Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29624/13.4T2SNT-U.L1-1
Relator: NUNO TEIXEIRA
Descritores: CONTRATO DE FRETAMENTO EM CASCO NÚ
FRETE
COMPENSAÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
IMPUTAÇÃO DE DESPESAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/05/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo certo que nestas provas também se incluem os documentos particulares, a não ser que os factos só se possam provar por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (artigo 376º, nºs 1 e 2 do Código Civil).
II – Segundo o artigo 33º do DL nº 191/87, de 29 de Abril , o contrato de fretamento em casco nu é aquele em que “o fretador se obriga a por à disposição do afretador, na época, local e condições convencionadas, um navio, não armado nem equipado, para que este o utilize durante um certo período de tempo”, em todos os tráfegos e actividades compatíveis com a sua finalidade normal e características técnicas – artigo 39º, nº 1.
III – Da celebração deste contrato decorre para o afretador, entre outras, a obrigação principal de pagar o frete, pagamento esse que se vence com a colocação do navio à sua disposição, sendo devido durante todo o tempo em que tal disponibilidade se verifique (artigos 29º e 30º do DL nº 191/87, de 29 de Abril).
IV – A compensação realiza-se através de uma declaração receptícia (ou recipienda), ou seja, uma declaração que carece de ser dada a conhecer ao destinatário, tornando-se eficaz apenas quando chega ao conhecimento ou entra na esfera de poder do mesmo (224º do Código Civil).
V – Se a Ré não invocou a compensação como forma de extinção da sua obrigação de pagamento do valor do frete contratado, mas antes a figura da imputação ou dedução de despesas pagas pela afretadora, não são aplicáveis as normas relativas à compensação previstas no CIRE, nomeadamente a do artigo 99º.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. A MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE … – TRANSPORTES MARÍTIMOS …, LDA., representada pelo Sr. Administrador da Insolvência, veio intentar a presente acção com processo comum contra E…, LDA., sociedade por quotas com o número único de pessoa colectiva e de matrícula …, com sede na … Marinha Grande, pedindo a condenação da Ré ao cumprimento do contrato de fretamento celebrado com a Autora, bem como a pagar-lhe o valor de € 904.650,00 (novecentos e quatro mil e seiscentos e cinquenta euros), os juros moratórios vencidos que, à data da entrada da presente acção, computou em €142.322,95 (cento e quarenta e dois mil, trezentos e vinte e dois euros e noventa e cinco cêntimos) e ainda os juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que no dia 03.02.2014 a sociedade … Transportes Marítimos …, Lda celebrou com a Ré um contrato através do qual fretou a esta o navio com a designação «....» pelo prazo de 24 meses, com a possibilidade de prorrogação, por opção do afretador, por um período adicional de 6 meses, sendo que o navio foi colocado à disposição da Ré no dia 24.05.2014. O contrato vigorou por um período inicial de 24 meses, até ao dia 24.05.2016, tendo o período de fretamento sido prorrogado por seis meses, tendo assim vigorado até ao dia 24.11.2016. Nos termos do contrato, a Ré ficou obrigada a pagar à Autora um valor de €1.065,00 por cada dia de duração do fretamento, devendo efectuar o pagamento do frete devido em prestações mensais com o valor de €31.950,00, cada uma. A primeira prestação a pagar pela Ré venceu-se no dia 24.05.2014 e as demais no dia 24 de cada mês subsequente, tendo a última prestação vencimento no dia 24.11.2016, data até à qual a Ré ficou obrigada a entregar o navio à Autora. Caso não entregasse o navio no prazo indicado, a Ré estava obrigada a pagar à Autora, por cada dia adicional de utilização do navio, um valor de €1.065,00, acrescido de uma taxa 10%, ou o valor de mercado aplicável à data, caso este fosse superior. Após intimação do Administrador de Insolvência, a Ré apenas entregou o navio à Autora no dia 23.12.2016. Mais alegou que a Ré apenas pagou à Autora os valores correspondentes aos 1.º a 4.º meses de prorrogação do contrato.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação e suscitou a incompetência absoluta do Tribunal. Para além disso, defendeu, no essencial, que no âmbito da sua actividade internacional foram-lhe adjudicados alguns contratos de construção, nomeadamente na Venezuela, tendo sentido necessidade, para transporte das peças para as referidas construções, de fretar, a casco nu, o navio “....”. Alega assim que no dia 3 de Fevereiro de 2014, celebrou com a [Sociedade insolvente] o contrato de fretamento a casco nu por um período de 24 meses com início em 1 de Maio de 2014, tendo aquele período sido prorrogado por mais 6 meses. Mais alegou que sobre o navio “....” pendiam, à data da celebração do aludido contrato de fretamento diversas dívidas. Para que pudesse proceder à entrega do navio .... em perfeito estado de navegabilidade necessário se tornava que o mesmo fosse à docagem e que se procedesse a diversas reparações e substituições de material naquele mesmo navio, o que incumbia à [Sociedade insolvente]. Em Maio de 2014 a [Sociedade insolvente] procedeu à substituição do turbo da máquina do navio ..... Em 16 de Maio de 2014, a [Sociedade insolvente] solicitou à Ré que procedesse, por sua conta e ordem, ao pagamento de reparações feitas, que a Ré levou a efeito, tendo o navio, com esta reparação, realizado em 24 de Maio de 2014, o transporte da mercadoria para a Venezuela, na condição de que após aquela viagem, o navio iria para docagem para que se pudessem proceder às reparações e substituições e por o navio em perfeito estado de navegabilidade. Mais alega que, entre 8 e 19 de Agosto de 2014, o navio esteve em doca seca no porto de Vlissingen, na Bélgica, para reparações e substituição de peças, para cumprir a condição prevista na licença concedida pela identificada Sociedade Classificadora, no montante de €80.000,00 que a Ré pagou, com autorização do senhor Administrador Provisório. Mais alega que a [Sociedade insolvente] e a Ré acordaram que todas as despesas relacionadas com o navio, que a Ré enquanto fretadora pagasse adiantadamente, seriam reembolsadas durante o período de fretamento, sendo deduzidas no valor diário do frete a pagar. Alega assim que as partes acordaram que durante o primeiro período de vigência do contrato de fretamento, nada seria pago pela Ré à [Sociedade insolvente]. Mais alega que efectuou vários pagamentos por conta de dívidas contraídas para e pelo navio .... e por salários da sua tripulação. Defende que a Ré não excedeu o prazo para entrega do navio e nada tem a pagar a este título.
A Autora pronunciou-se sobre a suscitada excepção de incompetência, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador e despachos a indicar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, os quais não foram objecto de reclamação.
Foi apreciada a suscitada excepção de incompetência absoluta.
Realizou-se a audiência de julgamento, com inteira observância das respectivas formalidades legais.
Por fim, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente condenou a Ré, no cumprimento do contrato de fretamento e a pagar à Autora:
i)a quantia de €830.700,00 (oitocentos e trinta mil e setecentos euros) a título de prestações vencidas durante a duração da vigência do contrato e respectiva prorrogação, acrescida dos juros legais vencidos desde a data de vencimento de cada prestação, à taxa legal em vigor, no montante de €138.967,85 (cento e trinta e oito mil, novecentos e sessenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros vincendos, a incidir sobre o capital, à taxa legal em vigor até integral e efectivo pagamento.
ii)a quantia de €33.973,50 (trinta e três mil, novecentos e setenta e três euros e cinquenta cêntimos), a título de utilização do navio pelo período de 29 dias após o termo do prazo de prorrogação do contrato de fretamento, ao preço diário de €1.065,00 acrescido de 10%, ou seja, €1.171,50, acrescida dos juros legais vencidos desde a data de 23.12.2016 até à entrada em juízo da presente acção, à taxa legal em vigor, no montante de €1.421,29 (mil, quatrocentos e vinte e um euros e vinte e nove cêntimos), acrescida dos juros vincendos, a incidir sobre o capital, à taxa legal em vigor até integral e efectivo pagamento.
É desta sentença que vem interposto recurso, pela Ré, ora Recorrente, que o termina alinhando as seguintes conclusões:
A. Deu o douto Tribunal dar como não provado: “Em Novembro de 2014, quando o navio .... aportava o Porto de Roterdão, a Ré foi confrontada com um arresto sobre o navio para pagamento de dívida contraída pela [Sociedade insolvente] em período anterior ao Contrato de Afretamento, tendo pago à entidade credora, a Reimerswaal o montante de €106.934,27.”
B. O douto Tribunal entendeu que os factos não provados no qual se inclui o mencionado em A) resultaram da ausência de prova clara em sentido positivo.
C. E que, dos documentos juntos aos autos, não se extrai com clareza a quem foram efectuados esses pagamentos e o motivo que lhes subjaz.
D. Não tem o douto Tribunal qualquer razão.
E. Por um lado, o douto Tribunal considera que as testemunhas ouvidas apresentaram, na sua generalidade, um discurso claro, coerente e lógico, denotando na sua globalidade genuinidade e veracidade no seu depoimento e nessa medida foram valorados.
F. Por outro lado, parece não ter valorado devidamente no que a este facto respeita o depoimento das testemunhas, concretamente, o depoimento do senhor Dr. PC.
G. Nomeadamente ao minuto 16:47, 18:06, 18:17 e 18:32 supra transcritos.
H. Resulta evidente que do depoimento desta testemunha, associado aos documentos juntos aos autos, concretamente juntos com a Contestação sob os nºs 11 e 12, que a ora APELANTE pagou à Reimerswaal o montante de €106.934,27.
I. Desta forma, deve ser dado como provado o seguinte facto: “Em Novembro de 2014, quando o navio .... aportava o Porto de Roterdão, a Ré foi confrontada com um arresto sobre o navio para pagamento de dívida contraída pela [Sociedade insolvente] em período anterior ao Contrato de Afretamento, tendo pago à entidade credora, a Reimerswaal o montante de €106.934,27.”
J. O douto Tribunal deu como não provado: “A Ré pagou à sociedade de direito inglês com a firma “C… Ltd. O montante de €25.600,00, correspondente a um saldo em dívida pela [Sociedade insolvente] de uma conta de escala do navio .....”
K. Mais uma vez, o douto Tribunal “a quo” andou mal ao não ter dado este facto como provado.
L. Para além de resultar claramente dos documentos juntos com a contestação sob o número 15, que incluem transferências bancárias daquele valor, a testemunha senhor RC, foi peremptório ao afirmar que foi a Electrofer a proceder ao pagamento à C…Ltd.
M. Veja-se a este propósito o depoimento da testemunha Sr. RC aos minutos 20:33 e 20:43 acima transcritos.
N. Assim, o facto sob o ponto C. da douta sentença, teria de ser dado como provado como segue: “A Ré pagou à sociedade de direito inglês com a firma “C… Ltd. o montante de €25.600,00, correspondente a um saldo em dívida pela [Sociedade insolvente] de uma conta de escala do navio .....”
O. O douto Tribunal “a quo” condenou, ainda que parcialmente, a ora APELANTE.
P. Não tem o douto Tribunal “a quo” qualquer razão.
Q. Começar-se-á por dizer que, caso o douto Tribunal da Relação venha a dar razão à ora APELANTE no que respeita à reapreciação da prova, aquele valor de € 484.206,17 (quatrocentos e oitenta e quatro mil duzentos e dezasseis euros e 17 cêntimos) será de € 616.740,44 (seiscentos e dezasseis mil setecentos e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos).
R. Entendeu o douto Tribunal “a quo”, quer em face do disposto no artigo 90º quer em face do disposto no artigo 99º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, adiante apenas designado por CIRE, não é permitido à ora APELANTE, proceder à compensação dos valores pagos no âmbito do contrato de fretamento celebrado com a [Sociedade insolvente].
S. Labora o douto Tribunal num tremendo erro.
T. A [SOCIEDADE INSOLVENTE] celebrou com a ora APELANTE um contrato através do qual fretou a esta o navio com a designação “....”.
U. Dispõe a cláusula 32 do aludido contrato de fretamento: “It is mutually agreed between Owners and Charterers, that all the expenses related with the vessel, such as arrests, port taxes, crew salaries, ITF dues, insurance premiums, classification society fees, as well as the other creditors, that Bareboat Charterers will settle these debts in advance and will reimbursed during the period of the Charter”.
V. Cuja tradução para Português é a seguinte: “Pelo presente é mutuamente acordado entre os Proprietários e os Afretadores que todas as despesas relativas ao navio como, por exemplo, arrestos, taxas portuárias, salários de tripulantes, taxas ITF, prémios de seguros, taxas da Sociedade de classificação, assim como outros credores, serão adiantadamente pagos pelos Afretadores a Casco Nu e serão reembolsados durante o período do contrato.”
W. E, dispõe a cláusula 33 o seguinte: In what relates and mentioned on the previous clause the expenses will be settled by Bareboat Charterers are estimated to be in the region of 765.000,00 euros (seven hundred and sixty five thousand euros) which will be deducted on the daily rate of the bareboat hire.
X. Cuja tradução para Português é a seguinte: “No que se relaciona e está mencionado na cláusula anterior, as despesas que serão pagas pelos Afretadores em Regime de Casco Nu, estão estimados na ordem dos 765.000,00 (setecentos e sessenta e cinco mil euros), que serão deduzidos na taxa diária de aluguer em regime de casco nu”.
Y. Dos depoimentos das testemunhas Dr. PC e Senhor RC, resulta claramente que todos os pagamentos feitos pela ora APELANTE e previstas na cláusula 32 do aludido contrato de afretamento a Casco Nu seriam deduzidos, nos termos da cláusula 33, na taxa diária de aluguer em regime de casco nu.
Z. Na verdade, tal resulta do depoimento da testemunha Sr. Dr. PC aos minutos 8:53, 10:26, 12:28, 13:09 e 13:26, acima transcritos.
AA. Bem como resulta do testemunho do depoimento do Sr. RC aos minutos 9:39 e 10:06, igualmente, acima transcritos.
BB. A declaração de compensação estava acordada entre as partes e foi sendo feita no decorrer do período do aludido contrato de afretamento, com o pagamento das despesas feitas pela ora APELANTE as quais foram sendo deduzidas na taxa diária de aluguer prevista no quadro 22 do contrato de fretamento a casco nu celebrado entre a [Sociedade insolvente], na pessoa do seu gerente/administrador e aquela APELANTE, que era no montante de € 1.065,00 por dia ou pro rata.
CC. A ora APELANTE pagou à …/MASSA INSOLVENTE por compensação com o valor do fretamento e nos termos do respectivo contrato de fretamento, concretamente das suas cláusulas 32 e 33, o montante de € 616.740,44 (seiscentos e dezasseis mil setecentos e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos), consubstanciado nas despesas que pagou durante o período de vigência daquele mesmo contrato, ao abrigo das citadas cláusulas.
DD. E isto tanto é verdade que a testemunha Dr. PC, à data da assinatura do contrato de fretamento, gerente da [Sociedade insolvente], foi peremptório ao afirmar, ao minuto 37:40, que: “Sim é verdade e assinei o contrato com a Electrofer e a ideia desde o inicio é que a [Sociedade insolvente] pelo menos recebesse algum dinheiro do afretamento, nunca seria muito por causa das dividas que poderiam cair em cima do navio, mas seria alguma coisa, foi nessa intenção que se afretou o casco nu”.
EE. Significa isto que a ora APELANTE jamais foi credora da APELADA MASSA INSOLVENTE...
FF. Por força do aludido contrato de fretamento, tendo a ora APELANTE pago por compensação do valor do fretamento, o montante de 616.740,44 (seiscentos e dezasseis mil setecentos e quarenta euros e quarenta e quatro cêntimos) é devedora, e não credora, da APELADA MASSA INSOLVENTE …. da diferença que resulta do valor total do afretamento de € 776.385,00 (setecentos e setenta e seis mil trezentos e oitenta e cinco euros- 724 dias*€ 1.065,00-) acrescido do valor de € 71.355,00 relativamente ao frete não pago durante o período de prorrogação (67 dias*€ 1065,00 e do valor de €33.973,50 (trinta e três mil, novecentos e setenta e três euros e cinquenta cêntimos), a título de utilização do navio pelo período de 29 dias após o termo do prazo de prorrogação do contrato de fretamento, ao preço diário de €1.065,00 acrescido de 10%, ou seja, €1.171,50.
GG. Assim a ora APELANTE é devedora e não credora, que nunca foi, da APELADA MASSA INSOLVENTE do montante de € 264.953,06.
HH. Sendo completamente inaplicável o artº 90º do CIRE.
II. A ora APELANTE, jamais foi credora da APELADA MASSA INSOLVENTE.
JJ. Aquando da comunicação da opção da R., ou seja em 30 de Março de 2016, a ora APELADA na pessoa do senhor Administrador de Insolvência não se opôs à aludida prorrogação daquele contrato invocando, lançando mão, como o deveria ter feito da cláusula 28ª daquele contrato, resolvendo o mesmo e exigindo a entrega imediata do navio.
KK. Nem tão pouco fez uso do disposto do artº 102 do CIRE.
LL. Faz algum sentido que se renove um contrato quando se alega um incumprimento contratual desde o início da sua vigência?
MM. Não tendo a ora APELANTE quaisquer créditos sobre a APELADA MASSA INSOLVENTE, resulta evidente que o artigo 99º do CIRE é, igualmente, inaplicável ao caso “sub judice”.
NN. Não havia quaisquer créditos da ora APELANTE sobre a APELADA MASSA INSOLVENTE.
OO. Foi, exactamente aqui que o douto Tribunal andou mal.
PP. Já que, contrariamente ao que se pode ler na douta Sentença ora em crise, da análise dos factos e mesmo da Contestação da ora APELANTE jamais se pode concluir que o que esta pretendia era obter a compensação de créditos.
QQ. A compensação estava feita e traduzida nos pagamentos que a ora APELANTE fez no decorrer e no âmbito do contrato de fretamento, concretamente, com base no disposto nas Cláusulas 32 e 33 do mesmo.
RR. E isto tanto é verdade que a testemunha Dr. PC, à data da assinatura do contrato de fretamento, gerente da [Sociedade insolvente], foi peremptório ao afirmar, ao minuto 37:40, que: “Sim é verdade e assinei o contrato com a E… e a ideia desde o inicio é que a [Sociedade insolvente] pelo menos recebesse algum dinheiro do afretamento, nunca seria muito por causa das dividas que poderiam cair em cima do navio, mas seria alguma coisa, foi nessa intenção que se afretou o casco nu”.
SS. A APELANTE na sua contestação, jamais pediu qualquer compensação de créditos.
TT. O que a ora APELANTE pediu foi a absolvição da instância tendo como causa de pedir o facto de já ter pago tudo no âmbito e de acordo com o aludido contrato de fretamento.
UU. Todos os pagamentos feitos pela ora APELANTE no âmbito e de acordo com as citadas cláusulas 32ª e 33ª do Contrato de Fretamento e que logrou provar, devem ser, nos termos do mesmo contrato no âmbito e por força das cláusulas 32ª e 33ª e durante o período da sua vigência, considerados como valores deduzidos ao valor do afretamento nos termos expostos, considerando-se o valor em dívida apenas pela diferença nos termos expostos.
VV. Não se aplica, aos presentes autos, a Jurisprudência mencionada na douta sentença ora em crise.
WW. A compensação estava já declarada e aceite no contrato de fretamento celebrado e fez-se no âmbito do mesmo e nunca a ora APELANTE, em sede de contestação, alegou a excepção de compensação.
XX. A ora APELANTE alegou que nada devia à ora APELADA por ter pago o valor do afretamento durante o período de vigência do Contrato de Fretamento a Casco Nu e nos seus termos e condições, concretamente nos termos das suas cláusulas 32ª e 33ª.
YY. A ora APELANTE jamais foi credora da ora APELADA e, consequentemente, não tem de ser ressarcida de qualquer valor e, muito menos de forma preferencial, em relação aos demais credores.
ZZ. Mal andou, pois, o Douto Tribunal “a quo” incorrendo num tremendo erro de julgamento, ao ter decidido pela condenação da ora APELANTE da forma como o fez.
Pela Autora foram apresentadas contra-alegações que termina, formulando as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida é uma decisão incensurável, bem fundamentada, de facto e de direito, que faz uma correcta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento e uma correcta aplicação das normas jurídicas aos factos dados como provados.
2. O depoimento prestado pela testemunha citada pela Ré/Recorrente nas suas alegações de recurso não é apto a dar como provado o facto A) da lista de factos que o Tribunal a quo considerou não provados: para tanto basta ler a transcrição que do mesmo é feita nas alegações.
3. Os documentos n.ºs 11 e 12 da contestação também não provam o facto que a Ré/Recorrente pretende ver dado como provado.
4. O depoimento prestado pela testemunha citada pela Ré/Recorrente nas suas alegações de recurso não é apto a dar como provado o facto C) da lista de factos que o Tribunal a quo considerou não provados: para tanto basta ler a transcrição que do mesmo é feita nas alegações e confrontá-lo com as cláusulas 32.ª e 33.ª do Contrato de Fretamento, que a Ré/Recorrente transcreveu e traduziu nas suas alegações (vide pág. 10 do recurso).
5. O documento n.º 5 da contestação também não prova o facto que a Ré/Recorrente pretende ver dado como provado.
6. Uma vez que a Ré/Recorrente não produziu qualquer outra prova, documental ou testemunhal, apta à demonstração da prova dos factos A) e C) dados como não provados pelo Tribunal a quo, bem andou o Tribunal ao decidir como decidiu.
7. A E…r assumiu contratualmente o pagamento a terceiros de dívidas da [Sociedade insolvente] relativas ao navio “....”, tendo acordado que essas quantias seriam deduzidas ao pagamento do frete por si devido à [Sociedade insolvente], e isso não é outra coisa senão uma compensação de créditos.
8. O facto de a Ré/Recorrente não ter invocado nesta acção a compensação dos seus créditos com os contra-créditos cujo pagamento é peticionado pela Autora/Recorrida não tem o condão de alterar a realidade material.
9. O que é certo é que ambas as partes têm créditos e contra-créditos uma sobre a outra, nos termos do acordo que estabeleceram nas cláusulas 32.ª e 33.ª do Contrato de Fretamento, e pretenderam afastar através de previsão contratual a realização de pagamentos recíprocos, identificando aí quais os pagamentos (futuros) de parte a parte abrangidos pela compensação.
10. Caso o pagamento de créditos a um dos credores, na pendência de uma insolvência, por compensação, fosse permitido fora dos casos previstos no art. 99.º do CIRE, resultaria frustrado o princípio da igualdade dos credores, estabelecido no art. 194.º do CIRE, que não comporta discriminações injustificadas e infundadas. Se assim não fosse estar-se-ia a comprometer a satisfação paritária dos interesses dos credores dentro da categoria dos seus créditos e a permitir que um credor obtivesse uma satisfação mais eficaz do seu crédito em prejuízo dos restantes credores.
11. Se se admitisse a compensação de créditos nos moldes pretendidos pela Ré/Recorrente, estar-se-ia a reduzir a zero o seu risco de não ver o seu crédito satisfeito na insolvência, risco esse assumido pelos demais credores.
12. Como e bem assinalou o Tribunal a quo, a compensação de créditos na insolvência, no quadro do art. 99.º do CIRE, não opera automaticamente, antes dependendo de um reconhecimento prévio dos créditos na insolvência, através dos meios próprios previstos no CIRE.
13. Isso de a Ré/Recorrente não se considerar credora da [Sociedade insolvente] é argumento novo e absolutamente extraordinário, que não corresponde de todo à verdade: o que efectivamente sucedeu é que a Ré/Recorrente reclamou os seus créditos junto do administrador de insolvência, mas não os fez nos termos exigidos no art. 128.º do CIRE, o que determinou que aquele não reconhecesse os créditos reclamados pela Ré/Recorrente, remetendo-lhe a comunicação prevista no art. 129.º, n.º 4 do CIRE, que aquela tinha o ónus de impugnar, mas não impugnou – cf. factos dados como provados na sentença sob os n.ºs 22 e 23.
14. Factologia que, aliás, a Ré/Recorrente não impugnou nas suas alegações de recurso, o que torna o argumento ainda mais risível.
15. A verdade é que a Ré/Recorrente, por opção estratégica que só a si é imputável, não impugnou a relação de credores não reconhecidos, vindo depois correr atrás do prejuízo, invocando neste litígio créditos sobre a Insolvente e alegando agora que, afinal, não é credora da Insolvente. A Ré/Recorrente perde-se nas suas próprias contradições…
16. O argumento de que não é aplicável o regime da compensação de créditos previsto no art. 99.º do CIRE ao caso sub judice porque a compensação de créditos entre Insolvente e Ré/Recorrente já havia operado por via contratual não pode vingar, porque, mais uma vez, o ónus de obter o reconhecimento dos seus créditos na insolvência para na mesma os ver satisfeitos não é dispensado pela circunstância de se ter previsto uma compensação de créditos num contrato, ainda para mais num caso em que os pagamentos objecto de compensação não estão liquidados nesse contrato e o administrador de insolvência não tem conhecimento – nem forma de saber senão através da própria E… – de quais foram os pagamentos efectuados por esta, a que entidades, em que datas, e por que motivo, desconhecendo até os pagamentos efectuados pela E… já na pendência do processo de insolvência (cf. factos dados como provados na sentença sob o n.º 20).
17. Aliás, se não fosse esta acção que a Massa Insolvente se viu obrigada a instaurar em 2017, provavelmente até hoje nenhum documento demonstrativo dos pagamentos realizados pela E… teria chegado ao conhecimento do administrador de insolvência.
18. Termos em que se conclui pela falta total e completa de razão da Recorrente, devendo o recurso em crise improceder na totalidade, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Foi proferido despacho a admitir o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, perante as conclusões formuladas pela Recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Incumprimento do contrato de fretamento por parte da Ré e eventual invocação da compensação de créditos por parte desta.
2.1. Impugnação da matéria de facto.
Nas suas alegações (conclusões A) a N)) veio a Recorrente insurgir-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando que a matéria julgada como não provada nas alíneas A. e C. deveria ser dada como provada, passando a integrar a lista dos factos provados, com a redacção que sugere.
Analisemos, então, nesta parte, as razões invocadas pela Recorrente, tendo em conta que o recurso cumpre o ónus estabelecido no artigo 640º do CPC. De todo o modo, a alteração da matéria de facto por ela pretendida só ocorrerá “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (artigo 662º, nº 1 do CPC).
2.1.1. No elenco dos “Factos não provados” que integram a sentença consta como  alínea A. o seguinte: “Em Novembro de 2014, quando o navio .... aportava o Porto de Roterdão, a Ré foi confrontada com um arresto sobre o navio para pagamento de dívida contraída pela [Sociedade insolvente] em período anterior ao Contrato de Afretamento, tendo pago à entidade credora, a Reimerswaal o montante de € 106.934,27. ”
Quanto a este facto, refere a Recorrente que está provado em resultado do depoimento da testemunha Dr. PC associado aos documentos juntos aos autos, concretamente juntos com a contestação sob os nºs 11 e 12.
Mas, para o tribunal a quo dos vários documentos juntos aos autos comprovativos de várias transferências, “não se extrai com clareza a quem foram efectuados esses pagamentos e o motivo que lhes subjaz”, acrescentando ainda que “os restantes documentos (…) não demonstram de forma cabal um efectivo pagamento das restantes dívidas invocadas pela Ré e como tal, não se podem dar o pagamento das mesmas como demonstrado.”
Com efeito, os documentos 11 e 12 juntos com a contestação correspondem a dois documentos emitidos pela CA Crédito Agrícola, dos quais se retira que foram feitas duas transferências bancárias internacionais (SEPA), em 04/11/2014, nos valores de 71.934,27 € e de 35.000,00 €, pela E… Lda., a favor de Stichting Beheer Derdengelden e de Stichting Beheer Derdengelden Baumg, respectivamente. Contudo, como é natural, nesses documentos não se faz qualquer referência nem à causa da transferência, nem se menciona uma única vez o nome da alegada credora Reimerswall, como eventual beneficiária, sendo certo que a testemunha indicada não referiu qualquer ligação entre aquela empresa e quem figura naqueles documentos como beneficiário(a) da transferência bancária. De todo o modo, é preciso realçar que, no seu depoimento, a testemunha Dr. PC, a instâncias do mandatário da Recorrida, respondeu, claramente, que não tinha qualquer controle nos pagamentos e que não sabia se os credores internacionais arrestaram ou cobraram. Por isso, os meios de prova indicados pela Recorrente são insuficientes para formar no julgador uma tal convicção objectiva que permitisse afirmar que aquelas transferências haviam sido feitas a favor da mencionada entidade credora, e muito menos para pagar uma dívida da [Sociedade insolvente] resultante de um arresto sobre um seu navio, contraída em data anterior à da celebração do contrato de afretamento.
A opção do Tribunal a quo não poderá ser censurada, tendo em conta a regra da livre apreciação das provas constante do nº 5 do artigo 607º do CPC, a que está sujeita, desde logo, a prova testemunhal (artigo 396º do Código Civil).[1] Por isso, é evidente que não tem o Tribunal de aceitar como verdadeiro, sem mais, o que é afirmado pelas testemunhas sobre um determinado facto. Aliás, a nossa convicção, depois de ouvir a respectiva gravação, é a de que a mencionada testemunha ignorava totalmente o motivo e o valor de tais pagamentos.
Assim, não vemos como pode ser afastada a motivação da sentença, que nos parece correcta, deste modo se indeferindo, nesta parte, a impugnação factual.
2.1.2. Pretende ainda a Recorrente que a alínea C. dos “Factos não provados” passe a integrar os factos provados, por resultar quer do depoimento da testemunha RC, quer do documento 15 junto pela Recorrente com a contestação, na medida em que, segundo ela,  confirmam que foi a E… a proceder ao pagamento à C…Ltd (conclusão L) das alegações recursórias).
Na verdade, consta dessa alínea que “C) A Ré pagou à sociedade de direito inglês com a firma “C… lTd.” o montante de € 25.600,00, correspondente a um saldo em dívida pela [Sociedade insolvente] de uma conta de escala do navio .....”
A 1ª instância justificou a inclusão daquela alínea nos factos não provados em razão da ausência de prova clara em sentido positivo, especificando, de forma genérica, que os documentos juntos não demonstram de forma cabal o pagamento das restantes dívidas invocadas pela Ré.
Com efeito, examinado o documento supra mencionado, verifica-se que o nº 15 corresponde a um “print” de uma tabela de valores transferidos para a referida firma, (sem qualquer referência ao respectivo emissor, por não estar nem assinada, nem carimbada), acrescido de dois comprovativos, emitidos pela Caixa Geral de Depósitos, de duas transferências bancárias, realizadas pela E…, Lda, tendo como destinatário C…Ltd e [Sociedade insolvente] (rasurado para C…, Ltd.), nos valores respectivamente, de 10.600,00 € e de 10.000,00 €.
Ora, para além de os valores mencionados nos referidos documentos não coincidirem com a quantia mencionada na aludida alínea C., deles também não consta a causa do alegado pagamento, designadamente se correspondia a um saldo em dívida pela [Sociedade insolvente] de uma conta de escala do navio ..... Essas lacunas documentais não foram colmatas pelo depoimento da testemunha indicada pela Recorrente, que nada disse de concreto quanto a este pagamento.
Cumpre relembrar que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo certo que nestas provas também se incluem os documentos particulares –  como são os referidos pela Recorrente –, a não ser que os factos só se possam provar por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, o que não é o caso dos autos (artigo 376º, nºs 1 e  2 do Código Civil).
Como é evidente, não resulta provado, nem daqueles documentos, nem de quaisquer outros juntos, que a Recorrente pagou àquela firma inglesa quaisquer quantias a título de dívidas contraídas pela [Sociedade insolvente] por causa de uma escala do navio ...., desde logo porque não juntou os competentes recibos, único documento com eficácia para provar os ditos pagamentos, até porque se trata de devedor obrigado a ter contabilidade organizada.
Acresce que o depoimento da testemunha RC – que foi valorado apenas nos aspectos corroborados por outros documentos, designadamente o contrato de fretamento, como ficou dito na motivação da sentença – não pode colmatar a lacuna da falta de recibos comprovativos do pagamento das demais despesas alegadas pela Recorrente. Não basta que uma testemunha afirme que um facto ocorreu para ele ser considerado como provado; é necessário que o tribunal se convença que o facto se verificou, após uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo do depoimento.
No caso, o tribunal a quo explicou claramente as razões da sua convicção quanto à não verificação da factualidade em causa.
Assim, também nesta situação, não vemos motivo para julgar procedente a impugnação, razão pela qual se mantém a matéria de facto dada como não provada na alínea C., nos seus precisos termos.
3. Apreciada a impugnação da matéria de facto, dão-se por assentes os seguintes factos:
1) A [Sociedade insolvente] - Transportes Marítimos …, Lda., é(era) uma sociedade que actua(va) na indústria de transportes marítimos, tendo como objecto a exploração de navios propriedade da sociedade ou de terceiros para realização de transportes marítimos de mercadorias e o fretamento de navios.
2) A [Sociedade insolvente] foi declarada insolvente em 06.10.2014.
3) No âmbito da sua actividade internacional foram adjudicados à Ré alguns contratos de construção na Venezuela, tendo sentido necessidade, para transporte das peças para as referidas construções, de fretar, a casco nu, o navio .....
4) Em 03.02.2014, a [Sociedade insolvente] celebrou com a Ré um contrato através do qual fretou a esta o navio com a designação .... (contrato epigrafado “Contrato Padrão de Afretamento em casco nu Bimco”, junto em 9.03.2022 e constante de fls. 162, 167, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
5) O contrato de fretamento referido em 4. era a casco nu, de acordo com o modelo standard da Bimco “The Baltic And International Maritime Council denominado “Bimco Standard Bareboat Charter” com o nome de código “BARECON 2001”.
6) O contrato de fretamento em causa foi celebrado pelo prazo de 24 meses, com a possibilidade de prorrogação, por opção do afretador, por um período adicional de 6 meses.
7) A Autora colocou o navio “....” à disposição da Ré no dia 24.05.2014, vigorando o contrato pelo período inicial de 24 meses, até ao dia 24/05/2016.
8) Por opção da Ré, o período de fretamento foi prorrogado por seis meses, com início 24.05.2016, passando o contrato a vigorar até ao dia 24.11.2016.
9) A Ré ficou obrigada a pagar à Autora um valor de €1.065,00 por cada dia de duração do fretamento, devendo efectuar o pagamento do frete devido em prestações mensais com o valor de €31.950,00, cada uma, com vencimento inicial em 24.05.2014 e no dia 24 de cada mês.
10) A Ré ficou obrigada a entregar o navio “....” à Autora findo o período de fretamento, até ao dia 24.11.2016, sendo que em caso de não entrega do navio no prazo indicado, a Ré estava obrigada a pagar à Autora, por cada dia adicional de utilização do navio, um valor de €1.065,00, acrescido de uma taxa 10%, ou o valor de mercado aplicável à data, caso este fosse superior.
11) A Ré não entregou o navio à Autora no dia 24.11.2016.
12) Com data de 29.11.2016, o Administrador de Insolvência da [Sociedade insolvente] intimou a Ré para que lhe entregasse o navio ...., informando que “nos termos e para os efeitos da cláusula 15 do Contrato de afretamento, (...) o valor diário do afretamento a pagar pela E… à [Sociedade insolvente], a partir da data de 25/11/2016 e até entrega da embarcação (...) é de € 2.550,00 (dois mil quinhentos e cinquenta euros)/dia, considerando que este é o actual valor de mercado)”.
13) A Ré restituiu o navio .... à Autora no dia 23.12.2016.
14) A Ré pagou à Autora os valores correspondentes aos 1.º a 4.º meses de prorrogação do contrato, que se venceram, respectivamente, em 24.05.2016, 24.06.2016, 24.07.2016 e 24.08.2016.
15) Para que a [Sociedade insolvente] pudesse proceder à entrega do navio “....” à Ré em estado de navegabilidade foi necessário que o mesmo fosse a docagem e que se procedesse a reparações e substituições de material naquele navio.
16) Dada a necessidade de a Ré cumprir prazos de entrega nas obras que tinha em curso na Venezuela, a [Sociedade insolvente] substituiu o turbo da máquina do navio em Maio de 2014.
17) Dado que a [Sociedade insolvente] não dispunha de liquidez e de crédito bancário, em 16 de Maio de 2014 solicitou à Ré que procedesse ao pagamento do turbo e sua instalação no montante de €30.000,00, o que esta fez em 16 de Maio de 2014.
18) Após o navio “....” regressar da Venezuela, no período compreendido entre 8 e 19 de Agosto de 2014, o navio esteve em doca seca no porto de Vlissingen, na Bélgica, para reparações e substituição de peças no montante de €80.000,00 que a Ré, pelo facto de a [Sociedade insolvente] estar num processo de insolvência, pagou à firma Shipyard Reimersswaal B.V., o valor de €30.000,00.
19) Autora e Ré acordaram que as despesas relacionadas com o navio tais como, arrestos, taxas portuárias, salários de tripulação, taxas ITF, prémios de seguros, classificação e pagamentos a outros credores, estimadas em €765.000,00, seriam pagas pela Ré adiantadamente, sendo deduzidas no valor diário do frete a pagar pela Ré à [Sociedade insolvente].
20) A Ré pagou por conta de dívidas contraídas pela Autora relativas ao navio .... e a tripulação por si contratada, correspondentes a período anterior a 24 de Maio de 2014, os seguintes montantes:
a. €40.735,94 a RR., no âmbito processo que correu os seus termos na secção único do Tribunal de Trabalho de Setúbal com o nº 891/09.0TTSTB-B;
b. ao Dr. JP, na qualidade de mandatário de tripulantes de navios da [Sociedade insolvente], o montante de € 90.000,00 (arrestos que pendiam sob o navio ....);
c. em 27 de Novembro de 2014, à firma Global Vision Bunkers, o montante de € 268.385,67;
d. à APL – Administração do Porto de Lisboa, o montante de € 22.469,11;
e. a Ré fez um depósito no montante de €1.536,66 numa conta da APL para pagamento de uma TUP (Taxa Única Portuária) no montante de € 2.615,45 tendo procedido ao pagamento da diferença em 10 de Dezembro de 2014.
21) A Ré não integra a Lista de Credores Reconhecidos nos autos de insolvência da Autora.
22) A Ré consta da Lista de Créditos Não Reconhecidos pelo valor de €819.217,22, com o seguinte fundamento: crédito não reconhecido em virtude de ter sido enviada uma exposição por email ao AI, não instruída com os documentos considerados necessário à prova da existência de qualquer crédito. A empresa não efectuou reclamação conforme dispõe o art.º 128.º do CIRE. Qualquer pagamento efectuado por terceiro a credores da insolvente é em substância um empréstimo à devedora, acto que em sede de PER, deve cumprir o disposto no art.º 17.º E, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do CIRE.
23) Não resulta do Apenso de Reclamação de Créditos que a Ré tenha impugnado a Lista de Credores Reconhecidos.
4. Fixados os factos provados, cumpre agora apreciar as demais questões colocadas pelo recurso.
4.1. A Recorrente prossegue as suas alegações acusando a sentença de padecer de erro por nela se defender o entendimento de que, face ao disposto no artigo 99º do CIRE,  não lhe era permitido proceder à compensação dos valores pagos no âmbito do contrato de fretamento celebrado com a [SOCIEDADE INSOLVENTE]. Em seu apoio, sustenta a Recorrente que “a declaração de compensação estava acordada entre as partes e foi sendo feita no decorrer do período do aludido contrato de afretamento, com o pagamento das despesas feitas pela ora apelante as quais foram sendo deduzidas na taxa diária de aluguer prevista no quadro 22 do contrato de fretamento a casco nu celebrado entre a [SOCIEDADE INSOLVENTE], na pessoa do seu gerente/administrador e aquela apelante, que era no montante de 1.065,00 por dia ou pro rata.” (conclusão CC) das alegações de recurso). Por isso, conclui, que jamais foi credora da MASSA INSOLVENTE...
Porém, o entendimento que o tribunal a quo deduziu da factualidade provada foi o de que “a Ré pretende operar a compensação dos créditos que a Autora tem sobre si e emergentes do contrato de fretamento, com os montantes pagos por si em substituição da [Sociedade insolvente] e dados por provados, invocando acordo das partes nesse sentido.”
Cremos, no entanto, que não foi essa a intenção da Recorrente, nem tal decorre do contrato celebrado e da factualidade dada como provada.
4.2. Com efeito, resulta dos autos que entre a [SOCIEDADE INSOLVENTE], LIMITADA e a E…, LIMITADA foi celebrado um contrato de fretamento a casco nu, de acordo com o modelo padrão da BIMCO (BINCO STANDARD BAREBOAT CHARTER), com o nome de código “BARECON 2001”, pelo prazo de 24 meses, com possibilidade de prorrogação, por opção do afretador, por um período de 6 meses. O referido contrato teve início no dia 24/05/2014 e, pese embora o respectivo termo ocorresse em 24/05/2016, esteve em vigor até 24/11/2016, face à prorrogação de que foi objecto.
Ora, segundo o artigo 33º do DL nº 191/87, de 29 de Abril[2], o contrato de fretamento em casco nu é aquele em que “o fretador se obriga a por à disposição do afretador, na época, local e condições convencionadas, um navio, não armado nem equipado, para que este o utilize durante um certo período de tempo”, em todos os tráfegos e actividades compatíveis com a sua finalidade normal e características técnicas – artigo 39º, nº 1.[3]
Da celebração deste contrato, decorrem para o fretador duas obrigações: a de apresentação de um navio em bom estado de navegabilidade para que o afretador o utilize durante um determinado período de tempo e ainda a obrigação de suportar as despesas com reparações e substituições resultantes de vício próprio do navio (artigo 38º, nº 1 do DL nº 191/87, de 29 de Abril). Por sua vez, para o afretador resultam as seguintes obrigações: pagamento do frete[4]; utilização do navio para finalidades lícitas e autorizadas[5]; armar e equipar o navio[6]; suportar as despesas com reparação, manutenção e seguros[7]; manter indemne o fretador relativamente a quaisquer consequências da exploração comercial do navio[8]; e, restituir o navio no final do período estipulado no contrato[9].[10]
Assim, do contrato celebrado resultou para a Ré, ora Recorrente, desde logo, a obrigação de pagar o respectivo frete, que se fixou no valor de 1.065,00 € por cada dia de duração do fretamento, a pagar em prestações mensais de 31.959,00 € cada uma, com vencimento inicial em 24/05/2014 e no dia 24 de cada mês (cfr. ponto 9. dos factos provados). Como resulta da factualidade provada, a Ré não cumpriu integralmente esta sua obrigação, uma vez que apenas procedeu ao pagamento dos valores correspondentes aos 1º a 4º meses da prorrogação do contrato, vencidos, respectivamente, em 24/05/2016, 24/06/2016, 24/07/2016 e 24/08/2016.
Desta feita, e de acordo com as contas feitas na sentença (que a Recorrente não impugna), na data em que esta restituiu o navio .... ao administrador judicial da Massa Insolvente da [Sociedade insolvente] – 23/12/2016 –, por força do contrato de fretamento celebrado e da respectiva prorrogação, estaria em dívida o valor global de 864.673,50 €, mais os juros de mora.
4.3. Contudo, também ficou provado que a “Autora [rectius, a sociedade “[Sociedade insolvente] – Transportes Marítimos …, Limitada”] e Ré acordaram que as despesas relacionadas com o navio tais como, arrestos, taxas portuárias, salários de tripulação, taxas ITF, prémios de seguros, classificação e pagamentos a outros credores, estimadas em € 765.000,00, seriam pagas pela Ré adiantadamente, sendo deduzidas no valor diário do frete a pagar pela Ré à [Sociedade insolvente].” (cfr. ponto 19. dos factos provados). Com efeito, tal acordo deduz-se das cláusulas 32ª e 33ª adicionais ao contrato de afretamento Rider Barecon 2001 do M/V ...., IMO nº 9368417, datado de Lisboa, 3 Fevereiro 2014 (junto com o requerimento de 09/03/2022).
Assim, em harmonia com o regime contratual previsto no DL nº 191/87, de 29 de Abril, (para o contrato de fretamento em casco nu que atribui ao afretador a obrigação de armar e equipar o navio, bem como a de suportar as despesas com a reparação, manutenção e seguros), ficou a constar do contrato que as despesas relativas ao navio, designadamente as apreensões, taxas portuárias, salários de tripulantes, taxas ITF, prémios de seguro, taxas da Sociedade de Classificação, assim como de outros Credores, seriam pagas adiantadamente pela Ré, ressalvando-se, no entanto, que o valor dessas despesas pagas, estimado em 765.000,00 €, seriam “deduzidos à taxa diária do aluguer em regime de casco nu” (cfr. cláusula 33).
Ora, como resulta da sentença, a Ré conseguiu provar que, por conta de dívidas contraídas pela sociedade [Sociedade insolvente] relativas ao navio .... e à tripulação por si contratada, pagou o montante global de 484.206,17 €.
4.4. Apesar de o valor que a Ré diz ter pago ser superior ao supra referido, veio alegar que nunca foi credora da Autora, pelo que nunca pretendeu obter a compensação de créditos, não sendo, pois, de aplicar o artigo 99º do CIRE.
Com efeito, analisada a contestação que atempadamente juntou aos autos, não se vislumbra que tivesse sido intenção da Ré livrar-se da sua obrigação de pagamento do valor do frete, por extinção simultânea do seu crédito equivalente que eventualmente dispusesse sobre a Autora. Na verdade, o que resulta do seu articulado é que, no que respeita ao primeiro período do contrato,  nada devia à Autora, em razão dos pagamentos que teria feito, deduzidos no valor do frete.
Assim não entendeu o tribunal a quo, ao concluir que a Ré pretendeu operar a compensação de créditos que a Autora tinha sobre si e emergentes do contrato de fretamento, com os montantes pagos por si em substituição da [Sociedade insolvente] e dados por provados, invocando acordo das partes nesse sentido.
Mas, sem razão.
Em primeiro lugar, se a compensação não foi invocada, (fosse por excepção, fosse por reconvenção), estava vedado ao tribunal conhecê-la oficiosamente. Com efeito, para que a compensação se torne efectiva é necessário que uma das partes à declare à outra (artigo 848º, nº 1 do Código Civil). Ou seja, “não opera automaticamente, sendo necessária a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos. (…) Para que os dois créditos se considerem extintos, não basta que se verifiquem os requisitos fixados na lei para poderem ser compensados (situação de compensação), sendo necessária, para além disso, a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção (declaração de compensação). A compensação não pode, portanto ser conhecida oficiosamente pelos tribunais.”[11]
No caso dos autos, como já se referiu, mesmo que se mostrassem verificados os requisitos da compensação, temos de convir que não ocorreu uma declaração de compensação por parte da Ré, quer extrajudicial, quer judicialmente. Tratando-se de um negócio jurídico unilateral, a compensação realiza-se “através de uma declaração receptícia (ou recipienda), ou seja, uma declaração que carece de ser dada a conhecer ao destinatário, tornando-se eficaz apenas quando chega ao conhecimento ou entra na esfera de poder do mesmo (224º)”.[12] Ora, não se deduz dos factos dados como provados que a Ré tivesse invocado um contra crédito com a intenção de obter o efeito extintivo próprio da compensação. E não o fez, desde logo, por reconvenção, apesar da actual redacção da alínea c) do nº 2 do artigo 266º do CPC, resultante da Reforma do CPC de 2013.[13]
Na verdade, o que resulta do acordo celebrado entre as partes, concretizado na já mencionada cláusula 33ª, é que as despesas a pagar pela afretadora, ora Recorrente, seriam deduzidas à taxa diária do aluguer em regime de casco nu. Quer isto dizer que o que as partes convencionaram não foi a chamada compensação voluntária, contratual ou convencional (como mútua extinção de créditos recíprocos), mas antes a figura da imputação ou dedução que, segundo ANTUNES VARELA, “consiste em abater ao montante de um crédito, para reduzir à sua justa expressão numérica, a importância de certos factores (despesas, encargos, benefícios, etc.)”. Nestas situações, acrescenta aquele autor, “não há dois créditos recíprocos que mutuamente se extingam, mas um só crédito cujo montante tem de ser diminuído de determinadas verbas.”[14]
Assim, não tendo sido invocada pela Ré a compensação como forma de extinção da sua obrigação de pagamento do valor do frete contratado, não é de aplicar à situação dos autos as normas do CIRE invocadas na sentença recorrida, nomeadamente a do artigo 99º.
Ora, se a Ré logrou demonstrar que pagou a quantia total de 484.206,17 €, por conta das quantias contraídas pela Autora relativas ao navio “....” e à tripulação por si contratada, tal como ficou clausulado, tem direito a ver deduzido esse montante no valor de 830.700,00 €, que é o valor global em dívida em razão do contrato de fretamento e respectiva prorrogação que celebrou com a sociedade [Sociedade insolvente].
Desta feita, procedem parcialmente as alegações de recurso.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, pelo que, alterando a decisão recorrida, decide-se condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de 346.493,83 € (trezentos e quarenta e seis mil, quatrocentos e noventa e três euros e oitenta e três cêntimos) a título de prestações vencidas durante a vigência do contrato e respectiva prorrogação, acrescida dos juros legais vencidos desde a data de vencimento de cada prestação e dos juros vincendos, a incidir sobre o capital, à taxa legal em vigor até integral e efectivo pagamento.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente e Recorrida, na proporção de 55% e 45%, respectivamente.

Lisboa, 05/09/2023
Nuno Teixeira
Manuela Espadaneira
Pedro Brighton
_______________________________________________________
[1] Como referem CASTRO MENDES e TEIXEIRA DE SOUSA, in Manual de Processo Civil, volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 563, “Perante a falibilidade do depoimento testemunhal e as divergências frequentes nos depoimentos das testemunhas, torna-se claro que, entre outros aspectos, a impressão pessoal deixada pela testemunha tem uma importância determinante para a formação da convicção do juiz.”
[2] Diploma que revogando os artigos 541º a 562º do Código Comercial passou a disciplinar o contrato de fretamento.
[3] Cfr. JORGE AFONSO GONÇALVES, Contrato de Fretamento de Navio, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 76.
[4] Esta é a obrigação principal do afretador em qualquer das modalidades de fretamento e vence-se com a colocação do navio à disposição do afretador, sendo devido durante todo o tempo em que tal disponibilidade se verifique (artigos 29º e 30º do DL nº 191/87, de 29 de Abril).
[5] De acordo com o artigo 280º do Código Civil apenas merecem a tutela do direito os contratos cujo objecto seja lícito, conformes à ordem pública e não ofensivos dos bons costumes.
[6] Cfr. artigo 36º do DL nº 191/87, de 29 de Abril. Esta obrigação abrange a responsabilidade pelos encargos fiscais e com a segurança social da equipagem.
[7] Segundo o artigo 37º do DL nº 191/87, de 29 de Abril, “São suportadas pelo afretador: a) As despesas de conservação e reparação necessárias à navegabilidade do navio e todas as que não estejam abrangidas no artigo 38º; b) Os seguros relativos ao navio, independentemente da sua natureza.”
[8] Esta obrigação está prevista do artigo 41º do DL nº 191/87, de 29 de Abril e justifica-se pelo facto de ocorrer a transmissão material e jurídica do direito de utilização e exploração do navio por parte do fretador para o afretador.
[9] Findo o prazo convencionado, o afretador está obrigado a restituir o navio ao fretador no local indicado na carta-partida “no mesmo estado e nas mesmas condições em que o recebeu, salvo o desgaste próprio do seu uso normal” (artigo 40º do DL nº 191/87, de 29 de Abril).
[10] Cfr. JORGE AFONSO GONÇALVES, Ob. Cit., pág. 76 e ss., cuja exposição aqui seguimos.
[11] Cfr. MÓNICA DUQUE, “Anotação ao artigo 848º”, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral [coord. JOSÉ BRANDÃO PROENÇA], Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 1270.
[12] Cfr. MÓNICA DUQUE, “Anotação ao artigo 848º”, pág. 1271.
[13] Com a nova redacção daquela alínea, alguma jurisprudência recente considera que o devedor demandado, que pretenda o reconhecimento de um crédito, passou a ter o ónus de reconvir: neste sentido, cfr. STJ, Ac. de 10/04/2018 (23656/15.5T8SNT.L1.S1), TRP, Ac. de 02/07/2015 (107435/13.0YIPRT.P1), TRL, Ac. de 16/11/2016 (3942/15.5T8CSC-A.L1-4) e TRP, Ac. de 30/01/2017 (976/15.3T8OVR.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Das Obrigações em Geral, volume II, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 189. Na jurisprudência ver TRP, Ac. de 28/06/2011 (202/08.1TBSTS.P1) e STJ, Ac. de 29/10/2015 (173052/11.0YIPRT.C1.S2), ambos disponíveis em www.direitoemdia.pt.