Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2897/12.2TBTVD-A.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
PENHORA
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Até à reforma introduzida pelo Decreto-Lei 38/2003 de 08/03, a execução tramitava exclusivamente pelos Tribunais, sobre a direcção do Juiz que, no uso do seu poder jurisdicional, intervinha na condução e direcção do processo, determinando a citação, as diligências de penhora, de venda de bens e de pagamento.

Por via do referido diploma, foi conferido ao agente de execução, a incumbência de proceder a todas as diligências do processo de execução, não reservadas ao tribunal ou aos funcionários judiciais, sob o controlo e dependência funcional do juiz, incluindo citações, consulta do registo informático de execuções, diligências úteis à identificação e localização de bens penhoráveis, penhoras, administração de bens, venda e modalidade da mesma.

Com a redacção introduzida pela Lei 226/2008 de 20 de Novembro, assistiu-se a um reforço dos poderes do agente de execução, em detrimento dos poderes cometidos ao juiz, eliminando-se a expressão “sem prejuízo do poder geral de controlo do processo”, anteriormente vigente.

O agente de execução, sendo indicados bens a penhorar pelo exequente, não está vinculado a penhorar os bens indicados, mas apenas quando daí não decorra a inobservância da regra geral de proporcionalidade e adequação que lhe cabe observar, nos termos previstos pelo artº 834 do C.P.C.

Realizada a penhora, o juiz fiscaliza a legalidade e a proporcionalidade da penhora, nos termos do disposto nos artigos 821.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 834.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, desde que submetida tal questão à apreciação jurisdicional, nos termos do artigo 809.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Incorre em nulidade por excesso de pronúncia, despacho judicial que, oficiosamente e sem observância prévia do contraditório, anula a penhora de imóvel, único bem penhorado na execução, com fundamento em ilegalidade por violação do princípio da proporcionalidade.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.



RELATÓRIO:

           
Em 18/10/2012, P... interpôs requerimento executivo contra E... Lda. e J..., pelo valor de € 4.290,56, indicando como título executivo “Injunção”, designando solicitador de execução, e designando para penhora “Bem móvel”, sendo a descrição do bem a seguinte: “Requer-se a penhora de lote de vinho a granel de que sejam proprietários os executados que perfaça o montante da dívida exequenda e despesas. (cerca de 3000 litros) disponibilizando a exequente camião cisterna para a recolha e transporte, despesas portanto que não devem ser tidas em conta na presente execução.”

Prosseguindo a execução, com data de 27/02/2013, pelo agente de execução foi remetida notificação ao Centro Nacional de Pensões para penhora nos termos do artº 861 do C.P.C. de “vencimento salário/reforma/pensão ou de quaisquer outras prestações de natureza semelhante, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, para garantia da quantia de 5.148,67 euros.”, relativamente ao executado J....

Com data de 26/03/2013 foi pelo agente de execução, efectuada a junção de auto de penhora de imóvel, consistente na penhora de “imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, sob o nº 2957/20110609 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Torres Vedras (S. Maria do Castelo S. Miguel), artigo 4967, sito em Torres Vedras (S. Maria do Castelo S. Miguel), sendo proprietário inscrito a executada E... Lda.”, realizada em 07/03/2013.

Pela ap. 2404 de 2013/03/07 foi registada na competente C.Registo Predial a penhora deste imóvel.

Com data de 13/07/2016, foi proferido o seguinte despacho:
“A acção executiva visa a tutela judicial do crédito exequendo, cujo pagamento deve ser obtido em tempo razoável. Contudo, existem outros valores fundamentais a ponderar, da titularidade do executado, igualmente dignos de protecção jurídica. É o que sucede com o direito de propriedade, Por outro lado um dos parâmetros de conformidade jurídica da penhora é o princípio da proporcionalidade. Vale isto dizer que a penhora deve limitar-se ao necessário, adequado e razoável à satisfação da quantia exequenda e das despesas de execução, sob pena de ilegalidade. Estando em causa, como está a tutela de direitos fundamentais, cremos que o juiz não pode ficar indiferente à sua violação, sendo certo que o processo executivo se reveste de natureza judicial. O juiz pode e deve, por isso, exercer um controlo geral sobre o processo, de modo a sindicar a legalidade dos actos praticados e, concluindo pela sua manifesta falta de juridicidade, determinar a sua invalidação. Ora, no caso vertente, temos que a presente execução, instaurada em Outubro de 2012, se destina ao pagamento de quantia liquidada no requerimento executivo no montante de € 4.290,56 (…). Mostra-se registada a penhora, efectuada em março de 2013, sobre um prédio urbano. Dos autos não resulta que tenham sido realizadas quaisquer diligências prévias àquela penhora para localização ou identificação de outros bens penhoráveis, cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se adequem ao montante do crédito exequendo. Entendemos, por isso, em face das considerações de ordem jurídica expostas, que a penhora em questão não pode subsistir, por ofensa do princípio da proporcionalidade, impondo-se assim, repor a legalidade violada.
Decisão: pelo exposto, decide-se anular o acto de penhora efectuado nos presentes autos, determinando-se o oportuno cancelamento do registo respectivo.
Notifique-se a exequente, prosseguindo os autos com as diligências para localização e identificação de bens penhoráveis dos executados, dando-se preferência a direitos de crédito de que sejam titulares.”
 
Não se conformando com a decisão, dela apelou a exequente, ora recorrente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A)A penhora efectuado nos autos não é desproporcional nem desrazoável pois o loteamento
em causa não foi construído e o lote não terá sequer valor para cobrir a quantia exequenda,
ou quanto muito terá esse valor.
B)Os executados têm desde o início uma atitude de total desinteresse na causa, e não formularam qualquer pedido para levantamento da penhora.
C)Os executados não têm disponíveis outros bens que pudessem ser substituídos pelo lote penhorado nos autos.
D)O tribunal a qual decidiu extra vel petitum pelo que violou o disposto nos artigos 609.º n.º1 e 615.º n.º1 alinea d) do CPC,
E)Tal como violou o dever de administrar a justiça e o dever de fundamentação,
F)Pois o despacho recorrido não se fundamenta em qualquer elemento fáctico para decidir no sentido em que o fez.
G)É portanto nulo o despacho recorrido, nulidade que se requer seja reconhecida.
Normas Jurídicas Violadas:
Não foram correctamente aplicadas as disposições dos artigos:
A)Artigo 152.º CPC na medida em que pelos supra expostos fundamentos não foi administrada justiça á exequente, e estão a ser violados foram violados os Princípios da Economia e Celeridade processuais;
B)Artigo 154.º do CPC porque o despacho recorrido não surge legalmente fundamentado, já
se debruça sobre questão jurídica e não se apoia em elementos fácticos.
C)Violada a Proibição da condenação extra vel petitum - artigos 609.º n.º1 e 615.º n.º1 alinea d) do CPC
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser removido o despacho recorrido e ser substituída por outra que mantenha a penhora feita nos autos e ordene a normal tramitação.”

Admitido o recurso, em separado e com efeito suspensivo, no mesmo despacho lavrado em 10/10/2017, fez o Sr. Juiz recorrido consignar que “não consta dos autos que a executada tenha sido citada para os termos da execução.”

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Tendo este preceito em mente, o thema decidendo consiste em apurar:
- se o juiz recorrido podia conhecer oficiosamente e sem exercício do contraditório de eventual ilegalidade, por desproporcionalidade, da penhora incidente sobre imóvel.

MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto a considerar é a descrita em relatório já elaborado.
 
DO DIREITO
Por despacho proferido em 14/07/2016, considerou o tribunal recorrido, que a penhora incidente sobre imóvel, numa execução pelo valor inicial de € 4.290,56 não podia subsistir, por ofensa do princípio da proporcionalidade, pelo que determinou a anulação da mesma e o cancelamento e levantamento do respectivo registo.
Insurge-se o recorrente contra esta decisão alegando que:
-este despacho foi proferido sem qualquer averiguação ou consideração prévia de factos que não elenca;
-a penhora não é nem desproporcional, nem desrazoável, pois que não existem outros bens disponíveis, nem o imóvel tem valor superior à dívida;
-o tribunal conheceu de matéria que lhe não foi cometida a julgamento, uma vez que nenhuma das partes suscitou esta questão, sendo o despacho nulo por via do disposto no artº 615 nº1 d) do C.P.C.
O Sr Juiz do tribunal recorrido pronunciou-se sobre a apontada nulidade, alegando que o conhecimento desta questão pode ser oficioso, pelo que quanto muito existirá um erro de julgamento.
Assim, a única questão objecto deste recurso e a considerar é a de saber:
-se o juiz recorrido podia conhecer oficiosamente e sem exercício do contraditório de eventual ilegalidade, por desproporcionalidade, da penhora incidente sobre imóvel.

Decidindo:
Com a publicação da Lei 23/2002 de 21 de Agosto, foi concedida autorização legislativa ao governo para, a par da criação de tribunais ou juízos de execução, com competência específica em matéria de processo executivo, “criar a figura do solicitador de execução, com competência para, como agente executivo, proceder à realização das diligências incluídas na tramitação do processo executivo que não impliquem a prática de actos materialmente reservados ao juiz, nem contendam com o exercício do patrocínio por advogado.” (artº 4 nº1 do referido diploma), estando ainda autorizado a alterar o estatuto da Câmara dos Solicitadores de Execução, nos termos dos artºs 12 e 13 da lei citada.

Na sequência desta alteração legislativa foi publicado o Decreto Lei nº 38/2003 de 8 de Março, que introduzindo a figura do solicitador de execução, visou de acordo com o seu preâmbulo, “demarcar mais nitidamente o plano da jurisdicionalidade (…) alargando o campo do solicitador de execução, em detrimento do oficial de justiça e de outros intervenientes acidentais no processo (…)” (preâmbulo do referido diploma).

Assim, “a execução, até à Reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8.3 tramitava exclusivamente pelos Tribunais sobre a direcção do Juiz que, no uso do seu poder jurisdicional, intervinha na condução e direcção do processo, cabendo às secções e aos funcionários judiciais a realização de actos inerentes à tramitação da execução nas suas várias fases, competindo-lhe a realização de actos que não pressupunham intervenção directa do Juiz, sem que por isso em alguma fase processual se pudesse considerar que não tinha a soberania do processo.”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos, disponível para consulta in www.dgsi.pt).

Ao juiz, até então, incumbia determinar a citação do executado e as diligências de penhora, venda e pagamento do exequente.

Por via do referido diploma, foi conferido ao agente de execução, a incumbência de proceder a todas as diligências do processo de execução, não reservadas ao tribunal ou aos funcionários judiciais, sob o controlo e dependência funcional do juiz, incluindo citações (artº 808 e 864 do C.P.C. (actuais artºs 719, 720 e 786 do C.P.C. na redacção introduzida pela Lei 41/2013), a consulta do registo informático de execuções, todas as diligências úteis à identificação e localização de bens penhoráveis (artº 833 do C.P.C. (actual artº 749), penhoras e posse dos bens penhorados como depositário (artºs 838, 848 do C.P.C., actuais artºs 755 e 764) administração dos bens penhorados e decisão sobre a consignação de rendimentos, ouvido o executado, em benefício do exequente (artº 879 do C.P.C., actual artº 803), bem como a decisão sobre a venda e modalidade da mesma (artº 886-A do C.P.C., actual artº 812).

Este regime, introduzido pelo D. L. 38/2003, foi objecto de alterações, mormente pelo Decreto-Lei nº 226/2008 de 20 de Novembro, sendo então criado o estatuto do “agente de execução”, com reforço do seu papel em detrimento do “poder geral de controlo do processo” até então cometido ao juiz da causa, nos termos do artº 808 do C.P.C., objecto de posteriores alterações pela Lei 41/2013 e Portaria nº 282/2013 de 20/08 e Portaria nº 349/2015, de 13/10.

Destas alterações resultou reforçado o papel do agente de execução em detrimento do poder de controlo do processo pelo juiz da causa.

Nos termos do disposto no artº 6 do regime transitório constante da lei 41/2013, as disposições legais contidas neste diploma aplicam-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor, à excepção das disposições relativas aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória (nº 3) e as respeitantes aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa (nº4). 

Posto isto, fundando-se a presente execução em requerimento de injunção, entrado o referido requerimento executivo em 18/10/2012, versam as disposições constantes do anterior código de processo civil, com as alterações introduzidas pelo D.L. 226/2008 de 20/11, sem prejuízo da aplicabilidade da lei 41/2013, aos demais termos da acção executiva, nos termos e com as excepções previstas no artº 6 nº 3 do seu regime transitório.

Ora, nos termos do disposto no artº 812-C do C.P.C., o agente de execução, analisa o processo e inicia imediatamente as consultas e as diligências prévias à penhora, se não indicados bens pelo exequente, nos termos dos artigos 832.º e 833.º-A, procedendo à penhora, previamente à citação, nas execuções baseadas em requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória.

O agente de execução só remete o processo electrónico para despacho liminar do juiz de execução, nos casos previstos no artº 812-D deste diploma legal, sendo a penhora efectuada sem citação prévia do executado, excepto quando requerida pelo exequente (artº 812 -F do C.P.C.).

Por sua vez, nos termos do disposto no artº 833 do C.P.C., “1 - Não há lugar a diligências prévias à penhora para identificação ou localização de bens penhoráveis sempre que no requerimento executivo sejam identificados bens referidos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 834.º de valor previsivelmente igual ou superior ao crédito exequendo acrescido das custas previsíveis da execução.

2 Fora dos casos previstos no número anterior, a realização da penhora é precedida de diligências prévias que o agente de execução considere úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, procedendo este, sempre que necessário e sem necessidade de qualquer autorização judicial, à consulta, nas bases de dados da administração tributária, da segurança social, das conservatórias do registo predial, comercial e automóvel e de outros registos ou arquivos semelhantes, de todas as informações sobre a identificação do executado junto desses serviços e sobre a identificação e a localização dos seus bens.”

Sobre as competências próprias do agente de execução, versava ainda o artº 808 do C.P.C., dispondo que “1-Cabe ao agente de execução, salvo quando a lei determine o contrário, efectuar todas as diligências de execução, incluindo, nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, as citações, notificações e publicações.”

Competências que se mantêm com a publicação da Lei 41/2013, incumbindo ainda ao agente de execução, realizar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo “citações, notificações, publicações, consulta de bases de dados, penhoras ou seus registos” (artº 719 do N.C.P.C.).

Dispunha-se ainda no artigo 809 do C.P.C., as competências do juiz de execução, decorrendo da alteração introduzida pela Lei 226/2008, um reforço dos poderes do agente de execução em detrimento dos poderes cometidos ao juiz, eliminando-se a expressão “sem prejuízo do poder geral de controlo do processo”, anteriormente vigente (na redacção da lei 38/2003).

Da evolução legislativa verificada, decorre que o processo executivo é tramitado pelo agente de execução, sendo a intervenção do juiz pontual, nos termos previstos nos acima citados preceitos, cabendo ao agente de execução, iniciar as consultas e diligências prévias à penhora.

Nestes termos com este modelo “o juiz exerce funções de tutela, intervindo em caso de litígio surgido na pendência de execução (actual art. 723-1-b), e de controlo, proferindo nalguns casos despacho liminar (controlo prévio aos actos executivos: actuais arts. 723-1-a e 726) e intervindo para resolver dúvidas (actual art. 723-1-d), garantir a protecção de direitos fundamentais ou matéria sigilosa (atuais arts 738-6, 749-7, 757, 764-4, 767-1) ou assegurar a execução dos fins da execução (atuais arts. 759, 773-6, 782, nºs2, , 3 e 4, 814-1, 820-1, 829 nºs 1 e 2, , 833-2), mas deixou de ter a seu cargo a promoção das diligências executivas, não lhe cabendo, nomeadamente, em regra (…) ordenar a penhora, a venda ou o pagamento, ou extinguir a instância executiva.” (Lebre de Freitas in A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, pág. 30/31).

Interposta execução, a satisfação do direito do exequente, é conseguida mediante a apreensão judicial de bens do executado, sendo certo que, em regra todos os bens que constituam o património do devedor podem ser objecto de penhora, à excepção dos bens inalienáveis e dos bens impenhoráveis (artºs 821 e 824 e segs., atuais artºs. 735 nº1 e 2, 736 a 739 e 740 a 745 do N.C.P.C.).
Por outro lado, o agente de execução, sendo indicados bens a penhorar pelo exequente, não está vinculado a penhorar os bens indicados, mas apenas quando daí não decorra a inobservância da regra geral de proporcionalidade e adequação que lhe cabe observar (nos termos previstos nos artºs 821 nº3 e 834, atuais artºs 735 nº3 e 751 nº1, 2 e 3 do N.C.P.C.), tendo em conta “o montante da dívida exequenda e o das despesas previsíveis da execução, a eles se devendo adequar, tanto quanto possível, o valor pecuniário estimado, como realizável com a alienação dos bens a aprender; devem ser penhorados os bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização; só quando se deva presumir que a penhora de outros bens não permitirá a satisfação integral do credor nos prazos constantes do artº 751-3 (…) é que é admissível a apreensão de bens imóveis e do estabelecimento comercial cujo valor se estime excessivo em face do montante do crédito exequendo” (Lebre de Freitas, ob. Citada, págs. 276/277). 

Efectuada a penhora, o executado é simultaneamente citado para a execução e notificado do acto de penhora, sendo-lhe comunicado no ato, que pode deduzir embargos de executado, ou opor-se à penhora no prazo de 20 dias (artº 864 do C.P.C., actual artº 856 nº 1 do N.C.P.C.), bem como que pode igualmente requerer a substituição dos bens penhorados por outros de valor suficiente. (artºs 864 nº6 e 834, actual artº 751 nº4 a) do N.C.P.C.)

Volvendo ao caso concreto, dos autos resulta que pela exequente foi indicado à penhora em Outubro de 2012, bem móveis dos executados, mormente lote de vinho a granel, sendo que do historial da execução, não se vislumbra que tal tenha sido feito ou tentado, mas sendo certo que não foi possível citar/notificar a executada, no local onde se encontraria o tal lote de vinho a granel, não constando indicado outro.

Resulta, pelo contrário, que o agente de execução tentou a penhora de vencimentos/ pensões do executado nos termos previstos no artº 861 do C.P.C. e, não resultando dos autos realizada esta penhora, efectuou a penhora de imóvel e registou-a, em Março de 2013.

Dos autos não consta nem que a executada, proprietária do imóvel, tenha sido já citada para a execução, (resultando do despacho lavrado pelo Sr. Juiz recorrido que o não foi) nem que outros bens existam que possam satisfazer a dívida exequenda, nem sequer o valor do bem imóvel, que não é referenciado para comparação pelo despacho recorrido.

Ora, não existindo despacho prévio, realizada a penhora, o juiz não pode deixar de fiscalizar a legalidade e a proporcionalidade da penhora a autorizar, nos termos do disposto nos artigos 821.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 834.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Esses mesmos princípios, que presidem ao processo executivo, devem ser observados pelo agente de execução e, em caso de dúvida, submetidos à apreciação jurisdicional, nos termos do artigo 809.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Como podemos constatar da leitura do artigo 834.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a penhora deve efectuar-se pela ordem preferencial ali indicada e sem prejuízo dessa mesma penhora poder ser reforçada ou substituída nas situações previstas pelo n.º 3 desse mesmo preceito legal.(Ac. do T.R.L. de 18/06/2013, proferido no Proc. nº 2384/11.6TBPDL-C.L1-7, disponível para consulta in www.dgsi.pt)

Posto isto, a questão a decidir prende-se com a conformação dos poderes do juiz de execução, na aferição da legalidade de acto de penhora por ofensa do princípio da proporcionalidade, tendo em conta a dívida exequenda, ou seja, se é lícito ao juiz de execução suscitar oficiosamente a ilegalidade do acto de penhora por ofensa do princípio da proporcionalidade e sem prévia audição das partes.

A resposta a nosso ver é negativa.

Denote-se que no já no âmbito do anterior C.P.C., na versão anterior ao D.L. 38/2003, em que ao juiz incumbia a direcção do processo, se considerava que a penhora de bens se norteava pelo princípio da proporcionalidade, sendo que ao executado incumbia suscitar a ilegalidade ou desproporcionalidade da penhora.

Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, pág. 33) no âmbito do processo civil anterior ao D.L. 38/2003, "a penhora de bens orienta-se por um princípio de proporcionalidade, pois que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para satisfação da pretensão exequenda. A agressão do património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente. A natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode determinar um completo desrespeito dos interesses do executado, pois que a posição jurídica do credor, embora prevalente, não pode ser considerada absoluta. (...) Este princípio da proporcionalidade possui um fundamento constitucional. A faculdade de penhorar bens do devedor ou de terceiros, que se encontra estabelecida nos artºs. 817º e 818º do C.C. e no artº. 821, representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado, (artº. 62º, nº. 1, da C.R.P.), pelo que uma interpretação conforme à Constituição daqueles preceitos impõe o respeito da proporcionalidade consagrado no artº. 18º, nº. 2, da C.R.P. quanto às restrições aos direitos, liberdades e garantias".

De acordo com este princípio, no âmbito das disposições sobre a acção executiva, anteriores ao D.L. 38/2003, apenas deviam ser penhorados os bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda - artºs. 828º, nº. 5, 833º, nº. 1 e 836º, nº. 2, al. a) do C.P.C., sendo que a sua violação justifica a oposição do executado - artº. 863º-A, al. a) do C.P.C., caducando esse direito, caso não seja exercido em prazo.

“A caducidade do direito de oposição à penhora é compatível com o fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade, pois o executado foi notificado da penhora e deixou passar o prazo de 10 dias, previsto no artº. 863º-B, nº. 2, do C.P.C., que é um prazo razoável para deduzir a oposição, por eventual desproporção na penhora. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 122/02 (publicado no D.R. 2ª Série, de 29-5-2002), - todo o processo tem de obedecer a determinadas formalidades, que, elas mesmas, não podem deixar de ser consideradas, numa certa perspectiva, como constituindo inclusivamente, factores ou meios de segurança, quer para as partes, quer para o próprio tribunal.

As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, o estabelecimento de prazos, os requisitos de apresentação da peças processuais e os efeitos cominatórios, são, pois, algo de inerente ao próprio processo".(Ac. do S.T.J. de 04/11/2003, relator Azevedo Ramos, Proc. nº 03A3129, disponível em www.dgsi.pt)

Se assim era em anterior diploma legal, em que consabidamente a direcção da execução e a determinação dos actos de penhora cabia ao juiz, após a entrada em vigor do D.L. 38/2003 e D.L. 226/2008, procedeu-se a um reforço dos poderes do agente de execução, restringindo-se os poderes de intervenção oficiosa do juiz de execução, aos casos expressamente consignados na lei e quando solicitado para decidir.

Aliás, após a entrada em vigor da lei 41/2013, estas execuções, fundadas em procedimento de injunção, seguem a forma sumária (artº 550 º2 b) do C.P.C.), pelo que a intervenção do juiz ocorre nos casos previstos no artº 855 do C.P.C., podendo ainda nos termos do disposto no artº 734 do C.P.C., conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar, nomeadamente apreciando e declarando a existência de excepções dilatórias insupríveis.

Daqui decorre que não pode o juiz, salvo quando solicitado para tal, nomeadamente quando o executado deduza oposição à execução, mormente com fundamento na ilegalidade ou desproporcionalidade da penhora, conhecer oficiosamente de tal questão e, com preterição do princípio do contraditório, ínsito no artº 3 nº3 do C.P.C.

Mais se dirá, que, nos presentes autos, foi esta penhora efectuada e registada em Março de 2013, sendo o único bem penhorado nos autos, sem que seja dado conhecimento da existência de outros bens penhoráveis, sem que até à data tenha sido conseguida a citação da executada, proprietária do bem e sem que, durante mais de três anos em que a exequente não viu ser ressarcido o seu crédito, tenha sido suscitada a ilegalidade de tal penhora.

Por outro lado, não estão apurados nem foram descritos quaisquer factos pelo juiz recorrido, dos quais decorresse a manifesta desproporcionalidade do bem, face ao valor exequendo, bem como a possível existência de outros bens, sendo certo que a anulação do acto de penhora e o cancelamento do registo do único bem conhecido como pertencente à executada, pode inviabilizar irremediavelmente a satisfação do direito da credora exequente (tendo em conta a possibilidade de realização de outros actos de penhora e respectivos registos) e sem lhe ter sido sequer concedida a faculdade de se pronunciar sobre esta questão.

O princípio da certeza e segurança jurídica é inerente ao processo executivo.

O exercício do contraditório, ainda que sobre questões que o tribunal considere de conhecimento oficioso, destina-se a evitar decisões surpresa e potencialmente gravosas e irreparáveis (como o é a anulação da penhora de bem imóvel e cancelamento do registo), destinando-se a permitir que a parte, se possa pronunciar e eventualmente demonstrar, o que, proferido o despacho recorrido, intenta demonstrar – que não existem nem são conhecidos outros bens e que o bem em causa não tem um valor desproporcional à dívida exequenda.

Não foi assim, tal questão submetida sequer, a apreciação jurisdicional.

Assim, sendo arguida a nulidade do despacho, por reporte ao disposto no artº 154 e artº 615 nº1 d) do C.P.C., dispõe este último preceito legal que existe nulidade quando “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”

Tratam-se estes vícios descritos nas diversas alíneas do nº1 deste preceito legal, de vícios formais que respeitam à estrutura (alíneas b) e c) e aos limites da sentença (alíneas d) e e), cuja verificação afecta a sua validade.

Reportando-nos ao primeiro dos fundamentos apontados como causa de nulidade da sentença/despacho, esta apenas se verifica quando exista absoluta falta de fundamentação, seja de facto ou de direito e não apenas fundamentação medíocre, deficiente, quiçá errada.

Com efeito, ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no artº 607 nº3 e 4, de forma a que, esta seja perceptível para os seus destinatários.

Não cumpre esta norma, existindo falta absoluta de motivação, quando exista ausência total de fundamentos de direito e de facto. (neste sentido vidé Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, p. 669, Ac. do T.R.Lisboa desta 6ª secção, de 19/10/06, Proc. nº 6814/2006-6, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, Gilberto Jorge, 91/09, Ac. do T.R.P. de 29/09/2014, Proc. nº 2494/14.8TBVNG.P1)

Já Teixeira de Sousa, in “Estudos  Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221, referia que: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”, pelo que “a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.» (Tomé gomes, da sentença cível, p. 39.)

Analisando a decisão sob recurso, não é esta nula por falta de fundamentação, sendo certo que só a absoluta falta de fundamentação e não a deficiente fundamentação, ocasiona nulidade, tendo em conta que o juiz recorrido equacionou a questão, como de mera apreciação de direito.

Realidade distinta desta, é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta (…) porque então o que existe é erro de julgamento (…) – cfr. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 2000, pg. 298.

Volvendo ao último fundamento de nulidade, invoca o apelante que a decisão é nula por ter conhecido de uma questão que lhe não foi colocada.

Ora, a nulidade invocada está directamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

O despacho recorrido pronunciou-se sobre questão que lhe estava vedado conhecer naquela fase, porque não lhe foi suscitado, omitindo o exercício do contraditório prévio, pelo que, incorreu em excesso de pronúncia, sendo assim nulo, nos termos explanados neste preceito legal (artº 615 nº1 d) do C.P.C.), nulidade apenas impugnável por via de recurso.

Assim sendo, o despacho recorrido não é de manter, sendo totalmente procedente a apelação interposta pela exequente.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em julgar procedente a apelação, declarando nulo o despacho recorrido por ter conhecido de questão que lhe era vedado conhecer, oficiosamente.
Sem custas do recurso.



Lisboa 23 de Novembro de 2017


                                  
Cristina Neves
Manuel Rodrigues                       
Ana Paula A.A. Carvalho
Decisão Texto Integral: