Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
669/20.0T8PTG-B.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
INCIDENTE
QUEBRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ROCEDENTE
Sumário: Responsabilidade do relator:
I- Enquanto que, no caso da violação da integridade física ou moral das pessoas, se está perante um tipo de prova absolutamente inadmissível, já quanto a outros direitos fundamentais, como seja, o da intromissão no sigilo bancário, não decorre da lei a proibição absoluta da admissibilidade da prova que, em função das circunstâncias do caso concreto como que foi obtida, será ou não valorizada pelo Tribunal.
II- Trata-se dos denominados «direitos condicionais» que, ao contrário dos direitos absolutos ou intangíveis, que são objecto de uma protecção inderrogável, apenas gozam de uma tutela relativa, porquanto admitem limitações, em caso de estado de necessidade.
III- O direito processual civil não definiu, ao contrário do direito processual penal, qualquer disposição referente à admissibilidade das provas ilícitas, apenas se retira do art.º 413 e da própria finalidade do processo civil que existe uma regra de deverem ser utilizadas como prova todos os meios capazes de demonstrar a realidade sendo inadmissíveis provas atípicas e se a isto somarmos o facto de o direito à prova ter protecção constitucional por ser uma decorrência do direito fundamental ao processo equitativo do n.º 4, do art.º 20, da CRP, podemos concluir que não serão admitidas restrições ao mesmo que não tenham uma causa justificativa legal; se as provas violarem direito fundamentais que são directamente aplicáveis ao processo civil, nos termos do art.º 18/1 da CRP, as provas que violem direitos liberdades e garantias poderão ter fundamento para a sua inamissibilidade no processo civil, as provas formalmente ilícitas que vão buscar o seu fundamento à própria lei processual civil só serão consideradas inadmissíveis quando tenha um efeito nefasto para a decisão em termos de afastar do fim do processo ou quando a norma violada expressamente comine de nulidade o que é raro. O caminho é o da ponderação dos interesses em conflito.
IV- Existindo uma causa justificativa legal para a escusa da entidade bancária prestar a informação bancária sujeita a sigilo bancário, considerando o ónus da prova a cargo do Autor, na presente acção de anulação de compra e venda de imóvel por simulação, a demonstração de que não recebeu o valor correspondente ao preço declarado na escritura, considerando as limitações de prova quanto à simulação entre simuladores justifica uma proporcional quebra do sigilo nos moldes pretendidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
REQUERENTE/AUTOR: “AA”
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REQUERIDOS/RÉUS: “BB” e “CC”

Com os sinais dos autos. Valor da acção a que respeita o incidente: 101.000,00 euros
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I.1. Na sequência do despacho saneador de 19/10/2022 veio o Autor, aos 7/11/2022, requerer, entre o mais, o seguinte: “…. Considerando a prova produzida no Procedimento Cautelar nº. (…)/20.9T8PTG, já transitado m julgado, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, no âmbito do qual foram intervenientes o aqui Réu, “CC” (Requerente) e “FF” (Requerida), ex-mulher do aqui Autor (…), após a remessa aos autos do extracto bancário cujo titular é o aqui Réu, conta nº. 00046398270, nada de conclusivo foi possível apurar, na medida em que o aqui Autor não recebeu qualquer quantia dos valores representados pelos cheques (Docs. N.ºs 6 a 12) juntos com a Contestação, importando, porém, e por se tratar de uma ação de processo comum e não de um procedimento cautelar, apurar através de documentos o seguinte: - Nos termos do artigo 429º., do C.P.C., requer-se a Vexa., com o devido respeito, sejam os Réus notificados para informar os autos de todas as contas bancárias de que eram titulares nos anos de 2014 e 2015, juntando de todas elas os respectivos extractos bancários desses dois anos; - Nos termos do artigo 432º., do C.P.C., com o devido respeito, requer-se a Vexa., seja o Banco de Portugal notificado para informar, com referência aos Réus quais as contas bancárias que os mesmos eram titulares nos anos de 2014 e 2015. – Após a informação chegar aos autos, serem aquelas instituições bancárias onde os Réus eram àquelas datas titulares de contas bancárias notificadas para juntarem os extratos das contas dos Réus, tudo referente aos anos de 2014 e 2015. Antevendo dificuldades quanto à quebra do sigilo bancário por parte de instituições bancárias, entende o Autor que: Quando se está perante um elemento de prova indispensável para a descoberta da verdade, deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da administração da justiça.” Excerto do Acórdão da relação de Lisboa, de 25.03.2014.”
I.2. Aos 21/11/2022 os Réus na acção vieram opor-se em suma dizendo: “…O Autor não concretiza os documentos que pretende, nem as respetivas datas que indica, e também não concretiza a matéria que pretende provar com as informações e documentos que solicita o que, salvo melhor opinião, determina a improcedência dos respetivos pedidos. No que respeita à Ré “BB”, verifica-se, ainda, o seguinte fundamento adicional de improcedência dos pedidos formulados pelo Autor no seu requerimento probatório. A Ré foi declarada parte ilegítima da presente ação quanto ao pedido principal de declaração de nulidade da escritura em causa, mantendo-se na ação apenas no que respeita ao pedido subsidiário fundado no instituto do enriquecimento sem causa. Uma vez que é pacífico que a Ré não participou na compra e venda impugnada e tendo em conta que os factos alegados pelo Autor dizem exclusivamente respeito à mesma, resulta claro que os pedidos formulados pelo Autor não têm suscetibilidade de proceder no que respeita à Ré…”
I.3. Aos 20/12/2022 foi indeferido aquele requerimento de prova bancária “… porquanto envolvem uma devassa excessivamente extensa de factos cobertos por sigilo… Relativamente à prova da simulação, entre simuladores, tem vindo a ser admitido na doutrina e na jurisprudência a prova por testemunhas, sempre que exista um princípio de prova documental, razão pela qual a valoração fica sempre dependente do juízo que se venha a fazer, na sentença, sobre a existência daquele princípio de prova documental (neste sentido, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.02.2017, Processo nº 3071/13.6TJVNF.G1.S1, in https://www.dgsi.pt/). Serão, pois, estas as circunstâncias em que admitiremos a produção de prova testemunhal sobre a simulação.”
I.4. Aos 10/1/2023 o Autor reformulou o seu requerimento de prova bancária nos seguintes termos: “…O Autor leu com atenção o douto Acórdão do STJ mencionado em 6., do douto Despacho. Cruzando a Decisão de indeferimento e respetiva fundamentação com o douto Acórdão do STJ, entende o Autor que existe outra alternativa que de alguma forma terá a virtualidade de limitar ao máximo a devassa excessivamente extensa de factos cobertos por sigilo, porquanto: 1 – Os Réus vivem um com o outro como de marido e mulher se tratassem, formando um casal com filhos em comum. 2 – Parece ao Autor, salvo melhor opinião, quando convém e, em situações análogas, os casais não casados que vivem em comum fazem-no por opção própria; para poderem alcançar benefícios fiscais e outros e quando a lei protege aquela situação, mas, quando não convém, por norma, já afastam aquela comunhão de vida na prossecução de interesses que não se podem sobrepor aos factos que constituem o objecto do litígio e os temas da prova. Na vida comum partilham tudo quanto existe na vida de casados, apenas mantém o estado civil de solteiros, com todas as consequências relativas a deveres conjugais e a questões de natureza patrimonial. 3 – Já quanto ao sigilo, há normas do CPC que apontam uma solução quando uma parte o invoca, nomeadamente, os artigos 417º., e 418º., do CPC. 4 – Em abono da verdade, junta neste momento o Autor Decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora no procedimento cautelar intentado pelo aqui Réu “CC” contra a ex-mulher do Autor, “FF”, obrigando -se a juntar certidão, a qual versa a questão do sigilo, quando a mesma estiver pronta, tendo, no entanto, a mesma já sido requerida. 5 – Muito naturalmente, estando a correr prazo, pode ainda o Autor interpor recurso nos termos da alínea d), do nº. 2, do artigo 644º., do CPC e nº. 1 do artigo 638º., do mesmo diploma legal processual, estando neste momento a ponderar decisão 6 – O Autor entende ser honesto com o douto Tribunal, e, quando diz estar a ponderar a interpor recurso dessa decisão de indeferimento fá-lo conscientemente na defesa dos seus interesses e por entender que deve ter uma postura séria e aberta para com o douto Tribunal. Porém, podendo o Autor até concordar com a fundamentação do indeferimento constante do Despacho proferido pelo douto Tribunal, nos termos em que elaborou o seu requerimento probatório, nomeadamente, de forma muito ampla, poderá o mesmo ser limitado às datas da emissão de todos os cheques juntos com a contestação. Deste modo, entende o Autor reformular o seu requerimento, o que faz nos termos seguintes: 1 – Nos termos do artigo 429º., do CPC, requer-se a Vexa., com o devido respeito, sejam os Réus notificados para informar os autos de todas as contas bancárias que eram titulares nos anos de 2014 e 2015, incluindo sociedade comercial que algum deles tenham qualquer participação no capital social. 2 – Nos temos do artigo 432º., do CPC, requer-se a Vexa., com o devido respeito, seja o Banco de Portugal notificado para informar com referência aos Réus quais as contas bancárias que os mesmos eram titulares nos anos de 2014 e 2015, incluindo sociedade comercial que algum deles tenham qualquer participação no capital social; 3 – Após a informação chegar aos autos ser aquelas instituições bancárias onde os Réus são titulares notificadas para juntarem:
a) Movimentos bancários de 29.05.2014 a 31.05.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº. 6 junto com a contestação;
b) Movimentos bancários de 28.11.2014 a 30.11.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº.7 junto com a contestação; c) Movimentos bancários de 15.12.2014 a 17.12.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº.8 junto com a contestação;
d) Movimentos bancários de 07.01.2015 a 09.01.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº. 9 junto com a contestação;
e) Movimentos bancários de 02.02.2015 a 04.02.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº. 10 junto com a contestação;
f) Movimentos bancários de 20.02.2015 a 22.02.2015, com referência ao cheque do Docs. Nº.11 e 12 juntos com a contestação;
I.5. Aos 20/1/2023 viram os réus opor-se ao novo requerimento de prestação de informação bancária nos seguintes termos: “1. O requerimento acima mencionado é processualmente inadmissível pelo que os Réus requerem a V. Exa. Se digne ordenar o seu desentranhamento2. Vejamos a cronologia. 3. Foi proferido despacho saneador (ref.ª 418807282) após o qual Autor (ref.ª 34090278) e Réus (ref.ª 34105705) apresentaram requerimentos probatórios. 4. Na sequência do requerimento probatório do Autor, os Réus apresentaram requerimento (ref.ª 34234866) solicitando o indeferimento de diversos meios de prova solicitados. 5. Por sua vez, o Autor pronunciou-se sobre o requerimento probatório dos Réus através do seu requerimento ref.ª 34241411. 6. E pronunciou-se novamente sobre o requerimento dos Réus ref.ª 34234866, através do seu requerimento ref.ª 34374163, pugnando pelo deferimento dos meios de prova requeridos. 7. Após esta sucessão de requerimentos, foi proferido despacho ref.ª 420831928 nos termos do qual – cfr. ponto 1, alínea b) – foi indeferido o requerimento probatório do Autor relativo às informações bancárias dos Réus. 8. Perante esta decisão o Autor reage nos seguintes termos: (i) por um lado, apresenta o requerimento ref.ª 420831928, a que aqui se responde, reformulando e ampliando o seu requerimento probatório, e, (ii) por outro lado, apresenta recurso da decisão de indeferimento (ref.ª 420831928). 9. No que respeita à interposição de recurso, é óbvio que o Autor tem toda a legitimidade para o fazer, estando a exercer um direito que lhe assiste perante uma decisão da qual discorda. 10. O mesmo não se pode dizer do requerimento a que aqui se responde (ref.ª 420831928), o qual, no entender dos Réus, não é processualmente admissível. 11. O Autor teve oportunidade de indicar os seus meios de prova, assim como de se pronunciar, por diversas vezes, quantos aos meios de prova indicados pelos Réus, não tendo, em nenhum deles, requerido o que agora consta do requerimento a que aqui se responde. 12. O Tribunal decidiu a questão e o Autor recorreu. 13. Salvo melhor opinião, o Réus entendem que ao Autor não assiste o direito de voltar a formular, de forma ligeiramente diferente e ampliada, novos pedidos, designadamente informações bancárias “(…) de sociedade comercial em que algum deles tenha qualquer participação social (…)”.14. No que respeita ao documento junto pelo Autor com o requerimento a que aqui se responde, e cujo desentranhamento os Réus, desde já, requerem, esclareça-se que trata-se do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido a 30 de junho de 2021, relativo ao incidente de Levantamento/Quebra de Sigilo no âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, no qual foi Requerente o Réu, “CC”, e Requerida, “FF”, e cuja certidão da sentença já foi junta aos autos. 15. O Autor pretende “apoiar” o seu novo pedido de informações bancárias neste Acórdão, mas o mesmo não pode proceder uma vez que se trata de decisão com relevância e validade apenas no âmbito do processo no qual foi proferido (cfr. 620º, n.º 1 do Código de Processo Civil). 16. Neste sentido, veja-se o despacho do Tribunal de Portalegre, proferido na sequência do pedido de certidão formulado pelo Ilustre Mandatário do Autor, nos termos do qual: “Os elementos solicitados pelo requerente foram obtidos no âmbito de incidente de quebra de sigilo bancário, cuja decisão teve a virtualidade de os tornar conhecidos no processo, com ponderação dos interesses em conflito neste processo. Não tem a virtualidade de os tornar públicos em toda e qualquer situação.” (documento número um que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais). 17. Consequentemente, por todos os motivos que acima se deixaram expostos, os Réus entendem que o requerimento do Autor acima identificado deve ser desentranhado. 18. Caso assim não se entenda, hipótese que apenas se coloca por mero dever de patrocínio, os Réus mantêm aquilo que alegaram anteriormente sobre esta matéria, designadamente que os pedidos formulados pelo Autor ao abrigo dos artigos 429º e 432º do Código de Processo Civil, carecem totalmente de fundamentação 19. O Autor não concretiza os documentos que pretende, e também não concretiza a matéria que pretende provar com as informações e documentos que solicita o que, salvo melhor opinião, determina a improcedência dos respetivos pedidos20. No que respeita à Ré “BB”, verifica-se, ainda, o seguinte fundamento adicional de improcedência dos pedidos formulados pelo Autor no seu requerimento probatório. 21. A Ré foi declarada parte ilegítima da presente ação quanto ao pedido principal de declaração de nulidade da escritura em causa, mantendo-se na ação apenas no que respeita ao pedido subsidiário fundado no instituto do enriquecimento sem causa. Nestes termos e nos mais de direito requer-se a V. Exa. Se digne: a) ordenar o desentranhamento do requerimento apresentado pelo Autor a 10 de janeiro de 2023 (ref.ª 34688985); b) caso assim não se entenda, contra aquilo que se espera, hipótese que apenas se coloca por mero dever de patrocínio, indeferir os pedidos formulados pelo Autor.”
I.6. Foi depois proferido despacho a aguardar o incidente de quebra de sigilo nos seguintes termos: “…. Afigura-se, atenta a restrição agora operada pelo A., que as informações pretendidas se enquadram no objeto do processo / temas da prova. De todo o modo, sendo claro que os RR. Se opõem a essa prestação de informações, como decorre da resposta dada pelos mesmos ao novo requerimento do A., conclui-se que só através do Banco de Portugal, num primeiro momento, e dos Bancos onde se mostrem sedeadas as contas, num segundo momento, se logrará a obtenção de tais informações. Assim, apenas mediante a dedução, pelo A., de um incidente de quebra de sigilo bancário, dirigido ao Tribunal da Relação, pode essa questão ser apreciada (arts. 78º, nº 1 do RGICSF, 417º, nº 4 do CPC e 135º, nº 3 do CPP). Ficam, pois, os autos a aguardar, quanto a este aspeto, que o A. Requeira o que tiver por conveniente. Notifique.
I.7. O Autor por apenso veio requerer o incidente de quebra do sigilo bancário nos seguintes termos: “ … Veio o Autor propor acção de processo comum contra os Réus acima identificados, no âmbito da qual, relativamente apenas ao 1º. Réu “CC”, em síntese, foi alegado por ele, Autor, que numa escritura de compra e venda celebrada no dia 20.02.2015, declarou ter recebido a quantia de 101.000,00€ pela compra e venda de um prédio misto sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, denominado “Tapada (…)”, inscrito na matriz predial rústica sob o Artigo (…) Secção (…), e a parte urbana, inscrita sob o Artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o nº. (…) daquela freguesia. 02º. O 1º. Réu vive em união de facto há mais de 15 anos com a 2ª. Ré, sendo esta última filha do Autor. 03º. Porém, não obstante o Autor ter declarado naquela escritura de compra e venda ter recebido a quantia de 101.000,00€ com referência à transação daquele prédio, na realidade não recebeu qualquer cêntimo. 04º. Com efeito, o Autor vinha acumulando ao longo dos anos antecedentes a 2015 dívidas à Segurança Social por exercer atividade a título individual no sector da construção civil. 5º. Para evitar que no âmbito de algum processo de execução intentado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., lhe pudessem penhorar bens, acordou com o 1º. Réu, com a 2ª Ré, sua filha e com outro filho que reside em Bruxelas, que a única medida a tomar seria a de se começar a se desfazer do seu património imobiliário, incluindo o prédio objeto daquela escritura de compra e venda, o que também fez à semelhança com outro prédio sito no concelho de Alandroal (mas que não faz parte do objeto dos presentes autos). 06º. Deste modo, celebrava-se uma escritura de compra e venda, no âmbito da qual o Autor declararia vender aquele prédio misto ao 1º. Réu e, em momento subsequente aquele venderia o prédio a terceiro e após o apuramento dos impostos, dividia-se o valor do produto da compra e venda a terceiro por ele (Autor), pela 2ª Ré (sua filha) e pelo outro seu filho que reside em Bruxelas. 07º. Nesse negócio da compra e venda com o 1º. Réu e, não obstante a mesma se ter concretizado em 20.02.2015, o 1º. Réu não entregou ao Autor, como acima se disse qualquer cêntimo dos 101.000,00€ que este declarou que aquele lhe tinha pago. 08º. Enquadrou de direito o Autor os factos, tratando-os como uma simulação. 09º. Por seu turno, o 1º. Réu no momento em que apresentou a sua contestação juntou aos autos sete cheques, ali alegando em síntese, que aqueles sete cheques representam o valor entregue ao Autor de 101.000,00€; que este os recebeu, negando por completo a sua participação num negócio simulado. 10º Foi proferido Despacho Saneador sem Audiência Prévia, tendo o douto Tribunal decidido absolver a 2ª. Ré relativamente ao pedido principal de declaração de nulidade do negócio alegadamente simulado com fundamento na sua ilegitimidade, continuando a fazer parte do processo na qualidade de Ré quanto ao pedido subsidiário de enriquecimento sem causa; quanto ao objecto do litígio, nos presentes autos deve ser apreciado se estão verificados os pressupostos da simulação invocada pelo Autor, como causa de pedir do pedido principal e os pressupostos do Instituto do Enriquecimento Sem Causa na eventualidade de improceder o pedido principal. 11º. Quanto aos temas da prova encontra-se controvertida nos autos a matéria relativa quanto à invocada simulação, quer ao enriquecimento sem causa, atenta a impugnação deduzida pelos Réus. 12º. Na sequência da prolação do douto Despacho Saneador apresentou o Autor requerimento probatório, tendo identificado prova por documentos, nos termos dos artigos 429º., e 432º., do C.P.C., e, sobretudo quanto a este dispositivo processual legal, por pretender demonstrar documentalmente que não recebeu qualquer valor constante da escritura de compra e venda, informações a serem prestadas pelo Banco de Portugal e, subsequentemente, esclarecimentos a serem prestados relativos a contas bancárias pertencentes a ambos os Réus, tendo ali já referido poder ter dificuldades quanto à quebra do sigilo bancário, com um excerto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.03.2014, que diz o seguinte: “Quando se está perante um elemento de prova indispensável para a descoberta da verdade, deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da administração da Justiça.” 13º. Foi proferido douto Despacho de indeferimento quanto a este meio de prova requerido pelo Autor, que se reproduz: “Indefiro os requerimentos probatórios alusivos às informações bancárias, porquanto envolvem uma devassa excessivamente extensa de factos cobertos por sigilo”. 14º. No prazo de 10 dias após a prolação deste Despacho judicial de indeferimento, o Autor veio reformular aquele seu requerimento nos termos que para lá se remetem e, à cautela, apresentou o Autor no prazo de 15 dias recurso de apelação a subir em separado nos termos da alínea d), do nº. 2, do artigo 644º., e nº. 1 do artigo 638º., ambos do C.P.C. 15º. Veio agora o douto Tribunal proferir o Despacho seguinte: “Na sequência do nosso despacho que indeferiu o requerimento probatório do A. Onde se solicitava a prestação de informações bancárias, por entender que essas informações envolviam uma devassa excessivamente extensa de factos cobertos por sigilo, veio o A. Reformular esse requerimento, restringindo o âmbito das informações solicitadas. Afigura-se, atenta a restrição agora operada pelo A., que as informações pretendidas se enquadram no objeto do processo / temas da prova. De todo o modo, sendo claro que os RR. Se opõem a essa prestação de informações, como decorre da resposta dada pelos mesmos ao novo requerimento do A., conclui-se que só através do Banco de Portugal, num primeiro momento, e dos Bancos onde se mostrem sedeadas as contas, num segundo momento, se logrará a obtenção de tais informações. Assim, apenas mediante a dedução, pelo A., de um incidente de quebra de sigilo bancário, dirigido ao Tribunal da Relação, pode essa questão ser apreciada (arts. 78º, nº 1 do RGICSF, 417º, nº 4 do CPC e 135º, nº 3 do CPP). Ficam, pois, os autos a aguardar, quanto a este aspeto, que o A. Requeira o que tiver por conveniente. Notifique.” 16º. Antes porém, no Despacho de 20.12.2022, referência 420831928, aquele que indeferiu o meio de prova relativo a informações bancárias, diz o douto Tribunal o Seguinte: “Relativamente à prova da simulação, entre simuladores, tem vindo a ser admitido na Doutrina e na Jurisprudência a prova por testemunhas, sempre que exista um princípio de prova documental, razão pela qual a valoração fica sempre dependente do juízo que se venha a fazer, na Sentença, sobre a existência daquele princípio de prova documental (neste sentido, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de  justiça de 07.02.2017, Processo nº. 3071/13.6TJVNF.G1.S1, in https://www.dgsi.pt/).”17º. No caso dos presentes autos, Autor e Réu, respetivamente, têm versões diametralmente opostas, porquanto, o primeiro declarou na escritura de compra e venda que recebeu do segundo a quantia de 101.000,00€ pela aquisição do prédio acima identificado mas afirma na Petição Inicial que na realidade não os recebeu; já quanto ao segundo, na sua contestação, diz que pagou aquele dinheiro através da emissão dos cheques que ali juntou, negando por completo a simulação que o Autor vem invocar. 18º. O que também se pode constatar e é assente pelas partes, o mesmo prédio negociado por 101.000,00€ em 20.02.2015, cinco anos depois, Junho de 2020 sem que o mesmo tenha sido objeto de qualquer melhoramento/obras é colocado à venda no mercado pelo valor de 300.000,00€. 19º. O Autor com as informações bancárias que apresentou no seu requerimento probatório, pretende demonstrar que o valor representado nos cheques, a saber: 10.000,00€, de 29.05.2014; 20.000,00€, de 28.11.2014; 4.000,00€, de 15.12.2014; 30.000,00€, de 07.01.2015; 15.000,00€ de 02.02.2015; 13.711,37€, de 20.02.2015 e 6.600,00€, de 20.02.2015, emitidos pelo 1º. Réu, figurando o Autor como beneficiário, não à ordem e cruzados, no verso dos mesmos consta uma conta bancária pertencente ao Autor, apresentado à compensação, não recebeu ele qualquer cêntimo dos valores ali constantes. 20º. O Autor já juntou aos autos um extrato bancário da conta que lhe pertence e que consta do seu verso o número da sua conta bancária, de lá não constando que os cheques e o seu respetivo valor tivessem entrado naquela conta. 21º. Os valores em causa nunca foram desembolsados pelo 1º. Réu, sendo convicção do Autor que todos eles foram transferidos e / ou depositados em contas tituladas, pelo 1º. Réu ou pela 2ª. Ré, sua companheira, por forma a se perder o rasto do dinheiro, evitando-se desta maneira a minimização do risco de ser intentada em momento subsequente uma acção pauliana. 22º. Nos termos do princípio da descoberta da verdade material, o nº. 1, do artigo 417º., do C.P.C dispõe que: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.” 23º. Dispõe o número 2 do mesmo dispositivo legal: “Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.”(…) 33º. Tem decidido a Jurisprudência que quando está em causa um elemento de prova indispensável à descoberta da verdade, deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da administração da justiça, de que se dá exemplo, o Ac. da Relação de Lisboa, de 25.03.2014. 34º. Neste sentido, também a Relação de Évora, em 30.06.2021, decidiu conceder ao Banco Millenium BCP, a dispensa do dever de sigilo profissional a fim de juntar extratos bancários, no âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória da posse do prédio objeto dos presentes autos, Processo nº. (…)/20.9T8PTG-A. 35º. Tendo o Autor reformulado o seu requerimento probatório com a notificação do Banco de Portugal no sentido de esclarecer quais as instituições bancárias onde ambos os Réus eram titulares de contas entre os anos de 2014 e 2015 (correspondentes aos anos que constam da data dos cheques) e, posteriormente, serem esses bancos notificados para esclarecerem a existência de movimentos bancários, limitando, no entanto, essas informações, nos termos que agora se reproduz: a) Movimentos bancários de 29.05.2014 a 31.05.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº. 6 junto com a contestação nos autos principais; b) Movimentos bancários de 28.11.2014 a 30.11.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº.7 junto com a contestação nos autos principais; c) Movimentos bancários de 15.12.2014 a 17.12.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº. 8 junto com a contestação nos autos principais; d) Movimentos bancários de 07.01.2015 a 09.01.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº. 9 junto com a contestação nos autos principais; e) Movimentos bancários de 02.02.2015 a 04.02.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº. 10 junto com a contestação nos autos principais; f) Movimentos bancários de 20.02.2015 a 22.02.2015, com referência ao cheque do Docs. Nº.11 e 12 juntos com a contestação nos autos principais. É o que o Autor vem requerer e que o douto Tribunal com aquelas restrições entende, que as informações agora pretendidas enquadram-se no objeto do litígio / temas da prova. 36º. Considerando que os Réus já se opuseram à prestação destas informações, concluiu o mesmo Tribunal que só através do Banco de Portugal, num primeiro momento, e dos Bancos onde se mostrem sedeadas as contas, num segundo momento, se logrará a obtenção de tais informações. 37º. Porém, a materialização daquele meio de prova, face à oposição dos Réus apenas pode prosseguir com a dedução pelo Autor, de um incidente de quebra de sigilo bancário, dirigido ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para que, o mesmo aprecie esta questão, tudo nos termos do artigo 78º., nº. 1, do RGICF, 417º., nº. 4, do CPC e 135º., nº. 3, do CPP.
I.8. Os réus vieram opor-se a este incidente pugnando pelo seu indeferimento alegando: “…No entender dos Réus, o Autor, com o requerimento que apresenta, não preenche os requisitos de aplicação do artigo 135º, n.º 3 do Código de Processo Penal (cfr. 417º, n.º 3 do Código de Processo Civil), porquanto não concretiza a indispensabilidade dos elementos de prova que solicita, não alegando, nem fundamentando, os motivos pelos quais a ausência das informações bancárias que solicita prejudicam gravemente as finalidades da atividade probatória e que constituem um elemento fundamental para a descoberta da verdade, o que constitui matéria essencial para aferir da aplicação do princípio do interesse preponderante. 5. Na verdade, o Autor sempre poderá socorrer-se dos meios de prova que requereu e estão admitidos, designadamente prova testemunhal, depoimentos de parte dos Réus – que I.3. Foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos que nada sugeriram, nada obstando ao conhecimento do incidente visam a confissão –, declarações de parte e depoimentos das demais testemunhas indicadas, através dos quais é possível infirmar a versão do pagamento dos valores titulados pelos cheques apresentada pelos Réus. 6. Por último, e em caso de prosseguimento do incidente requer-se que o presente requerimento seja acompanhado pelo requerimento dos Réus de 08 de novembro de 2022 (ref.ª 34105705) com o qual foi junta certidão judicial da sentença, já transitada em julgada, no âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, nos termos da qual foi ordenada a restituição ao Réu “CC” do prédio objeto dos presentes autos.”
I.9. Foi, depois, pelo Relator nesta Relação, proferido despacho com o seguinte teor: “…Trata-se aqui de incidente de quebra de siglo bancário suscitado pelo Autor (…) ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 417/4 do C.P.C. n.º 3 do art.º 135 do C.P.P., 78 e 79 do RGICSF, na sequência de despacho nesse sentido. É pressuposto do incidente em causa a escusa da entidade- bancária- no caso dos autos, em prestar essa informação, o que se não vislumbra, apenas constando a oposição dos réus à obtenção dessa informação bancária. Assim sendo e ao abrigo do disposto no art.º 652/1/d do C.P.C deverão os autos baixar ao Tribunal recorrido a fim de, aí, se diligenciar pela obtenção dessas informações que o Autor pretende e, em razão da eventual escusa da entidade bancária, deverão os autos subir; não havendo escusa sendo prestadas as informações o incidente deverá terminar no Tribunal recorrido”
I.10. Tendo baixado os autos, solicitado que foi o Banco de Portugal veio, por ofício, com a seguinte informação de 12/1/2024: “…A informação solicitada encontra-se abrangida pelo dever legal do segredo que impende sobre o Banco de Portugal nos termos dos art.ºs 80 e 81-A do… RGICSF. A violação do dever legal de segredo profissional é punível nos termos do Código Penal de acordo com o disposto no art.º 84 do RGICSF. O Banco de Portugal apenas poderá revelar as informações solicitadas nos termos do art.º 81-A do RGICSG ou nos casos excecionais previsto no n.º 2 do art.º 80 do RGICSF, ou seja, mediante autorização do levantamento judicial do dever de segredo nos termos previsto no art.º 135 do Código de Processo Penal. Assim na situação em apreço o banco de Portugal solicita que lhe seja comunicado se o presente pedido de informação foi autorizado por cada um dos titulares da informação, permitindo a esta instituição revelar, no âmbito deste processo, a informação que em seu próprio nome consta da BCB. No que diz respeito à informação relativa às sociedades em que estes tenham participações, apenas mediante autorização do representante legal de cada uma das sociedades pode o Banco de Portugal revelara, no âmbito deste processo, a informação que em seu nome consta na BCB. Não sendo possível obter referida autorização e com vista a facilitar os procedimentos e colaboração com as autoridades judiciais, vem o Banco de Portugal, desde já deduzir escusa legítima na prestação da informação solicitada, ao abrigo das disposições conjugadas dos artr.ºs 135 do Código de Processo Penal e da alínea c) do n.º 3 do art.º 417 do Código de Processo Civil, salientando que se compromete a prestar, de imediato, a informação solicitada, assim que for notificado do levantamento judicial do dever de segredo pelo tribunal superior, nos termos do incidente previsto no art.º 135 do Código de Processo Penal. Mais se solicita que em futuro contacto, nos seja indiada a denominação e o respectivo número de identificação fiscal (NIF) de cada uma das referidas entidades, a fim de se proceder à pesquisa da Base de Dados de Contas. Solicita-se a vossas excelências a devida consideração por estes constrangimentos, justificados pela necessidade de salvaguardar, a responsabilização própria (civil e criminal) desta instituição e dos seus colaboradores. Relembramos que os pedidos de consulta à BCB, bem como os pedidos de difusão pelo sistema financeiro nacional, devem ser submetidos ao Banco de Portugal, através da plataforma electrónica de Registos e Transmissão de Ofícios (PERTO), nos menus “Pedidos ao Banco de Portugal” e “Difusão de Ofícios” respectivamente…”
I.4. Questão a resolver: Saber se se justifica a quebra do sigilo bancário no caso dos autos.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Releva o documentado nos autos constante de I que aqui se reproduz
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.3. Não se tratando aqui de recurso antes de incidente que por força do art.º 214/4 do Código de Processo Civil[1] a Relação conhece em primeira instância, aplicam-se ao seu julgamento as regras daquele.
III.3.1. Breves considerações sobre a prova.
III.3.2. Estatui o art.º 20/1 da Constituição da República Portuguesa: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos.”
O n.º 3: “A lei define e assegura a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
III.3.3. O art.º 341/1 do Cciv reza: “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.”
III.3.4. O n.º 1 do art.º 342 do Cciv por seu turno diz: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. O n.º 2 estatui que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”
III.3.5. O art.º 413 por seu turno: “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”
III.3.6.O art.º 417/1 estatui: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.”
III.3.7. O art.º 466/1: “As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.”; n.º 2 “Às declarações de parte aplica-se o disposto na secção anterior.”
III.3.8. O art.º 394/2: “A proibição do número anterior (inadmissibilidade da prova por testemunhas) aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado por simuladores.
III.3.8. Carecem de prova quaisquer factos relevantes para a causa, segundo a lei aplicável (factos concludentes), exceptuando-se destes os factos de notoriedade geral (art.º 412/1) e os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, factos de notoriedade oficial ou judicial (art.º 412/2), factos estes que dispensam inclusivamente a alegação, sendo que no último caso o tribunal deve fazer juntar aos autos documento que os comprove; exceptua-se também a situação prevista no art.º 612 (circunstâncias da causa que produzam a convicção do uso anormal do processo) a consideração dos factos instrumentais que resultem da discussão da causa, tal como prescrito no n.º 2/a do art.º 5, assim como os factos essenciais complementares de outros alegados que resultem da discussão e julgamento, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar (art.º 5/2/b).
III.3.9. Ónus jurídico traduz-se na necessidade imposta pela ordem jurídica de proceder de certo modo para conseguir ou manter uma vantagem. Em processo civil o Tribunal não pode indagar por si os factos que interessam à causa (ressalvadas as mencionadas excepções), suprindo a deficiência das suas alegações, nisto se concretizando o princípio do dispositivo ou da iniciativa das partes, estando o princípio fortemente cerceado no tocante às provas ou ónus probandi em que o juiz goza de amplos poderes para tomar a iniciativas das diligências probatórias que considere aconselháveis (cfr. art.ºs 6/1, 411). O ónus probandi respeita a factos da causa distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios que a lei processual contempla nos artigos 342 a 348 do Cciv. O juiz deve tomar em consideração todas as afirmações e todas as provas constantes dos autos mesmo que não provenham da parte a quem incumbe o respectivo ónus (art.º 413), o chamado princípio da aquisição processual de acordo com o qual só interessa saber o que está provado e não quem o provou. O ónus da prova competirá a um ou a outro dos sujeitos processuais conforme posição em que esteja na relação processual, ou seja, conforme a pretensão que lá deduz. Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer a prova [livre; ou legal não plena] de per si suficiente (prova principal), o adversário terá por seu lado de fazer a prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa), não carecendo de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva)- cfr. art.º 346 do Cciv. A contraprova (ou prova contrária) destina-se a tornar incerto o facto visado; a prova do contrário destina-se a tornar certo não ser verdadeiro um facto já demonstrado formalmente, por prova legal plena.[2]
III.3.10. As partes, tem o direito constitucional a um processo equitativo (art.º 20/4 da CRP) que abrange o direito à prova, ou seja, o direito a apresentar provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo, desde que em conformidade com a lei de processo[3].
III.3.11. O direito à prova não é um direito absoluto, tem limites, deve ser conjugado com os outros interesses do sistema jurídico, desde logo depende em geral de prazo e outras regras processuais formais que devem ser cumpridas, sendo que as outras limitações têm sempre em atenção o princípio da proporcionalidade[4].
III.3.12. A pedra de toque do ideário liberal do processo civil é o princípio do dispositivo, não deixando também de ser um dos princípios básicos do processo civil na generalidade dos ordenamentos jurídicos ainda que a partir do momento em que se recorre aos tribunais se tem de ter em consideração os interesses público da boa administração a justiça, e o princípio do dispositivo desemboca ainda no princípio da autorresponsabilidade das partes segundo o qual é as partes que cabe conduzir o processo, elas têm de fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam suportando uma decisão adversa caso omitam algum, o que está intimamente ligada aos ónus processuais e ao princípio da preclusão, a omissão das partes resulta num prejuízo delas próprias, uma vez que não poderão contar sempre com o exercício dos poderes/deveres de indagação oficiosa do juiz.[5] A verdade material é um objectivo do processo, por ser uma necessidade para se obter a justa composição do litígio e um objectivo de primeiro grau do direito probatório e alguns doutrinadores defendem o princípio da verdade material para defender a admissibilidade da prova ilícita ou só da sua valoração, mas o caminho mais adequado será o de sopesar caso a caso, seja ponderar caso a caso os valores da busca da verdade material outros interesses quer os que têm dignidade puramente constitucional quer os outros de dimensão apenas infraconstitucionais o que poderá levar a uma limitação do princípio da busca da verdade material como por exemplo do direito à legítima recusa de colaboração para a descoberta da verdade do art.º 417/3 em face de interesses como a integridade física e moral dos indivíduos, a intimidade da vida privada ou as obrigações de segredo a que eles possam estar obrigados, o direito à recusa de documento do art.º 434 a inadmissibilidade de confissão sobre factos criminosos ou torpes de que a parte seja arguida do art.º 454, a limitação da produção e prova por inspecção judicial quando se viole a dignidade da pessoa humana ou a sua vida privada do art.º 490.[6]
III.3.13. Entronca nesta problemática a questão da prova ilícita na medida em que  de acordo com a doutrina maioritária é aquela que viola a ordem jurídica, muito embora depois de a definir dessa forma restringe o conceito de prova ilícita à prova que viola disposições de direito material e, por vezes, apenas à prova que viola disposições de direito constitucional; no processo civil a questão tem especificidades que justificam a análise isolada da prova formalmente ilícita, a prova materialmente ilícita por violação de normas infraconstitucionais e a prova materialmente ilícita por violação e normas constitucionais mais particularmente as que protejam direitos fundamentais. O direito processual civil não definiu, ao contrário do direito processual penal, qualquer disposição referente à admissibilidade das provas ilícitas, apenas se retira do art.º 413 e da própria finalidade do processo civil que existe uma regra de deverem ser utilizadas como prova todos os meios capazes de demonstrar a realidade sendo inadmissíveis provas atípicas e se a isto somarmos o facto de o direito à prova ter protecção constitucional por ser uma decorrência do direito fundamental ao processo equitativo do n.º 4 do art.º 20 da CRP podemos concluir que não serão admitidas restrições ao mesmo que não tenham uma causa justificativa legal; se as provas violarem direito fundamentais que são directamente aplicáveis ao processo civil, nos termos do art.º 18/1 da CRP, as provas que violem direitos liberdades e garantias poderão ter fundamento para a sua inamissibilidade no processo civil, as provas formalmente ilícitas que vão buscar o seu fundamento à própria lei processual civil só serão consideradas inadmissíveis quando tenha um efeito nefasto para a decisão em termos de afastar do fim do processo ou quando a norma violada expressamente comine de nulidade o que é raro. O caminho certo como se disse é o da ponderação dos interesses em conflito.
III.3.14. As limitações quanto à admissibilidade dos meios de prova, em processo civil, são as que resultam do artigo 417 (antigo 519)º, mero afloramento do princípio do inquisitório, consagrado pelo artigo 411 (antigo 265), ambos do CPC, e não outras, face à inexistência de qualquer concretização das normas constitucionais respeitantes a direitos fundamentais, na área do processo civil, em que a garantia constitucional é menos intensa do que acontece no processo penal, onde já existe uma regulamentação completa das situações em que se concretiza a licitude na obtenção de determinados meios probatórios.
III.3.15. Doutro modo, a garantia constitucional constituiria a desprotecção dos meios de prova mais valiosos, em benefício dos mais falíveis, a verdade material ficaria à mercê das vicissitudes da prova testemunhal e o processo civil seria o parente pobre do dispositivo em via reduzida.
III.3.16. Enquanto que, no caso da violação da integridade física ou moral das pessoas, se está perante um tipo de prova, absolutamente, inadmissível, já quanto a outros direitos fundamentais, como seja, o da intromissão no sigilo bancário, não decorre da lei a proibição absoluta da admissibilidade da prova que, em função das circunstâncias do caso concreto como que foi obtida, será ou não valorizada pelo Tribunal.
III.3.17. Trata-se dos denominados «direitos condicionais» que, ao contrário dos direitos absolutos ou intangíveis, que são objecto de uma protecção inderrogável, apenas gozam de uma tutela relativa, porquanto admitem limitações, em caso de estado de necessidade.
III.3.18. A acção proposta que é uma acção que se suporta na simulação da escritura de compra e venda de um imóvel entre o autor e o primeiro réu visa declaração de nulidade por simulação do negócio de compra e venda titulado pela escritura de 20.02.2015, com referência ao imóvel referido na petição, negócio que não produz quaisquer efeitos, tendo-se por não escrito, constituindo a douta decisão título que tem por finalidade alterar na inscrição do Serviço de Finanças de Portalegre e na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, ali se cancelando a inscrição a favor do 1º. Réu e o registo a seu favor, ali se inscrevendo e registando, respectivamente o nome do Autor, com referência aos artigos matriciais e descrição predial respeitantes ao imóvel, em alternativa a condenação dos Réus a pagarem ao Autor pela compra e venda do prédio a quantia total de 300.000,00€. Em suma o Autor alega que fruto do casamento do Autor em primeiras núpcias com “FF”, de quem está divorciado, nasceram dois filhos: “DD” e “EE”,  o Autor conta hoje com 72 anos de idade, é aposentado, tendo exercido durante mais de 30 anos a actividade de construção civil, especializada na construção de equipamentos desportivos, sempre sob a forma de empresário a título individual; desde 2000 até Maio de 2020 foram subsistindo ao longo dos anos dívidas de elevado valor ao fisco e segurança social, que o Autor foi pagando, quer tivesse sido com recurso à venda de património próprio, quer beneficiando até do aproveitamento de alguns perdões de juros da iniciativa do Governo Português e/ou por planos de pagamento em prestações, neste momento ainda tem algumas dívidas àqueles serviços em situação contabilística que se encontra devidamente assegurada por acordos/planos de pagamento, sendo sua intenção, naturalmente, cumpri-los até ao fim, posto que tem fundos para esse efeito, incluindo, não obstante se encontrar aposentado, ter a sua actual esposa constituído sociedade unipessoal que se dedica ao mesmo ramo de actividade que o Autor sempre se dedicou a título individual, daí tirando proventos. Decorria o final do ano de 2014, ainda o Autor tinha volume considerável de dívidas com aqueles serviços e, com o propósito de não ver património próprio correr risco de serem requeridas penhoras por dívidas, acordou com os seus filhos vender parte desse património. A intenção / propósito / objectivo dessa venda em concreto era o de ter menor de número de prédios inscritos e registados em seu nome que pudessem ser objecto de penhoras, enganando dessa forma terceiros, os quais, especialmente aqueles dois serviços públicos, caso ele não conseguisse arranjar solução de pagamento para as suas dívidas, não tivessem possibilidade de penhorar o que quer que fosse, atendendo ao facto de se encontrarem inscritos no serviço de finanças e registados na Conservatória do Registo Predial o menor número de imóveis em seu nome. Entre ele, os Réus e o seu filho, foi acordado vender determinado imóvel com a intenção descrita no artigo antecedente, a terceiro, de forma a salvaguardá-lo definitivamente, servindo a intervenção de terceiro única e exclusivamente para obstaculizar qualquer entrada em juízo de acção pauliana, para mais tarde voltar a ser vendido e o produto da venda ser repartido por três partes de igual valor entre ele, a 2ª. Ré (sua filha) e o irmão desta, também seu filho. E, é nestes termos que, no dia 20.02.2015, a fls. 95 a fls. 96 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº. (…)– A, do Cartório Notarial da licenciada Dra. (…), celebrou escritura de compra e venda do prédio misto denominado “Tapada (…)”, sito na freguesia de Alegrete, concelho de Portalegre, inscrito na matriz predial rústica sob o Artigo (…) Secção (…), e a parte urbana, inscritas sob o Artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o nº. (…) daquela freguesia pelo preço total de 101.000,00€, atribuindo à parte rústica o preço de 458,38€ e à parte urbana o preço de 100.541,62. O Autor, muito embora tenha declarado na escritura de compra e venda que recebeu pelo negócio, na qualidade de vendedor do prédio o valor total de 101.000,00€, (Doc. Nº. 16), na realidade nada recebeu. Recorda-se inclusivamente naquele dia de ter visto um cheque emitido em seu nome, tendo declarado que recebeu aquele valor, mas na realidade não o recebeu na medida em que o devolveu de imediato ao 1º. Réu, não tendo, pois, beneficiado do montante pelo qual o negócio foi consumado e como direito teria pela venda do imóvel. Sucede porém, para espanto do Autor, constatou o mesmo que pela Ap. 3487 de 2017/05/16, foi sobre o prédio constituída hipoteca voluntária com o descritivo “Capital” de 160.000,00€ em que o sujeito activo é o Banco Comercial Português, S.A. e os sujeitos passivos são os Réus E na mesma data, pela Ap. 3488 consta uma outra hipoteca voluntária ao mesmo banco, com o descritivo de “Crédito” pelo valor de 90.000,00 € em que os sujeitos passivos são os mesmos Ambas as hipotecas foram canceladas, a primeira, pela Ap. 1345 de 2019/08/12; a segunda, pela Ap. 1346 de 2019/08/12 Mais surpreendido ficou no meio do mês de Junho de 2020, com o anúncio publicitário existente na parte exterior do prédio, à vista de toda a gente, da imobiliária Remax Portalegre, com os dizeres “Vende-se” com um número de telefone e o nome de um colaborador daquela agência imobiliária. De qualquer forma, independentemente da finalidade e propósito da venda que os Réus pretendem fazer daquele imóvel ser ou não o de pagar empréstimos contraídos em seu nome, no caso da venda, beneficiarão eles daquele valor, dando-lhe a finalidade que entenderem correndo o Autor risco de nada ver, nada lhe ser entregue e completamente contrário ao acordo que fizeram no momento em que antecedeu a compra e venda titulada pela escritura de compra e venda de 20.02.2015. Os Réus, por seu turno, vieram contestar excepcionando que o mencionado negócio foi formalizado através da escritura pública de compra e venda cuja certidão está junta aos autos como documento n.º 16 da petição inicial, e teve como únicos intervenientes “AA” e “CC” e que que o prédio objeto do negócio de compra e venda em causa nos presentes autos tem inscrição da propriedade no registo predial e nos Serviços de Finanças unicamente a favor de “CC”, sendo  incontestável que a Ré “BB” não teve qualquer intervenção neste contrato, sendo totalmente alheia às relações estabelecidas entre comprador e vendedor, na união de facto não há regime de bens e também não é possível “presumir” um regime de comunhão uma vez que se trata de matéria de natureza imperativa que decorre necessariamente da celebração formal e válida do casamento, consequentemente, por todos os motivos acima indicados, e também tendo em conta a configuração dada à demanda pelo Autor, a Ré “BB” não é sujeito da relação material controvertida e não tem interesse direto e relevante em contradizer, não lhe podendo advir prejuízo da eventual procedência da presente ação, sendo, portanto, parte ilegítima (artigo 30º do Código de Processo Civil), sendo inepto o pedido alternativo. Impugnam os factos e, motivadamente, dizem que o Autor beneficiou da quantia de €101.000,00 (cento e um mil euros), correspondente ao preço da compra e venda realizada a 20 de Fevereiro de 2015. A colocação à venda do prédio em causa nestes autos pelo valor de €300.000,00 não significa que seja esse o seu valor comercial, muito menos significa que fosse esse o seu valor comercial aquando da celebração do negócio de compra e venda entre Autor e Réu. O Autor e o Réu “CC” acordaram efetivamente transacionar a propriedade denominada “Tapada (…)” mencionada no artigo 13º da petição inicial. O negócio celebrado entre as partes foi proposto pelo Autor ao Réu “CC”, que o aceitou. O Autor invocou como razões para a venda a falta de utilização da propriedade e a dificuldade de manutenção da mesma, sobretudo no que respeita à parte rústica. O Réu “CC” interessou-se pela propriedade que conhecia bem, com o objetivo de a destinar a segunda habitação não querendo recorrer ao crédito bancário, disso mesmo informou o Autor, que não colocou qualquer entrave ficou combinado entre as partes que o preço seria pago de forma faseada e à medida que o Réu “CC” fosse tendo liquidez. O preço combinado foi pago da seguinte forma A 29 de Maio de 2014, o Réu “CC”, preencheu à ordem do Autor e entregou-lhe o cheque n.º (…)92, da sua conta n.º (…)70 junto do Millennium BCP, no montante de €10.000,00 (documento número 6 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais). Nessa mesma data, o Autor levantou a quantia €10.000,00, conforme resulta do respetivo cheque que tem no verso a sua assinatura e a indicação do seu número de documento civil de identificação (cfr. documento número 6 a contestação). A 28 de Novembro de 2014, o Réu “CC”, preencheu à ordem do Autor e entregou-lhe o cheque n.º (…)83, da sua conta n.º (…)70 junto do Millennium BCP, no montante de €20.000,00 (documento número 7 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais). Nessa mesma data, o Autor levantou a quantia €20.000,00, conforme resulta do respetivo cheque que tem no verso a sua assinatura e a indicação do seu número de documento civil de identificação (cfr. documento número 7 da contestação). A 15 de Dezembro de 2014, o Réu “CC”, preencheu à ordem do Autor e entregou-lhe o cheque n.º (…)80, da sua conta n.º (…)70, junto do Millennium BCP, no montante de €4.000,00 (documento número 8 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais). Nessa mesma data, o Autor levantou a quantia €4.000,00, conforme resulta do respetivo cheque que tem no verso a sua assinatura e a indicação do seu número de documento civil de identificação (cfr. documento número 8 da contestação. A 07 de Janeiro de 2015, o Réu “CC”, preencheu à ordem do Autor e entregou-lhe o cheque n.º (…)31 da sua conta n.º (…)28 junto do Millennium BCP, no montante de €30.000,00 (documento número 9 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais Nessa mesma data, o Autor levantou a quantia €30.000,00, conforme resulta do respetivo cheque que tem no verso a sua assinatura e a indicação do seu número de documento civil de identificação (cfr. documento número 9 da contestação). A 02 de Fevereiro de 2015, o Réu “CC”, preencheu à ordem do Autor e entregou-lhe o cheque n.º (…)17, da sua conta n.º (…)28 junto do Millennium BCP, no montante de €15.000,00 (documento número 10 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais). Nessa mesma data, o Autor levantou a quantia €15.000,00, conforme resulta do respetivo cheque que tem no verso a sua assinatura e a indicação do seu número de documento civil de identificação (cfr. documento número 10 da contestação A 20 de Fevereiro de 2015, o Réu “CC”, preencheu à ordem do Autor e entregou-lhe o cheque n.º (…)11, da sua conta n.º (…)28 junto do Millennium BCP, no montante de €13.711,37 (documento número 11 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais). Nessa mesma data, o Autor levantou a quantia €13.711,37, conforme resulta do respetivo cheque que tem no verso a sua assinatura e a indicação do seu número de documento civil de identificação (cfr. documento número 11 da contestação) A 20 de Fevereiro de 2015, o Réu “CC”, preencheu à ordem do Autor e entregou-lhe o cheque n.º (…)71, da sua conta n.º (…)70, junto do Millennium BCP no montante de €6.600,00 (documento número 12 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais). Nessa mesma data, o Autor levantou a quantia €6.600,00, conforme resulta do respetivo cheque que tem no verso a sua assinatura e a indicação do seu número de documento civil de identificação (cfr. documento número 12 da contestação). A restante quantia de €1.688,63 (mil seiscentos e oitenta e oito euros e sessenta e três cêntimos) foi paga pelo Réu “CC” ao Autor em dinheiro, na data da escritura pública de compra e venda.
III.3.19. Relativamente a esses cheques e aos seus dizeres o Autor não diz no articulado seguinte: “O Autor impugna os documentos juntos, numerados de 1 a 12, não por os mesmos não serem verdadeiros, mas sim, por não se mostrarem adequados a demonstrar as afirmações relativas a factos por que são apresentados na defesa por impugnação. Finalmente, quanto aos documentos nºs 6 a 12 juntos com a contestação, não têm os mesmos a virtualidade de demonstrarem que se destinaram ao pagamento do valor de 101.000,00€ constante da escritura de compra e venda (Doc. Nº. 16, junto com a petição inicial), porquanto: ser a 2ª. Ré filha do Autor, advogada de profissão, tendo sido ela quem preparou todo o negócio relativo ao imóvel, por forma a que Autor e 1º. Réu se acautelassem de uma eventual acção pauliana, servindo aqueles documentos para aparentar a cronologia dos pagamentos e se chegar a quantia próxima dos 101.000,00€. Com efeito, era a 2ª. Ré, por acordo feito com o Autor quem passou a tratar, orientar e dar aconselhamento, inclusivamente até gerir os interesses do Autor. Os cheques foram na realidade entregues pelo 1º. Réu ao Autor, que os levantava e procedia de imediato à entrega do valor a eles correspondentes em dinheiro no interior de um envelope. O Autor nunca beneficiou de quaisquer valores constantes dos cheques O 1º. Réu após entregar os cheques ao Autor; e este de seguida lhe entregar em dinheiro o valor neles aposto, ao que o Autor tem conhecimento, o Réu voltava novamente a depositar o dinheiro na sua conta bancária, não tendo o Autor conhecimento se esses depósitos em dinheiro feitos pelo 1º. Réu na sequência do que se acaba de dizer, correspondiam inteiramente ao valor nele aposto ou se era de forma parcial. A entrega de cheques; o seu levantamento ao balcão; a entregado valor a eles correspondentes ao 1º. Réu, constituíram ao que vulgarmente é conhecido e se denomina “roulement”, ou seja, girava em torno do mesmo montante. Também é do conhecimento do Autor, eventualmente, para as entregas de valores mais elevados, dispunha o 1º. Réu de uma livrança que estava na posse do banco, por forma a garantir concessão de crédito através de uma conta caucionada ou de qualquer outra forma de crédito que assegurasse o bom pagamento dos cheques, dando-lhes cobertura na conta bancária, seguidos de depósitos dos valores a eles correspondentes, tendo como consequência o pagamento ou não de juros, de baixo valor no entanto, considerando o pouco tempo que mediava entre um hipotético saldo negativo na conta bancária com recurso à utilização de crédito, ficando a mesma coberta pelo depósito que se lhe seguia. O 1º. Réu nunca auferiu rendimentos que lhe possibilitasse, sem ser da forma como se descreveu adquirir o prédio nas condições que a contestação refere, tendo-o adquirido da forma como o Autor aqui acaba de descrever.”
III.3.20. No despacho saneador aos 19/10/2022 em que a Ré foi absolvida da instância por ilegitimidade quanto ao pedido principal relativo à simulação fixou-se o objecto do litígio como sendo o de ser apreciado se estão verificados os pressupostos da simulação invocada pelo A. Como causa de pedir do pedido principal e os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, na eventualidade de improceder o pedido principal e como tema da prova “Está controvertida nos autos a matéria relativa quer à invocada simulação, quer ao invocado enriquecimento sem causa, atenta a impugnação deduzida pelos RR”. Na reformulação do seu requerimento probatório falando da comunhão de interesses dos membros da união de facto formada pelos dois réus pede “2 – Nos temos do artigo 432º., do CPC, requer-se a Vexa., com o devido respeito, seja o Banco de Portugal notificado para informar com referência aos Réus quais as contas bancárias que os mesmos eram titulares nos anos de 2014 e 2015, incluindo sociedade comercial que algum deles tenham qualquer participação no capital social; 3 – Após a informação chegar aos autos ser aquelas instituições bancárias onde os Réus são titulares notificadas para juntarem:
a) Movimentos bancários de 29.05.2014 a 31.05.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº. 6 junto com a contestação;
b) Movimentos bancários de 28.11.2014 a 30.11.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº.7 junto com a contestação; c) Movimentos bancários de 15.12.2014 a 17.12.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº.8 junto com a contestação;
d) Movimentos bancários de 07.01.2015 a 09.01.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº.9 junto com a contestação;
e) Movimentos bancários de 02.02.2015 a 04.02.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº. 10 junto com a contestação;
f) Movimentos bancários de 20.02.2015 a 22.02.2015, com referência ao cheque do Docs. Nº.11 e 12 juntos com a contestação;
III.3.21. Percebe-se melhor a intenção, o Autor na petição como suporte do acordo simulatório com o 1.º réu quanto à venda do imóvel diz que nada recebeu daquele declarado preço da escritura e os réus na sua contestação impugnam e dizem que o Autor recebeu, junta cópias dos cheques mais dizendo que como resulta do verso dos cheques o Autor levantou os valores dos cheques e a a sua assinatura, o que é impugnado, dizendo que os cheques eram levantados ao balcão ao abrigo do acordo simulatório sugerido pela própria filha 2.ª Ré, os valores eram imediatamente entregues ao 1.ª réu que os faria ingressar ou naquela conta do Millenium de onde os valores foram sacados ou numa qualquer outra, isto porque o 1.º réu não disponha desses valores que apenas podiam ser levantado ao abrigo de uma conta caucionada com livrança detida pelo 1.º réu, contas que eram logo providas com o deposito dos valores que o Autor entregava ao 1.ª réu numa operação conhecida por roulement. É no requerimento do incidente de quebra do sigilo bancário que o Autor explicita o seu raciocínio: “… O Autor com as informações bancárias que apresentou no seu requerimento probatório, pretende demonstrar que o valor representado nos cheques, a saber: 10.000,00€, de 29.05.2014; 20.000,00€, de 28.11.2014; 4.000,00€, de 15.12.2014; 30.000,00€, de 07.01.2015; 15.000,00€ de 02.02.2015; 13.711,37€, de 20.02.2015 e 6.600,00€, de 20.02.2015, emitidos pelo 1º. Réu, figurando o Autor como beneficiário, não à ordem e cruzados, no verso dos mesmos consta uma conta bancária pertencente ao Autor, apresentado à compensação, não recebeu ele qualquer cêntimo dos valores ali constantes. 20º.O Autor já juntou aos autos um extrato bancário da conta que lhe pertence e que consta do seu verso o número da sua conta bancária, de lá não constando que os cheques e o seu respetivo valor tivessem entrado naquela conta. 21º. Os valores em causa nunca foram desembolsados pelo 1º. Réu, sendo convicção do Autor que todos eles foram transferidos e / ou depositados em contas tituladas, pelo 1º. Réu ou pela 2ª. Ré, sua companheira, por forma a se perder o rasto do dinheiro, evitando-se desta maneira a minimização do risco de ser intentada em momento subsequente uma acção pauliana.” Admitindo a construção do alegado pelo autor percebe-se a fragilidade da prova testemunhal sem suporte de princípio de prova documental para demonstração desse modus operandi designado de roulement. Não resulta alegado em parte alguma dos articulados que os réus tivessem constituído uma sociedade comercial e que essa sociedade comercial tivesse algo a ver com o destino dos cheques que foram juntos aos autos.
III.3.22. Não se demonstrando que as informações pretendidas pelo autor, respeitantes à identificação das contas de que os réus são titulares e os movimentos bancários dessas contas naqueles períodos os identificados a que respeitam os cheques, se traduzam em actos abrangidos pela dimensão da vida íntima, não se encontram, consequentemente, a coberto da tutela do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, consagrado pelos artigos 26º, nºs 1 e 2, do CRP, e 80, nºs 1 e 2, do Cciv e o artigo 8º, nº 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não exclui a ingerência no exercício deste direito, quando a mesma estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para, nomeadamente, garantir “…a protecção dos direitos e liberdades dos outros”, o dever de segredo bancário pode ceder perante a necessidade de salvaguardar o direito de acesso à justiça e à tutela efectiva que o mesmo pretende acautelar, sempre que os interesses concretos em disputa assim o exigirem, no caso concreto o requerimento restringido como foi garante de forma proporcional e constitucional a harmonização dos direitos conflituantes.[7]

IV- DECISÃO
Tudo visto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em, deferindo parcialmente o requerimento decretar o levantamento proporcional do sigilo bancário, autorizando a que o Banco de Portugal informe com referência aos Réus (cujos NIF`S deverão ser indicados) quais as contas bancárias que os mesmos eram titulares nos anos de 2014 e 2015, e que após a informação chegar aos autos sejam as identificadas instituições bancárias onde os Réus são titulares notificadas para juntarem:
a) Movimentos bancários de 29.05.2014 a 31.05.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº. 6 junto com a contestação;
b) Movimentos bancários de 28.11.2014 a 30.11.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº.7 junto com a contestação; c) Movimentos bancários de 15.12.2014 a 17.12.2014, com referência ao cheque do Doc. Nº.8 junto com a contestação;
d) Movimentos bancários de 07.01.2015 a 09.01.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº.9 junto com a contestação;
e) Movimentos bancários de 02.02.2015 a 04.02.2015, com referência ao cheque do Doc. Nº. 10 junto com a contestação;
f) Movimentos bancários de 20.02.2015 a 22.02.2015, com referência ao cheque do Docs. Nº.11 e 12 juntos com a contestação;

Regime da Responsabilidade por Custas: as custas deste incidente da acção, são pelos Requeridos/réus que decaem (art.º 527, n.ºs 1 e 2)

Lxa., d.s. 22-02-2024
Vaz Gomes
Pedro Martins
Arlindo Crua
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[1] N redacção dada pela Lei 41/2013 atenta a data da distribuição da apelação e a data da decisão que suscita o incidente.
[2] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, reimpressão, 1993, págs. 195/208.
[3] Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao art.º 20/4 da CRP, Coimbra Editora, 2007, pág. 416
[4] Pedro Trigo Morgado “Admissibilidade da prova ilícita em processo civil”, Petrony 2016, págs. 40/41 e jurisprudência aí mencionada
[5] Autor e obra citados págs. 42/45
[6] Auto e obra citados pp 127/131
[7] Nesse sentido entre outros o Ac STJ de 17/12/2009 no processo n.º159/07.6TVPRT-D.P1.S1, relatado por Hélder Roque, o AcRE  de 14-09-2017 no processo 2829/16.9T8PTM-B.E1, relatado por Tomé de Carvalho, disponíveis no sítio www.dgsi.pt.