Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCA MENDES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA | ||
Sumário: | Tendo o acidente de trabalho ocorrido em Novembro de 1998 o FAT não pode ser responsabilizado pelo pagamento de indemnização por incapacidade temporária devida à sinistrada. (Elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I-Relatório Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho foi em 25.10.2021 proferida a seguinte decisão : « A sinistrada AAA, veio requerer, que se suscite a intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) nos presentes autos para assegurar o pagamento das quantias responsabilidade da ré empregadora, alegando que foram feitas tentativas de pagamento dos créditos designadamente através da cobrança coerciva em acção executiva e que se revelaram infrutíferas. Por sentença transitada em julgado ficou a entidade empregadora BBB., obrigada a pagar à autora as prestações discriminadas a fls. 118. Dos elementos dos autos e da execução apensa resulta que não se apurou a existência de bens penhoráveis pertencentes à entidade empregadora (cf. apenso A) . Verificando-se a inexistências de bens, a entidade empregadora não estando assim em condições de cumprir as obrigações a que foi condenada, mostram-se reunidos os pressupostos pelo que determino que Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) assuma o encargo pelo pagamento da responsabilidade da entidade patronal BBB. à sinistrada AAA, nos termos que constam do Decreto-Lei n.º 142/99 de 30.04. com as alterações introduzidas pela Lei n.º 185/2007 de 10.05. e com excepção dos juros moratórios e da indemnização pelos danos não patrimoniais. Notifique e oficie ao FAT, com cópia deste despacho, da sentença, elementos de identificação sinistrada e demais elementos solicitados a fls. 284 vs..» O FAT recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões: «1 – A sinistrada requereu a intervenção do FAT no sentido de lhe serem pagas as prestações em que a entidade empregadora BBB tinha sido condenada por sentença proferida em 27-04-2001. 2 – A entidade empregadora nunca comprovou o pagamento de qualquer prestação, tendo sido instaurada a competente ação executiva em 22-10-2001 (a qual correu termos no Apenso A) e requerida a penhora dos saldos bancários eventualmente titulados pela entidade empregadora. 3 – Das diligências efetuadas, não foi possível penhorar quaisquer quantias, tendo a sinistrada/exequente sido notificada de tal facto em 22-03-2002. 4 – Face à ausência de impulso processual por parte da sinistrada, foi determinada a interrupção da instância executiva por despacho proferido em 23-09-2003. 5 – Relativamente aos autos principais, constata-se que os mesmos estão sem movimento desde 11-05-2011, data em que foi proferida decisão após o pedido de revisão da incapacidade formulado pela sinistrada. 6 – Verifica-se, portanto, que os autos principais estiveram mais de 10 anos sem que nada fosse requerido pela sinistrada e sem que a mesma tivesse dado conhecimento do incumprimento por parte da entidade empregadora, encontrando-se a instância executiva interrompida desde 2003. 7 – Determinou o Tribunal a quo no despacho de que ora se recorre que o FAT proceda ao pagamento da indemnização por ITA e da pensão anual e vitalícia devida desde 26-05-1999. 8 – Contudo, o acidente de trabalho em causa ocorreu em 01-11-1998, sendo aplicável a Lei n.º 2127 de 3 de agosto de 1965, a qual dispõe no n.º 3 da Base XXXVIII que as prestações estabelecidas por decisão judicial prescrevem no prazo de um ano a partir da data do seu vencimento. 9 – A sinistrada sempre foi notificada das decisões proferidas nos presentes autos, designadamente da decisão que determinou a interrupção da instância executiva, e não mais impulsionou os autos, nem a entidade empregadora foi interpelada para proceder a qualquer pagamento. 10 – Não existindo qualquer impulso processual, o prazo de prescrição que iniciou com a interposição da ação execução nunca foi interrompido. 11 – Encontram-se deste modo prescritas as prestações vencidas até 17-09-2020, tendo em conta que o pedido de intervenção do FAT data de 17-09-2021, o qual constitui a interpelação da sinistrada para que este Fundo proceda ao pagamento das quantias que lhe são devidas. 12 – O FAT nunca será responsável pelo pagamento da indemnização devida por ITA. 13 – O presente acidente de trabalho ocorreu em 01-11-1998, isto é, antes da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, e do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, diplomas que vieram criar o FAT. 14 – O FAT só responde nos exatos termos em que respondia o extinto Fundo de Garantia e Atualização de Pensões (FGAP), conforme dispõe o artigo 15º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 142/99 e da Portaria n.º 291/2000, de 25 de maio. 15 – Nos termos do artigo 6º do Anexo à Portaria n.º 642/83, de 1 de junho, o ex-FGAP não respondia pelas eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária. 16 – Assim, não poderá o FAT vir a ser responsabilizado pelo pagamento de qualquer quantia a título de indemnização por incapacidades temporárias. Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente recurso nos seguintes termos: a) Revogando-se o despacho recorrido, atendendo a que se verifica a prescrição do direito às prestações devidas à sinistrada até 17-09-2020; b) Caso assim não se entenda, requer-se a revogação do despacho recorrido na parte em que condena o FAT no pagamento da indemnização devida por incapacidades temporárias, atendendo a que este Fundo não é responsável por tal pagamento, face à data em que ocorreu o acidente e à Lei aplicável ao mesmo». A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões: «1. No caso do despacho recorrido, os créditos do acidente considerados são os que se mostravam reclamados em tempo, estabelecidos por decisão judicial e até objeto de ação executiva de que os autos e especificamente o ponto II do recurso em presença dão conta. 2. Na situação referida em 1, a prescrição das prestações vencidas até 17- 09-2020 se sujeitaria ao regime dos artºs 323º nº 1, 326º e 327º nº 1 do Código Civil. Não se verificando, de modo algum, no caso em apreço. E sendo de ver que a sua invocação se deveu apenas a erro do recorrente, na consideração e interpretação dos ditos artºs 323º nº 1, 326º e 327º nº 1 do Código Civil. Com a consequência de que ela seja de afastar e do despacho recorrido seja, nessa parte, de manter. 3. As consideradas indemnizações por ITP mostram-se conformes ao decidido pelo acórdão da Relação de Coimbra de 15-01-2004, tirado no 3753/03 e com o número JTRC, no sentido de que “ Embora o FGAP não respondesse pelas prestações a que o trabalhador tivesse direito resultantes de incapacidades temporárias, por esse tipo de incapacidades já responde o FAT nos casos de a situação de incapacidade da entidade empregadora apenas se ter verificado na vigência do FAT” - para cuja fundamentação a recorrida se remete - e à lei. Pelo que, nessa parte e como em relação à desconsideração da invocada prescrição, o despacho recorrido andou bem. Sendo, contra o recurso, de confirmar – o que pede». O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * II- Importa apreciar no âmbito do presente recurso: - Se cumpre conhecer da excepção de prescrição; - Se o recorrente é responsável pelo pagamento das quantias devidas à sinistrada a título de incapacidade temporária. * III- Apreciação Os factos com interesse para decisão são os supra relatados. Importa ainda dar como assente que em 13.10.2021 ( antes da decisão recorrida) foi determinada a notificação do FAT do requerimento apresentado pela sinistrada. Na sequência da referida notificação, o FAT requereu os elementos indicados a fls. 284v, a fim de se pronunciar. Foi, então, proferida a decisão recorrida. A excepção de prescrição não é do conhecimento oficioso ( art. 303ºdo Código Civil). Verificamos que a referida excepção não foi apreciada pela 1ª instância. Conforme refere Armindo Ribeiro Mendes in “Recursos em Processo Civil”, pág. 81: « Em Portugal, os recursos ordinários são recursos de revisão ou de reponderação da decisão recorrida (…) A Jurisprudência tem repetido uniformemente e desde o início de vigência do CPC de 1939 que os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova» ( com ressalva das questões do conhecimento oficioso). Ora, no caso concreto, o ora recorrente foi notificado do requerimento apresentado pela sinistrada e não invocou a excepção de prescrição. Importa ainda referir que não foi invocado vício de nulidade, com fundamento na falta de elementos para a ora recorrente se pronunciar sobre a excepção de prescrição. Assim e dado que a excepção de prescrição não é do conhecimento oficioso, não cumpre conhecer da indicada matéria. * Vejamos, agora, se o recorrente não é responsável pelo pagamento das quantias devidas à sinistrada a título de incapacidade temporária. Sobre esta questão há divergências jurisprudenciais. No sentido da responsabilidade do FAT pelas prestações devidas a título de incapacidade temporária apontam, designadamente o Acórdão da Relação de Coimbra de 15.01.2004 ( relator Desembargador Serra Leitão) e o Acórdão da Relação do Porto de 17.09.2001 ( relatado pelo Desembargador Sousa Peixoto) – www.dgsi.pt. No sentido contrário apontam o Acórdão do STJ de 26.11.2003 ( relatado pelo Conselheiro Vítor Mesquita), o Acórdão da Relação de Lisboa de 20.09.2006 ( relatado pelo Desembargador Duro Cardoso), o Acórdão da Relação de Lisboa de 03.06.2009 ( relatado pelo Desembargador José Feteira) e o Acórdão da Relação do Porto de 26.09.2016 ( relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas)- www.dgsi.pt. Vejamos. Conforme explica o citado Acórdão desta Relação de 03.06.2009: « A questão que se coloca consiste, pois, em saber se, não obstante ao acidente dos autos ser aplicável o regime jurídico da anterior LAT introduzida pela Lei n.º 2127 de 03-08-1965, dado que a prolação da sentença definindo as responsabilidades do mesmo emergentes bem como do despacho recorrido chamando o FAT a assumir responsabilidades em termos de pagamento ao sinistrado dos direitos que lhe assistem, são posteriores à data da entrada em vigor da LAT introduzida pela Lei n.º 100/97 de 13-09, bem como à extinção do referido FGAP, o FAT deve ou não ser responsabilizado pelo pagamento ao sinistrado AAA da indemnização que lhe foi fixada a título de incapacidade temporária absoluta pelo mesmo sofrida em consequência do mencionado acidente de trabalho. Esta questão assume pertinência na medida em que tem sido divergente a posição jurisprudencial nessa matéria. Na verdade, verifica-se a existência de uma posição que entende que, em caso de acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, o FAT responde pelo pagamento das prestações, designadamente a título de incapacidades temporárias, se o despacho determinativo da intervenção deste Fundo for posterior a 15 de Junho de 2000, ou seja, à extinção do anterior FGAP e existe uma outra posição jurisprudencial defendendo que o FAT, em relação a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999 apenas responde pelo pagamento de prestações por incapacidades permanentes e por morte, independentemente do despacho determinativo da intervenção do FAT ter sido proferido anterior ou posteriormente à data de extinção do FGAP. Ora, com todo o respeito que nos merece aquela outra posição, afigura-se-nos ser esta a que melhor se coaduna com o espírito da lei, ao mesmo tempo que evita situações de injustiça relativa. Na verdade, estabelecendo o n.º 3 da mencionada Portaria n.º 291/2000 de 25-05 – Portaria através da qual se procede à extinção do FGAP e se delimitam as responsabilidades que transitam para o FAT – que «As responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que transitam para o Fundo de Acidentes de Trabalho, correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior fundo», como bem se refere no Acórdão do STJ de 26-11-2003 a que fizemos referência, esta norma deixa bem claro que o critério a atender para a determinação do âmbito da competência do FAT, é o da data da ocorrência do acidente e não a data da decisão judicial que declarou ser a entidade patronal insolvente e responsabilizou o Fundo perante o sinistrado. «Não erigindo o legislador qualquer outro critério (designadamente o da data da extinção do FGAP ou o das datas da decisão judicial, do seu trânsito em julgado ou de qualquer acto processual) para a definição da competência do FAT, é apenas à data do acidente que deverá atender-se». Também o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 15-11-2006 pronunciando-se sobre o mesmo dispositivo refere «Daí se extrai que a responsabilidade do FAT, como sucessor do FGAP, isto é, por acidentes ocorridos até 31.12.1999, é determinada pela lei que regulava este Fundo e não pela que passou a reger o FAT. Significa isto que a medida de tal responsabilidade do FAT não é definida pela lei vigente à data em que se equaciona ou decide dessa responsabilidade (de garantia ou subsidiária), mas pela lei que regia o FGAP, mais concretamente pela lei que o regia, à data do acidente». Por outro lado e como também se afirma, a título exemplificativo, neste Acórdão do Supremo, evita-se que, dos sinistrados por acidentes de trabalho ocorridos antes de 01-01-2000, uns fossem pagos pelo FAT em termos de indemnizações por incapacidades temporárias e outros não, unicamente porque a verificação e decisão de impossibilidade de pagamento pelos responsáveis ocorrera depois ou antes daquela data. Nas aludidas circunstâncias, não pode, pois, o FAT ser responsabilizado pelo pagamento ao sinistrado AAA da indemnização por incapacidade temporária por ele sofrida em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima e que constitui objecto dos presentes autos» ( sublinhados nossos). Sufragamos este entendimento e salientamos a clareza do n.º 3 da mencionada Portaria n.º 291/2000 de 25-05 e a necessidade de equiparação da situação dos sinistrados vítimas de acidentes ocorridos antes de 01-01-2000. A argumentação exposta no citado Acórdão aplica-se ao caso concreto. Com efeito, o acidente ocorreu em Novembro de 1998 e o FGAP não respondia pelas prestações a que o sinistrado tivesse direito a título de incapacidade temporária ( art. 6º do Anexo à portaria nº 642/83, de 01/06). Procede, assim, parcialmente, a apelação. * IV- Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência: -Revogar a decisão recorrida na parte em que determinou que o Fundo de Acidentes de Trabalho ( FAT) assumisse a responsabilidade pelo pagamento das quantias devidas à sinistrada, a título de indemnização por incapacidade temporária e absolver o FAT deste pedido; - Manter no mais a decisão recorrida. Custas do recurso pelo recorrente e recorrida na proporção do decaimento. Registe e notifique. Lisboa, 27 de Abril de 2022 Francisca Mendes Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos | ||
Decisão Texto Integral: |