Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8387/19.5T8ALM.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: APELAÇÃO
ÓNUS DE FORMULAR CONCLUSÕES
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
NEXO CAUSAL EXIGIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.–A mediadora que se obrigue a diligenciar no sentido de encontrar interessado na celebração de negócio visado pelo comitente, assume uma obrigação de meios.

2.–Celebrado contrato de mediação em regime de não exclusividade, a remuneração da autora só é devida se o negócio visado pelo exercício da mediação for celebrado de forma eficaz e desde que seja possível estabelecer um processo causal entre a atividade da mediadora e a celebração do negócio, conforme previsto no art. 19º, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 8/02.

3.–Nos termos e ao abrigo do disposto no art. 342º, nº 1, do Código Civil, recai sobre a mediadora o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, designadamente, as diligências concretamente empreendidas e que se revelaram essenciais no processo decisório do(s) interessado(s).


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


I.Relatório:



A [ .....Mediação Imobiliária, Ldª”], com sede na Rua ... ... ..., A_____, intentou contra A…L…S…, domiciliado na Avenida….., em L_____, e, sua mulher, B…B…M…, domiciliada na mesma morada, ação declarativa de condenação, alegando para tanto, e em síntese:
- A autora é uma empresa de mediação imobiliária que trabalha sob a marca Re/Max Solução e no âmbito da sua atividade foi contatada pelos réus para angariarem comprador para o imóvel correspondente ao N.º ... da Rua …., em C_____- C_____, tendo, para o efeito, celebrado em 10 de agosto de 2018 contrato de mediação imobiliária;
- Tal contrato foi celebrado sob o regime de exclusividade;
- A venda pretendida apontava para o valor de €1.990.000,00 e a remuneração devida à imobiliária seria 5% do valor da venda, a liquidar em duas tranches, uma na outorga do contrato promessa de compra e venda, outra no ato da celebração da escritura de venda;
- No dia 22 de fevereiro de 2019, a autora apresentou uma proposta de aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00, à qual os réus não deram resposta;
- A 7 de maio de 2019, os réus, à revelia da autora, procederam à venda do imóvel pelo valor de € 1.400.000,00 a E… S… e M... A...;
- Curiosamente, a autora havia efetuado uma visita da compradora final M… A… através de colega de outra agenda Remax, não tendo aquela apresentado qualquer proposta;
- Nunca foi paga qualquer comissão à autora, que era devida por via do disposto nas cláusulas 4.ª e 5.ª do contrato de mediação em vigor;
- Conforme estabelecido na cláusula 5.ª, n.º 1, a remuneração seria devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado pelo contrato, e tendo sido acordado regime de exclusividade, se o negócio não se concretizasse por causa imputável ao cliente;
- É, assim, devido pelos réus o valor de 5% sobre o valor apresentado de 1.600.000,00, ou seja, € 80.000,00, acrescido de IVA à taxa de 23%, face ao estabelecido no n.º 2 da cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária;
- Tal valor é devido desde a data de celebração da venda definitiva – 7 de maio de 2019 – sendo devidos juros de mora à taxa legal desde então, no valor atual de € 2.275,33.
Termina, pedindo que a ação seja julgada procedente por provada, e que em consequência sejam os réus condenados a pagarem-lhe as seguintes quantias:
-€ 80.000,00, a título do valor da comissão imobiliária não paga;
-€18.400,00, relativos ao valor de IVA devido;
-€2.275,33, a título de juros vencidos; tudo no total de € 100.675,33, a que deverão acrescer juros vincendos até integral cumprimento.

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Devidamente citados, contestarem os réus, alegando, em síntese, que:
- A contratação foi celebrada sem exclusividade;
- Em fevereiro de 2018 os réus deram conhecimento à autora, então representada pelo sócio gerente Sr. AA e pela Sra. I… G.., que tinham a sua moradia à venda na mediadora “N..... Unipessoal Lda” desde agosto de 2017, embora só tenham assinado o contrato em agosto de 2018, aquando do aparecimento de propostas, tendo informado a autora que pretendiam diversificar a venda do imóvel em outras agências, tendo vindo assim a assinar com a autora o contrato de imediação em agosto de 2018, a par de outros que celebraram;
- A ré quando lhe foi apresentado o impresso do contrato questionou a autora sobre o sentido da cláusula da exclusividade, já que pretendia manter a diversificação na venda da sua casa, tendo-lhe sido dito pela representante da autora – que era sua amiga – para não se preocupar, porquanto a exclusividade referia-se às várias agências da Remax, tendo a ré confiado na sua palavra, o que levou os réus a assinarem o contrato, pese embora nunca tivessem querido a exclusividade, dado que já tinham assinado contratos com outras imobiliárias;
- A ré não recebeu qualquer proposta que lhe tenha sido enviada pela autora;
- E nada devem à autora a título de comissão, porquanto a contrataram em regime de não exclusividade;
- Por outro lado, o valor da comissão peticionado foi apurado de forma errada e desvirtuada, porquanto a comissão teria de ser calculada sobre o valor da venda propriamente dita;
- No que concerne aos juros peticionados desde 7 maio de 2019, não são os mesmos devidos não só porque não existe qualquer dívida por parte dos réus, como nunca foram interpelados para o pagamento da alegada dívida, razão pela qual não estão em mora;
- A título de defesa por exceção, invocaram ainda os réus, no âmbito do regime das cláusulas contratuais, a falta de informação sobre a exclusividade, cuja informação foi prestada de forma enganadora, concluindo pela exclusão da cláusula nº 4 do contrato de mediação imobiliária, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) e b) do artº 8º do LCCG;
- Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deverá ser considerado que em função da informação enganadora prestada pela autora à ré sobre a exclusividade, a cláusula apresenta-se como contrária à boa fé, devendo considerar-se nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 12º da LCCG.
- Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deverá ser considerado que o contrato não foi submetido à apreciação do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.), nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 art. 16º da Lei nº15/2013 de 8 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 102/2017 de 23-08-2017, decorrendo de tal omissão a nulidade do contrato de mediação celebrado;
- Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deverá ser considerado que a autora agiu com a intenção de enganar os réus, levando-os a assinarem um contrato cuja vontade manifestada não correspondia às consequências e efeitos do texto da cláusula inserta no contrato, impondo-se a anulabilidade do mesmo nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 254º do Código Civil.
- Caso assim não se entenda, e subsidiariamente, deve considerar-se que os esclarecimentos prestados pela autora sobre o sentido da cláusula de exclusividade, induziram os réus em erro, sendo que estes jamais assinariam o contrato com exclusividade, como havia sido transmitido mais do que uma vez à autora, pelo que a  vontade real declarada pelos réus não correspondeu à vontade declarada no contrato, com conhecimento da autora, devendo a declaração ser anulada, com as devidas consequências legais;
- Invocando, por fim, a litigância de má fé da autora, terminam, pedindo seja julgada improcedente por não provada a ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

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Em resposta à matéria das exceções, a autora propugnou pelo seu indeferimento e reiterou o pedido formulado na petição inicial.

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Saneado o processo e dispensada a realização de audiência prévia, foram fixados os seguintes temas da prova:
1.–Validade do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes;
2.–Atividade de mediação desenvolvida pela autora;
3.–Nexo causal entre a atividade de mediação que foi desenvolvida pela autora e a concretização da venda do imóvel descrito no artigo 2.º da petição inicial, no dia 07.05.2019;
4.–Direito da autora ao recebimento da remuneração fixada no contrato de mediação imobiliária, e respetivo quantitativo.

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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, nessa conformidade:
1.-Condeno, solidariamente, A...L...S... e B...B...M... no pagamento a A da quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), acrescida de IVA à taxa de 23%, no valor de €16.100,00 (dezasseis e mil e cem euros), no total de 86.100,00 (oitenta e seis mil e cem euros), a que acresce a quantia de €1.990,92 (mil, novecentos e noventa euros e noventa e dois cêntimos) a título de juros vencidos até 04/12/2019, e nos juros de mora vencidos e vincendos, a calcular sobre a quantia de €86.100,00 desde 05/12/2019 até integral e efectivo pagamento, à taxa anual de 4%.
2.- Absolvo os réus demais peticionado pela autora;
3.- Custas por ambas as partes, na proporção de 12,5% para a autora e de 87,5% para os réus.
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Notifique e registe”.

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Não se conformando com a decisão, dela vieram os réus recorrer, concluindo:
A.–A sentença ora em crise, salvo o devido respeito, que é muito, foi proferida com base em suposições, não se aceitando a condenação vertida na mesma, por absoluta falta de fundamentação.
B.–Os factos provados não são suficientes para justificar a decisão do tribunal a quo, conclusão que se retira da análise critica aos factos provados, que se consideram juridicamente insuficientes para demonstrar o nexo causal exigido.
C.–A Recorrida não tem direito a qualquer remuneração, porquanto os factos provados (Cfr. C), 5, 10 e 28), não permitem configurar qualquer nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida e a conclusão do negócio, condições essenciais para a verificação do aludido direito.
D.–É indiscutivelmente pacifico e aceite na jurisprudência, que o direito à remuneração está dependente da relação de causalidade dos actos de promoção e mediação desenvolvidos pela mediadora, que culminam com a perfeição de negócio, bem assim que incumbia, no caso sub judice, à Recorrida, a prova dos elementos constitutivos do referido direito, o que não se verificou. Cfr. Ac. RL de 14.04.2011, proc. 761/07.6TCFUN.L1-2, in www.dgsi.pt, Acordão da Relação de Lisboa, de 14-06-2012 e Ac. TRC 18.02.2014, proc. 704/12.5T2OBR.C1, in www.dgsi.pt, Acórdão do TRL de 02.12.2014, proc. 2330/13.2TBSXL.L1, in www.dgsi.pt, Ac. RP de 10.02.2015, proc. 1216/11.0YIPRT.P1, in www.dgsi.pt, Ac. TRP de 21.03.2013, proc. 582/12.4TJPRT.P1, in www.dgsi.pt, Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial, Centro de Estudos Judiciários, 2016, pag.48)
E.–Dos factos provados, não resulta em momento algum, que a Recorrida tenha praticado qualquer acto que influiu ou foi determinante no negócio celebrado, não se verificando em conformidade qualquer nexo causal, não se aceitando em conformidade a subsunção dos factos provados ao direito aplicável, efectuado pelo Tribunal a quo.
F.–O Sr. E... S..., um dos elementos do casal, foi o primeiro a identificar o imóvel e conhecer o negócio em setembro de 2018, tendo este sido proposto pela agência imobiliária - N..... Unipessoal, Lda, a mesma que veio a concretizar o negócio.
G.–Tentar preencher factualmente o requisito do nexo causal com a visita da Sra. M... em data posterior à visita do marido, porque esta não teria sido suficiente para a tomada de decisão de aquisição do imóvel, assenta em suposições ilegítimas que são desautorizadas pela matéria de facto dada por provada, tal como ela consta da decisão recorrida.
H.–Tanto é, que a circunstância da mediadora - N..... Unipessoal, Lda, ter sido a primeira a apresentar o negócio ao primeiro outorgante da escritura pública. deveria, só por si, e num juízo avisado e ponderado, esvaziar de sentido a conclusão, irreal, de que a actividade de uma segunda mediadora, se apresentasse em face da cronologia dos factos, como decisiva.
I.–Não se revogando a sentença recorrida, os Recorrentes seriam obrigados a liquidar o valor correspondente à remuneração de duas mediadoras imobiliárias, o que se afigura do ponto de vista da interpretação jurídica e da justa medida das coisas, um absurdo jurídico e um resultado abusivo.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso de apelação interposto pelos Recorrentes, devendo:
O presente recurso ser julgado totalmente procedente, e a sentença proferida, ser revogada e substituída por outra, que julgue totalmente improcedente por não provado o pedido formulado pela A./Recorrida, absolvendo os RR./Recorrentes do referido pedido.
Vossas Excelências farão, como sempre JUSTIÇA.

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Contra-alegou a autora, concluindo:
A)–Os Apelantes não cumprem, nem sequer minimamente as exigências legais para a interposição de um recurso de Apelação.
B)–Não cumprem qualquer dos ónus que lhe impõem os artigos 639.º, nem os do artigo 640.º.
C)–Nem se consegue perceber se os Apelantes recorrem de facto ou de direito.
D)–Alegam apenas dizendo que discordam da decisão e carreiam jurisprudência e doutrina apresentadas de forma errática, como que pedindo ao Venerando Tribunal de Recurso que imagine ou depreenda em que assenta o recurso.
E)–Entre outras ausências, não há a menção a uma norma violada ou mal interpretada pelo Tribunal a quo e não há a indicação de quais os pontos de facto que foram incorretamente julgados, ou os meios de prova que forçariam a conclusões diferentes das que presidiram à decisão.
F)–Não há espaço sequer para que o Tribunal ad quem convidar a aperfeiçoamentos, pois aperfeiçoar implicaria no fundo a elaboração de um novo recurso e essa janela o legislador não abriu, pois seria como que conferir um acréscimo de prazo a um momento há muito precludido.
G)–A decisão proferida pelo Tribunal a quo, embora não tenha dado vencimento total à pretensão da Autora, ora Apelada, é uma decisão que a Apelada compreende, atenta a prova carreada para os autos.
H)–A decisão é, de facto e de direito, uma excelente decisão e foi provavelmente a solidez da decisão que baralhou os RR/Apelantes e gerou este recurso errático e necessariamente inadmissível.
Termos em que, sempre sem prescindir do Douto suprimento, de V.Exas, deve o presente recurso ser liminarmente indeferido por não respeitar os critérios mínimos estabelecidos pela Lei.
Ainda que assim não se entendesse, o que se coloca por mera cautela de patrocínio, não tem o mesmo qualquer base de sustentação de facto ou de direito, que pudesse por minimamente em crise, a Douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim, a acostumada, IUSTITIA.”

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O recurso foi admitido pelo tribunal de 1ª instância, recebido neste tribunal nos mesmos termos, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

Questão prévia
A autora e recorrida “A” pugna, nas suas contra-alegações, pela rejeição do recurso dos réus/recorrentes, por entender que o mesmo não cumpre quaisquer dos ónus impostos pelos arts. 639º, e 640º, do Código de Processo Civil, não sendo percetível se recorrem de facto - porquanto não vêm indicados factos que tenham sido incorretamente julgados pelo tribunal - e/ou também de direito, pois não são indicadas as normas jurídicas violadas ou mal interpretadas pelo tribunal.

Cumpre decidir.
Sob a epígrafe Ónus de alegar e formular conclusões”, dispõe o art. 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

Impende, assim, sobre o recorrente o ónus da alegação e o da apresentação das conclusões, sendo estas que delimitam o objeto do recurso (arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, do Código de Processo Civil).
“O ónus de formular conclusões, imposto pelo nº 1, visa proporcionar ao tribunal uma maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos do recurso, devendo as conclusões da alegação conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses desenvolvidas nas alegações, devendo, quando o recurso versar sobre matéria de direito, conter a indicação dos preceitos legais violados.”[1]
A leitura das conclusões do recurso dos réus/recorrentes não deixa margem para dúvida quanto ao objeto de recurso. Efetivamente, nelas não vêm indicados quaisquer pontos de facto relativamente aos quais se pretenda qualquer alteração, sendo evidente que a matéria de facto não vem impugnada, o que leva a concluir que o recurso versa apenas sobre matéria de direito.

E assim sendo, cabe atentar no disposto no nº 2, daquele mesmo artigo 639º, segundo o qual:
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.

Não obstante a falta de referência expressa a qualquer norma jurídica que tenha sido violada ou mal interpretada, as conclusões dos recorrentes são claras quando delimitam o objeto do recurso à parte da sentença que apreciou e decidiu sobre o direito da autora ao recebimento da remuneração fixada no contrato de mediação imobiliária, tendo por base o texto contratual e o regime jurídico aplicável, designadamente, o art. 19º da Lei nº 15/2013, de 8/02, insurgindo-se contra a decisão apenas quanto à questão do nexo de causalidade entre a atividade de mediação e o negócio final alcançado, exigido na dita norma, invocando em concreto que a matéria de facto provada não é suficiente para “ (…) justificar a decisão do tribunal a quo, conclusão que se retira da análise critica aos factos provados, que se consideram juridicamente insuficientes para demonstrar o nexo causal exigido”; que “ A Recorrida não tem direito a qualquer remuneração, porquanto os factos provados (Cfr. C), 5, 10 e 28), não permitem configurar qualquer nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida e a conclusão do negócio, condições essenciais para a verificação do aludido direito.”; e ainda que “Dos factos provados, não resulta em momento algum, que a Recorrida tenha praticado qualquer acto que influiu ou foi determinante no negócio celebrado, não se verificando em conformidade qualquer nexo causal, não se aceitando em conformidade a subsunção dos factos provados ao direito aplicável, efectuado pelo Tribunal a quo.”.
Deste modo, aceitando que a pretensão da autora deve ser apreciada à luz do enquadramento jurídico referenciado na sentença, discordam os recorrentes da forma como foi interpretado e apreciado o nexo causal nela estabelecido, o que fizeram de forma percetível para o destinatário, desde logo para a autora/recorrida, de cujas contra-alegações e respetivas conclusões se extrai, sem margem para qualquer dúvida, que entendeu o sentido e o alcance das alegações e conclusões dos recorrentes, em nada tendo ficado comprometido o exercício do contraditório.

Assim, ainda que os recorrentes não tenham dado expresso e perfeito cumprimento ao disposto no art. 639º, nº 2, do Código de Processo Civil, designadamente, mencionando qualquer uma das suas especificações, e em particular o disposto na sua alínea b), não se encontrando qualquer dificuldade na delimitação das questões que os recorrentes suscitam perante este tribunal – razão pela qual inexistia fundamento para recorrer ao convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos no nº 3, daquela mesma norma -, entendemos que no presente caso inexiste qualquer razão para fazer prevalecer qualquer aspeto de ordem formal sobre a apreciação do mérito do recurso, inexistindo, por conseguinte, fundamento para a invocada rejeição, sufragando-se, deste modo, a decisão já mencionada do Supremo Tribunal de Justiça (o sobredito acórdão de 24/03/2021), onde se conclui que, “(…) as deficiências relativas à formulação das conclusões das alegações não têm como consequência necessária a rejeição do recurso, pois que o nº 3 do mesmo preceito dispõe que “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso na parte afectada”.
Assim, como resulta desse preceito se se verificarem as apontadas deficiências das conclusões das alegações deve o recorrente ser convidado a supri-las: a consequência aí prevista deve ser reservada para falhas que, não tendo sido reparadas, justifiquem, pela sua gravidade, tal efeito.
Tal não significa, no entanto, que o convite ao suprimento das deficiências das conclusões se imponha ao juiz e ao tribunal sempre e em todos os casos mas, tendo presente o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da CRP, apenas naqueles em que as deficiências verificadas podem conduzir à rejeição do recurso, e não já naqueles em as alegações e respectivas conclusões não colocam ao tribunal, ou à contraparte,  qualquer dificuldade ou dúvida de entendimento sobre os fundamentos do recurso e as questões  suscitadas que dele são objecto, e, designadamente, não se impõe, ou sequer justifica, por falta de indicação das normas jurídicas violadas se o recorrente não pretende pôr em causa o acerto da decisão quanto à norma jurídica que serviu de suporte à sua condenação (cf. neste sentido o acórdão do STJ, de 9.6.2016, Procº nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1.)
Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 9.3.2004, Procº nº 04A300 do disposto no art.º 690º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil [correspondente ao artigo 639º, nº 3, actual], resulta apenas que o relator não pode deixar de conhecer do recurso com base na falta, deficiência, obscuridade, complexidade ou falta de especificações legais nas conclusões das alegações deste, sem convidar os recorrentes a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las. Já não impede o conhecimento do objecto do recurso sem tal convite se o Tribunal de recurso entender dispor de elementos que lhe permitam, nomeadamente por razões de celeridade processual, proceder ele próprio àquela sintetização por forma a determinar quais as questões a decidir, apesar da dificuldade acrescida nessa determinação.”.

E pelo exposto, improcede a pretensão da autora/recorrida.

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II.–Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso em apreço cabe decidir se é possível estabelecer um nexo causal entre a atividade exercida pela mediadora (autora) e a celebração do contrato visado pelos comitentes (réus).

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III.– Matéria de Facto

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
Factos não impugnados:
A)–A autora é uma empresa de mediação imobiliária que trabalha sob a marca Re/Max Solução;
B)–A autora e os réus assinaram um escrito intitulado “Contrato de mediação imobiliária”, datado de 10.08.2018, de onde consta, designadamente, o seguinte:
“Cláusula 1.ª
(Identificação do imóvel)
O Segundo contratante é legítimo proprietário da fracção autónoma (…) urbano destinado(a) a habitação, sendo constituído por 8 divisões assoalhadas, com uma área total de 507,20 m2, sito na (…) Rua (…), N.º ..., H..... - A....., (freguesia) C_____ - C_____ /concelho) A_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de A_____, sob a ficha n.º___ com a licença de construção (…) 244/10, emitida pela Câmara Municipal de A_____, em ___/__/__ e inscrito na matriz predial urbana (…) com o artigo n.º 2...8 da freguesia de ______(…)
Cláusula 2.ª
(Identificação do negócio)
1-A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na Compra (…) pelo preço de 1.990.000 Euros (um milhão novecentos e noventa mil euros),  desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.
1- Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito à Mediadora.
(…)
Cláusula 4.ª
(Regime de contratação)
1-O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2-Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, ficando o Segundo Contratante obrigado a pagar comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.
Cláusula 5.ª
(Remuneração)
1-A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também nos casos em que o contrato tenha sido em regime de exclusividade o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.
2-O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:
A quantia de 5% calculada sobre o valor pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA taxa legal em vigor.
(…)
3-O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:
(…)
50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.
(…)
Cláusula 8.ª
(Prazo de Duração do Contrato)
O presente contrato tem a validade de 6 (…) meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.
(…)
Cláusula 10.ª
(Angariador Imobiliário)
(…) I.. G.. (…)”;
C)–Em 07.05.2019, no Cartório Notarial de JM....., sito na Avª. ... ....., em L_____, foi outorgada escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca, de onde consta:
«(…)
PRIMEIROS
A…L…S…, NIF…, natural do Brasil e mulher, B...B...M...S..., NIF …, natural do Brasil, de nacionalidade brasileira, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua …., C_____ - C_____ (…)
SEGUNDO
E...A...S..., NIF..., natural da Argentina, de nacionalidade argentina, casado sob o regime de comunhão de adquiridos, residente na Praceta… C_____ - C_____ (…) Que outorga por si e na qualidade de procurador de sua mulher:
M...D...A..., NIF…, natural da Argentina, de nacionalidade argentina, com ele casada, no indicado regime matrimonial, e residente.
(…)
PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES, FOI DITO:
Que são donos e legítimos possuidores do Prédio …, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de A_____ sob o número…., da referida freguesia, a aquisição a favor dos vendedores pela apresentação …., de vinte e três de novembro de dois mil e onze.
Prédio inscrito sob artigo …, na matriz predial urbana da freguesia …., com o valor patrimonial atribuído de €596.570,72.
(…)
Que, pela presente escritura, vendem ao segundo outorgante o mencionado imóvel, livre de ónus e encargos, pelo preço de um milhão e quatrocentos mil euros, que declaram já ter recebido e do qual prestam a devida quitação.
(…)
PELO SEGUNDO OUTORGANTE, FOI DITO:
Que aceita a presente venda, nos termos exarados, e destina o referido imóvel a sua habitação própria e permanente.
(…)
Mais declararam os primeiros e o segundo outorgantes, que nos termos e para os efeitos do número 1 do artigo 40.º da Lei número 15/2013, de 08 de fevereiro, para a transação realizada e ora titulada houve intervenção da empresa de mediação imobiliária: “N..... – Soc. Unipessoal, Limitada”, NIPC 5........., titular da Licença AMI 1.... .
(…)”;
D)–Os réus nunca pagaram qualquer comissão à autora.
Factos provados
1)–G... Z... realizou uma visita ao imóvel propriedade dos réus, através da autora, em 21/02/2019, e manifestou interesse em apresentar uma proposta de compra;
2)–No dia 22 de Fevereiro de 2019, às 21:20:47, I... G..., comercial da autora, remeteu um email dirigido aos réus para o endereço electrónico … com o assunto «proposta de compra e venda» e com o seguinte teor: « (…) Como conversa anterior e no seguimento da visita realizada ontem ao vosso imóvel os clientes apresentaram uma proposta de compra no valor de 1.6000.000,00€ (um milhão e seiscentos mil euros), com assinatura do CPCV no imediato. Fico a aguardar a vossa resposta. (…)»;
3)–A proposta referida em 2) não obteve resposta dos réus;
4)–A venda do imóvel ocorrida em 07/05/2019 foi efetuada sem conhecimento da autora;
5)–Em 11/01/2019, a autora havia efetuado uma visita ao imóvel com M... A..., através de A... C... que trabalha noutra agência Remax, a Re/Max Sky, não tendo sido, formalmente, apresentada qualquer proposta;
6)–O casal A...M... M...A... (sócio gerente da autora) e I...G... eram amigos dos réus;
7)–Amizade esta que teve início em anos anteriores, e que passava inclusivamente por convívios na casa dos réus e presenças nas festas de aniversário das filhas dos réus;
8)–[Antes da assinatura do escrito referido em B)] os réus já haviam contratado a autora para outras vendas de imóveis, e, bem assim, para o arrendamento de um apartamento na H..... da A..... para os pais do réu A..., em Fevereiro de 2018;
9)–No dia da visita ao apartamento cujo objeto seria o arrendamento referido em 8), os réus deram conhecimento à autora, na pessoa do sócio gerente A... A... e I... G..., que tinham a sua moradia à venda noutras agências, nomeadamente na agência N..... Unipessoal Lda;
10)–Os réus assinaram um escrito particular denominado «Contrato de mediação imobiliária» com a agência N..... –Unipessoal, Lda, datado de 10 de Agosto de 2018;
11)–Os réus assinaram um escrito particular denominado «Contrato n.º HAB-2.../2...» com a agência P..... – Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda, datado de 23 de Junho de 2018;
12)–Os réus acordaram com as agências imobiliárias referidas em 10) e 11) o regime de não exclusividade, pois pretendiam diversificar a venda do imóvel em várias agências;
13)–Em Agosto de 2018, após visitas a lotes de terreno que a ré estava interessada em adquirir e I... G... andou a mostrar, quando se encontravam dentro do veículo de I... G... esta apresentou à ré B... o escrito referido em B), com vista a angariar a promoção da venda do imóvel dos réus para a agência Re/max Solução, marca através da qual a autora labora;
14)–A ré B... reparou que o escrito fazia menção a exclusividade e perguntou a I... G... o que aquilo queria dizer uma vez que o imóvel estava à venda em duas agências e queria continuar com essa diversificação;
15)–I... G... respondeu para não se preocupar porque a exclusividade que constava no contrato ali apresentado, era apenas entre as várias agências “Remax” e não em relação a outras agências, que não fossem “Remax”;
16)–A ré B... aceitou essa explicação como verdadeira e transmitiu-a ao reú A...;
17)–Os réus nunca quiseram contratar nenhuma agência imobiliária para venda do imóvel em regime de exclusividade;
18)–O réu, conhecido como (…) foi jogador de futebol durante 15 anos no (…);
19)–Os réus foram citados na morada do (…);
20)– Em 11 de Abril de 2018 I... G... remeteu um email dirigido à ré B..., para o endereço de email …., com conhecimento de …, com o assunto “Faturas Eletrónicas – EDP e SMAS- (…)”;
21)–Em 09 de Agosto de 2018 I... G... remeteu um email dirigido à ré B..., para o endereço de email …, com conhecimento de … com o assunto “Informações SMAS- Importante”;
22)–Em 09 de Agosto de 2018 I... G... remeteu um email dirigido à ré B..., para o endereço de email …, com conhecimento de … com o assunto “Faturas EDP para pagamento”;
23)–Em 09 de Agosto de 2018 I... G... remeteu um email dirigido à ré B..., para o endereço de email …, com conhecimento de … com o assunto “Faturas SMAS para pagamento”;
24)–Em 23 de Fevereiro de 2018 I... G... remeteu um email dirigido à ré B..., para o endereço de email …, com o assunto “…”;
25)–Em 12 de Setembro de 2018 - "N..... - Unipessoal, Ldª" - A..... remeteu um email dirigido à ré B..., para o endereço de email …, com o assunto “Proposta Moradia Isolada T4+1…”;
26)–Em 19 de Dezembro de 2018 I... G... remeteu um email dirigido à ré B... e L..., para o endereço de email …, com o assunto “BOAS FESTAS”;
27)–Na data da entrega do escrito referido em B) à ré B..., todos os dados de identificação dos réus encontravam-se em branco, tendo sido preenchidos por I... G... posteriormente, sem qualquer informação ou indicação da ré [prestada nesse momento].
28)–Em 10/09/2018 foi realizada visita ao imóvel por E... S..., através da agência “N..... Unipessoal, Lda”;
29)–O projeto de contrato de mediação imobiliária utilizado pela autora foi aprovado pelo Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC) em 08 de Janeiro de 2018;
30)–Os reús tinham o imóvel à venda na agência - N..... Unipessoal, Ldª, desde Outubro de 2017;
31)–I... G... mantinha relações profissionais com a ré B... desde o ano de 2012/2013, altura em que colaborava com uma empresa de contabilidade e prestou serviços à ré;
32)–No dia 11/01/2019, às 12:51, I... G... enviou a seguinte mensagem à ré B...: «Olá querida. A visita já foi feita. Correu muito bem. Estou a aguardar o Feedback final. Beijinhos”. Em resposta, às 13:12, a ré B... enviou a seguinte mensagem: «Oi I... Vai vim outra pessoa ainda hoje? Vc poderia ter nos avisado que era a esposa do S... pois tivemos que sair rápido para não ficar uma situação chata…». I... G... respondeu, às 13:15: «B..., desculpa, mas a cliente não é minha. Eu não sabia quem era, muito menos que era a esposa do S...»;
33)–No dia 21/02/2019, após troca de mensagens sobre a visita ao imóvel realizada pelo cliente de nacionalidade chinesa, às 22:31, I... G... enviou a seguinte mensagem á ré B...: «Como podes ver, eles apenas estão a pensar se aceitam avançar com o valor de venda porque eu disse que não há negociação. Obrigada eu, pela vossa colaboração e disponibilidade na venda do imóvel. Espero que corra como desejamos, como todos os negócios imobiliários que vos acompanhamos até agora. Um beijinho.» A ré B... respondeu, às 22:36: «Obrigada I...!!! Se Deus quiser!Beijinhos e vamos falando»;
34)–No dia 22/02/2019, às 21:02, I... G... enviou a seguinte mensagem à ré B...: «Ola B..., boa noite. Liguei-te para dar Feedback da reunião desta tarde. Os clientes que foram ver a vossa casa ontem fizeram uma proposta de compra de 1.600.00,00€. Vou enviar o Mail com a proposta formalizada. Entretanto, também queria falar convosco relativamente ao tema que te comentei ontem sobre a “potencial” assinatura do contrato de promessa compra e venda com o S... e a M... A questão é que hoje voltaram a contatar-nos a dizer que existe, um agendamento de contrato da compra e venda da vossa casa entre vós e o S... Não quero acreditar nessa possibilidade, pelo fato de que sabes que temos um contrato de mediação assinado e ativo, e que a M... foi ver a vossa casa comigo e com outra colega da remax o que quer dizer, que se eles quisessem comprar a vossa casa e existisse acordo entre vós, o negócio terá que ser mediado por nós, até porque há documentos assinados dessa visita. Assim que poderes, liga-me. Obrigada.»;
35)–A ré B.. não respondeu à mensagem referida em 34).

***

A 1ª instância julgou como não provados os seguintes factos:
a)-Por referência ao facto 9), que os réus tenham dito à autora que a moradia encontrava-se à venda na mediadora - N..... Unipessoal Lda desde Agosto de 2017;
b)-Que à ré B... tenha sido colocado à frente o papel com o contrato impresso;
c)-Que, como estava dentro do carro, e só pôde fazer uma leitura rápida, a ré verificou que a identificação das partes não estava preenchida;
d)-E que, tendo questionado o porquê, a I... G... respondeu que depois preencheria;
e)-Por referência ao facto 18), que os réus são pessoas sérias, íntegras, e que a conduta e carácter do réu A... sempre foi reconhecido pelos adeptos, profissionais e pessoas que ao longo da vida com ele privaram;
f)-A...A..., sócio gerente da A., e à data amigo do réu A..., na altura que o réu se despediu de jogador de futebol, fez-lhe uma dedicatória;
g)-A autora não efetuou qualquer interpelação aos réus antes da propositura da presente ação;
h)-A ré B... não recebeu a proposta de G... Z... para aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00, nem o email remetido referido em 2);
i)-A proposta de G... Z... para aquisição do imóvel pelo valor de €1.600.000,00 não existiu;
j)-o endereço de email constante do escrito referido em B), …, está errado e não pertencia à ré B... .

Fundamentação de Direito
O objeto do presente recurso restringe-se ao segmento da sentença que apreciou o direito da autora ao recebimento da remuneração fixada no contrato que celebrou com os réus.

De acordo com a decisão final proferida nos autos, na parte que não foi posta em crise:
- Entre a autora e os réus foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, sujeito ao regime da Lei nº 15/2013, de 8/02, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 102/2017, de 23/08;
- Tal contrato foi celebrado com recurso a cláusulas contratuais gerais, aplicando-se-lhe, consequentemente, o regime previsto no Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10;
- A cláusula de exclusividade vertida no contrato foi dele excluída, por não ter sido objeto de comunicação e informação aos réus (art. 8º, als. a) e b), do referido DL 446/85);
- Assim se tendo concluído que autora e réus celebraram um contrato de mediação imobiliária cujo regime de contratação não foi o da exclusividade.
E é perante este quadro que cabe apreciar o recurso dos réus, que não se conformam com a decisão na parte em que os condenou a pagarem à autora a comissão/remuneração fixada na sentença.

De acordo com o art. 2º, nº 1, da sobredita Lei 15/2013,A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.”

A lei não faz, assim, recair sobre a mediadora uma obrigação concreta, prevendo apenas que a mesma prossiga uma atividade no sentido de procurar destinatários interessados na celebração do(s) contrato(s) por eles visados, ainda que nada impeça, ao abrigo da liberdade contratual (art. 405º, nº 1, do Código Civil), que sejam fixadas no contrato obrigações determinadas, nomeadamente, a obtenção do resultado pretendido pelo cliente/comitente, sendo, pois, através do contrato que se há de aferir sobre a natureza, medida e extensão da obrigação assumida pela mediadora.
Nos casos em que o mediador se obrigue a obter o resultado que satisfaça o interesse do cliente, assume uma obrigação de resultado; se a mediadora se obrigar a diligenciar no sentido de encontrar interessado que venha a celebrar o contrato, estaremos face a uma obrigação de meios[2].
“A lei vigente, ao não classificar a atividade que a mediadora desenvolve no âmbito do contrato e por causa dele como obrigação, permite que o modelo legalmente típico inclua contratos em que a mediadora se vincula ao exercício da atividade e outros em que não se vincula.
Em ordenamentos nos quais o contrato de mediação está legislativamente regulado – como sucede no italiano, no alemão e no suíço –, o desenvolvimento da atividade mediadora contratualmente prevista não constitui uma obrigação. Nestes países, a situação passiva do mediador corresponde melhor ao que os autores suíços designam por Obliegenheit (autores de língua alemã) ou incombance (de língua francesa), do que a uma obrigação. O termo tem sido traduzido entre nós por ónus material, encargo, e/ou incumbência. Trata-se de uma entidade do plano das normas jurídicas de constrangimento a um comportamento, como a obrigação, mas que se distingue desta pelas diferentes consequências da sua inobservância. Enquanto o incumprimento da obrigação confere ao credor direito de ação para execução específica, compensação em dinheiro e/ou indemnização dos danos, a inobservância da Obliegenheit gera para o vinculado um inconveniente ou a não obtenção de um benefício, mas não confere à contraparte o direito de exigir o comportamento ou de se ressarcir pelo não desempenho. Por outro lado, a sua observância é favorável a ambas as partes (ao contrário do que sucede com os ónus processuais, cuja inobservância é desfavorável ao onerado e favorável à parte contrária).
Parece ser o que amiúde sucede em contratos de mediação: a mediadora desenvolverá a atividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerada se for bem sucedida na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. Com efeito, a mediadora não está sujeita a ver-se compelida a desenvolver a sua atividade de promoção do contrato desejado, nem a ter de pagar uma indemnização caso não a desenvolva. À situação passiva da mediadora num contrato de mediação simples (sem cláusula de exclusividade), dificilmente corresponde um direito do cliente de exigir a prestação, ou a sua execução por terceiro a expensas da mediadora, ou indemnização substitutiva. Esta relativa liberdade da mediadora tem o seu contraponto nas liberdades do cliente de contratar outras mediadoras e de não celebrar o contrato com a pessoa encontrada pela primeira.”[3]
No caso, analisado o contrato concretamente celebrado entre as partes, é inequívoco que a mediadora ao comprometer-se a diligenciar no sentido de encontrar um interessado na celebração do negócio visado pelos réus, assumiu uma obrigação de meios, como se concluiu, também, na sentença recorrida.
No que diz respeito ao direito de remuneração da autora, o mesmo não emerge, porém, do cumprimento dessa obrigação, nem sequer da efetiva obtenção de interessado na outorga do contrato visado pelo cliente/comitente.
Tendo presente o contrato efetivamente celebrado entre as partes, o direito à remuneração da mediadora dependia da angariação de interessado que viesse a concretizar o negócio visado pelos clientes, em conformidade, assim, com o regime contido no art. 19º. nº 1, da Lei 15/2013, segundo o qual, “ A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (…)”, sendo deste modo a realização efetiva do negócio perfeito, ou seja, eficaz,[4] que faz nascer na esfera da mediadora o direito à remuneração, decorrendo ainda da mesma norma que esta remuneração só é, no entanto, devida quando seja possível estabelecer um nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida pela mediadora e a celebração do negócio, o que significa que tem de ser demonstrado factualmente que a atividade da mediadora  contribuiu de forma importante para o processo decisório dos interessados, determinando-os à celebração do negócio, recaindo sobre aquela o ónus da prova de tal requisito, porque constitutivo do seu direito (cf. art. 342º, nº 1, do Código Civil).
Neste sentido, aponta claramente a nossa doutrina e jurisprudência.

Escreve Carlos Lacerda Barata que “Só com a verificação de um «resultado útil» - a realização do negócio – da atuação do mediador, este ganha o direito à remuneração”[5]; “A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro”.[6]

Para que seja “(…) devida a remuneração acordada, não basta que o mediador tenha desenvolvido todos os esforços para a produção desse resultado, sendo ao invés necessário que esses esforços tenham conduzido à celebração do negócio visado e que o negócio assim celebrado tenha resultado directamente dessa actividade do mediador.”[7]

Na determinação do critério determinante para o estabelecimento do nexo causal deve atender-se à “(…) ligação psicológica entre a actividade do mediador e a vontade de o terceiro concluir um contrato com o comitente – e a afirmação dessa ligação não deve ser posta em causa pelo lapso temporal entretanto decorrido entre o exercício da actividade e a conclusão do contrato, nem pelos factos ocorridos nesse período de tempo, v. g., a intervenção de um novo mediador.”[8]

Nos casos de mediação imobiliária sem exclusividade, o mediador “ (…) só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado”[9]; a exigência deste nexo causal “(…) tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra”[10]
“O nascimento do direito à remuneração carece, para além da conclusão e perfeição do contrato visado, da verificação de um nexo de causalidade entre a atividade da mediadora e o contrato celebrado. A necessidade de um tal nexo decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária e é incansavelmente lembrada pela doutrina e pela jurisprudência. Nesta, e segundo a que me parece ser a melhor posição, afirma-se que a contribuição da mediadora não tem de ter sido única, sendo suficiente ter-se limitado a dar o nome ou a ter posto em contacto (desde que isso tenha influído de algum modo no negócio). 

Acontece, por vezes, na prática dos negócios haver efetiva contribuição de mais do que uma empresa de mediação para a concretização do contrato visado, seja por colaboração entre empresas de mediação, seja por o cliente contratar a mediação com várias mediadoras. No primeiro caso, o cliente pagará apenas à empresa que contratou, sendo alheio ao negócio que esta manteve com a sua congénere. No segundo caso, poderá justificar-se a repartição da remuneração pelas duas (várias) mediadoras, em função da sua contribuição para a realização do negócio.”[11]

Em termos jurisprudenciais, no que diz respeito a esta questão do nexo de causalidade, e em conformidade com a doutrina apontada, vejam-se, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/02/2021 (Processo 8111/17.6T8LSB.L1-6), integralmente acessível no sítio da internet, www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê:
“(…)
II)-A remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, importando estabelecer um nexo causal entre a actividade do Autor e a concretização do negócio, ou seja, se o comprador efectivo chegou ao negócio por via da actividade desenvolvida pelo mediador.
III)-Embora oriunda de um ramo diverso, a doutrina da causalidade adequada oferece o enquadramento para a apreciação do nexo causal que seja a um tempo suficiente robusto para não se reconduzir à condição sine qua non, conseguindo do mesmo passo não desprezar a actividade que, isolada ou em conjunto com outras, possibilitou o negócio.
IV)-Assim, não é necessária a continuidade do nexo causal e também não é indispensável que o mediador tenha colaborado até ao final das negociações, bastando que tenha conduzido as partes ao ponto em que a conclusão do contrato surge como possível, nomeadamente pela continuidade do interesse contratual gerado com intervenção do mediador.
(…).”

Também no sentido de que o direito à remuneração depende da verificação dum nexo causal entre a atividade da mediadora e a realização do negócio, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 11 de julho de 2019, no âmbito do Processo nº28079/15.3T8LSB.L1.S1 (integralmente acessível em www.dgs.pt); e também no acórdão de 17/06/2021 (Processo nº 8373/19.5T8LSB.L1.S1, acessível no mesmo sítio), onde se concluiu que para haver direito à remuneração, é necessário que haja uma relação causal entre a atuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato objeto da mediação, realçando-se o que nele ficou expresso no voto de vencido do Sr. Conselheiro Fernando Batista, sobre a questão do nexo causal (a discordância quanto à decisão que fez maioria não está relacionada diretamente com a situação do nexo de causalidade que vimos abordando):

“(…) para o preenchimento do nexo causal basta que o trabalho do mediador tenha contribuído/influído decisivamente para a conclusão do negócio (causa determinante). Além de que, como já ficou dito, não é necessário que a actividade do mediador seja contínua e ininterrupta ou a única causa determinante da realização ao negócio pretendido pelo comitente (o que interessa é que se possa concluir que o negócio visado no contrato de mediação imobiliária resultou da actividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa do resultado produzido; a sua actividade deve ter influência determinante no negócio que a final venha a efectivar-se; deve essa actividade integrar-se de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio).”

A sentença recorrida considerou ter ficado “(…) indiscutivelmente verificada a necessária relação causal entre a actividade desenvolvida pela autora e a realização do negócio visado pelo contrato de mediação (…)”, conclusão sustentada na seguinte argumentação:

“(…) com relevância para a questão que agora nos ocupa, provou-se nos autos que:
- O cliente da autora, G... Z... realizou uma visita ao imóvel propriedade dos réus, em 21/02/2019, apresentou uma proposta de compra, pelo valor de €1.600.000,00, que foi comunicada aos réus, através de mensagem, em 22/02/2019, e através de email, no mesmo dia. Contudo, os réus não responderam a esta proposta (factos 1), 34), 2) 3));
- Em 11/01/2019, a autora efectuou uma visita ao imóvel dos réus com M... A..., através de outra agência Remax, não tendo sido apresentada qualquer proposta por esta cliente. Em 10/09/2018, o imóvel já havia sido visitado por E... S..., através da agência imobiliária - N..... Unipessoal, Ldª. Em 07/05/2019, foi outorgada escritura de compra e venda do imóvel entre os réus e o casal E... S... e M... A..., pelo valor de €1.400.000,00, com a intervenção da agência imobiliária - N..... Unipessoal, Ldª- (factos 5), 28) e C)).
Perante este quando factual e atentas as considerações legais, doutrinais e jurisprudenciais antes expendidas, entendemos que resultou provado o nexo casual entre a actividade de mediação desenvolvida pela autora e a concretização do negócio visado, no caso a venda do imóvel ao casal E... S... e M... A... .
Com efeito, se é certo que E... S... já tinha efectuado uma visita ao imóvel em Setembro de 2018 através da agência - N..... Unipessoal, Ldª, na verdade, essa visita não terá sido suficiente para a tomada de decisão de compra do imóvel e, muito menos, com a intervenção exclusiva da - N..... Unipessoal, Ldª. Evidência disso, é o facto de quatro meses após essa visita, a sua esposa ter agendado uma visita ao mesmo imóvel através de outra agência imobiliária, no caso a autora. De resto, por recurso às regras da experiência e da normalidade da vida, nem se concebe que a decisão de aquisição de um imóvel para habitação permanente de um agregado familiar, pelo valor de €1.400.00,00, seja tomada sem que ambos os elementos do casal visitem o imóvel em causa, a menos que não residam no país, ou que se encontrem absolutamente impossibilitados de o fazer. Isto para dizer que, sem prejuízo de se admitir a relevância de outras causas concorrentes, designadamente a visita efectuada por E... S.., nos parece evidente que a visita realizada por M... A... em 11/01/2019 foi determinante para a decisão de concretização do negócio pelo casal.
Com efeito, não obstante ter resultado provado que E... S... já havia tomado conhecimento do negócio, note-se que não se exige que a celebração do negócio objecto do contrato de mediação resulte exclusivamente da actuação do mediador, bastando-se com a demonstração de que a actuação da mediadora, neste caso da autora, foi decisiva para a concretização da venda, que foram as suas diligências que serviram para aproximar os interessados na realização do negócio e que o seu trabalho influiu na conclusão do mesmo.”

Salvo o devido respeito pelos argumentos expendidos na sentença recorrida, a matéria de facto emergente da prova produzida nos autos não permite sustentar a existência de nexo causal entre a atividade desenvolvida pela mediadora e a celebração do contrato de compra e venda realizado entre os réus e os compradores E.. S.. e a sua mulher M... A... .

O dito nexo causal, ou seja, a essencialidade da contribuição da mediadora para a celebração do negócio tem de ser evidenciada através de factos concretos concernentes à atividade que tenha desenvolvido – materializados na descrição das diligências efetuadas – de molde a conduzir os interessados a formular a decisão de realizar o negócio, isto é, a decisão de facto tem de retratar os atos que tiveram influência e que foram fulcrais na tomada de decisão por parte de quem celebra o negócio, requisitos que como vimos, são essenciais à constituição do direito na esfera da mediadora, o que a Mmª Juíza do tribunal a quo também reconhece na sentença proferida, considerando a doutrina e jurisprudência nas quais sustentou a decisão, pecando apenas esta, a nosso ver, na apreciação efetuada, porque radicada essencialmente em ilações fundadas em regras de normalidade e de experiência da vida, mas que não encontram sustentação sólida nos factos concretos apurados.

De acordo com a matéria de facto apurada em 1ª instância, os réus, pretendendo vender o imóvel identificado nos autos e com o objetivo de diversificar as possibilidades de venda, celebraram contrato de mediação imobiliária com três mediadoras – sem cláusula de exclusividade -, sendo uma delas a autora, cujo contrato se conhece, desconhecendo-se os termos concretos dos outros dois contratos de mediação, designadamente, aquele que foi celebrado com a sociedade “N..... – Soc. Unipessoal, Ldª”.

Os réus celebraram contrato de mediação imobiliária com a autora e com aquela outra sociedade na mesma data: 10 de agosto de 2018.

Em 10 de setembro de 2018, E... S..., por intermédio de “N..... Unipessoal, Ldª” efetuou uma visita ao imóvel dos réus, desconhecendo-se se foram então apresentadas propostas (preço), discutidas condições da venda ou quaisquer outros pormenores concernentes ao negócio.

Em 11 de janeiro de 2019, a autora efetuou uma visita ao imóvel dos mesmos réus com a mulher de E... S..., M... A... .

Podemos assim concluir, desde logo, que não foi em função desta visita realizada pela autora que o casal E... S... e M... A... teve conhecimento que o imóvel dos réus estava à venda, já que o primeiro tinha adquirido tal informação em setembro de 2018, através daquela outra empresa, com quem os réus também tinham celebrado contrato de mediação.

Relativamente à visita de M... A..., sabemos que não foi apresentada qualquer proposta, e que na mesma data, I... G..., em representação da autora, reportando-se à visita em causa, comunicou à ré que a mesma tinha corrido “muito bem” e que aguardava o “feedback final”, sem que se possa depreender deste tipo de informação em que termos foi processada a visita, o que nela se discutiu, se foram abordadas condições do negócio, se foi discutido qualquer preço, de molde a aferir-se sobre o potencial interesse da visitante e do marido na compra do imóvel em consequência de tal visita.

E nesta ação (a que poderá não ser alheia a circunstância de a respetiva causa de pedir residir na violação da cláusula de exclusividade contida no nº 2, da cláusula 4ª do contrato, que veio a ser declarada como não escrita), a autora não alegou e consequentemente não demonstrou, ter desenvolvido qualquer diligência e/ou discutido quaisquer elementos atinentes ao negócio (durante a dita visita ou depois dela) suscetíveis de pesar na decisão de M... A... e que a tenham efetivamente influenciado ao ponto de a determinar, conjuntamente com o marido, a formular a decisão de realizar a compra do imóvel, sendo que a circunstância da visita daquela ter sido efetuada em momento temporal mais próximo da celebração do negócio não significa, de per si, que tenha sido por força e em consequência da mesma que a decisão tenha sido tomada, não existindo factos minimamente elucidativos sobre o nascimento do interesse de E... S... e de sua mulher na concretização do negócio, e em particular, e com interesse para a discussão, factos que revelem que tal interesse tenha sido gerado e mantido com a intervenção da autora, e designadamente, a partir da referida visita feita por M... A... ao imóvel.

Inexistem factos que demonstrem ter sido apresentada, em qualquer momento – durante a visita ou mesmo depois dela - uma proposta de aquisição do imóvel por E... S... e M... A... à autora, sendo certo que a existência de proposta de compra é sempre reveladora de interesse – senão o maior indício de interesse - na aquisição dum imóvel, ou, sequer, que a autora tenha dirigido aos réus comunicação dando conta de outros factos capazes de evidenciar a existência de interesse concreto daqueles na aquisição do imóvel em consequência da sua atividade.

Depois da sobredita visita de M... A..., a autora efetuou uma visita com o cliente G... Z... ao mesmo imóvel, em 21 de fevereiro de 2019, e no dia seguinte endereçou aos réus a proposta feita pelo mesmo - aquisição do imóvel pelo valor de € 1.6000.000,00, com assinatura imediata de contrato promessa de compra e venda - tendo acrescentado que iria enviar e-mail com a proposta formalizada, angariando assim interessado na realização de negócio que, no entanto, não o tendo concretizado, não fez nascer na esfera da autora o direito a qualquer remuneração, face ao regime contratual e jurídico já referenciados.

Naquela mesma data – 22 de fevereiro de 2019 – e na mesma comunicação dirigida aos réus, a autora revela ter tomado conhecimento de que E... S... e M... A... tinham agendado a realização do contrato de compra e venda com os primeiros.

Não revela, através dessa comunicação, ter conhecimento sobre qualquer elemento do negócio que se propunham realizar, limitando-se a alertar os réus que estavam vinculados a celebrar contrato de compra e venda do imóvel com a sua mediação, considerando o contrato que tinham celebrado e a visita que tinham efetuado com M... A..., declaração sem fundamento legal, considerando que o contrato de mediação foi celebrado sem cláusula de exclusividade.

No contrato de compra e venda, vendedores e compradores declararam que na realização do negócio tinha tido intervenção, como mediadora, a dita empresa “N..... Unipessoal, Ldª.

Considerando a matéria de facto apurada, não vemos como se possa afirmar que a prestação da autora, na qualidade de mediadora, tenha sido causal do negócio realizado, ou que, pelo menos tenha contribuído para o interesse gerado nos compradores,  sendo que as conclusões contidas na sentença, nomeadamente, quando ali se afirma que foram as diligências da autora que foram decisivas para a concretização da venda; que serviram para aproximar os interessados na realização do negócio; e que foi o trabalho da mediadora que influiu na conclusão da compra e venda do imóvel, afiguram-se genéricas e abstratas, porque reportadas aos requisitos que deveriam estar demonstrados para que o direito da autora pudesse ser reconhecido, mas sem que tenha sido elencado suporte factual capaz de sustentar tais conclusões, a nosso ver inexistente, na medida em que a simples visita de M... A... ao imóvel – único facto efetivamente ponderado na sentença – desacompanhado de quaisquer outros dados factuais, não pode reputar-se como útil, relevante, determinante da decisão de realizar o negócio.

Deste modo, face ao exposto, e não estando factualmente comprovada a existência do nexo causal entre a atividade da mediadora e a outorga do contrato de compra e venda celebrado pelos réus, nos termos exigidos pelo sobredito art. 19º, nº 1, da Lei nº 15/2013, de 8/02, não pode proceder a pretensão da autora, cabendo dar provimento ao recurso dos réus/apelantes.

Decisão

Na sequência do exposto, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso dos réus/apelantes, e assim, revogando-se a decisão proferida pela 1ª instância, julga-se improcedente por não aprovada a ação proposta por A contra A...L..S... e B...B...M..., absolvendo-os do pedido, e bem assim da condenação no pagamento de custas da ação (art. 527º, nºs 1, e 2, do Código de Processo Civil).
Custas da apelação a cargo da autora (art. 527º CPC).
Notifique.
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Lisboa, 13 de janeiro de 2022




Cristina Lourenço- (Relatora)
Ferreira de Almeida- (1º Adjunto)
António Valente- (2º Adjunto)




[1]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/03/2021, proferido no processo 7430/17.7T8LRS.L1.S1, acessível no sítio da internet www.dgsi.pt.
[2]Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico “Regime Jurídico da Mediação Imobiliária Anotado, Livraria Almedina, pág. 36.
[3]Higina Castelo, Revista de Direito Comercial, 5/07/2020, www.revistadedireitocomercial.com
[4]Para além da conclusão do contrato, é “(…) também necessário que o mesmo não seja (ou, eventualmente, não venha a ser considerado – caso da verificação da condição resolutiva) ab initio absolutamente ineficaz. Nesta expressão estão abrangidas a invalidade absoluta (nulidade), a ineficácia em sentido estrito absoluta (cuja principal figura será a pendência de condição suspensiva) e a ineficácia a posteriori mas com efeitos retroativos à conclusão do contrato (verificação da condição resolutiva) – Higina Castelo, Revista De Direito Comercial, ob. já citada, pág. 1426. 
[5]“Contrato de Mediação, Estudos do Instituto do Direito do Consumo, Vol. I, Livraria Almedina, págs. 203-204.
[6]Carlos Lacerda, obra citada, pág. 203.
[7]Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação” pág. 93.
[8]Maria de Fátima Ribeiro, obra citada, pág. 101).
[9]Higina Orvalho Castelo, “Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado”, já citado, pág. 36..
[10]Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Livraria Almedina, 2014, pág.410.
[11]Higina Orvalho Castelo, Revista Direito Comercial, obra citada, págs. 1428-1429.