Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
871/07.0TCSNT-A.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE
QUIRÓGRAFO
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
MORA DO CREDOR
FACTURA
QUITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.Um cheque a que faltem as condições legais para valer como título de câmbio, pode valer como título executivo nos termos do referido art. 46º, nº 1 al. c) do C.P.C. de 1961 (vigente à data de instauração da acção executiva), exigindo-se apenas que, neste caso, conste expressamente do cheque menção da relação causal ou subjacente ou, caso assim não suceda, que o exequente alegue a factualidade pertinente no requerimento executivo, desde que essa relação causal não seja formal, incumbindo ao exequente o ónus de prova dessa factualidade.
2. À semelhança do que dispõe o art. 186º, nº3 do novo C.P.C. e por similitude de razões, se da leitura do articulado de oposição se retira que o executado opoente entendeu perfeitamente o requerimento inicial de execução e alcançou a pretensão do exequente e a causa da execução, não tem cabimento eventual invocação de que o exequente alegou sem precisão e de forma deficiente a relação subjacente à emissão do titulo.
3. É aplicável ao contrato de fornecimento a regulamentação alusiva à compra e venda (art. 939º do Cód. Civil), cujos elementos essenciais (do contrato de compra e venda) são: a identidade dos sujeitos, a coisa a transmitir e o preço (874º do C. Civil).
4. Estando as partes de acordo quanto à delimitação da data ou período em que os fornecimentos são feitos, é juridicamente irrelevante a data (erroneamente) aposta no requerimento executivo, em sede de indicação dos factos alusivos à relação subjacente.
5. Não tendo a executada/opoente invocado que o acordo celebrado entre as partes passava pelo pagamento dos bens e serviços fornecidos mediante ou contra a apresentação da respectiva factura e apenas no momento dessa apresentação não pode considerar-se que eventual omissão dessa conduta configure hipótese de mora do credor, com referência ao art. 813º do Cód. Civil.
6. Salvo estipulação de simultaneidade das prestações, a executada/opoente não tem o direito de recusar o pagamento invocando que a exequente não deu quitação de pagamentos anteriores, tanto mais que pode sempre exigir a quitação depois do cumprimento (art. 787º, nº2 do Cód. Civil).

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa: 


1. RELATÓRIO:

Por apenso à execução que C & F, Lda intentou contra A.P., Lda, veio a executada deduzir oposição invocando, em síntese, a inexistência de título executivo, por não valerem os cheques dados à execução como títulos cambiários e não ter sido invocada pela exequente a relação subjacente; embora tenha existido uma relação comercial entre a exequente e a executada, aquela não forneceu quaisquer bens e serviços no período referido no requerimento executivo (2006) e a executada não se encontra em mora, uma vez que a exequente não emitiu sequer as facturas referentes às quantias que peticiona na execução, como não emitiu ainda os recibos de quitação alusivos aos pagamentos que a executada já efectuou, pese embora as insistências da executada nesse sentido – de 224.807,73€ que a executada pagou a exequente apenas emitiu recibos pela quantia de 119.170,00€, não podendo a executada fazer repercutir na sua contabilidade o IVA que pagou.

A exequente apresentou contestação invocando, em síntese, que os cheques apresentados sempre valeriam como quirógrafos, documentos particulares assinados pelo devedor e que implicam o reconhecimento da dívida pelo que são títulos executivos nos termos da alínea c) do art. 46º do C.P.C., incumbindo então ao executado o ónus de prova da inexistência da relação subjacente invocada no requerimento executivo, causal à emissão dos cheques (arts. 344º nº 1 e 458º, nº1 do C.Civil), a saber, o fornecimento de bens e serviços à executada; a executada reconheceu ter existido uma relação comercial entre as partes e confessou que a exequente fez fornecimentos no valor de 343.977,03€, que apenas pagou a quantia de 224.807,37€ pelo que ainda está em dívida a quantia de 119.169,30€, “dos quais 115.970,00€ estão titulados pelos cheques que servem de base à presente execução”, o que a executada expressamente reconhece. O contrato tem-se por cumprido, por parte da exequente, com o fornecimento á executada dos bens e serviços de panificação por esta encomendados”, “[e] não com a emissão de facturas, que representam apenas o cumprimento de uma obrigação de natureza fiscal”.

Procedeu-se a julgamento após o que foi proferida decisão que concluiu nos seguintes termos:
“De acordo com os fundamentos supra referidos e de harmonia com o disposto nos preceitos legais citados, decide-se:
a) Julgar a presente oposição procedente, por provada.
b) Determinar a extinção da execução intentada contra a opoente A.P., Lda.
c) Determinar o cancelamento e o levantamento da penhora sobre o prédio urbano sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém, sob o número … e da penhora sobre o prédio urbano sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o número ….
c) Condenar a Exequente C & F, Lda no pagamento das custas do processo.

*

Registe e Notifique”.

Não se conformando a exequente apelou formulando as seguintes conclusões:
“I – A douta sentença recorrida delimitou a questão a decidir nos autos, que é a de saber se “os cheques dados à execução constituem título executivo”
II - A douta sentença recorrida determinou a extinção da execução, por considerar que os cheques dados à Execução não constituem títulos executivos uma vez que “Incidindo sobre a exequente o ónus de alegar a relação causal, o que fez identificando-a como fornecimentos ocorridos no período de tempo que invocou de Janeiro de 2006 a Dezembro de 2006, e impendendo sobre a executada o ónus de alegar e demonstrar que a relação causal invocada não se verificou, como fez, conclui-se que os cheques dados à execução como documentos particulares não constituem títulos executivos“;
III – Embora não possam valer como títulos de crédito, os cheques dados à execução valem como títulos executivos (meros quirógrafos) por serem documentos particulares assinados pelo devedor - nos termos do disposto no artigo 46º, nº 1 al. c) do Cód. Proc. Civil, na versão aplicável.
IV- Os cheques em causa representam, por si só, um reconhecimento unilateral (por parte da devedora Executada) da dívida e uma promessa de pagamento, pelo que, fazem funcionar a presunção legal da existência da dívida e da respectiva causa justificativa, o que determina a inversão do ónus da prova, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 344º, nº 1 e 458º, nº1 ambos do Cód. Civil.
V- Impendia, por isso, sobre a devedora, Executada, o ónus de alegação e prova da inexistência da dita relação subjacente e da dívida, prova essa que, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, a Executada não fez.
VI – Ao invés, a Executada alegou e provou que a relação causal e a dívida exequenda dela emergente existem, e fê-lo por confissão expressa nos artigos 19º, 44º, 29º, 30º, 31º e 32º da Oposição.
VII - Tal confissão é judicial, escrita e foi aceite pela Exequente, pelo que tem força probatória plena contra a confitente Executada – cfr. artigos 356º, nº 1 e 358º, nº 1 do Cód. Civil – prova essa que não foi considerada pelo Tribunal a quo.
VIII - Carece, por isso, em absoluto, de fundamento legal e fáctico a conclusão extraída pelo Tribunal a quo, de que a executada fez a demonstração da inexistência da relação causal e que, por isso, inexiste título executivo.
IX - Quando se entenda, o que apenas se admite por dever de patrocínio, que impende sobre a Exequente o ónus de alegar a relação causal subjacente à emissão dos cheques, sempre se dirá que a Exequente identificou de forma muito clara e sucinta, como lhe competia, a causa de pedir da execução: fornecimento de bens e serviços de panificação pela Exequente à Executada– cfr. art. 810º, nº 3, alínea b) do Cód. Proc. Civil na versão aplicável.
X - Dúvidas não subsistem – nem para a Executada, nem para o Tribunal a quo - que os cheques dados à execução titulam o pagamento de bens e serviços de panificação que a Exequente forneceu à Executada;
XI – Uma vez que, apesar de ter considerado provado que “no período entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2006, a Exequente não forneceu bens e serviços de panificação à Executada”, na fundamentação de direito da sua decisão, o Tribunal a quo acabou por reconhecer que “da matéria que foi possível apurar relativamente às relações comerciais existentes entre as partes, concretamente, do relato das testemunhas e dos documentos emitidos” resulta que tais relações comerciais se situam “entre meados de 2004 e início de 2005.”
XII – É irrelevante delimitar o período de tempo em que ocorreram os ditos fornecimentos, uma vez que, a alegação da relação causal feita pela Exequente é perfeitamente inteligível e foi bem apreendida pela Executada que, exercendo o contraditório, reconheceu, expressa e voluntariamente, não só a existência dos fornecimentos, como também da dívida deles emergente.
XIII - Pelo que, mesmo sufragando o entendimento de que cabia à Exequente alegar a relação causal e uma vez que esta o fez cabalmente e de forma inteligível, não pode deixar de considerar-se que os cheques objecto da execução valem como títulos executivos
XIV- Tendo o Tribunal a quo optado por considerar inexistente o título executivo, fez incorrecta aplicação do disposto, conjugadamente, nos artigos 344º, nº 1 e 458º, nº1 ambos do Cód. Civil e nos artigos 46º, nº 1, al. c), 814º, al. a) e 816º do Cód. Proc. Civil, na versão aplicável e, tendo desconsiderado a confissão expressa da Executada, violou o disposto artigos 356º, nº 1 e 358º, nº 1 do Cód. Civil.
Nestes termos e nos mais de direito que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverá a presente Apelação ser julgada procedente, revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que, julgando improcedente a Oposição, ordene o prosseguimento da Execução”.

A executada apresentou contra alegações e peticionou, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“A) A recorrente apresentou à execução um conjunto de cheques, com data de 2006, que não foram apresentados a pagamento.
B) Tendo dado à execução os referidos cheques como título cambiário.
C) E não tendo alegado a relação causal subjacente à emissão dos referidos cheques.
D) Ora, nos termos do artigo 29.º da LUL, os cheques devem ser apresentados a pagamento no prazo de 8 dias contados do dia que constar na data de emissão dos referidos cheques.
E) Sendo que os cheques só valem como título executivo se apresentados a pagamento no prazo legal, e a ação executiva for intentada no prazo de seis meses contados da data de apresentação dos cheques a pagamento.
F) Não tendo sido os cheques apresentados a pagamento, não constituem título executivo, pelo que existe ausência de título executivo, o que leva à improcedência do requerimento executivo apresentado.
G) Sem conceder, existe uma corrente doutrinária que admite que os cheques constituem título executivo, não como título cambiário, mas como mero quirógrafo, desde que conste do próprio cheque ou seja alegada no requerimento executivo a relação causal subjacente à emissão dos referidos cheques.
H) Ora, tal não consta dos cheques dados à execução, sendo que, inclusivamente, num dos cheques consta a menção “sem efeito”.
I) Nem alegou a recorrente no requerimento executivo a alegação causal subjacente à emissão dos cheques apresentados à execução.
J) Pois o que referiu foi uma consideração muito genérica de que os cheques tinham como origem a prestação de serviços e fornecimento de bens decorridos no ano de 2006.
K) Sendo que resultou provado que em 2006 não houve nenhuma prestação de serviços nem fornecimento de bens entre a recorrente e a recorrida.
L) Tendo a relação comercial entre ambas ocorrido entre Agosto de 2004 e Janeiro de 2005.
M) Sendo que a recorrente apenas corrigiu este facto na resposta à oposição à execução.
N) O que configura uma alteração à causa de pedir inadmissível, que não pode ser tida em consideração.
O) Ainda assim, o doto tribunal recorrido poderia e deveria ter apreciado a questão substantiva da existência de uma dívida, ou não, pela recorrida à recorrente, já que conseguiu provar a recorrida que procedeu ao pagamento de € 215.000,00 (duzentos e quinze mil euros) à recorrente, no âmbito da relação comercial mantida entre ambas entre Agosto de 2004 e Janeiro de 2005.
P) Não tendo, ao contrário do que alega a recorrente, confessado facto algum, uma vez que o que ficou provado foi que não houve fornecimento de bens nem prestações de serviços no período indicado no requerimento executivo.
Q) Tendo apenas a recorrida reconhecido que efetivamente houve uma relação comercial entre ambas, em data anterior.
R) Devido a um árduo esforço da atual gerência, uma vez que não pôde esclarecer cabalmente estes fornecimentos mais atempadamente, nomeadamente em sede de oposição à execução, devido às más relações entre a atual e a anterior gerência, o que obrigou a atual gerência a proceder à procura, entre milhares de documentos, de esclarecimentos entre esta matéria.
S) Deve, pois, em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, e a título subsidiário, conhecer-se de mais este fundamento da defesa apresentada – a inexistência da dívida alegada pela recorrente, bem como a assinatura dos documentos dados à execução em branco e sem representar o reconhecimento de qualquer dívida.
T) Mais, em sede de prova testemunhal foi referido que os fornecimentos à recorrida foram sendo liquidados, não tendo nenhuma testemunha afirmado que à data se encontravam valores em dívida.
U) Em momento algum conseguiu a recorrente provar que haviam quantias em dívida da parte da recorrida.
V) Conseguiu, por seu lado, provar a requerida pagamentos de montante bem superior ao peticionado pela recorrente.
W) Não tendo a recorrente apresentado documentação comprovativa de que o valor da dívida era superior aos pagamentos comprovados pela recorrida.
X) Pelo não pode ser outra a conclusão anão ser que nada é devido pela recorrida à recorrente, no âmbito da relação comercial entre ambas.

G. DO PEDIDO.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EX.A DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE O PRESENTE RECURSO IMPROCEDER, POR NÃO PROVADO, E, CONSEQUENTEMENTE, SER MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA.
REQUER-SE AINDA A V. EX.A, SUBSIDIARIAMENTE, PREVENINDO A NECESSIDADE DA SUA APRECIAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 636.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, A AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO, ONDE DEVERÁ SER RECONHECIDO QUE: A) OS DOCUMENTOS DADOS À EXECUÇÃO FORAM ASSINADOS EM BRANCO, NÃO REPRESENTANDO A ACEITAÇÃO OU RECONHECIMENTO DE QUALQUER DÍVIDA; B) A RECORRIDA NADA DEVE À RECORRENTE, A QUALQUER TÍTULO, NO ÂMBITO DA RELAÇÃO COMERCIAL MANTIDA ENTRE AMBAS NO SEGUNDO SEMESTRE DE 2004 E ATÉ JANEIRO DE 2005”.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1. No período compreendido entre Agosto de 2004 e Janeiro de 2005, a Exequente forneceu bens e serviços de panificação à Executada para revenda;
2. Reportadas aos fornecimentos efectuados, a exequente emitiu à executada as seguintes facturas:
- factura n.º 4000079 de 08.08.2004, com vencimento imediato, no montante de € 9.910,45;
- factura n.º 4000080 de 15.08.2004, com vencimento imediato, no montante de € 9.193,00;
- factura n.º 4000081 de 22.08.2004, com vencimento imediato, no montante de € 8.713,27;
- factura n.º 4000082 de 29.08.2004, com vencimento imediato, no montante de € 7.417,48;
3. Reportados às facturas indicadas em 2., a exequente emitiu à executada os seguintes recibos:
- recibo n.º 4000079 de 08.08.2004 no valor de € 9.910,45;
- recibo n.º 4000080 de 15.08.2004 no valor de € 9.193,00;
- recibo n.º 4000081 de 22.08.2004, no montante de € 8.713,27;
- recibo n.º 4000082 de 29.08.2004, no montante de € 7.417,48.
4. A exequente emitiu ainda à executada as seguintes notas de crédito:
- nota de crédito n.º 48, de 31.08.2004, pelo valor de € 754,38;
- nota de crédito n.º 49, de 31.08.2004, pelo valor de € 1.164,44;
- nota de crédito n.º 50, de 31.08.2004, pelo valor de € 1.133,98;
- nota de crédito n.º 51, de 31.08.2004, pelo valor de € 1.101,95;
- nota de crédito n.º 52, de 31.08.2004, pelo valor de € 1.022,10;
- nota de crédito n.º 53, de 31.08.2004, pelo valor de € 968,65;
- nota de crédito n.º 54, de 31.08.2004, pelo valor de € 825,10.
5. A exequente emitiu entre 30.08.2004 e 22.12.2004 as Guias de Remessa n.º 4000058 a 4000172 e entre 02.01.2005 e 21.01.2005 as Guias de Remessa n.º 4000001 a 4000020, tudo no valor de € 418.072,73.
6. A exequente é portadora dos seguintes cheques emitidos pela executada à sua ordem:
- n.º 1626395197 sob a C.G.D. datado de 31/01/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 0726395198 sob a C.G.D. datado de 28/02/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 9526395199 sob a C.G.D. datado de 31/03/2006, no valor de € 10.000,00;
n.º 8626395200 sob a C.G.D. datado de 30/04/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 7726395201 sob a C.G.D. datado de 31/05/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 6826395202 sob a C.G.D. datado de 30/06/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 5926395203 sob a C.G.D. datado de 31/07/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 5026395204 sob a C.G.D. datado de 31/08/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 4126395205 sob a C.G.D. datado de 30/09/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 5326395236 sob a C.G.D. datado de 30/10/2006, no valor de € 10.000,00;
- n.º 4426395237 sob a C.G.D. datado de 30/11/2006, no valor de € 10.000,00; e
- n.º 3526395238 sob C.G.D. datado de 30/12/2006 no valor de 9.170,00€.
7. O cheque n.º 1626395197 sob a C.G.D. datado de 31/01/2006, tem aposta manuscrita a expressão “S/ efeito”.
8.Os cheques indicados em 6. não foram apresentados a pagamento.
9. No período compreendido entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2006, a Exequente não forneceu bens e serviços de panificação à Executada;
10. Os cheques referidos em 6. não titularam parte preço do fornecimento de bens e serviços de panificação à Executada pela Exequente, entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2006.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO:

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela exequente apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Saliente-se que a executada deduziu, subsidiariamente, pedido de ampliação do recurso, valendo as mesmas regras.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
a) Apelação da exequente:
- da existência do título executivo;
- do mérito da oposição;
b) Da ampliação do recurso pela executada: do pagamento da dívida exequenda.

2. A primeira questão a decidir prende-se com a configuração do título executivo apresentado pela exequente.
No requerimento inicial apresentado à execução e cuja cópia foi junta, a solicitação desta Relação para instruir o recurso (fls. 358- 371), consta a menção, aposta pela exequente, a seguir à expressão “Título Executiva”, da palavra “Cheque”, menção que se repete no final do requerimento, quando, sob a epígrafe “Documentos a apresentar”, ao exequente refere o seguinte:
“Título executivo: cheques (documentos nº 1 a 12)”.

Interpretando os articulados das partes em conformidade com as regras que decorrem dos arts. 236º nº1 e 238º, nº1 do Cód. Civil, não pode deixar de se considerar, no contexto que decorre do requerimento inicial de execução, que o título executivo que a apelante pretendeu utilizar na execução é constituído por cheques de que é legítima portadora.

Assentando-se que os cheques apresentados não podem valer como títulos cambiários, uma vez que nem sequer foram apresentados a pagamento, então o que se discute é se esses documentos valem como título executivo porque configuram documentos particulares assinados pelo devedor, que importam a constituição de obrigações pecuniárias de montante determinado, nos termos do art. 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava à data de instauração da execução [ [1] ], constituindo quirógrafos da obrigação e, respondendo-se afirmativamente, em que termos.

Das várias orientações que vêm sendo seguidas dá-nos exemplarmente conta o Ac do STJ de 21-10-2010 [ [2] ], permitindo-nos a respectiva transcrição, pela linearidade dessa exposição:
Procurando aprofundar e sistematizar esta matéria, afigura-se que a matéria da exequibilidade dos títulos de crédito pode encarar-se segundo três perspectivas jurídicas bem diferenciadas. Assim:
A) Em primeiro lugar, podem os mesmos surgir na execução como verdadeiros e próprios títulos de crédito, sendo invocados pelo exequente como modo de demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta, que constitui verdadeira causa de pedir da acção executiva – sendo, para tal, obviamente necessário que se mostrem integralmente respeitados todos os pressupostos e condições de que a respectiva lei uniforme faz depender o exercício dos direitos que confere ao seu titular ou portador legítimo.
 Nesta situação, o título executivo é uma peculiar categoria de documentos particulares, regidos por uma disciplina específica, decorrente da sua especial segurança formal e fiabilidade, e a «causa petendi» da acção executiva é a relação creditória neles incorporada, com as suas características próprias, em larga medida decorrentes da literalidade e abstracção das obrigações cartulares por eles documentadas.
B) Em segundo lugar – e não se verificando algum dos requisitos ou condições imperativamente previstos na respectiva LU para o exercício do direito e acção conferido ao titular ou portador legítimo do título – pode valer tal título de crédito como mero quirógrafo ou documento particular, assinado pelo devedor, que contenha ou implique o reconhecimento da obrigação causal subjacente – desde logo, como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, sem indicação da respectiva causa, submetida à disciplina jurídica contida no art. 458º do CC, ou seja, implicando a dispensa de o credor provar a relação fundamental, desde que não sujeita a específicas formalidades legais, cuja existência se presume até prova em contrário.
Nesta peculiar situação, a presunção de existência da relação fundamental, decorrente do regime estabelecido no referido art. 458º, implica a dispensa de o credor exequente invocar os respectivos factos constitutivos, recaindo naturalmente sobre o executado o ónus de ilidir ou afastar tal presunção no âmbito da oposição à execução que deduza. Ou seja: valendo o título ou documento particular invocado pelo exequente como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, a execução está em condições de prosseguir mesmo que a relação subjacente não conste do documento que corporiza essa declaração unilateral, nem seja explicitamente afirmada, nos seus factos constitutivos, pelo exequente no requerimento executivo – implicando a presunção legal, afirmada pelo referido art. 458º, que compete ao executado pôr em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou invalidade do débito aparentemente confessado ou reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor/exequente.
C) Em terceiro lugar, podem valer os títulos de crédito que não obedeçam integralmente aos requisitos impostos pela respectiva LU como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão, desde que os factos constitutivos desta resultem do próprio título ou sejam articulados pelo exequente no respectivo requerimento executivo, revelando plenamente a verdadeira «causa petendi» da execução e propiciando ao executado efectiva e plena possibilidade de sobre tal matéria exercer o contraditório : como é evidente, esta terceira perspectiva funcionará nos casos em que a declaração de vontade consubstanciada no título de crédito não puder valer como declaração unilateral de reconhecimento do débito subjacente à respectiva emissão, não beneficiando, consequentemente, da presunção afirmada pelo art. 458º do CC – o que naturalmente implicará para o exequente o ónus de invocar e demonstrar os factos constitutivos da relação fundamental que constitui a verdadeira causa de pedir da execução.
Neste caso, o documento assinado pelo devedor constitui quirógrafo de uma obrigação causal cujos elementos constitutivos essenciais têm de ser processualmente adquiridos, em complemento do título executivo, por iniciativa tempestiva e processualmente adequada do próprio exequente, sendo articulados no requerimento executivo sempre que não resultem do próprio título ; é, aliás, neste tipo de situações que ressalta, com maior evidência, a diferenciação e autonomia entre os conceitos de título executivo e de causa de pedir da acção executiva , sendo o primeiro integrado por um documento particular, assinado pelo devedor, que - embora não contenha um expresso e directo reconhecimento da dívida exequenda - indicia a existência de uma relação obrigacional que o vincula no confronto do exequente ; e a segunda consubstanciada pela própria relação obrigacional que, não resultando, em termos auto-suficientes, daquele título, é introduzida no processo através de um verdadeiro articulado, complementar do documento em que execução se funda.
 Saliente-se que esta terceira e ampla perspectiva acerca da delimitação do elenco dos títulos executivos extrajudiciais foi possibilitada – e decorre directamente – do objectivo, prosseguido pelo legislador na reforma de 1995/96, de ampliação das condições de exequibilidade dos documentos particulares, assinados pelo devedor e que indiciem, com um razoável grau de probabilidade , a existência da obrigação exequenda , com vista a evitar a duplicação das vias declaratória e executiva, embora com o inevitável custo de uma maior litigiosidade no enxerto declaratório que possibilita ao executado controverter a existência da obrigação que surge como causa de pedir da execução: embargos de executado e actual oposição à execução.
E este entendimento tem sido acolhido e desenvolvido pela doutrina e jurisprudência, claramente maioritárias, (veja-se, de forma paradigmática, o Ac. do STJ de 19/12/06, proferido no P.06B3791) que não têm interpretado a norma constante da al. c) do art. 46º do CPC com o sentido , nomeadamente, de o acto recognitivo - reconhecimento da dívida - constante do título ter de ser expresso , directo , inequívoco e auto-suficiente, admitindo, consequentemente, que possam valer como títulos executivos documentos que reconheçam, embora não de forma cabalmente expressa e categórica, a obrigação exequenda - e que careçam, para serem perfeitamente concludentes quanto à realidade desta, de ser conjugados com elementos fácticos complementares, estranhos ao próprio título, a introduzir e fazer adquirir processualmente pelo exequente através da alegação fáctica no requerimento executivo e de uma ulterior actividade probatória a seu cargo.

 Note-se ainda que esta ampla perspectiva acerca da exequibilidade dos documentos particulares mereceu expressa consagração na reforma de 2003 da acção executiva : apesar da ampla desjudicialização da tramitação desta, a al. b) do nº3 do art. 810º veio consagrar expressamente a atrás citada possibilidade de o requerimento executivo conter uma exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido executivo , quando não constem do próprio título executivo – acentuando, deste modo, a inevitável quebra do princípio da auto-suficiência do título executivo : os elementos essenciais da obrigação exequenda podem, deste modo, resultar, quer do próprio documento que serve de título executivo, quer de uma actividade complementar de alegação e prova pelo exequente – que extravasa manifestamente a simples possibilidade – sempre contemplada na lei de processo - de , na fase liminar da execução, se tornar a obrigação certa, líquida e exigível, quando o não fosse já em face do título.

Depois, e debruçando-se mais concretamente sobre o caso aí em análise, em que o título apresentado consubstanciava um cheque – como no caso que ora se nos depara – prossegue o mesmo aresto:
“Transpondo estas considerações gerais para a particular questão que agora nos ocupa directamente – a exequibilidade do cheque que, por carecer dos requisitos definidos pela respectiva LU, não pode servir de base a uma execução reportada à estrita obrigação cambiária ou cartular – diremos que:
 I- Temos como efectivamente discutível que, face à natureza do cheque e à fisionomia estrutural das obrigações dele emergentes, lhe seja plenamente aplicável a segunda perspectiva, atrás enunciada sob a alínea B): é que, ao contrário das letras e livranças, que contêm uma promessa de pagamento de determinada quantia pecuniária, a natureza do cheque não importa propriamente um acto de reconhecimento, directo e expresso, de uma dívida do executado no confronto do exequente, mas antes uma ordem de pagamento , dirigida a um banqueiro , em benefício do potencial credor da mobilização de fundos decorrente da emissão e entrada em circulação do cheque ; implicam estas considerações que o titular do cheque, desprovido dos requisitos da LU, não beneficiará da presunção contida no art. 458º do CC, apenas convocável quanto àquelas declarações confessórias que, pela sua natureza, importem um reconhecimento unilateral, expresso e directo, de uma dívida no confronto do exequente;
 II- É-lhe, porém, plenamente aplicável a perspectiva ou enquadramento jurídico atrás referida sob a alínea C), nada obstando a que o cheque seja invocável, no âmbito das relações imediatas, como mero quirógrafo de uma relação obrigacional causal, não sujeita a particular forma legal, justificadora da ordem de pagamento dada pelo executado a favor do exequente, desde que este, no requerimento executivo, tenha alegado os factos constitutivos desse débito causal - não mencionado no próprio cheque dado à execução - nos termos actualmente consentidos, de forma expressa, pelo art. 810º, nº3, al. c) do CPC .

Na verdade, e embora o cheque, pela sua peculiar fisionomia, não contenha uma declaração confessória, expressa e directa, de um débito do executado perante o exequente, constitui um quirógrafo ou documento particular, dotado de valor probatório contra o respectivo signatário, nos termos dos arts. 373º e segs. do CC, e que, conjugado com a actividade de alegação complementar do exequente, poderá indiciar, com um grau de probabilidade suficiente para a execução poder prosseguir, a existência da obrigação causal que funciona como « causa petendi» da acção executiva .

 É que, na realidade do comércio jurídico, a ordem de mobilização de fundos contida no cheque implicará normalmente , ao menos de forma tácita, a admissão da existência de um débito causal perante o respectivo titular, a saldar precisamente através da sua apresentação a pagamento; ou seja embora: a subscrição do cheque, não contenha uma expressamente verbalizada confissão de dívida ou promessa de pagamento do sacador ao exequente, constitui um facto que, com toda a probabilidade, revela a existência e admissão pelo devedor de uma obrigação causal subjacente à respectiva emissão, delineada, nos seus elementos constitutivos essenciais, pelo credor no requerimento executivo.

 É pertinente salientar, aliás, que a jurisprudência, numa ampla interpretação dos requisitos legais da exequibilidade dos documentos particulares, tem inclusivamente admitido que possam servir de base à execução determinados documentos, contendo, não um expresso reconhecimento da dívida exequenda, mas uma ordem de pagamento ou mobilização de fundos, dotada de bem menor fiabilidade do que a emissão de um cheque, mesmo quando desprovido dos requisitos impostos pela LU – deles inferindo a realidade da obrigação dada à execução: assim, tem sido conferida força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, a dirigir-se a diversos bancos e a solicitar as transferências indicadas, por débito da conta, a favor do credor – entendendo que deles se pode extrair ainda um reconhecimento de obrigações pecuniárias (vide, por ex. , o Ac. Rel. In CJIII/98, pag. 181).

Por outro lado, este entendimento, ao vincular o exequente a especificar no requerimento executivo os factos essenciais para se alcançar plenamente a relação obrigacional normalmente indiciada pela emissão de uma ordem e pagamento a favor do exequente, elimina os riscos de as partes terem eventualmente descaracterizado a função típica e estrutural do cheque de meio de pagamento - para o fazerem assumir, no caso, uma função , colateral e atípica , de instrumento de garantia, a qual , a existir, necessariamente irá ser revelada pelo teor da alegação fáctica do exequente”.

Partilhando-se o entendimento sufragado no aresto citado [ [3]  ], diremos que um cheque a que faltem as condições legais para valer como título de câmbio, pode valer como título executivo nos termos do referido art. 46º, nº 1 al. c) do C.P.C. de 1961, exigindo-se apenas que, nesse caso, conste expressamente do cheque menção da relação causal ou subjacente ou, caso assim não suceda, que o exequente alegue a factualidade pertinente no requerimento executivo, desde que essa relação causal não seja formal, incumbindo ao exequente o ónus de prova dessa factualidade.
 
Afastamo-nos, pois, do entendimento que o exequente/apelante expressa nas alegações de recurso e que cremos não ser, actualmente, o entendimento maioritário [ [4] ].

*

Ultrapassado este primeiro ponto, impõe-se agora nova linha de análise, mais precisamente, impõe-se apreciar se o exequente alegou a relação causal da emissão dos cheques no requerimento executivo.
Nesse requerimento, a exequente indicou, sob a epígrafe “[f]actos” o seguinte:
“No período compreendido entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2006, a Exequente forneceu bens e serviços de panificação à Executada. Para titular o pagamento de parte desses bens e serviços, a Executada emitiu e entregou à Exequente os cheques nºs 1626395197 sob a C.G.D. datado de 31/01/2006, no valor de 6.800,00€ (cheque titula a quantia de 10.000,00€ mas desta quantia já foi liquidada pela Executada a quantia de a quantia de 3.200,00€), 0726395198 sob a C.G.D. datado de 28/02/2006, 9526395199 sob a C.G.D. datado de 31/03/2006, 8626395200 sob a C.G.D. datado de 30/04/2006, n.º 7726395201 sob a C.G.D. datado de 31/05/2006, 6826395202 sob a C.G.D. datado de 30/06/2006, 5926395203 sob a C.G.D. datado de 31/07/2006, 5026395204 sob a C.G.D. datado de 31/08/2006, 4126395205 sob a C.G.D. datado de 30/09/2006, 5326395236 sob a C.G.D. datado de 30/10/2006, 4426395237 sob a C.G.D. datado de 30/11/2006, no montante de 10.000,00€ cada um e o cheque nº 3526395238 sob C.G.D. datado de 30/12/2006 no valor de 9.170,00€, perfazendo um total de 115.970,00€ (cento e quinze mil, novecentos e e setenta euros), cheques que não foram pagos, nem nas respectivas datas, nem posteriormente até à presente data”.

Considera a executada/apelada que a exequente não invocou no requerimento inicial de execução a relação causal ou subjacente à emissão dos cheques, porque não explicou a proveniência da dívida “com o mínimo de concretização para que seja possível percepcionar a causa de pedir”, acrescentando que “os períodos a que respeitam os fornecimentos constituem elementos essenciais na alegação da relação causal subjacente à emissão” (fls. 338 das contra alegações de recurso).

Vejamos.

O articulado de oposição à execução, se bem que formalmente constitua uma petição inicial, obedecendo aos requisitos impostos pelo 552º do C.P.C., “constitui, substancialmente, uma contestação ao pedido executivo”tendo uma “natureza mista”[[5]  ].

Assim, à semelhança do que dispõe o art. 186º, nº3 do C.P.C. e por similitude de razões, se da leitura do articulado de oposição se retira que o executado opoente entendeu perfeitamente o requerimento inicial de execução e alcançou a pretensão do exequente e a causa da execução, não tem cabimento eventual invocação de que o exequente alegou sem precisão e de forma deficiente a relação subjacente à emissão do titulo, nomeadamente nada esclarecendo “quanto à quantidade dos bens fornecidos, valor ou prazo acordado para o respectivo pagamento” (cfr. os arts. 18º a 26º da petição inicial de oposição).

No caso dos autos, entendemos que a exequente expôs com o mínimo de precisão a causa de pedir, pelo menos no que concerne à indicação da origem e proveniência da dívida – fornecimento de bens e serviços de panificação, mediante um preço determinado –, tanto assim que a executada bem a entendeu e percepcionou, assegurando a sua defesa, como decorre, nomeadamente, da alegação constante dos arts. 29º e seguintes.

Assim, a executada, aceitando expressamente a existência de um negócio celebrado entre as partes e que o mesmo se reconduz à venda/fornecimento de bens e serviços pela exequente, como assinalado no requerimento executivo, alega na petição da oposição:
- Que os fornecimentos efectuados pela exequente à executada ocorreram no segundo semestre de 2004 e atingiram o montante de 343.977,03€2 (cfr. os arts. 30º, 32º e 45º);
- Que desse valor a executada já pagou à exequente a quantia de 224.807,73€, pese embora a exequente só tenha apresentado facturação alusiva a 119.177,80€, violando obrigações de natureza fiscal com os inerentes prejuízos para a executada que não pode reflectir na sua contabilidade as verbas alusivas ao IVA;
- Que a exequente nunca emitiu recibos alusivos aos pagamentos efectuados pela executada;
- Que ficou estabelecido entre as partes que os fornecimentos “começariam a ser pagos em Julho do mesmo ano (leia-se, 2004), prosseguindo em 2005 e em 2006, através da emissão e entrega de cheques pós-datados, a cuja família pertencem os títulos de crédito dados à execução” (art. 31º) [ [6]  ];
- Que até à instauração da execução nunca a exequente fez menção de se “fazer pagar do remanescente da dívida”, “razão pela qual certamente nunca apresentou sequer a apagamento, os cheques que agora deu à execução” (arts. 40º e 41º); 
- A “não entrega pela exequente de facturas relativamente à quantia exequenda, associada a idêntico comportamento relativamente a grande parte da quantia já paga por conta da relação comercial havida, bem como a não entrega de quaisquer recibos de quitação” configura violação pela exequente das obrigações que resultam do art. 787º do Cód. Civil ocorrendo mora do credor nos termos do art. 813º do mesmo diploma, com a consequente inexigência da obrigação de juros (arts. 42º e 43º).

Em suma, aceitando-se que o requerimento executivo evidencia que a exequente perspectivou a execução com base em título cambiário, ainda assim se nos afigura que esse erro de avaliação não inquina a execução, valendo os cheques como quirógrafo da obrigação, nos moldes assinalados, tendo a apelante razão quando indica que cumpriu o ónus de alegação da relação causal, propiciando à executada a faculdade desta exercer plenamente o contraditório, como fez.

3. Assim assente a configuração do título executivo, vejamos então o juízo de mérito enunciado na decisão recorrida e contra o qual se insurge a exequente.

Lê-se na sentença:
 “Dos factos dados como provados resulta, designadamente, que no período compreendido entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2006, a Exequente não forneceu bens e serviços de panificação à Executada, pelo que os cheques dados à execução não se destinaram ao pagamento dos mesmos - (pontos 6, 9 e 10).

Da matéria que foi possível apurar relativamente às relações comerciais existentes entre as partes, concretamente, do relato das testemunhas e dos documentos emitidos, nenhum elemento resulta que situe tais relações no período de tempo referido no requerimento executivo (Janeiro a Dezembro de 2006), tal como melhor se extrai dos pontos 1 a 5 dos factos provados, situando-se as únicas relações comerciais havidas, ao invés, entre meados de 2004 e início de 2005.

Incidindo sobre a exequente o ónus de alegar a relação causal, o que fez identificando a como fornecimentos ocorridos no período de tempo que invocou de Janeiro de 2006 a Dezembro de 2006, e impendendo sobre a executada o ónus de alegar e demonstrar que a relação causal invocada não se verificou, como fez, conclui-se que os cheques dados à execução como documentos particulares não constituem títulos executivos”.
Discordamos deste entendimento.

O tribunal a quo acentua a data dos fornecimentos, concluindo linearmente que, indicando a exequente no requerimento de execução que os cheques em causa foram emitidos para fornecimentos ocorridos em 2006, então, provando-se que em 2006 não foram feitos fornecimentos, inexiste título executivo.
Parece-nos uma análise simplista, justificando-se outro tipo de indagação.

O contrato de fornecimento não se encontra tipificado no Cód. Civil [ [7]  ], configurando um dos tipos de contrato de troca para a transmissão de direitos, sendo discutível a sua autonomia relativamente à compra e venda  [ [8]  ]. Nos termos do art. 939º do Cód. Civil é aplicável ao contrato de fornecimento a regulamentação alusiva à compra e venda, cujos elementos essenciais (do contrato de compra e venda) são a identidade dos sujeitos, a coisa a transmitir e o preço (874º do C. Civil).

Acresce que, no caso em apreço, atenta a particular configuração que a executada deu ao articulado de oposição, não cremos que a solução do litígio passe pela delimitação da data ou período em que os fornecimentos são feitos, porquanto, afinal, as partes estão de acordo quanto a essa matéria, isto é, que os fornecimentos foram feitos em data anterior a 2006, sem prejuízo dos pagamentos se prolongarem por esse ano, nos termos supra assinalados e atendendo à alegação da opoente, que nessa parte a exequente aceitou, conforme resulta dos arts. 30º a 34º da contestação. Ou seja, em 2006, pese embora ultimados já os fornecimentos, mantinha-se a relação negocial entre as partes, com pagamentos em curso, sendo que é a própria executada que assim configura a relação.

Neste contexto e com o devido respeito, afigura-se-nos que o facto em causa – data dos fornecimentos que não, insiste-se, os próprios fornecimentos – não é relevante em termos de justificar a afirmação feita na sentença recorrida, de que a exequente não provou a relação causal invocada no requerimento executivo. Abra-se aqui um parêntesis para referir que se tem por injustificada a convocação pela executada/apelada do ac. RL de 09-07-2009, em abono da sua tese e embora a propósito da questão alusiva à “alegação da relação causal”, porquanto aí se reporta uma situação completamente diferente da que ora se nos depara, como a leitura integral desse aresto claramente evidencia [ [9] ].

Volvendo ao que dizíamos, afigura-se-nos que a exequente apelante tem razão quando invoca que a alegação da executada, exposta no articulado da oposição, configura uma confissão da dívida.

Sabe-se que a confissão é indivisível, nos termos do art. 360º do Cód. Civil, pelo que não é admissível que a exequente aproveite a alegação da executada na parte que lhe interessa, descartando o demais. Em todo o caso, perante a alegação vertida no articulado da oposição e a que supra referimos, dúvidas não há que a executada aceitou que, até ao terminus do ano de 2006, os pagamentos dos fornecimentos feitos deviam estar ultimados e que isso não aconteceu, aceitando a dívida de capital [ [10] ].

O que a executada faz é excepcionar a mora do credor para assim pretender justificar a falta de pagamento atempado ou o retardamento da sua prestação (arts. 29º a 43º da oposição), mas a factualidade invocada não tem essa virtualidade.

Efectivamente, a invocação pela executada de violação de obrigações fiscais por parte da exequente é irrelevante para dirimir o litígio porquanto, como se referiu no ac. STJ de 14-11-2013 “[a]s obrigações fiscais que a lei põe a cargo de cada um dos sujeitos da relação tributária e o seu cumprimento ou incumprimento, constituem assunto que diz respeito unicamente ao credor ou ao devedor de tal relação tributária, não afectando, salvo demonstração em contrário, nem a validade intrínseca ou extrínseca do seu objecto nem a eficácia do negócio jurídico-civil celebrado e, muito menos, servindo de causa de exclusão da ilicitude para o incumprimento de uma das partes [ [11] ].

Por outro lado, a executada opoente nunca invocou, como lhe competia, que o acordo celebrado entre as partes passava pelo pagamento dos bens e serviços fornecidos mediante ou contra a apresentação da respectiva factura e apenas no momento dessa apresentação [ [12]  ], pelo que não pode considerar-se que eventual omissão dessa conduta configure hipótese de mora do credor, nos termos invocados pela opoente e com referência ao art. 813º do Cód. Civil [ [13] ]. Quanto ao direito à quitação, exige-se a simultaneidade das prestações, pelo que a executada não tem o direito de recusar o pagamento invocando que a exequente não deu quitação de pagamentos anteriores, tanto mais que pode sempre exigir a quitação depois do cumprimento nos termos do art. 787º, nº2 do Cód. Civil [ [14] ] [ [15] ].No máximo tinha que acautelar a prova dos pagamentos posteriores, reunindo-se de maiores cautelas quanto ao meio de pagamento utilizado.

Nessa parte improcede, pois, a oposição, concluindo-se que, à data de instauração da acção executiva, em Maio de 2007, a dívida de capital mencionada pela exequente no requerimento de execução, no valor de 115.970,00€ existia, tendo por conseguinte a exequente logrado provar que o titulo executivo apresentado, na configuração assinalada, tinha inteira correspondência com a relação causal invocada e que esteve na base da emissão dos cheques sendo que, para esse efeito, valeu fundamentalmente a versão dos factos que a própria executada carreou para a oposição [ [16]  ].

Em suma, se é certo que, como se deu por assente, os cheques referidos em 6. não titularam parte preço do fornecimento de bens e serviços de panificação à Executada pela Exequente, entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2006, dúvidas não há, perante a confissão da executada, que titularam fornecimentos feitos pela exequente em 2004 e 2005, invocando a executada que emitiu esses documentos em data anterior àquela que foi aposta nos mesmos – cheques pós-datados, como invoca [ [17]  ].

É quanto basta para concluir pela existência de título executivo, impondo-se a revogação da sentença.

4.Passemos à análise da ampliação do recurso deduzida em termos subsidiários pela executada.

Invoca a executada nas contra alegações de recurso que “foi produzida prova suficiente em julgamento, quer documental quer testemunhal, que permita concluir que todos os serviços prestados pela recorrente foram devidamente pagos” (fls. 341).

Mais acrescenta que “resultou, pois, provado que a recorrente forneceu produtos relacionados com a panificação entre Agosto de 2004 e Janeiro de 2005, aplicando, no entanto, 50% de desconto sobre os mesmos. Que a recorrente foi efectuando pagamentos e que recebeu de um gerente de facto da sociedade cheques assinados, em branco, sem saberem para que fim se destinavam pelos gerentes de direito da recorrida. E nenhum valor é devido pela recorrida á recorrente” (fls. 344).

Ora, não só essa alegação não tem qualquer suporte no articulado de oposição, em que pura e simplesmente a executada nunca invocou como agora faz, como, fundamentalmente, a executada, nas contra alegações de recurso, parece olvidar por completo o que invocou no articulado de oposição, chegando a alegar de forma absolutamente incompatível com o que havia dito anteriormente. A título exemplificativo, não se alcança como pode a executada concluir conforme faz sob as letras U), V) e W), quando do requerimento inicial de oposição indica expressamente que não pagou integralmente o valor correspondente ao preço dos fornecimentos, concretizando o valor em falta e pretendendo até justificar essa falta invocando a mora do credor.

O que a executada faz em sede de recurso é retomar a correcção feita aquando dos requerimentos que apresentou em 25-10-2013 e 29-01-2014 (fls. 207-217 e 236-262) pelos quais, a coberto da apresentação de documentos, cuja junção aos autos requer – é dessa forma que termina os requerimentos –, vem indicar, em síntese, que nada deve à exequente e tudo pagou, corrigindo, pois, de forma evidente, a alegação anteriormente vertida no articulado de oposição e fazendo-o, processualmente, por via da junção de documentos particulares, à laia de explicação do conteúdo dos documentos e não por via de articulado superveniente (arts. 588º e 589º do C.P.C.). Sem prejuízo da admissão da junção dos documentos (particulares), o que relevaria são os factos a que os mesmos se reportam e esses, como se disse, não foram invocados no momento oportuno.

É esse discurso que se encontra novamente nas contra alegações de recurso, o que não pode admitir-se, sabendo-se, como se sabe, que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.

Não pode deixar de salientar-se que a executada que assim procede, é a mesma que entende que o exequente não pode, na contestação à oposição, rectificar a alegação constante do requerimento executivo quando ao momento em que os fornecimentos foram feitos, elemento que, ao contrário do que refere a recorrida, é perfeitamente inóquo com contexto dos autos, até porque as partes estão de acordo quanto a esta matéria, como se aludiu, actuação processual que, com o devido respeito, não pode aceitar-se.

Assim, o pedido de ampliação deduzido – com vista a que se reconheça, como a executada expressamente conclui nas alegações de recurso que “a) os documentos dados à execução foram assinados em branco, não representando a aceitação ou reconhecimento de qualquer dívida; b) a recorrida nada deve à recorrente, a qualquer título, no âmbito da relação comercial mantida entre ambas no segundo semestre de 2004 e até janeiro de 2005” não tem fundamento.

*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação da exequente e improcedente a ampliação do recurso peticionada pela executada e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, julga-se improcedente a oposição, determinando-se o normal prosseguimento da execução.
Custas pela executada/apelada.

Extraia certidão dos articulados das partes, documentos juntos e título executivo e remeta à Repartição de Finanças da sede da exequente e da executada.
Notifique.


Lisboa, 05-05-2015 

(Isabel Fonseca)
(Maria Adelaide Domingos)
(Eurico José Marques dos Reis- vencido, conforme declaração em anexo)

1. Concordo com e acompanho integralmente a posição jurídica que fez vencimento no presente acórdão no que respeita à possibilidade de um cheque a que faltem as condições legais para valer como título de câmbio, poder ser considerado um título executivo nos termos previstos na alínea c) do n° 1 do art.? 46° do CPC 1961 (norma que, concorde-se ou não com a sua formulação, estava em vigor à data de instauração da acção executiva julgada extinta pela sentença recorrida), exigindo-se apenas que, nesse caso e incumbindo ao exequente o ónus de prova dessa factual idade, conste expressamente desse cheque uma menção da relação causal ou subjacente ou, caso assim não suceda, que o exequente alegue no requerimento executivo a factualidade pertinente, desde que essa relação causal não seja formal.

Por outro lado, em tese geral, também concordo com o entendimento de que, à semelhança do que se encontra disposto no n.º 3 do art.º 186° do CPC 2013 e com fundamento em argumento lógico de igualdade de razões, se da leitura do articulado de oposição se retirar que o oponente/executado entendeu perfeitamente o requerimento inicial de execução e alcançou a pretensão do exequente e a causa da execução, não tem cabimento eventual invocação de que esse credor alegou sem precisão e de forma deficiente a relação subjacente à emissão do titulo,
Só que, com todo o respeito pela opinião contrária, entendo que essa não é a situação espelhada no processo em referência, sendo essa uma das razões que justificam o presente voto de vencido.

Vamos por partes.
2. Ab initio, é indispensável recordar que litigar em Juízo constitui, ao mesmo tempo, um comportamento de elevado conteúdo e significado ético e uma actuação de enorme relevância social, que, por esse motivo, não pode ser prosseguida de ânimo leve ou de forma descuidada; de facto, um processo judicial é uma sequência logicamente organizada de actos que se querem inteligentes e que são auto-vinculativos para as partes que os praticam, a ponto de ser proibido - e de uma tal conduta ser legalmente sancionada de modo negativo, nomeadamente a título de litigância de má-fé _ venire contra factum proprium.
Outrossim, considerando o carácter fortemente intrusivo das acções executivas às quais se aplicam as regras introduzidas no CPC pelo DL n.º 38/2003, de 08 de Março, impõem-se, de um modo perfeitamente natural, que, sempre que haja lugar a uma aplicação do mesmo, se proceda, em concreto, a uma interpretação cuidadosa e minimalista (ou seja, restritiva) do estatuído no art.º 460 desse Código, com a redacção que lhe foi dada por esse Decreto-Lei de 2003, posição que é particularmente exigível quando está em causa, como aqui está, a alínea c) do n." 1 desse comando normativo.

Ora, na situação em apreço, aquilo que a exequente afirma no seu requerimento inicial da execução (v. fl s. 360 dos presentes autos), é que “No período compreendido entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2006, a Exequente forneceu bens e serviços de panificação à Executada. Para titular o pagamento de parle desses bens e serviços, a Executada emitiu e entregou à Exequente os cheques …”, (enumerando a seguir aqueles que foram dados à execução),
E porque assim é, ou seja, porque essa declaração é muito clara e inequívoca, a supra aludida interpretação extensiva do disposto no n.º 3 do art." 186° do CPC 2013, não tem - sempre com todo o respeito pela opinião que fez vencimento - qualquer campo de aplicação.

Por outro lado, a exequente está totalmente vinculada aos termos dessa sua declaração que não pode por si ser retirada e que só pode ter-se como formulada livre e conscientemente.

Nesta conformidade, tendo ficado não menos claramente provado nestes autos de oposição à execução que, durante esse lapso de tempo, nenhum fornecimento de bens e serviços foi feito pela Exequente à Executada, forçosamente se tem de concluir - insiste-se, face ao que resultou provado _ que o fundamento invocado pela ora apelada para justificar a instauração da acção, ou melhor, que a concreta dívida que esta sociedade alegou existir e cujo pagamento queria assegurar com a execução apensa, pura e simplesmente não existe.

3. Não obstante, é indesmentível que entre as partes em conflito existiu, em tempos, um relacionamento comercial que não se encontra definitivamente concluído e até que existirá uma dívida da Executada para com a Exequente - é a própria ora recorrida que o reconhece/confessa no seu articulado de oposição.

Porém, insiste-se, essa não é a dívida cujo pagamento é pedido em sede de execução _ é outra, porque se reporta a fornecimentos que, na versão da apelada, se encontram circunscritos ao 2º semestre de 2004 -, o que, portanto, significa que os cheques dados à execução, por si sós, não preenchem os requisitos exigidos por Lei, através da alínea c) do n.º 1 do art." 46° do CPC 1961, com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 38/2003, de 08 de Março, para que lhes possa ser atribuída a qualificação e reconhecidos os efeitos de título executivo, sendo certo que, como é reconhecido pela posição jurídica que fez vencimento neste acórdão de que o presente voto de vencido faz parte integrante, incumbe aos exequentes o ónus de prova da verificação da factualidade necessária à atribuição da qualidade de título executivo aos documentos particulares que apresentam com os seus requerimentos executivos.

Finalmente, na sua oposição, a sociedade A.P, Lda invoca factos que permitem duvidar se o montante dessa outra dívida que reconhece existir é o peticionado em sede de execução, mais acrescentando que a credora não lhe apresentou as facturas que legalmente está obrigada a emitir e enviar à devedora (e alega também, o que, contudo, não releva para a decisão deste pleito, que não lhe foram igualmente entregues pela recorrida os recibos de quitação respeitantes às quantias que já pagou, e em particular os montantes relativos ao IVA correspondente a tais transacções comerciais), alegação essa que, aparentemente, traduzirá uma realidade efectiva.

O que significa que a dívida (essa outra, insisto) está muito longe de ser certa, líquida e exigível, impondo-se, portanto, uma prévia concretização de uma tramitação processual de natureza declarativa que permita que o débito adquira essas características que tomam possível a sua exequibilidade.

O que, a meu ver, constitui mais um motivo para considerar procedente a oposição e, logo, improcedente a apelação.
4. Nestas condições, teria confirmado, na íntegra, a sentença recorrida que declarou procedente a oposição deduzida pela executada e, consequentemente, declarou extinta a execução e ordenou o levantamento/cancelamento da penhora concretizada na acção executiva intentada pela ora apelante C & F, Lda contra a aqui apelada A. P., Lda.

Lisboa, 05/05/2015

Eurico José Marques dos Reis

 
[1] Que corresponde, com alterações, ao art. 703º do actual código (na redacção da lei nº 41/2013 de 26/06), com a seguinte redacção:
Espécies de títulos executivos
1 - À execução apenas podem servir de base:
 a) As sentenças condenatórias;
 b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
 c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
 d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
 2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.
[2] Proferido no processo:172/08.6TBGRD-A.S1 (Relator: Lopes do Rego), acessível in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. ainda Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5.ª edição (Reimpressão) Coimbra Editora, Coimbra, pp. 61-62 e o ac. STJ de 09-03-2004, processo: 03B4109 (Relator: Araújo Barros), acessível in www.dgsi.pt.
[4] No sentido de que o cheque, na veste de quirógrafo, enquanto reconhecimento unilateral de dívida e promessa de pagamento, faz funcionar uma presunção da existência da dívida e da respectiva causa justificativa, libertando o credor da alegação e prova da relação fundamental subjacente, ónus que passa a ser, pela negativa do devedor, aplicando-se o regime do art. 458º do Cód. Cicil, cfr. Abrantes Geraldes, Títulos Executivos, A Reforma da Acção Executiva, Themis, ano V, nº 7, pg. 61 e ss.e o ac. do STJ de 20-05-2004, processo: 04B1457 (Relator: Luís Fonseca), acessível in www.dgsi.pt
[5] Ac STJ de 19-12-2006 processo: 06B4137 (Relator: Bettencourt de Faria), acessível in www.dgsi.pt.
[6] Sublinhado nosso.
[7] O mesmo acontece com o Cód. Comercial, sem prejuízo da referência que consta no art. 230.º, que, sob a epígrafe “[e]mpresas comerciais”, estipula:
Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas, que se propuserem:
1.ºTransformar, por meio de fábricas ou manufacturas, matérias-primas, empregando para isso, ou só operários, ou operários e máquinas;
2.ºFornecer, em épocas diferentes, géneros, quer a particulares, quer ao Estado, mediante preço convencionado;
3.ºAgenciar negócios ou leilões por conta de outrem em escritório aberto ao público, e mediante salário estipulado;
4.ºExplorar quaisquer espectáculos públicos;
5.ºEditar, publicar ou vender obras científicas, literárias ou artísticas;
6.ºEdificar ou construir casas para outrem com materiais subministrados pelo empresário;
7.ºTransportar, regular e permanentemente, por água ou por terra, quaisquer pessoas, animais, alfaias ou mercadorias de outrem.
§ 1.º Não se haverá como compreendido no n.º 1.º o proprietário ou o explorador rural que apenas fabrica ou manufactura os produtos do terreno que agriculta acessoriamente à sua exploração agrícola, nem o artista industrial, mestre ou oficial de ofício mecânico que exerce directamente a sua arte, indústria ou ofício, embora empregue para isso, ou só operários, ou operários e máquinas.
§ 2.º Não se haverá como compreendido no n.º 2.º o proprietário ou explorador rural que fizer fornecimento de produtos da respectiva propriedade.
§ 3.º Não se haverá como compreendido no n.º 5.º o próprio autor que editar, publicar ou vender as suas obras.
[8] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, Conteúdo. Contratos de Troca, Almedina, 2007, Coimbra, pp.142-142.   
[9] Proferido no processo: 638/05.0TCLRS-A.L1-6 (Relatora: Márcia Portela), acessível in www.dgsi.pt. Nesse aresto apurou-se, na sequência do julgamento feito no apenso de oposição, uma relação negocial diferente da invocada no requerimento executivo, quer quanto ao objecto negocial quer quanto aos sujeitos, como resulta, nomeadamente da seguinte passagem desse aresto:
“Verifica-se existir uma discrepância entre a causa de pedir invocada no requerimento executivo e a matéria apurada.
Com efeito, quem solicitou o orçamento para a instalação das duas grades foi a empresa A & C, Ldª, através do recorrente (pontos 2.1 e 2.4 da matéria de facto), e não o recorrente em nome pessoal.
Por seu turno, o recorrente solicitou o orçamento para a colocação de uma caixa de protecção que não estava orçamentada, tendo aceite o orçamento (pontos 2.7 a 2.10 da matéria de facto), mas tal factualidade não se encontra vertida no requerimento executivo. O mesmo sucedendo com a circunstância de o executado ter solicitado que a factura fosse emitida em seu nome e que a factura foi entregue ao recorrente e o cheque por ele emitido para o pagamento do remanescente (pontos 2.10 e 2.11 da matéria de facto).
Não existindo correspondência entre a relação subjacente configurada no requerimento executivo e a matéria apurada, não se pode afirmar que está demonstrada a relação causal invocada pela recorrida.
Não tendo sido demonstrada a alegada relação causal geradora de direitos e obrigações entre recorrente e recorrida que legitimasse a emissão do cheque, importa concluir pela falta de título executivo que suporte a execução a que o recorrente se opôs”.
[10] As contas são simples: Efectuados fornecimentos pelo valor de 343.977,03€, tendo a executada pago 224.807,73€, permanecem em falta 119,169,30€, valor que é superior ao montante exigido pela exequente a título de capital devido (115.970,00€).
[11] Ac. do STJ de 14-11-2013, processo: 156/09.7TBCNT.C1.S1 (Relator: Álvaro Rodrigues), acessível in www.dgsi.pt.
[12] Aliás, a emissão dos cheques em causa, nos termos em que a própria opoente o aceitou – cheques pós-datados –, indicia que não terá sido esse o acordo feito entre as partes. 
[13] Refira-se que a exequente não impugnou a factualidade alusiva à omissão de facturação, admitindo expressamente que deixou de emitir facturas alusivas a alguns fornecimentos, nos moldes enunciados nos arts. 20º e 21º da contestação, sendo certo que não fez prova do mencionado acordo, como lhe competia.
[14] Continua o mesmo citado aresto (de 14-11-2013):”Por outro lado, para que se possa invocar a excepção de não comprimento, é necessário que haja uma correspectividade ou equivalência substancial entre as prestações em confronto.
É essa equivalência que explica e legitima que o incumprimento de um dos contratantes possa excluir a ilicitude da conduta omissiva do outro que recusa o cumprimento que lhe competia, nos termos do artº 428º/1 do C.Civil, de forma a possibilitar, na medida do possível, a salvaguarda do equilíbrio dos interesses em confronto, que constitui o corolário do pensamento básico do sinalagma funcional [na feliz expressão do saudoso Prof. Antunes Varela (A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, pg. 398)], que é a excepção de não cumprimento. 
Como escreve o Prof. João Abrantes «É essa correspectividade existente entre a obrigação assumida por cada um dos contraentes e a que é assumida pelo outro que constitui a nota caracterizadora destes contratos: neles "há uma obrigação e a respectiva contra obrigação, uma prestação e a respectiva contraprestação” (artº.795º do C. Civil).
Significa isto que, no interior da economia contratual, a obrigação de cada um dos contraentes funciona como contrapartida ou como contrapeso da outra. A obrigação de cada um dos contraentes aparece como equivalente da assumida pelo outro: as prestações trocadas têm igual valor, «de tal modo que um e outro (dos contraentes) recebem pela sua própria prestação o valor correspondente da contraprestação contrária» ( op. cit, pg. 36).
A expressão «legalmente comercializados», na perspectiva de uma condição para a manutenção do vínculo contratual, não pode ser tão ampla e tão lata que abranja qualquer irregularidade que o vendedor possa cometer na sua vida ou giro comercial, mas apenas violações de lei que directa e imediatamente afectem a realização perfeita das prestações de cada um dos contraentes, sob pena de, assim não sendo, o inadimplente poder sempre invocar uma qualquer violação da legalidade da outra parte, na tentativa de justificar o seu próprio incumprimento, desencadeando a aplicação de uma cláusula penal de tão ampla e indeterminada conceptualização”.
[15] No sentido de que o nº 2 do artº 787º Cód. Civil, que permite ao devedor recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, tem de ser interpretado no sentido de que se trata de pagamento e quitação simultâneos, efectuados na mesma altura vide o ac TRC de  29-05-2007, processo: 16/02.2GBPBL-B.C1 (Relator: Garcia Calejo), acessível in www.dgsi.pt.
[16] Posteriormente, finda a fase dos articulados, a executada vem dar o dito por não dito, mas essa é outra questão, a que infra se aludirá.
[17] Num desses cheques foi aposta a menção “sem efeito”, desconhece-se por quem e em que circunstâncias, sendo que a exequente indicou no requerimento executivo que parte desse valor foi pago, peticionando o pagamento coercivo do remanescente e a executada opoente, a esse propósito, nada invocou no articulado de oposição.