Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
473/20.5T8SXL.L1-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: JOGO ILÍCITO
FUNDAMENTAÇÃO
ELEMENTO SUBJECTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Em matéria contra-ordenacional, o elemento intelectual do dolo, ou conhecimento dos elementos objectivos do tipo, surge-nos em moldes substancialmente distintos dos que são próprios do domínio penal, já que estamos num domínio de ilícitos axiologicamente neutros, podendo o agente não ter conhecimento da proibição abstractamente aplicável na sua descrição jurídica e contudo possuir a consciência do ilícito relevante para efeitos de culpa.
A censurabilidade do comportamento, ínsita na culpa em sede de infracção contraordenacional, reside aqui fundamentalmente na imputação do facto a um comportamento responsável do seu autor.
Não  é de exigir em sede de decisão administrativa o rigor formal, nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial.
Ainda assim, a omissão de rigor na arrumação desses elementos não afectou as garantias de defesa, nem dificultou o exercício do direito de impugnação judicial, uma vez que são compreensíveis as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas, a entidade administrativa considera que a Arguida, por intermédio dos seus representantes, incorreu no cometimento da contra-ordenação de exploração de uma máquina contendo uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar e, por isso, nos termos das disposições legais enunciadas, lhe aplica uma coima não se verificando assim,  nulidade ou interpretação  normativa inconstitucional, designadamente por desrespeito do disposto nos artigos 159.°, 160, 161, 162, e 163 do DL 422/89, dos artigos 283º,  374.°, n.° 2 do Código de Processo Penal ou do artigo 205.° da Constituição, improcedem as questões suscitadas pela Arguida
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa[1],
 
1. Relatório 
Por decisão de 4 de Outubro de 2019, a Polícia de Segurança Pública condenou a sociedade  Lda, com sede na Rua de São Tomé Lote 8, Prior Velho e a sociedade “F... Unipessoal com sede Rua, Corroios, cada uma das arguidas, na coima de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros), pela prática de uma contra-ordenação resultante de exploração de modalidade afim de jogo de fortuna ou azar sem autorização administrativa, prevista e sancionada pelos artigos 159°, 160°, n° 1, 161°, n° 1 e nos termos do artigo 163°, n°1 do Decreto-Lei n.° 422/1989, de 2 de Dezembro.
Ambas as arguidas impugnaram a decisão da autoridade administrativa e, por sentença proferida em 8 de Julho de 2020, o tribunal singular do Juízo Local do Seixal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa julgou improcedente o recurso e manteve a decisão da autoridade administrativa.
Novamente inconformadas, as arguidas interpuseram recurso dessa sentença.
Por despacho proferido em 8 de Outubro de 2020, foi extinta a instância recursiva quanto à recorrente Ldª, por extinção da pessoa colectiva, prosseguindo os autos para apreciação do recurso da co-Arguida.
No seu recurso, a Arguida sociedade  Lda formulou as seguintes conclusões (transcrição):
a) A matéria de facto dada como provada não integra qualquer facto e imputação à recorrente do funcionamento do jogo / equipamento (nenhum dos factos dado como provado permite fazer a integração da previsão legal do tipo contra-ordencional em causa).
b) A matéria de facto dada como provada não explica (como era obrigatório e essencial) qual o sistema de funcionamento do equipamento; que prémios atribuí? Como funciona o sistema de senhas e de cápsulas no equipamento em questão? De que forma existe correspondência entre as terminações e quais são e os prémios anunciados no cartaz e qual o valor dos prémios?
c) Que operação e como é oferecida ao público?
d) Não há matéria de facto dada como provada, em decisão de facto, que permita a verificação dos elementos essenciais da previsão legal dos art.°s 159.° e seguintes do DL 422/89, e a integração da previsão legal na contraordenação / infracção pela qual vem a recorrente condenada.
e)Ora analisando os factos que a decisão judicial recorrida deu como provados (e não provados - considerados inexistentes) desde logo se verifica que não constam - sequer minimamente factos descritivos relativos ao funcionamento da máquina em questão (o facto provado 5 nada explica), e logo se esta tem qualquer operação de oferta ao publico, se do seu funcionamento resulta que existe esperança de ganho e qual, se os resultados da mesma dependem conjuntamente da sorte ou da perícia ou só da sorte, e quais os prémios (que também não se mostram descritos) e logo se consistem em coisas de valor económicos. Tal resulta evidente do teor da decisão recorrida que enumera os factos provados - sendo que os pontos 5 e 9 nomeadamente, tratam-se de meras conclusões pois apenas se pode saber se a maquina desenvolvia - ou não - uma modalidade afim de jogos de fortuna ou azar se constassem factos relativos à mesma, seu funcionamento e prémios atribuídos, o que não ocorre na decisão recorrida, nem ocorreu na decisão administrativa, não obstante a sentença recorrida assim não o ter entendido. A sentença recorrida e nula porque corrige a decisão administrativa e trata questão que não consta da decisão administrativa, nomeadamente a da total omissão da decisão de facto quanto ao elemento subjetivo do tipo contraordenacional. A decisão recorrida é nula quando trata questão relativa a esse elemento (subjetivo do tipo), quando na verdade não resulta da decisão administrativa sindicada o mesmo.
f)A sentença recorrida viola o art.° 374.°, n.° 2 do CPP; o art.° 283.° do CPP, aplicável ex vi art.° 41.° do RGCO; o art.° 205.° da CRP; os art.s° 159.°, 160, 161, 162, e 163 todos do DL 422/89, sendo que o sentido com que essas normas deveriam ter sido, conjunta e conjugadamente, interpretadas era o de que na decisão judicial recorrida deveriam constar factos que permitissem a verificação dos elementos essenciais da previsão legal do tipo contraordenacional que conduzisse à aplicação da norma punitiva, ou seja, a sentença recorrida, ao omitir na decisão de facto esses elementos essenciais, deixa de dar cumprimento aos art.°s 283.° do CPP, porque não obriga a que na acusação (decisão administrativa convertida em acusação aquando da recepção em juízo dessa decisão administrativa) estejam vertidos os factos essenciais à verificação da infracção, dando cobertura a uma decisão administrativa omissiva, também ela dessas obrigações, sendo que a sentença recorrida por esta omissão faz a verificação da violação da previsão legal do 374.°, n.° 2 do CPP e a nulidade que lhe acarreta, prevista no art.° 379.°, n.° 1 al. a) do CPP, em clara violação das normas previstas nos arts.° 159.°, 160, 161.° 162 e 163 todos do DL 422/89, porque o sentido a conferir a essas normas não foi o que se mostra expresso na sentença recorrida, mas sim aquele em que só existe infracção a estas normas, nas formas de jogo em que se dê como provado serem operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho resida na sorte ou na perícia e na sorte e que ocorra álea na esperança de ganho, sendo que nada disto se mostra dado como provado na sentença recorrida.
Pelo exposto, deve proceder o presente recurso e a sentença recorrida ser declarada nula e a recorrente absolvida, por tanto ser coincidente com a Justiça e com o Direito!”
O recurso foi admitido por despacho de 14-09-2020.
O Ministério Público, por intermédio da magistrada junto do tribunal de primeira instância, apresentou resposta concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e ser mantida a sentença recorrida.
Na intervenção processual a que alude o artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público, por intermédio do procurador-geral adjunto exarou parecer acompanhando a resposta à motivação de recurso.
Recolhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. Objecto do recurso e questões a decidir
O recurso da sentença judicial em processo de impugnação por contra ordenação abrange apenas matéria de direito (artigo 75º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).
O Tribunal da Relação pode conhecer ainda de facto nas hipóteses que constam do artigo 410º nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, aplicável ex-vi dos art. 41º nº 1 e 74º nº 4 do citado Decreto-Lei nº 433/82, ou seja, desde que, do texto da decisão recorrida resulte insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova.
Como é dado assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
Tendo em conta os elementos já enunciados, as questões suscitadas no recurso são as seguintes, pela ordem lógica de conhecimento:
-Nulidade da sentença que decidiu a impugnação judicial por omissão da descrição dos factos provados referentes ao funcionamento da máquina em apreço nos autos;
-Nulidade da decisão administrativa por não conter a descrição dos factos imputados referentes ao elemento subjectivo da infracção; 
3. Da matéria de facto 
Para apreciação dos problemas suscitados, impõe-se transcrever parcialmente a sentença do tribunal de primeira instância.  
Na sentença recorrida, o tribunal julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição nos seus precisos termos. No original, não existe o ponto 4)):
1. No dia 20 de março de 2017 pelas 21 horas e 20 minutos foi efetuada uma ação de fiscalização ao estabelecimento comercial denominado” SMS - ... “sito na Rua … Armazém 00, …;
2. As autoridades policiais ao entrar no mencionado estabelecimento verificaram que aí se encontrava uma máquina de jogo, extratora de cápsulas acessível a qualquer cliente que aí entrasse;
3. Nessa máquina ao inserir uma moeda de 1.00 euros (um euro) no mecanismo da máquina extratora, e seguidamente rodar o manípulo até ao seu bloqueio o jogador recebe uma cápsula de plástico que contém três senhas numeradas;
5. Existindo correspondência entre as numerações existentes nas senhas com as terminações inscritas no cartaz de prémio que se encontram sob a pelicula destacável, o jogador receberá pontos convertíveis com correspondência a um premio em forma de brinde e o jogador recebe o prémio respetivo à mesma correspondência;
6.do exterior da máquina antes da introdução da moeda não era possível prever a que prémio o jogador se habilita;
7. À data referida em 1) a exploradora do estabelecimento e responsável pela exploração era F... Unipessoal Lda.;
8.A proprietária da máquina era a empresa  Importação e Exportação Lda;
9. O objetivo do jogo consiste em aliciar o público a pagar um determinado montante introduzindo essa quantia na ranhura existente na máquina, na esperança de ganhar um premio de valor superior ao gerado pela utilização, isto é lucrar relativamente ao valor despendido;
10. As arguidas, deste modo obtém um provento económico,
11. Agiram livre e conscientemente com a intenção de obter tal proveito
Na sentença, consta que o tribunal julgou não provado (transcrição):
a) Os jogadores recebam valores monetários pela introdução da moeda na máquina;
b) O equipamento em causa atribuiu sempre prémio ao utilizador sendo que todas as cápsulas que são inseridas na máquina têm senhas premiadas com produtos e mesmo que não tenham cápsulas premiadas o equipamento para essas senhas faz supletivamente a entrega também de um prémio não existindo a possibilidade de gastar, e não levar um prémio
A fundamentação da decisão em matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte (transcrição):
O tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados -e quanto aos factos não provados,- antes do mais, com base nos documentos juntos aos autos, mormente atentando no auto de contra-ordenação de fls. 2 e 3( auto de noticia)- no auto de apreensão de fls. 4, nas fotografias de fls. 5 a 10, bem como nos demais documentos dos autos nomeadamente certidão da conservatória do registo comercial de fls 16 e teor do relatório de exame pericial a material de jogo que consta de fls 27 a 29 - de onde resulta o exame pericial à maquina apreendida nos autos e respetivo funcionamento da mesma.
Quanto à prova testemunhal, a testemunha Paulo Jorge Crespo que lavrou o auto de noticia na sua qualidade autuante confirmou o mesmo na totalidade, tendo em conta os factos por si presenciados, explicando que no tempo e local em causa se encontrava uma máquina com as características descritas e junto desta um cartaz com os prémios a atribuir, explicando o funcionamento do jogo (e da máquina) tal como consta a fls 2 e 3 - sendo que também confirmou que ao invés do que agora veio a ser dito em sede de conclusões de recurso que os prémios decorrentes do uso da maquina eram apenas os que constavam do cartaz colocado junto da mesma - não existindo qualquer outro prémio ainda que simbólico.
Por sua vez a testemunha MF..., inspetora de jogos e que procedeu à perícia dos autos e elaborou o relatório pericial dos autos procedeu a uma explicação muito clara e detalhada do mesmo relatório confirmando na integra o seu teor referindo tratar-se de uma máquina extratora de cápsulas as quais no seu interior têm a inscrição com um número. Se sair um número o jogador tem direito ao prémio correspondente que consta do cartaz, se não sair nenhum número não há lugar a prémio. Explicitou também que não se consegue extrair a conclusão que existiram valores em dinheiro como prémio (razão pela qual o facto que acima consta nos termos da alínea a) resultou não provado) mas que os números em causa correspondiam a brindes e que não existindo qualquer número com correspondência no cartaz o jogador não teria direito a qualquer prémio.
As testemunhas ouvidas acima referidas prestaram depoimentos coincidentes, isentos e precisos no que se reporta aos factos aos quais foram ouvidas, no se reporta ao tempo e local dos mesmos, e quanto ao funcionamento da máquina existente no local- sendo que depoimento do agente autuante também foi confirmado pelo depoimento da testemunha Manuel …, também agente da PSP que como elemento policial acompanhava o agente autuante na data dos factos tendo confirmado os mesmos.
Já quanto às testemunhas das arguidas/ recorrentes a testemunha CC... trabalhando no referido café não conseguiu explicar de forma clara o funcionamento da aludida máquina referindo no entanto no sentido de que desta efetivamente se extrai uma capsula com senhas numeradas mas a tais senhas corresponde sempre um prémio - pode ser, segundo disse nomeadamente um isqueiro, uma caneta, um lápis, ou doces - e que o valor do prédio é equivalente - ou pouco superior no caso dos prémios disponíveis ao valor de 1.00 euros que foi introduzido No entanto este depoimento não se nos afigura credível quanto à atribuição sempre de um prémio dentro do regras de experiência em primeiro lugar porque tal referencia nunca antes foi feita nos autos- tendo em conta o teor do auto de contraordenação, em segundo lugar porque a ser assim ( caso saísse ) sempre um prémio e de valor mais ou menos idêntico não seria logico que alguns dos prémios correspondentes às senhas numeradas estivessem afixados num cartaz- mas já não outros- sendo que em todo o caso também a testemunha referida também não nega que estes outros brindes que não constavam do cartaz sempre seriam algo mais” símbolo” de valor muito inferior aos do cartaz que apenas eram ganhos com a dita correspondência.
A testemunha LC..., reformado e pai da atual gerente da empresa proprietária das máquinas foi muito hesitante no seu depoimento e pouco preciso - confirmando que havia sempre um brinde - mas não negando que quantos às senhas sem número seria um prémio diferente - nem mesmo tendo conseguido concretizar quais. Esta testemunha prestou um depoimento muito parcial certamente por associação à relação que tem com a gerente da empresa proprietária da máquina - empresa que segundo disse a testemunha foi criada por ele.
Assim sendo, tendo em conta a prova documental dos autos acima aludida, bem como a prova pericial - aliás prova tarifada - dúvidas não restam da veracidade dos factos que acima constam como provados 1 a 10.
De acordo com regras de experiência comum, e tendo em conta os factos objetivos provados nos autos pode concluir-se que ao agir como o fizeram as arguidas/ recorrentes não podem senão tê-lo feito de forma livre, voluntária e consciente com a intenção de obtenção de lucros e mesmo apesar de saberem que agiam contra normas de natureza contraordenacional , tal como quaisquer pessoas medianamente socializadas e neste particular tendo em conta que atentas as particulares das arguidas recorrentes- qualidade do proprietárias da maquina e de exploradora do estabelecimento onde esta se encontrava em funcionamento não podiam razoavelmente desconhecer o funcionamento da referida máquina( ponto 11).
Quanto ao facto não provado sob a alínea b) como vimos não se produziu qualquer prova segura e consistente sobre o mesmo.”
4. Da nulidade da sentença judicial
A Recorrente invoca que a sentença recorrida enferma de nulidade por força do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a), conjugado com o disposto no nº 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal, porquanto, se bem conseguimos entender, se omite a indicação dos factos que permitissem a verificação dos elementos essenciais da previsão legal do tipo contraordenacional que conduzisse à aplicação da norma punitiva. 
Do artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal resulta que a fundamentação deve conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal
 A sentença é nula nos termos do citado artigo 379º nº 1, alínea a) sempre que, em consequência de uma omissão das indicações da fundamentação constantes do nº 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal, fique afectada a plena compreensão do processo lógico e racional que conduziu à decisão.
No caso particular destes autos, a fundamentação da sentença, designadamente no segmento de enunciação dos factos provados, permite apreender perfeitamente quais os factos que o tribunal considerou provados, aqui incluindo os elementos referentes ao funcionamento da máquina (ao inserir uma moeda de 1.00 euros (um euro) no mecanismo da maquina extratora, e seguidamente rodar o manipulo até ao seu bloqueio o jogador recebe uma cápsula de plástico que contém três senhas numeradas, existindo correspondência entre as numerações existentes nas senhas com as terminações inscritas no cartaz de prémio que se encontram sob a pelicula destacável, o jogador receberá pontos convertíveis com correspondência a um premio em forma de brinde e o jogador recebe o prémio respetivo à mesma correspondência, do exterior da maquina antes da introdução da moeda não era possível prever a que prémio o jogador se habilita).
Na realidade, o recorrente confunde omissão da fundamentação com dissentimento perante essa fundamentação e afirma neste âmbito a discordância sobre o enquadramento jurídico dos factos provados no preenchimento de todos os elementos do tipo de contraordenação.
O recurso é manifestamente improcedente no âmbito de eventual nulidade por inobservância do disposto no artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal.
Ainda assim sempre se dirá que improcede a censura da recorrente quanto à omissão dos elementos referentes ao mecanismo de desenvolvimento do jogo. 
Com efeito,  a matéria de facto provada dos pontos 3, 5, 6 e 9 da sentença recorrida permite a subsunção da máquina destes autos no conceito de “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar” do artigo 159º do  Decreto-Lei  n.º 422/89, de 02 de Dezembro conforme o Ac. STJ nº 4/2010, DR, I Série de 8-03-2010, uma vez que se evidencia uma operação oferecida ao público, em que a esperança de ganho reside somente na sorte e que atribui como prémios coisas com valor económico predeterminado à partida  (no caso pontos, convertíveis a um prémio), consistindo o objectivo do utilizador em ganhar um premio de valor superior ao gerado pela utilização, isto é lucrar relativamente ao valor despendido.
5. Da nulidade da decisão administrativa 
No recurso de impugnação judicial, a arguida suscitou a nulidade da decisão administrativa por ausência de indicação dos elementos subjectivos da infracção.
No âmbito do processo contra-ordenacional, a jurisprudência tem sido uniforme no entendimento de que na fundamentação da decisão devem constar a descrição dos factos imputados, das provas obtidas e das normas aplicadas como impõe o artigo 58º do RGCO, mas notando também que o nível de “exigência” e de compreensão da decisão administrativa será inferior ao da sentença judicial, dados os diferentes níveis de incidência na liberdade e no património das pessoas (assim decidiram, entre outros,  os Acórdãos da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2004, proc. 2448/2004-4, Duro Mateus Cardoso, de 23-06-2015, proc. 124/14.7 T9RGR.L1-5, Ricardo Cardoso e de 20-06-2017, proc. 127/16.7-TNLSB.L1-5, Vieira Lamim, da Relação de Guimarães de 24-09-2007, proc. 1403/07-1, Cruz Bucho e de 06-01-2014, proc. 720/13.0TBFLG.G1, Luís Monterroso, acessíveis in www.dgsi.pt, da Relação de Coimbra de 0406-2003, relator Santos Cabral, Colectânea de Jurisprudência, Tomo III p. 40,  de 2 de Março de 2011, proc. 583/09.0T2OBR.C1, Paulo Guerra, de 12-07-2011, proc.990/10.5T2OBR.C1 e de 03-10-2012, proc.14/12.8TBSET.C1, Jorge Jacob e da Relação de Évora de 21-06-2016, proc.170/15.3T8GDL.E1, acessíveis in www.dgsi.pt  ). 
Neste sentido Oliveira Mendes e Santos Cabral afirmam (transcrição):
“o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitatitamente menos intensa em relação à sentença penal , e por isso,  o que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultâneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formaçao da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar da própria decisão ou da remissão por esta elaborada” (Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3ª ed. Almedina, Coimbra, p. 191 a 194).
4.2 Na decisão da autoridade administrativa destes autos consta o seguinte (transcrição):
Da análise de todos os elementos que constam dos autos, nomeadamente do ANCO, o o qual faz fé pública até prova em contrário, da respetiva notificação das arguidas, bem como da prova documental anexada aos autos, dão-se como provados os seguintes factos:
a) No dia 20 de março de 2017, pelas 21 h20, foi efetuada uma ação de fiscalização ao estabelecimento comercial denominado "SMS - ...", sito na Rua …, Armazém 00, …; 
b) As autoridades policiais, ao entrar no supra mencionado estabelecimento, verificaram que se encontrava uma máquina de jogo, extratora de cápsulas, acessível a qualquer cliente que aí entrasse; 
c) as agentes policiais apuraram, assim, que se desenvolvia uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar no local fiscalizado; 
d) Ao inserir uma moeda de €1,00 (um euro) no mecanismo existente na máquina extratora e, seguidamente, rodar o manípulo até ao seu bloqueio, o jogador recebe, de forma completamente aleatória, uma cápsula plástica que contém três senhas numeradas. Se existir correspondência entre as numerações existentes nas senhas, com as terminações vencedoras inscritas no cartaz de prémios, que se encontram sob a película destacável, o jogador receberá pontos convertíveis em valor monetário. Se não houver coincidência, não tem direito a qualquer prémio; 
e) Logo, do exterior da máquina, antes da introdução da moeda, não era possível prever o prémio a que o jogador se habilitava; 
À data dos factos, a exploradora do estabelecimento e responsável pela exploração do jogo era F…, Unipessoal, Lda.; 
f) O proprietário da máquina in casu era a empresa  - Importação e Exportação Lda.; 
g) No local procedeu-se à apreensão dos bens constantes do auto, todos associados à exploração da modalidade afim de jogo de fortuna ou azar acima descrita; 
h) O objetivo da modalidade afim de jogo de fortuna ou azar descrita consistia em aliciar o público a pagar um determinado montante, introduzindo essa quantia na ranhura existente na máquina, na esperança de ganhar um prémio de valor superior ao gerado pela utilização, isto é, lucrar relativamente ao valor despendido, sendo que as arguidas, deste modo, obtêm proventos monetários para si; 
i) Encontra-se, assim, suficientemente demonstrada a culpabilidade das arguidas, e a imputabilidade das mesmas no que concerne ao preenchimento do elemento subjetivo da infração praticada, estando igualmente preenchidos os demais elementos constitutivos do ilícito de mera ordenação social.
Sob a epígrafe “Motivação” pode ler-se na decisão administrativa (transcrição):
Vistos os factos provados, mormente o tipo de máquina que exploravam, é inelutável que as arguidas não poderiam deixar de saber que a operação que exploravam é proibida por lei. 
A arguida  - Importação e Exportação Lda., como proprietária da máquina, sabia que desenvolvia uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar sem qualquer autorização administrativa, agindo com intenção de manter em atividade o referido jogo, obtendo, assim, proveito económico em resultado das jogadas efetuadas pelos clientes do estabelecimento
Posteriormente, já sob a epígrafe de enquadramento jurídico, diz-nos a decisão administrativa (transcrição):
b) Elementos subjetivos do tipo contraordenacional 
Para além da verificação dos elementos objetivos, a possibilidade de, em razão da prática de determinada conduta, imputar ao agente a responsabilidade contida no tipo contraordenacional depende ainda da verificação dos elementos subjetivos correspondentes ao ilícito em causa. 
Assim, importa apurar se as arguidas atuaram com dolo ou negligência, sendo que, nos termos do disposto no artigo 8.°, nº 1 do RGCO, só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. 
(…)
Analisando as considerações supra expostas ao caso vertente nos autos, a factualidade colhida aponta com nitidez para a prática, por parte das arguidas, em co-autoria, de uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar, tendo-se verificado, que agiram livre, voluntária e conscientemente, ao explorar uma máquina, com a qual aliciava o público a inserir uma determinada quantia, e cujo resultado consistia na atribuição aleatória de um prémio de valor económico variável, com o intuito de obter rendimentos em virtude do número de apostas recebidas, e querendo alcançar o lucro. 
Demonstrada a ilicitude da conduta das arguidas, e analisando a vertente da culpa do agente, mais uma vez se reafirma que os mesmos atuaram com dolo, visto que quiseram explorar a máquina nos termos descritos, conformando-se com aquele resultado.
Já em sede de fundamentação da medida da coima, consta na decisão administrativa destes autos (transcrição):
Culpa - as arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, ou seja, dolosamente, pois enquanto exploradora de um estabelecimento comercial e proprietária da máquina, as arguidas deveriam ter-se inteirado de todas as atividades que poderiam exercer, ao explorar a máquina nos termos descritos, tendo previsto o resultado como consequência possível das suas condutas e, mesmo assim, não se abstiveram de as empreender, tendo como principal objetivo a obtenção de lucro, com a promoção do referido jogo; 
(…)
Nestes termos, constata-se que se encontra suficientemente demonstrada a culpabilidade das arguidas e a imputabilidade das mesmas, no que concerne ao preenchimento do elemento subjetivo da infração praticada, encontrando-se igualmente preenchidos os demais elementos constitutivos do ilícito de mera ordenação social.
Por fim, a autoridade administrativa indica sob a epígrafe “decisão final” que a Arguida cometeu a infracção “a título de dolo”.
Embora de uma forma porventura não modelar, a decisão da autoridade administrativa
descreve a conduta naturalística imputada à sociedade arguida, tipifica a concreta infracção, descreve as sanções que lhe são abstractamente cominadas e explicita o respectivo fundamento normativo.
A descrição dos factos provados permite compreender satisfatoriamente o funcionamento da máquina e, pela fundamentação apresentada em sede de enquadramento jurídico, também se pode perceber perfeitamente a integração do jogo aí desenvolvido na categoria de modalidade afim por se tratar de um jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público, na jurisprudência do Ac. do STJ nº 4/2010, de 8 de Março.
Ou, como também se explica claramente na decisão, (transcrição)
(…), as arguidas exploravam uma modalidade afim de jogo de fortuna e azar, uma vez que se trata de uma operação oferecida ao público em que a esperança de ganho residia somente na sorte, e em que eram atribuídos, como prémios, quantias pecuniárias variáveis, que podiam ser superiores ao da quantia despendida, como resulta patente do ANCa. 
Na operação estava presente uma "álea", uma determinada margem de risco,
considerando que do exterior da máquina não era possível prever o prémio que iria ser extraído.”
Assim como não assiste razão à recorrente quando censura a decisão administrativa pela omissão de indicação dos elementos subjectivos da infracção.
Como é sabido, a imputação a título de dolo pressupõe a indicação de uma actuação livre, deliberada e consciente e a imputação a título de negligência exige a indicação de que o agente actuou sem o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, actuando sem se conformar com a realização do facto, apesar de o ter representado como possível, ou não chegando sequer a representar a possibilidade da sua realização. A negligência supõe (apenas) o poder/dever de o responsável, actuar de modo diferente, de forma a impedir que a mesma se verifique. Assim, para que haja negligência basta que o agente omita ou se demita do exercício dos seus deveres e que dessa omissão de cuidado resulte a realização do facto proibido por lei».
Porém, em matéria contra-ordenacional, o elemento intelectual do dolo, ou conhecimento dos elementos objectivos do tipo, surge-nos em moldes substancialmente distintos dos que são próprios do domínio penal, já que estamos num domínio de ilícitos axiologicamente neutros, podendo o agente não ter conhecimento da proibição abstractamente aplicável na sua descrição jurídica e contudo possuir a consciência do ilícito relevante para efeitos de culpa.
A censurabilidade do comportamento, ínsita na culpa em sede de infracção contraordenacional, reside aqui fundamentalmente na imputação do facto a um comportamento responsável do seu autor.
Sabemos que ainda que a prova dos factos subjectivos do tipo de ilícito pode resultar de um raciocínio lógico e indutivo com base em factos ou acontecimentos “instrumentais” ou “circunstanciais” que sejam certos e conhecidos, ou seja, no aqui interessa, dos factos objectivos verificados pelas testemunhas. Os elementos a valorar têm no fundamental em comum a sua natureza de prova “indiciária”, indirecta ou de “presunção probatória, assente nas regras normais de experiência comum”. (artigos 124º a 127º do Código de Processo Penal e quanto à utilização de presunções como meios lógicos ou mentais para a descoberta dos factos, os artigos 349º e 351º do Código Civil).
No que diz respeito à descrição na decisão administrativa dos chamados elementos subjectivos da infracção, pode ler-se no sumário do acórdão do TRL de 20-06-2017 (proc. 127/16.7-TNLSB.L1-5, www.dgsi.pt  ):
I-Apesar de, na parte relativa aos factos provados, apenas constarem os que integram o elemento objectivo da infracção, referindo a decisão administrativa na parte decisória que a arguida "... agiu com dolo, já que toda a acção ilícita foi praticada de forma voluntária e com pleno conhecimento que incumpria os requisitos estabelecidos ...", deve entender-se que da decisão administrativa constam os factos relativos ao elemento subjectivo da infracção imputada;
III. A expressão "dolo" tem um sentido claro no uso vulgar de cada cidadão para que o agente possa saber do que se trata quando uma infracção lhe é imputada a esse título, o que permite ao arguido adequada impugnação do fundamentos da condenação e exercício dos seus direitos de defesa
Concordamos com este entendimento.
Nestes autos, as indicações sobre os elementos subjectivos da decisão da PSP incluem também conclusões jurídicas ou juízos valorativos fora do local próprio, mas não é de exigir em sede de decisão administrativa o rigor formal, nem a precisão descritiva que se exige numa sentença judicial.
Naturalmente que seria desejável que a decisão fosse concretizada em eventos da vida real e pormenorizada na indicação de todos os factos de onde o decisor retirou todos os elementos referentes ao funcionamento da máquina e ao dolo na conduta imputada à sociedade arguida
Ainda assim, a omissão de rigor na arrumação desses elementos não afectou as garantias de defesa, nem dificultou o exercício do direito de impugnação judicial, uma vez que são compreensíveis as razões pelas quais - atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas, a entidade administrativa considera que a Arguida, por intermédio dos seus representantes, incorreu no cometimento da contra-ordenação de exploração de uma máquina contendo uma modalidade afim de jogo de fortuna ou azar e, por isso, nos termos das disposições legais enunciadas, lhe aplica uma coima.
Pela notificação da decisão administrativa, a arguida pôde também compreender que lhe era imputada a contra-ordenação a título doloso, o que lhe permitia invocar no requerimento de impugnação judicial todos os elementos de facto e de direito susceptíveis de justificar a revogação ou alteração da decisão recorrida.
Não se verificando nulidade ou interpretação normativa inconstitucional, designadamente por desrespeito do disposto nos artigos 159.°, 160, 161, 162, e 163 do DL 422/89, dos artigos 283º,  374.°, n.° 2 do Código de Processo Pena ou do artigo 205.° da Constituição, improcedem as questões suscitadas pela Arguida  Ldª.
6. Custas
Em caso de decaimento ou improcedência total do recurso, há lugar ainda a condenação do arguido nas custas pela actividade processual a que deu causa, compreendendo a taxa de justiça e os encargos (artigos 92º nº 1 e 94º, ambos do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto no artigo 8º nº 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC. 
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 3,5 UC. 
7. Dispositivo
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso da arguida  Lda” e em confirmar a sentença recorrida.
Por ter decaído no recurso, vai a Arguida recorrente condenada em 3,5 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 11 de Novembro de 2020.
Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.
João Lee Ferreira
Nuno Coelho 

[1] O juiz relator escreve de acordo com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990. As transcrições serão efectuadas nos seus precisos termos, ou seja, respeitando a ortografia original.