Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
934/14.5TVLSB-A.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
CADUCIDADE
ACÇÃO PRINCIPAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–Não existe fundamento na lei para aplicar à providência cautelar não especificada o regime exclusivo da providência cautelar especificada de arresto e mormente o disposto no artigo 395º do Código de Processo Civil.
II–Nos termos do artigo 373º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, o que determina a caducidade do procedimento cautelar respectivo é a improcedência da acção principal e não a sua procedência.
III-Não faz sentido obrigar a requerente (que anda há anos a pugnar denodadamente pela efectivação da diligência de apreensão do veículo automóvel) a encetar nova via sacra, dando à execução a sentença declarativa de teor essencialmente coincidente com a pretensão formulada em termos cautelares, com acréscimo de dispêndios de tempo e custos e inutilização do trabalho já realizado no plano deste procedimento, sendo certo que não ocorreu qualquer das causas de extinção por caducidade da providência cautelar consignadas no artigo 373º do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa .


I–RELATÓRIO:


Intentou WZX Renting (Portugal), Lda. providência cautelar não especificada contra M.-Energias Solares, Unipessoal, Lda.

Essencialmente alegou:

Celebrou com a requerida um contrato de aluguer operacional que teve por objecto a viatura automóvel marca WZX X1 E84 20d, com a matrícula 56-..-16.

A requerida deixou de pagar os respectivos alugueres desde Dezembro de 2013 e não procedeu à devolução da viatura que se mantém em seu poder.

Conclui pedindo a imediata apreensão do veículo automóvel identificado.

Produzida prova, foi a providência julgada procedente e ordenada a imediata apreensão da viatura, por decisão datada de 16 de Junho de 2014.

Foram desenvolvidas diversas e aturadas diligências com vista à apreensão do veículo a qual, até ao momento, não se concretizou.
Nos autos principais, de que a providência é dependente, foi proferida sentença, datada de 30 de Outubro de 2015, julgando procedente o pedido formulado pelo A.

Em 24 de Fevereiro de 2016, enquanto continuavam a decorrer diligências com vista à apreensão do veículo identificado, foi proferido o seguinte despacho:

“ Carácter instrumental e provisório da providência cautelar
Qualquer «providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre caminho para a providência final».
Não é, por isso, «um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material
Portanto a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1983, 3ª edição, 623).
Esta ideia conservatória ou antecipatória resulta nomeadamente do art. 362º, nº 1 do C.p.C. (antes, art. 381º, nº 1), onde se lê que «sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave ou dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado»; ou do art. 364º, nº 1 do mesmo diploma (antes, art. 383º, nº 1), onde se lê que «o procedimento cautelar é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva».
De resto, é mesmo esta preocupação que justifica a emissão duma providência provisória, destinada a antecipar providência definitiva.
Com efeito, «o que justifica este fenómeno jurisdicional é o chamado periculum in mora (…). Há casos em que a formação da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere julgamento definitivo» (ibidem).
Por outras palavras, qualquer processo cautelar destina-se a remover o periculum in mora, «isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um processo (o processo principal)», isto é, «o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de percorrer até à decisão definitiva, para se dar satisfação à necessidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julgamento final ofereça garantias de ponderação e acerto».
Logo, «uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo possa realizar completamente o seu fim» (Alberto dos Reis, B.M.J. nº 3, p. 31 a 34).
Também a jurisprudência tem reconhecido que as providências cautelares não constituem meio adequado para se criarem e definirem direitos; visam tão só acautelar e proteger os que já existem (Ac. do S.T.J. de 21.04.1953, R.L.J., 86, p. 111). A não ser assim, a providência substituir-se-ia à acção adequada para obter tal efeito (Ac. do S.T.J., de 14.06.1957, B.M.J. nº 68, p. 542).
Extinção da providência cautelar (por efeito da procedência da acção principal)
Mas, se com as providências cautelares se visa salvaguardar a eficácia da futura decisão - supostamente - favorável ao requerente, então, sendo a acção definitiva julgada procedente, «a providência mantém-se ou transforma-se por força da decisão proferida na acção principal», cessando os seus efeitos para dar lugar aos da decisão definitiva (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 1983, 3ª edição, 639).
Por outras palavras, em tal hipótese, cessam normalmente os efeitos da providência, porque ficam substituídos pelos do julgamento definitivo, desaparecendo a necessidade da medida que visava acautelar o direito a fazer valer, ou a evitar os prejuízos da demora dessa decisão. A uma mera probabilidade da existência do direito, sucede-se a certeza da sua existência.
Compreende-se assim que, nos caso de restituição provisória de posse e de embargo de obra nova, a sentença confira carácter definitivo à situação provisoriamente regulada na providência, justificando que se declare esta finda (Acs. do RP, de 07.05.99, Leonel Serôdio, e de 17.11.2005, José Ferraz, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrp ; e Ac. da RC, de 09.07.2002, Hélder Roque, acessível em www.dgsi.pt/jtrc).
Contudo, existem situações em que a lei é expressa quanto à ultra-vigência da providência, lendo-se nomeadamente no art. 395º do C.P.C. (antes, 410º) que «o arresto fica sem efeito (…) no caso de, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes».
Há assim quem defenda que importará, para este efeito, distinguir entre os casos em que a providência cautelar visa afastar o periculum in mora de que a decisão final surja tarde de mais, por um lado, daqueles outros em que o periculum in mora que se visa afastar é o de que a execução da decisão final seja inviabilizada por alteração das circunstâncias, por outro.
Com efeito, na primeira situação, o procedimento cautelar exerce uma função essencialmente declarativa relativamente à acção principal. Já na segunda, o procedimento cautelar possui uma função essencialmente executiva (Rita Lynce de Faria, A função instrumental da tutela cautelar não especificada, Universidade Católica Editora, 2003, p. 136-144).
Compreende-se, por isso, que «sempre que a tutela cautelar vise afastar o risco de atraso da decisão principal, a emissão desta faz caducar, ipso iure, a providência cautelar emitida, porquanto é neste momento que esta perde a sua razão de ser. Os respectivos efeitos passam agora a ser produzidos por força da sentença condenatória do réu» (op. cit., p.138).
Já «sempre que a providência cautelar realize a função instrumental, através da garantia de exequibilidade da futura sentença, a caducidade daquela depende da verificação de um facto complexo de produção sucessiva: a emissão da sentença favorável ao autor, associada à prática do acto de execução que aquela providência visou assegurar. Só esta interpretação respeita a instrumentalidade das medidas cautelares não especificadas» (op. cit., p. 140).
Ora, constituindo o arresto o paradigma deste segundo tipo de providência cautelar de índole essencialmente executiva, e encontrando-se esta matéria regulada art. 395º do C.P.C. (antes, art. 410º), deverá a solução aí consagrada aplicar-se, por analogia, a todas as outras do mesmo cariz, não havendo razões de tutela do requerido que permitam solução diferente (op. cit., p. 142).
Por outras palavras, «o preceito do art. 410º, na sua dupla vertente (prazo para a propositura da execução; diligência a observar no decurso desta), deve ser analogicamente aplicado a outras providências cautelares que antecipem um acto executivo de apreensão (…), como o arrolamento ou a apreensão e o depósito de bem devido. A analogia impõe-se, tendo designadamente em conta o disposto na alínea b) [do nº1 do art. 389º do C.P.C.]» (Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., p. 53).
Secunda-se aqui esta interpretação, não só por melhor respeitar o carácter instrumental do procedimento cautelar, como ainda por respeitar o regime legal do arresto (que indubitavelmente constitui o paradigma da providência de índole essencialmente executiva). 
Concretizando, a aqui Requerente, WZX Renting (Portugal), Limitada, intentou esta providência cautelar peticionando a apreensão de um veículo automóvel.
Está, por isso, em causa uma providência de índole essencialmente executiva.
Produzida a prova arrolada, a providência foi decretada consoante requerido.
Todavia, ainda não se logrou efectivar a apreensão do dito veículo automóvel.
A aqui Requerente intentou, entretanto, uma acção declarativa de condenação, contra a aqui Requerida, onde impetrou a restituição pela mesma da viatura em causa nestes autos de procedimento cautelar.
Na dita acção principal foi proferida sentença, julgando procedente a pretensão da ali Autora, sentença que já transitou em julgado há mais de sessenta dias.
Logo, das duas uma: ou a Requerente já intentou uma acção executiva para entrega de coisa certa (em que, não sendo encontrada a viatura a restituir-lhe, poderão aqueles autos ser convertidos, por sua iniciativa, em execução para pagamento do valor respectivo, nos termos do artigo 931º do C.P.C.); ou não o fez, devendo tê-lo feito no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da decisão proferida na acção principal (art. 395º do C.P.C., aqui aplicável por analogia, conforme se expôs supra).
Em qualquer destas hipóteses, terá sempre sido praticado acto, ou verificada omissão, que importa que a presente providência cautelar tenha ficado sem efeito.
Por fim, dir-se-á que, desde que nos autos conste a ocorrência do facto que determina o levantamento da providência, trazido segundo as regras gerais - art. 264º, nº 2 do C.P.C. -, o juiz deve ordenar o levantamento da providência, ainda que oficiosamente (Lebre de Freitas e Outros, op. cit., p. 56).
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, declaro extinta a providência cautelar decretada nestes autos.
Notifique.
Oportunamente, arquivem-se os autos ”.

O requerente apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 153).

Juntas as competentes alegações, a fls. 256 a 266, formulou o requerente apelante as seguintes conclusões:

1.Em 4 de Junho de 2014, apresentou a ora Recorrente procedimento cautelar não especificado com vista a restituição do veículo automóvel com a matrícula 56-..-16, objecto dos presentes autos, a qual veio a ser decretada por decisão proferida em 16 de Junho de 2014 no âmbito do Processo n.º ...3/14.4TVLSB, que correu termos pelo Juiz ... deste mesmo Tribunal.
                                                                                       
2.Subsequentemente, veio a ora Recorrente intentar acção principal, peticionando que fosse a ali Ré condenada a devolver à ali Autora o veículo automóvel marca WZX, modelo X1 E84 20d xDrive, com a matrícula 56-..-16, chassis n.º VN55751, e respectivos documentos, no estado em que o mesmo se encontrava quando lhe foi entregue, ressalvadas as deteriorações inerentes ao uso prudente do mesmo.

3.Nos autos principais a que se alude, foi proferida sentença, em 26 de Outubro de 2015, nos termos da qual foi a acção principal julgada procedente e, em consequência, condenada a Ré a devolver a título definitivo à Autora, aqui Recorrente, o veículo com a matrícula 56-..-16, bem como, os respectivos documentos.

4.Não obstante todas as tentativas de apreensão já realizadas no âmbito dos autos de procedimento cautelar, o veículo objecto do mesmo mantém-se, até à presente data, por apreender.

5.Sucede que, em 24 de Fevereiro de 2016, foi a ora Recorrente notificada do despacho ora em crise, nos termos do qual foi declarando extinto o procedimento cautelar e indeferido o que havia sido requerido em 22 de Fevereiro de 2016, mormente a realização de diligências de apreensão do bem em causa, mais consignando que a apreensão do veículo em causa deveria ser concretizada em sede de acção executiva.

6.Ora, não pode a ora Recorrente concordar com a posição assumida pelo Tribunal a quo, porquanto não concede a ora Recorrente a analogia plasmada no douto despacho de que aqui se recorre, nos termos do qual se aplica o disposto no artigo 395.º do CPC ao caso sub judice, uma vez que, nas palavras do douto Tribunal “deve ser analogicamente aplicado a outras providências cautelares que antecipem um acto executivo de apreensão (…)”

7.Sucede que, o disposto no artigo 395.º CPC apenas e tão somente deverá ser aplicado no âmbito de uma providência cautelar especificada, o arresto (!) e não ao presente procedimento cautelar não especificado.

8.Assim, não vislumbra a ora Recorrente a possibilidade deste dispositivo ser aplicado ao caso sub judice, porquanto a natureza e objecto das providências não se confundem!

9.Não tendo o veículo objecto do presente procedimento, até à presente data, sido apreendido, será forçoso concluir que a mesma não se concretizou na sua plenitude, pelo que o direito da ora Recorrente, reconhecido provisoriamente e definitivamente confirmado no âmbito da acção principal, não se encontra, ainda, devidamente assegurado.

10.Com efeito, a execução imediata da providência constitui o único meio adequado para afastar o perigo e “assegurar a efectividade do direito ameaçado” (artigo 362.º, n.º 1 do C.P.C.), assegurando, assim, o efeito/conteúdo útil do direito, objectivo máximo da tutela cautelar.

11.Contrariamente ao que sucede com outras providências que dispensam a execução, a concretização da presente providência pressupõe a execução da mesma, a qual se traduz na efectiva apreensão do veículo em causa.

12.Assim, pela própria razão de ser e pelos objectivos que se pretendem prevenir com a presente providência, a apreensão e a respectiva entrega do veículo dela objecto à Recorrente, integram-se na sua normal tramitação processual.

13.Entende a Recorrente não ter andado correctamente o Tribunal recorrido ao indeferir o requerimento apresentado e extinguir os autos de procedimento cautelar, impedindo que a apreensão ordenada nos presentes autos possa ser executada no âmbito dos mesmos e afirmando que a apreensão do veículo deveria ser efectuada no âmbito de acção executiva que já deveria ter sido intentada.

14.Assim, ao extinguir o procedimento cautelar pelo suposto esgotamento da tutela cautelar, em virtude do reconhecimento definitivo do direito, sem que a providência cautelar haja sido cumprida em toda a sua extensão - porque o veículo dela objecto não se mostra apreendido -, está o Tribunal a forçar a ora Recorrente a ter de executar a referida sentença que julgou definitivamente a presente causa, ao proceder à aplicação analógica do artigo 395.º do CPC, o que não se admite.

15.Conforme sobejamente referido, tal configuraria uma situação demasiado penosa para a Recorrente que, tendo visto o seu direito já reconhecido, ver-se-ia na obrigação de instaurar uma outra acção – acção executiva para entrega de coisa certa - por forma a ver cumprido o já anteriormente ordenado.

16.Salvo o devido respeito, a solução supra enunciada não só esvazia, em absoluto, o objecto da providência cautelar decretada, como não se coaduna com a urgência na tutela do direito da Recorrente.

17.O facto de a decisão provisória tomada no âmbito dos presentes autos ter sido reconhecida definitivamente no âmbito da acção principal nunca poderá conduzir à conclusão de que a providência cautelar se extinguirá. 
        
18.Afigura-se imperioso concluir que a apreensão do veículo automóvel objecto dos presentes autos, na medida em que consubstancia a execução do procedimento cautelar decretado, e ainda não alcançado, justifica, obviamente, a continuação dos presentes autos e realização das diligências necessárias até efectiva apreensão do veículo em causa nos mesmos.

19.Nestes termos, resulta claro que a providência cautelar decretada, para apreensão do veículo automóvel, mantém-se não só até ao trânsito em julgado da decisão que julgou procedente o pedido na acção principal, como, além disso, até à concretização prática do direito em risco.

20.E enquanto tal não ocorrer, não se extingue o direito da Requerente, mantendo esta interesse na apreensão do veículo em causa no âmbito dos autos de procedimento cautelar sem que seja necessário a apresentação da acção executiva para o efeito.

21.Ademais, importa referir, que podendo as providências funcionar em benefício de um direito provisório e aparente, por maioria de razão devem manter-se ao serviço de um direito já reconhecido, respeitando-se assim, por essa via, os princípios da celeridade e economia processual.

22.Assim, a regra da extinção da providência com a prolação da sentença condenatória e transitada deve ser afastada in casu, realizando-se, assim, a providência requerida, atentos os fins especiais de celeridade e agilização processual, sendo que os autos de procedimento cautelar só deverão findar com a efectiva apreensão e entrega do veículo ao proprietário, ora Recorrente.

23.Por último, e para que dúvidas não restem, importa ter presente que não se verifica “in casu” qualquer das situações de caducidade da providência previstos no artigo 373.º do C.P.C.

24.Porquanto os efeitos de qualquer providência apenas caducam se a acção for julgada improcedente ou se o direito tutelado se extinguir, o que não sucede no caso sub judice – artigo 373.º, alíneas c) e e) do CPC.

25.Aliás, todas as situações de caducidade previstas no preceito legal acima referido reportam-se, para o que aqui releva, ao não reconhecimento do direito acautelado pela providência - o que não acontece no caso ora em apreço, porquanto foi o direito definitivamente reconhecido.

26.Em face do supra exposto, forçoso será concluir pela ilegalidade do despacho em apreço, devendo o mesmo ser revogado e os presentes autos prosseguirem com a realização das diligências necessárias até à efectiva apreensão do veículo automóvel deles objecto, sem necessidade de intentar acção executiva para entrega de coisa certa.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo o despacho proferido a fls. dos autos ser revogado, determinando-se a sua substituição por outro que dê continuação ao procedimento cautelar, sendo ordenado o prosseguimento das diligências com vista à efectiva apreensão do veículo com matrícula 56-..-16, objecto dos presentes autos.
Não houve resposta.

II–FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra.
 
III–QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:

Prosseguimento do procedimento cautelar não concretizado face ao trânsito em julgado da sentença proferida na acção principal que julgou procedente o pedido.

Passemos à sua análise:

A decisão recorrida não é de manter.

É incontroverso que o procedimento cautelar é meramente instrumental e provisório relativamente à acção principal da qual depende.

Contudo, não existe fundamento na lei para aplicar à providência cautelar não especificada o regime exclusivo da providência cautelar especificada de arresto e mormente o disposto no artigo 395º do Código de Processo Civil.

Trata-se de uma disposição excepcional – feita para uma única situação específica - que não comporta, por isso mesmo, aplicação analógica (cfr. artigo 11º do Código Civil).

É sintomática, nesse sentido, a respectiva epígrafe: “Caso especial de caducidade”.

De notar, ainda, que na providência de arresto está em causa a apreensão de um bem enquanto mera garantia da efectividade de um crédito cuja satisfação ficará, de outra forma, comprometida; diversamente, no presente procedimento cautelar o que se procura é a própria e imediata localização e a célere restituição ao legítimo proprietário de um bem (viatura automóvel) de crescente desvalorização e muito fácil deterioração, cujo paradeiro é preocupantemente desconhecido, face à conduta manifestamente relapsa e irresponsável do devedor ao qual foi entregue e que dele se recusa abusivamente a abrir mão.

Encontramo-nos claramente perante situações de facto perfeitamente distintas, a reclamar tratamento jurídico diferenciado.

Deverá tomar-se em particular consideração que não ocorreu, na situação sub judice, qualquer das causas de extinção por caducidade da providência cautelar consignadas no artigo 373º do Código de Processo Civil.

Mais se refira que,

Nos termos do artigo 373º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, o que determina a caducidade do procedimento cautelar respectivo é a improcedência da acção principal e não a sua procedência.

O interesse primordial dos presentes autos cautelares – a apreensão do veículo automóvel, cujas sucessivas tentativas têm-se revelado infrutíferas – subsiste incólume e deverá ser empenhadamente prosseguido, com celeridade e eficácia, sob pena de irreversível frustração do direito substantivo gravemente em risco.

Assim, o que está aqui em causa é a efectivação do direito do requerente, que urge, sem delongas, acautelar, e que por circunstâncias que lhe são absolutamente alheias, ainda não foi assegurado pelo ordenamento jurídico ao qual se dirigiu e que acolheu inteiramente a sua pretensão.

Afigura-se-nos, por isso, incompreensível e ilógico que se obrigue a requerente (que anda há anos a pugnar denodadamente pela efectivação da diligência de apreensão do veículo automóvel) a encetar nova via sacra, dando à execução a sentença declarativa de teor essencialmente coincidente com a pretensão formulada em termos cautelares, com o inerente acréscimo de dispêndios de tempo e custos e inutilização do trabalho já realizado no plano deste procedimento.

Isto para impulsionar exactamente a mesmíssima actividade processual que estava em curso há longo tempo.

No fundo, refazer o que já estava a ser feito, inútil e cansativamente.

Conforme certeiramente se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Março de 2007 (relator Francisco Magueijo), publicado in www.dgsi.pt: “…assumindo o procedimento cautelar uma componente eficiente de execução do direito declarado na acção, não se vê utilidade, nem interesse objectivo, na sua substituição pela acção executiva. É manifesto o prejuízo que daí resultaria para o titular do direito de propriedade sobre o bem a apreender, com evidente e desnecessária desconsideração dos princípios da economia e da celeridade processuais. Estando pendente procedimento que, no caso, realiza cabalmente os fins próprios da execução e estando ele na fase fina do processamento, não é curial impor-se ao titular do direito, se o quiser efectivar, que tome a iniciativa de propor e iniciar outro”.

Neste mesmo sentido, vide:

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Abril de 2008 (relator Olindo Geraldes), publicado in www.dgsi.pt; publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16 de Agosto de 2007 (relator Eduardo Tenazinha), publicitado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Maio de 2009 (relator Farinha Alves), publicitado in www.jusnet.pt.

Contra vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Julho de 2010 (relatora Ondina Alves), publicitado in www.jusnet.pt.

Privilegiar-se-á a solução que defende substantivamente os interesses protegidos pelos sistema jurídico, salvaguardando a sua eficácia e celeridade, em detrimento de uma retórica formal e ritualista que se esgota em si própria.
  
Procede, por conseguinte, a presente apelação.
 
IV-DECISÃO : 

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida.


Lisboa, 26 de Abril de 2016.


( Luís Espírito Santo ).                                                              
( Gouveia Barros ).
( Conceição Saavedra ).