Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
42780/06.9YYLSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTAS
ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1- Levar “à letra” o art. 6º do DL 268/94, implicaria que em situações como as dos autos, o requerimento executivo devesse ser acompanhado por um número significativo de actas, tornando-se difícil para o tribunal apurar a soma da quantia que, afinal, estando em dívida, corresponderia à quantia exequenda, bem como apurar desde quando as diferentes quantias integrantes daquela, o estavam.
2- Acresce que tais documentos não seriam por si sós suficientes para a demanda executiva, pois que se reportariam a quantias que ainda não se mostravam exigíveis, sendo certo que a exigibilidade – ao lado da certeza e liquidez, art 802º CPC – condiciona a admissibilidade da acção executiva.
3- Actas como a que acompanha o requerimento executivo dos autos - em que a assembleia de condóminos delibera, enquanto expressão da vontade colectiva do condomínio, que, em determinado momento, este ou aquele condómino tem em dívida determinado montante, referente a um ou vários anos, explicitando a origem das diversas parcelas que compõem esse montante – abrangem, por definição, porque as pressupõem - as pretéritas deliberações das assembleias em que resultou fixada a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, e a que título, bem como o prazo do respectivo pagamento.
4- Dever-se-á concluir que terá sido a actas certificativas do que em determinado momento é devido ao condomínio por um determinado condómino, que, afinal, o legislador, no seu espírito, se terá pretendido referir no mencionado art. 6º.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
                                                                      
I – O Condomínio da Rua do …, representado pelo seu Administrador,  “A Lda”, propôs acção executiva para pagamento de quantia certa contra  “B – Sociedade Continental e Ultramarina de Exportação Lda”, pedindo o pagamento da quantia de € 6.273,83, sendo € 5.018,82 de capital e € 1.255,01 de juros de mora, tendo junto como título executivo diversas actas do condomínio, entre elas uma (a nº 37) relativa à assembleia ordinária de condóminos que teve lugar em 23/2/2006.

Foi proferido despacho liminar indeferindo a execução por se entender que as actas dadas à execução não são título executivo, referindo-se em tal despacho que «no anexo C a exequente indica os valores em dívida. Porém, as actas de condomínio juntas, nada referem sobre tais valores, nem que sejam devidos pela executada ou por qualquer outro condómino».
Tendo o exequente solicitado esclarecimento salientando que «a acta nº 37 junta aos autos como doc n 4 descrimina no sem ponto 3, nº 3, os valores em divida pela executada, fazendo também a sua identificação como devedora desses mesmos montantes e mandatando ainda o Administrador do Condomínio para proceder à cobrança coerciva dos mesmos», o Exmo Juiz a quo prestou o esclarecimento solicitado, referindo que «o que se diz na sentença é que o título executivo é a acta em que são deliberados os montantes devidos por cada condómino e que tais actas não foram apresentadas para sustentar as quantias pedidas. Assim sendo, a exequente carece de titulo executivo, pois ao invés de apresentar as actas em que foi deliberado qual o montante trimestral ou anual devido, juntou a acta em que se apurou o montante global em dívida e se deliberou proceder judicialmente à sua cobrança, acta esta que nos termos legais não constitui título executivo».

II - Do assim decidido agravou a exequente tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:
1-Ao contrário do entendimento sufragado pelo tribunal a quo, e que ancorou a decisão aqui recorrida, não encontra fundamento na legislação vigente restringir a força de titulo executivo à acta da Assembleia de Condóminos em que se estabelece o montante de contribuições a suportar por cada condómino para um determinado período.
2-Com efeito, também as actas da Assembleia de Condóminos em que se delibera quais os montantes em dívida por qualquer condómino em determinada altura são titulo executivo.
3-Aliás, só este entendimento se conforma com a letra e o espírito da lei, sendo o único que pode conduzir a uma correcta interpretação e aplicação desta.
4- Por este motivo, jamais o tribunal a quo poderia ter decidido pelo indeferimento liminar do requerimento executivo com o motivo de não existir titulo executivo já que este existe e foi junto com o requerimento executivo apresentado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

III - Colhidos os vistos cumpre decidir, tendo presente o seguinte circunstancialismo fáctico:
             O exequente juntou ao requerimento executivo duas actas, a nº 36, referente à Assembleia Ordinária de condóminos que teve lugar em 22/2/2005, e a nº 37, relativa à Assembleia Ordinária de condóminos que teve lugar em 23/2/2006.
No ponto V da primeira dessas actas diz-se: «Foi deliberado por unanimidade que a dívida do condómino do 4º esq “B” no valor de € 4.180,49 fosse suportado por todos os restantes condóminos de acordo com as suas permilagens (…) .
No ponto 3 da acta nº 37 diz-se: «A fracção correspondente ao do 4º esq “B” continua a não proceder aos pagamentos que lhes diz respeito. Para se poder fazer face às despesas previstas, a Administração propôs o aumento das quotas em 35% assim como o rateio do valor (…) da dívida da “B”. A Administração  ficou mandatada por unanimidade para proceder à cobrança coerciva contra o 4º esq “B” no valor total de € 5.018,82  que se passa a discriminar:
-Ano de 1996 – s/ parte reparação elevador –  € 305,83;
- Ano de 1997 – Quotas e Fundo de Reserva do 4º trimestre –  € 79,96
- Ano de 1998 - Quotas e Fundo de Reserva 1º/2º/3º e 4º trimestre – € 319,86;
- Ano de 2000- Quotas e Fundo de Reserva 1º/2º/3º e 4º trimestre – € 319,86; s/ parte  para telhado/reparação escada – € 518,54;
-Ano de 2001 -  Quotas e Fundo de Reserva  do 1º/2º/3º e 4º trimestre  € 383,87;
-Ano de 2002 – Quotas e Fundo de Reserva do 1º/2º/3º e 4º trimestre  € 383,87; s/ parte Assistência elevadores –  € 49,01; s/ parte ordenados em atraso da porteira  -  € 152,72;  s/ parte seguro de condomínio  € 73.08;  s/ parte no saldo negativo  € 404.23;
- Ano de 2003 - Quotas e Fundo de Reserva  do 1º/2º/3º e 4º trimestre € 383,88;
-Ano de 2004 - Quotas e Fundo de Reserva  do 1º/2º/3º e 4º trimestre  € 485,92;
-Ano de 2005 -Quotas e Fundo de Reserva  do 1º/2º/3º e 4º trimestre  € 485,92;
-Ano de 2006 -Quotas e Fundo de Reserva  do 1º/2º/3º e 4º trimestre  € 320,34;  s/ parte pagamento firma Craveiro e Filhos  € 32.07
Total em Dívida – €  5.018,82 »

IV- Como resulta das conclusões das alegações a única questão a decidir no recurso é a de saber se a acta da assembleia de condóminos atrás referida, nº 37, ao contrário do que foi sustentado no despacho recorrido, constitui título executivo.

Está em causa o disposto no art 6º do DL 268/94 de 25/10, onde se dispõe: «A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui titulo executivo contra o proprietário que deixa de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».

Será verdade que de um ponto de vista estritamente literal o que o legislador diz neste preceito é que a acta que pode valer como titulo executivo será aquela em que a assembleia de condóminos tiver deliberado sobre o montante das contribuições devidas pelo condómino que se mostre em falta, estabelecendo as respectivas quotas-partes, e um determinado prazo para o pagamento dessas contribuições.
Tal conclusão implica, porém, que quando tais contribuições sejam referentes a a  vários anos, só a totalidade das actas referentes a essas assembleias constitua título executivo relativamente ao valor do pedido executivo que corresponderá à soma de todas essas contribuições e respectivos juros.

Nesse entendimento literal, que alguma jurisprudência parece subscrever, à expressão, a ter como crucial, constante do referido art 6º de DL 268/94,  «montante das contribuições devidas», haveria que se atribuir o significado de «contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio».
 Como se refere no Ac RP 2/6/98 [1] «(título executivo) seria a acta da assembleia que (…) aprovasse o respectivo orçamento e a quota-parte das contribuições que cada condómino teria de pagar no período que se lhe seguiria» (…) Essa qualidade de título executivo já faltaria às actas das assembleias em que, como sucede no caso presente, se deliberasse que, em determinado momento, este ou aquele condómino tinha em divida ao condomínio determinado montante».

A jurisprudência, efectivamente, dividiu-se no entendimento da referida expressão «contribuições devidas ao condomínio», especialmente quanto à palavra «devidas»: “se (são) aquelas que venham a ser devidas em função de deliberação da assembleia de condóminos, ou aquelas que já estão vencidas e não pagas e como tal reconhecidas em deliberação da assembleia de condóminos[2].

Tem-se o apontado entendimento literal do referido art 6º como demasiado restritivo.

Sabe-se que na interpretação da lei «não deve o intérprete cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada» - art 9º/1 CC.

Foi propositado objectivo do DL 268/94 de 25/10, consoante consta do respectivo preâmbulo, o de «tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros» .
Por sua vez, quis a Reforma do CPC levada a efeito pelo DL 329-A/95 de 12/12,
alargar os títulos executivos a documentos particulares assinados pelo devedor, visando, como refere no seu preâmbulo, «diminuir o número de acções declaratórias de condenação propostas evitando-se a desnecessária propositura de acções tendentes a reconhecer um direito do credor sobre o qual não recai verdadeira controvérsia, visando apenas facultar ao autor o, até agora, indispensável, título executivo», inserindo-se a acta da assembleia de condóminos que constitua título executivo, na categoria genérica a que alude a al d) do art 46º CPC, «dos documentos, a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva».

Como é referido ainda no acórdão da Relação do Porto atrás referido, e cuja estrutura se vem acompanhando, «em face dos aludidos objectivos e da consagrada orientação legislativa, seria contraditório e absurdo que o legislador do DL nº 268/94 restringisse a força de título executivo às actas em que se deliberasse o montante da quota-parte das contribuições de cada condómino».
E acrescenta-se nesse acórdão que «essa acta não mostra existir qualquer dívida concreta, em relação aos montantes das contribuições de cada condómino. Com efeito, na reunião respectiva delibera-se o que cada condómino tem a pagar em determinado período de tempo, normalmente daí para o futuro. Só mais tarde, findo o período em que a contribuição devia ser paga, poderá a assembleia constatar se o condómino pagou, ou não, a sua quota-parte do montante das contribuições. Caso o condómino não tenha pago, a assembleia só então está em condições de deliberar sobre o montante da respectiva divida e se o administrador deve instaurar a acção tendente à sua cobrança - nº 2 do aludido art 6º».

Como resulta do atrás já referido, levar “à letra” o referido art 6º do DL 268/94, implicaria que em situações como as dos autos, o requerimento executivo devesse ser  acompanhado por um número significativo de actas - no caso, as referentes ás assembleias de 1996 a 1998 e de 2000 a 2006 - tornando-se difícil para o tribunal apurar a soma da quantia que, afinal, estando em dívida, corresponderia à quantia exequenda, bem como apurar desde quando as diferentes quantias integrantes daquela, o estavam.
Não se vê como um resultado desse tipo poderia facilitar «o relacionamento dos condóminos com os terceiros», nos quais se deverão integrar os tribunais.
Acresce que, ainda por cima, tais documentos não seriam, afinal, por si sós suficientes para a demanda executiva, pois que se reportariam a quantias que ainda não se mostravam exigíveis, sendo certo que a exigibilidade – ao lado da certeza e liquidez, art  802º CPC – condiciona a admissibilidade da acção executiva [3].
 
Sucede ainda que é manifesto que actas como a que acompanha o requerimento executivo dos autos  - em que a assembleia de condóminos delibera, enquanto expressão da vontade colectiva do condomínio, que, em determinado momento, este ou aquele condómino tem em dívida determinado montante, referente a um ou vários anos, explicitando a origem das diversas parcelas que compõem esse montante – abrangem, por definição, porque as pressupõem - as pretéritas deliberações das assembleias em que resultou fixada a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, e a que título, bem como o prazo do respectivo pagamento.[4]

Dever-se-á, pois, concluir, que terá sido a actas certificativas do que em determinado momento é devido ao condomínio por um determinado condómino, que, afinal, o legislador, no seu espírito, se terá pretendido referir no mencionado art 6º, pois que, e como é acentuado também no acórdão a que se tem vindo a fazer referência, a expressão «contribuições devidas ao condomínio» é susceptível de abranger, não apenas as contribuições que «serão devidas», mas as contribuições que em determinado momento, porque ultrapassado o respectivo prazo de pagamento, «se mostram em dívida».

Caso fossem juntas aos autos as múltiplas actas de que resultassem as muitas deliberações da assembleia a respeito das concretas quantias a pagar ano após ano pelo aqui executado, contendo os respectivos prazos de pagamento, e não fosse junta acta como a presente – em que se descrimina no seu ponto 3 quais os montantes vencidos em dívida pelo condómino, procedendo à sua concreta identificação e mandatando ainda o administrador do condomínio para proceder à cobrança coersiva dos mesmos – do nosso ponto de vista aquelas actas revelar-se-iam insuficientes para permitir a prossecução da execução, devendo o condomínio ser notificado para juntar a acta certificativa da quantia - exigível - à data [5].     
 
Interpretar o referido art 6º nos termos em que o fez o tribunal a quo implicaria interpretação normativa que a finalidade da lei não consente, frustrando a pretendida eficácia e agilização do regime da propriedade horizontal [6] .

Por isso, não pode subscrever-se a decisão recorrida, devendo entender-se antes, que a acta junta ao requerimento executivo constitui título executivo, nos termos e para o efeito do art 6º do DL 268/94 de 25/10.


V- Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar provido o agravo, revogar a decisão recorrida e ordenar a prossecução da execução.

            Sem custas nos termos do art  2º al o) CCJ.

Lisboa, 7 de Julho de 2011

Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
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[1] - Acórdão citado pelo apelante, relatado por Emídio Costa, na CJ, III, 190
[2] - Cfr Ac RL  22/6/2010, e jurisprudência, num e noutro sentido, nele referida,mostrando-se tal acórdão acessível em www dgsi pt..
Assim, relativamente ao primeiro sentido, Ac RP 17/1/02 (Sousa Leite), 19/2/04 (Pinto Ferreira), 29/6/04 (Alberto Sobrinho), 21/4/05 (Ataíde das Neves); no segundo sentido, para além do referido Ac RP 2/6/98 (Emídio Costa), Ac RL  2/3/04 ( André dos Santos), 19/12/08 (Carlos Valverde)
[3]- Neste sentido, Ac R L 8/7/2007 (Arnaldo Silva), acessível em www.dgsi.pt em cujo sumário se diz: «As contribuições devidas ao condomínio (ou quaisquer outros montantes referidos no art 6º do DL 268/94) têm de ser certas, exigíveis e líquidas (art 802º CPC), uma vez que este três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva».
[4]- Diz-se no sumário do Ac RL 29/6/2006 (Pereira Rodrigues) a que se tem acesso em www. dgsi pt: « (…) não se exige que a acta contenha a menção de contribuições em dívida, ainda que possam constar e resultar da acta, as dívidas dos condóminos incumpridores, dívidas já existentes, apuradas e conhecidas; se tal se verificar, então melhores elementos fornecerá a acta enquanto titulo executivo»; e no texto do acórdão: « … a acta aprova os montantes em dívida por parte do executado, o que é dizer mais do que meramente fixar as contribuições que ele teria  a pagar, mas que também pressupõe a existência dessa prévia fixação pelos montantes devidamente descriminados na mesma acta». 
[5] - O ponto de vista que se expressa não será, porém, o corrente na jurisprudência, onde a ideia geral se crê ser a expressa no Ac RL 18/3/2010 (Carlos Valverde) também acessível em www.dgsi.pt, onde se diz é a de que «é de atribuir força executiva tanto à cata em que se delibera o montante da quota- parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar, como à acta em que, por um condómino não ter cumprido o deliberado, por não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial».
[6] - Cfr Ac R L 18/3/2010