Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
582/09.1TJLSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
REEMBOLSO
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA
ANALOGIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Não resultando dos exactos termos da lei que o direito aos reembolso das quantias pagas ao lesado pelo Fundo como um verdadeiro direito novo, sub-rogando-se o Fundo nos direitos do lesado, adquirindo, na medida da satisfação dada ao direito do lesado credor, os poderes que ao lesado competiam (art.ºs 593/1 do CCiv), inexistindo norma ou dispositivo legal no DL 522/85 que expressamente estabeleça o prazo prescricional para essa situação, nem por isso se aplica o prazo prescricional de 20 anos do art.º 309 do CCiv, antes o prazo que o Código Civil estabelece para o exercício do direito de regresso entre os responsáveis, estabelecido no 2 do art.º 498 do CCiv, prazo esse que, não sendo a norma de cariz excepcional, se aplica ao caso que nos ocupa dada a similitude da função recuperadora creditícia das duas figuras (art.ºs 10 e 11 do CCiv).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/AUTOR: FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (Representada em juízo, pela Sociedade  de advogados “A” e “B” - Sociedade de Advogados com sede  em Lisboa , conforme instrumento de procuração de fls. 9 dos autos).

*
APELADOS/RÉUS: “C” e Sociedade comercial “D”, LDA, (Representados em juízo pelo ilustre advogado “E”, com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de fls. 31 dos autos)
*
Todos com os sinais dos autos.
*
Inconformado com o saneador-sentença de 9/11/2010 que, julgando procedente a excepção de prescrição do direito do Autor pelos Réus invocada, por provada, em consequência julgou extinto o direito do Autor e absolveu os Réus do pedido, dela apelou a Autora em cujas alegações conclui:
a) O Tribunal a quo julgou a excepção peremptória totalmente procedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido;
b) Uma vez que o FGA não é nem lesado nem responsável propriu sensu, não se encontra abrangido pelo regime previsto pelo art.º 498 do CCiv, e visto que não existe regime específico aplicável, deve ser aplicado o prazo prescricional geral de 20 anos, estabelecido no art.º 309 do CCiv;
c) A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/1997 e art.ºs 309 e 311 do CCiv.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida no âmbito delimitado pelo objecto do presente recurso.
A parte contrária não contra-alegou.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão, enviado em simultâneo de vistos aos Meritíssimos Juízes-adjuntos, os mesmos nada disseram, nada obstando ao conhecimento do seu mérito.

Questão a resolver: Saber se ocorre erro de julgamento na decisão recorrida ao julgar procedente a excepção de prescrição do direito do Autor e consequentemente extinto o mesmo, com absolvição dos réus do pedido.


II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos:
· Em Novembro de 2005, o Autor reembolsou a “F” Portugal, Companhia de Seguros, S.A., no montante de 15.463,66 €, montante este pago pela referida seguradora para ressarcimento dos danos causados por acidente de viação ocorrido em 22.06.2005, alegadamente causado por viatura propriedade da ré.
· “F” Portugal, Companhia de Seguros S.A., reclamou tal pagamento ao Autor por carta datada de 3.11.205.
· Os presentes autos deram entrada em juízo em 21.04-09.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539).

Não havendo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo Fundo nas suas alegações de recurso, seja pela questão enunciada em I.

Saber se ocorre erro de julgamento na decisão recorrida ao julgar procedente a excepção de prescrição do direito do Autor e consequentemente extinto o mesmo, com absolvição dos réus do pedido.

O DL 522/85 citado instituiu o seguro obrigatório, pelo qual “qualquer pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor seus reboques ou semi-reboques, deve para que esses veículos possam circular encontrar-se nos termos do presente diploma coberta por um seguro que garanta essa responsabilidade” (art.º 1º/1), obrigação essa de segurar que recai sobre o proprietário, usufrutuário, adquirente no caso de aquisição com reserva de propriedade e locatário quando exista contrato de locação financeira (art.º 2.º), que garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, sujeitos referidos no art.º 2, legítimos detentores e condutores do veículo, autores de furto, roubo, furto de uso de veículo (art.º 8/1), com as excepções do n.º 3 do art.º 8, estando excluídos da garantia as pessoas e situações referidas no art.º 7.
Compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer nos termos do DL 522/85 as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório e que estejam matriculados em Portugal ou em países terceiros em relação à Comunidade Europeia e que não tenham gabinete nacional de seguros ou cujo gabinete não tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinete Nacionais (art.ºs 21/1); no caso de o responsável sendo conhecido não beneficiar de seguro válido ou eficaz, o Fundo garante por acidente originado pelos veículos referidos em 21/1 a satisfação de indemnizações por morte ou lesões corporais e por lesões materiais (art.º 21/2, neste último caso com uma franquia a deduzir no montante a cargo do Fundo (art.º 21/3), até ao limite, por acidente, das quantias fixadas no art.º 6 (art.º 23).
Dispõe o art.º 25/1 do DL 522/85 de 31/12: “Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação da cobrança.”
O n.º 3 do mesmo preceito por seu turno: “As pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro poderão ser demandadas pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, beneficiando do direito de regresso contrato outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.”
O art.º 498/1 do cCiv estatui: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”
O n.º 2: “Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento o direito de regresso entre os responsáveis.”
No caso que nos ocupa o Fundo através do ISP apresenta-se a exercer o seu direito de reembolso das quantias pagas à seguradora do lesado (quantias que a seguradora pagou ao lesado ao abrigo do contrato de seguro com cobertura de danos próprios), por isso ao abrigo do art.º 25.
Caso não tivesse pago as quantias e tivesse sido demandado pelo lesado, a acção teria de ser proposta obrigatoriamente e em litisconsórcio necessário passivo contra si e contra o responsável civil (art.º 29/6 do DL 522/85 citado).
O direito à indemnização invocado pelo lesado quando demanda o Fundo é fundado na mesma causa de pedir complexa integrante na dinâmica do evento e dos estragos ou lesões dele decorrentes e nas normas jurídicas que ele invocaria no confronto da seguradora se contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel existisse, ocupando o Fundo, por força da lei, a posição de alguma seguradora que seria accionada se o obrigado a outorgar o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel tivesse cumprido a sua obrigação de segurar, preenche por isso a mesma função social que justifica a necessidade da obrigatoriedade de seguro de risco da circulação rodoviária automóvel a cargo das seguradoras.[2]
O Fundo assume a responsabilidade que competiria ao segurado sem seguro e tem os mesmos direitos e obrigações das pessoas que garante, manter-se-á enquanto se mantiver a obrigação do responsável.[3]
O art.º 25, n.sº 1 e 3, citado, fala na sub-rogação do Fundo nos direitos do lesado. Já no art.º 19 o legislador fala no direito de regresso da seguradora que satisfaz a indemnização. Também o art.º 498/2 do CCiv fala em direito de regresso entre os responsáveis. Daqui resulta, sem sombra de dúvida, alguma confusão terminológica.
Sem pretensão de resolução da questão doutrinária de saber se os termos direito de regresso e sub-rogação foram adequadamente usados pelo legislador, considerando que a lei e a doutrina distinguem efectivamente as duas figuras jurídicas, estamos em crer que o caso que nos ocupa não é o de uma verdadeira e típica obrigação solidária com todos os devedores no mesmo plano perante o credor a justificar o direito de regresso ao abrigo dos art.º 524 e 512 do CCiv, - até porque o legislador, ao invés do art.º 512/1 do CCiv,  impôs ao lesado, nos termos do citado art.º 29, o litisconsórcio necessário do Fundo e do responsável civil - , antes uma situação que a doutrina qualifica de solidariedade imprópria, com um escalonamento e  hierarquização de responsabilidades (o Fundo garante sempre o pagamento das indemnizações, verificados os pressupostos e requisitos legais, em primeira linha nos termos do art.º 21 do DL 522/85, tanto assim é que existe a norma do art.º 25 e a circunstância de existir uma norma adjectiva que impõe o litisconsórcio necessário passivo em caso de accionamento judicial não é, salvo melhor opinião, obstáculo a esse entendimento). O direito ao reembolso não se configura como um verdadeiro e claro direito novo, antes decorre da referida função de garante social, pelo que a figura jurídica que melhor se coaduna é a de sub-rogação legal do art.º 592. Porque interessante transcreve-se aqui o acórdão do STJ, disponível on line no sítio www.dgsi.pt relatado pelo ilustre conselheiro Lopes do Rego:

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 3162/08.5TBLRA.C1.S1 
 
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
SEGURO DE GARAGISTA
ACÇÃO DE REGRESSO
SUB-ROGAÇÃO
 
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05-11-2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
 
Sumário :
1.Estando definido, por força do caso julgado formado em precedente acção, que é a seguradora do proprietário do veículo ( e não o Fundo de Garantia Automóvel) que, perante a inexistência de seguro obrigatório da responsabilidade civil do garagista, deve garantir o ressarcimento dos danos causados ao terceiro lesado, apenas cabe decidir, no âmbito da acção de reembolso do valor de tal indemnização, efectivamente paga, se se verificam os pressupostos do direito de regresso ou da sub-rogação legal da empresa seguradora.

2.Não estando, nesta concreta situação, o direito de regresso da seguradora tipificado no elenco de situações definidas pelo art. 19º do DL522/85, aplicável ao caso dos autos, o seu direito ao reembolso encontra fundamento bastante na figura da sub-rogação legal, como decorrência da posição de garante que lhe assiste perante os terceiros lesados quanto ao pagamento das indemnizações devidas.
 
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
(…)
As figuras do direito de regresso e da sub-rogação legal, diferenciando-se claramente na sua estrutura e fisionomia jurídica, desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efectivamente , na veste de garantes ou interessados directos no cumprimento, a prestação devida, -permitindo que o interessado que, no plano das «relações externas»,satisfez um valor superior ao correspondente à sua quota de responsabilidade nas «relações internas» possa repercutir tal valor sobre os restantes co-obrigados ou sobre o principal e definitivo devedor.

No CC, a figura do direito de regresso aparece coligada à modalidade e ao regime das obrigações solidárias: a satisfação do direito do credor por um dos devedores solidários produz, nos termos do art. 523º, a extinção da obrigação,. outorgando o art. 524º um inovatório direito de regresso ao devedor que satisfez o direito do credor para além da quota que, nas relações internas, lhe cumpria suportar a título definitivo.
Por outro lado, e como é sabido, nas situações de «solidariedade própria» em que todos os devedores solidários assumem definitivamente uma quota parte do débito comum, o co-devedor que satisfez na íntegra o direito do credor pode sempre repercutir sobre os restantes uma parcela do valor que foi obrigado a suportar perante o titular activo da obrigação solidária ; pelo contrário, nas situações qualificadas como de «solidariedade imprópria», os vários devedores não estão situados num mesmo plano, incumbindo a um deles, em primeira linha, assegurar perante o credor a plena e total realização da prestação devida, mas podendo, num segundo momento, repercutir a totalidade daquilo que foi chamado a pagar sobre o património do devedor, principal e definitivo: há, pois, neste tipo de situações configuráveis como de solidariedade imprópria, um escalonamento ou hierarquização de responsabilidades, incumbindo a um dos devedores assumir ou garantir transitoriamente a satisfação do direito do credor, mas beneficiando, num segundo momento, logo após o cumprimento, da faculdade de se reembolsar inteiramente à custa do património do devedor principal e definitivo da obrigação.


Por seu lado ,a figura da sub-rogação legal tem o seu assento normativo no âmbito do instituto da transmissão de créditos e dívidas envolvendo, deste modo, quando se verifiquem os respectivos pressupostos, a sucessão do terceiro que cumpriu a obrigação no próprio direito do credor que, deste modo, se não extingue com o cumprimento, nos termos do art. 593º do CC.
E, por força do preceituado no art. 592º,nº1, a sub-rogação legal ocorre:
-nos casos especialmente previstos na lei;
-quando terceiro, directa e juridicamente interessado na satisfação do crédito, realiza o interesse do credor;
-quando o sujeito que tiver realizado a prestação devida tiver garantido o cumprimento da obrigação.

Importa ainda realçar que, fora das situações típicas de solidariedade passiva própria - em que o direito ao reembolso do devedor se opera inquestionavelmente ao abrigo da figura do direito de regresso – e de cumprimento da obrigação por um terceiro, não vinculado no confronto do credor, ou típico devedor «subsidiário» e mero garante pessoal do débito – em que tal direito se efectiva claramente no quadro do instituto da sub-rogação (cfr,v. g., as situações previstas respectivamente nos arts.477º, nº2 , e 644º do CC)- nem sempre é evidente e incontroversa a qualificação do meio jurídico idóneo e adequado para se efectivar o dito reembolso: vejam-se, por exemplo, as dúvidas suscitadas a propósito da efectivação pelo Estado do direito a repercutir no responsável por acidente, simultaneamente de viação e de serviço, as quantias dispendidas com vencimentos processados ao funcionário público, incapacitado para o serviço; ou a oscilação legal acerca da qualificação do instrumento adequado para a entidade patronal repercutir a indemnização devida a título de acidente laboral sobre o terceiro que causou culposamente as lesões sofridas pelo trabalhador, vítima de acidente configurável como de viação e simultaneamente de trabalho, perspectivado no âmbito da sub-rogação na Lei 1942, mas já sob a égide da figura do direito de regresso na Lei 2127, que lhe sucedeu.
Por outro lado, a circunstância de os pressupostos da figura da sub-rogação legal serem definidos pelo citado art. 592º com razoável amplitude, com base em conceitos relativamente indeterminados (interesse «directo» no cumprimento, posição de «garante » da obrigação) ,tem levado a jurisprudência, com fundamento em razões de equidade e razoabilidade, a configurar como sendo a sub-rogação o instrumento jurídico adequado para - fora do domínio da típica solidariedade passiva e na ausência da previsão legal de um direito de regresso, constituído «ex novo» no momento do cumprimento – o devedor que, cumprindo a obrigação, não deva ser definitivamente responsabilizado pelo valor da prestação , se reembolsar à custa de quem deva, segundo juízos de justiça e equidade, em última análise, suportar a prestação devida, evitando, nomeadamente, um injustificado benefício do lesante: em paradigmática aplicação desta orientação, veja-se o Acórdão. uniformizador de 14/1/97, em que o Supremo fixou jurisprudência no sentido de que o Estado tem o direito de ser reembolsado, por via da sub-rogação legal, do total dispendido com vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado da prestação de contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro.

Esta perspectiva é obviamente relevante no caso dos autos, já que traduziria seguramente solução normativa pouco conforme aos princípios da justiça e da proporcionalidade a que se traduzisse em isentar de qualquer consequência jurídica desfavorável a «dupla ilicitude»cometida pela empresa garagista, - expressa, por um lado, na produção culposa das lesões emergentes do acidente e, por outro, no incumprimento do dever de segurar a respectiva responsabilidade, expressamente imposto por lei, levando a que fosse terceiro a ter de suportar definitivamente o valor da indemnização devida, em injustificado e inadmissível benefício do lesante.

Perante a tipificação legal dos casos de direito de regresso da seguradora, resultante da previsão normativa contida no art.19º do DL 522/85,importa começar por verificar se o eventual direito ao reembolso da seguradora do proprietário do veículo pode encontrar suporte legal no estatuído no art.592º, nº1, do CC.
É certo que a seguradora «geral» do proprietário do veículo que causou o acidente sob a direcção efectiva da empresa garagista não é propriamente um «terceiro directamente interessado» no pagamento da indemnização devida ao lesado, mas antes, na interpretação normativa definitivamente fixada no caso dos autos, o próprio devedor ou responsável pelo pagamento de tal indemnização .
Poderá, no entanto, considerar-se que a seguradora do proprietário do veículo detinha uma posição de «garante» do cumprimento da indemnização devida ao lesado, em termos de subsumir o caso à previsão normativa ínsita na segunda parte do nº1 do referido art. 592º, legitimando o apelo ao instituto da sub-rogação legal?
A resposta a esta questão é claramente afirmativa se se tiver, desde logo, em linha de conta a clara analogia que se verifica entre a posição da seguradora, que é compelida a assegurar os direitos do lesado, na falta do seguro válido e eficaz que devesse responder prioritariamente pelos danos emergentes do acidente, e a que cabe ao Fundo de Garantia Automóvel, em idênticas situações de incumprimento do dever de segurar a responsabilidade civil – sendo certo que a lei (art. 25º do DL522/85)expressamente configura tal direito ao reembolso no âmbito do instituto da sub-rogação.

Na verdade, a função social atribuída ao seguro obrigatório da responsabilidade civil automóvel conduziu, por um lado, a desvincular a responsabilidade da seguradora da responsabilidade que estritamente incidiria sobre o seu segurado, ainda que apenas no plano da responsabilidade pelo risco (como paradigmaticamente sucede no caso de danos causados a terceiros com veículo furtado, em que está inquestionavelmente arredada a «direcção efectiva do veículo» pelo proprietário , tomador do seguro); e, por outro lado, ultrapassando uma visão estritamente contratualista do seguro de responsabilidade civil, a criar mecanismos jurídicos de garantia na efectivação dos direitos dos lesados mesmo nos casos de incumprimento do dever de realização do contrato de seguro Só que tal função social e de garantia dos direitos dos terceiros lesados não envolve – nem pode envolver – a outorga ao lesante de um injustificado benefício, eximindo-o de qualquer responsabilidade, - a efectivar subsidiariamente, após a seguradora ter satisfeito o direito de indemnização, - apesar do incumprimento do dever de segurar e do ónus de pagamento dos prémios que funcionam como contrapartida da assunção dos riscos pela entidade seguradora.
O direito ao reembolso da seguradora que - perante a inexistência do seguro «especial» que deveria, se o respectivo contrato tivesse sido celebrado, assumir prioritariamente o ressarcimento do lesado – é compelida a satisfazer a indemnização tem, deste modo, subjacente uma verdadeira posição de garante das indemnizações devidas a terceiros, nela se fundando a sub-rogação legal, como consequência do pagamento realizado.
(…)
Entende o recorrente, suportando-se no acórdão do STJ de 2175/1997, que o prazo prescricional é o de 20 anos do art.º 309 do CCiv. E o seguinte o teor do sumário do aresto:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 96B398 
 
Nº Convencional: JSTJ00031334
Relator: SAMPAIO DA NOVOA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
PAGAMENTO
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
 
Nº do Documento: SJ199701270003982
Data do Acordão: 27-01-1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N463 ANO1997 PAG587
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 78
Data: 11-07-1995
Texto Integral: N
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: M ANDRADE IN TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA 1953 PAG465. A VARELA IN DAS OBG EM GERAL 1970 PAG453.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV66 ART309 ART311 ART498 N1 ART593.
DL 408/79 DE 1979/09/25.
DL 522/85 DE 1985/12/31.
DL 122-A/86 DE 1986/05/30 ART25 N1.
 
Sumário : I - Em caso de acidente de viação em que o "Fundo de Garantia Automóvel" foi, solidariamente com os lesantes, condenado a pagar certa indemnização a favor da lesada e que efectivamente pagou, ficou tal entidade sub-rogada nos direitos da mesma lesada (artigo 25 n. 1 do Decreto-Lei 122-A/86, de 30 de Maio), podendo exigir o pagamento do que dispendeu aos verdadeiros responsáveis pelo acidente.
II - O seu direito só se extingue por prescrição, não no prazo especial de três anos do n. 1 do artigo 498 do Código Civil, mas sim no prazo da prescrição geral de 20 anos previsto no artigo 309 do mesmo diploma, contados a partir do trânsito em julgado da sentença que solidariamente os condenou.
*
Não se sufraga o entendimento do acórdão não só pelas razões referidas como pelas razões que a seguir se indicam. Também a razão da inaplicabilidade do prazo de 3 anos, com base no argumento de que se assim fosse poder-se-ia dar o caso de estar prescrito o direito do Fundo quando satisfizesse o direito à indemnização, não colhe na medida em que tem sido entendimento jurisprudencial o de que o termo a quo do prazo de 3 anos apenas se conta a partir do momento em que é satisfeita a indemnização, pagamento esse que se deu em Novembro de 2005, sendo que a acção apenas entrou em 21/04/2009.
Não resultando dos exactos termos da lei que o direito ao reembolso das quantias pagas ao lesado pelo Fundo como um verdadeiro direito novo, sub-rogando-se o Fundo nos direitos do lesado, adquirindo, na medida da satisfação dada ao direito do lesado credor, os poderes que ao lesado competiam (art.ºs 593/1 do CCiv), inexistindo norma ou dispositivo legal no DL 522/85 que expressamente estabeleça o prazo prescricional para essa situação, nem por isso se aplica o prazo prescricional de 20 anos do art.º 309 do CCiv antes o prazo que o Código Civil estabelece para o exercício do direito de regresso entre os responsáveis, estabelecido no 2 do art.º 498 do CCiv, prazo esse que, não sendo a norma de cariz excepcional, se aplica ao caso que nos ocupa dada a similitude da função recuperadora creditícia das duas figuras (art.ºs 10 e 11 do CCiv).
Nesse sentido vejam-se entre outros os seguintes arestos disponíveis no sítio www.dgsi.pt e que a seguir se transcrevem no sumário:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 00B200 
 
Nº Convencional: JSTJ00040759
Relator: SOUSA INÊS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
  
Nº do Documento: SJ200004130002002
Data do Acordão: 13-04-2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N496 ANO2000 PAG246
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1373/99
Data: 21-09-1999
Texto Integral: N
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: DL 522/85 DE 1985/12/31 ART25.
DL 149/92 DE 1992/09/08 ART9 ART12.
DL 218/99 DE 1999/06/15 ART3.
CCIV66 ART306 N1 ART10 ART495 ART498 N1 N2 N3.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/10/20 IN CJSTJ ANOVI TIII PAG71.
 
Sumário : I- O alargamento do prazo de prescrição estabelecido no artigo 498 n. 3 do CCIV aplica-se a qualquer das hipóteses previstas nos números anteriores.
II- A regra do n. 2 deste artigo não assume carácter de excepção à do n. 1; ambos aplicam a regra geral de que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
III- Em caso do direito de regresso este não está subjectivado antes do cumprimento pelo condevedor; no caso do pagamento da indemnização pelo FGA em que este, cumprindo a sua obrigação, fica sub-rogado nos direitos dos credores, aplica-se, por analogia, o disposto naquele n. 2.
IV- A prescrição de créditos das entidades integradas no SNS inicia-se a partir das datas em que cessaram os tratamentos.
(…)
*
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 00A1623 
 
Nº Convencional: JSTJ00040566
Relator: FERNANDES MAGALHÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
 
Nº do Documento: SJ200007060016231
Data do Acordão: 06-07-2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N499 ANO2000 PAG304
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1359/99
Data: 24-01-2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART309 N1 ART323 ART483 ART494 ART495 ART496 ART498 ART499.
DL 522/85 DE 1985/12/31 ART21 ART22 ART25 N1 ART26 N2.
DL 122-A/86 DE 1986/05/30 ART5.
DL 302/82 DE 1982/07/30 ART1 N2.
CPC95 ART267 N2.
CONST97 ART20 ART24 ART25.
 
Sumário : I - O direito de indemnização exercido contra o Fundo de Garantia Automóvel prescreve nos prazos previstos no artigo 498º do Código Civil, e não no previsto no artigo 309º, do mesmo Código.
II - O Fundo de Garantia Automóvel e o gabinete Português da Carta Verde são pessoas jurídicas distintas, de tal maneira que a citação daquele gabinete, na acção inicialmente intentada contra ele, não tem o efeito de interromper o prazo de prescrição do direito de indemnização contra o Fundo de Garantia Automóvel.
(…)
*
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 05B3061 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SOLIDARIEDADE
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUBROGAÇÃO
PRAZO
 
Nº do Documento: SJ200511170030617
Data do Acordão: 17-11-2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 481/05
Data: 08-03-2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
 
Sumário : I - A interrupção da prescrição que o art. 323º C.Civ. prevê só afecta a pessoa sobre que incide ou a que é dirigido o acto interruptivo

II - Visto que se trata de pressuposto processual, ou seja, de condição sem o preenchimento da qual não pode, sequer, conhecer-se do fundo ou mérito da causa, o conhecimento da questão da legitimidade suscitada pela preterição inicial do litisconsórcio necessário passivo imposto pelo art. 29º, nº6º, do DL 522/85, de 31/12, depois sanada com a intervenção principal provocada dos responsáveis civis a que esse normativo alude, precede necessariamente o da questão - substantiva - da prescrição do direito de indemnização.

III - Configurado nesse âmbito, um regime perfeito de solidariedade passiva no plano externo, ou seja, de responsabilidade cumulativa do B e demais responsáveis em benefício do lesado, essa solidariedade é, no plano interno, imperfeita ou impura, pois só este último beneficia da subrogação legal prevista no art. 25º, nº1º, do DL 522/85, de 31/12.

III - A criação do B obedeceu a uma preocupação de solidariedade social e garantia colectiva, que se manifestou na instituição duma forma ou mecanismo de reparação colectiva dos danos, tendo em vista a protecção dos lesados em acidentes de viação que doutro modo ficariam por indemnizar.

IV- Não relevando a referência do art. 25º do DL 522/85 à subrogação de acaso ou de imprecisão conceptual ou terminológica, e por isso descabido trazer directamente à colação o nº2º do art. 498º C.Civ.. relativo à figura jurídica distinta que é o direito de regresso, no entanto vale, em sede de subrogação, o prazo de 3 anos estabelecido no nº1º daquele art. 498º.

V - Uma vez, porém, que a fonte da transmissão do crédito que a subrogação representa, traduz ou constitui é o facto jurídico do cumprimento, aquele prazo só pode considerar-se com início no pagamento que venha a ser efectuado - e daí que caiba aplicação analógica do predito nº2º do art. 498º C.Civ., referido à data do cumprimento.
 
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 1819/09.2TJLSB.L1-2 
 
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
 
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04-11-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
 
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
 
Sumário: É de três anos e não de vinte anos, o prazo prescricional para o exercício do direito de crédito por via da sub-rogação pelo FGA nos termos do artigo 26º, nº3 do DL 522/85, de 31 de Dezembro, aplicando-se analogicamente o preceituado no artigo 498º, nº2 do CCivil, uma vez que é similar a função de recuperação creditícia exercida quer através da figura do direito de regresso, quer através da figura da sub-rogação.
(APB)
Decisão Texto Parcial
(…)
Tendo o pagamento ocorrido em Novembro de 2005, entrando o Autor com a acção em juízo em 21/04/09, mesmo considerando a reclamação da Autora aos Réus do pagamento em 25/11/05 (documentos 4 e 5), o prazo terminou em 25/11/08 (art.ºs 279/c, 296 do CCiv), estando assim prescrita a acção em 21/04/09.

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Regime de responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade do recorrente autor porque decai (art.º 446, n.sº 1 e 2)

Lisboa, 17 de Março de 2011

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Henrique Antunes
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[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08,  atenta a circunstância de acção ter entrado em juízo em 21/04/2009 e ter sido distribuída ao 4.º.ª  Juízo Cível 3.ª secção do Tribunal da Comarca de Lisboa, onde foi autuada em 22/04/09, como resulta dos autos e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; ao Código referido pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 19/05/95 , de 27/05/04 e 17/11/05, aquele publicado na C.ªJ.ª/STJ, Ano XIII, tomo 2, pág. 104 o segundo no processo 04b1328  e o terceiro no proc.º 05b3061disponíveis on line no sítio www.dgsi.pt .
[3] Entre outros o acórdão da R.L. de 16/04/1989, C.ªJ.ª, ano XIV, tomo 2, pág. 138, e do STJ de 6/7/2000, in BMJ 499/304