes.

Lisboa, 28 de abril de 2022
Maria do Céu Silva
Teresa Sandiães
Octávio Diogo