Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5528/11.4YYLSB-A.L1-7
Relator: CARLA CÂMARA
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
INTERPELAÇÃO
VENCIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i)Definindo o pacto de preenchimento em que termos vai ocorrer o preenchimento do título subscrito em branco, sem que dele resulte fixado prazo certo para o vencimento da obrigação, o credor tem o dever de interpelar o devedor, reclamando o cumprimento da obrigação emergente do contrato subjacente à subscrição do título.
ii)A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor. Não tendo sido fixado tal prazo no pacto de preenchimento, ficando a sua aposição ao critério do portador, a falta de comunicação do Exequente ao avalista tem como consequência que a obrigação apenas se considere vencida com a sua citação.
iii)Não sendo exigível protesto, daqui não decorre que não deva a livrança ser apresentada a pagamento ou que não impenda sobre o seu portador o ónus de comunicação ao avalista dos elementos que apôs na livrança, designadamente a respectiva data de vencimento.
iv)Só assim é possível dar a conhecer ao avalista os exactos termos em que foi preenchida a livrança, dando-lhe a oportunidade de proceder ao seu pagamento.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Fernando Manuel de ... ... ... deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente ... Geral de ..., S.A., tendo vindo a ser proferida sentença final que julgou a oposição parcialmente procedente e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução, quanto à livrança no valor de € 209.760,95, com juros de mora a partir da data de citação do executado.
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Não se conformando com a decisão, dela apelou a exequente, ... Geral de ..., S.A., formulando as seguintes conclusões:

1.-A livrança executada foi preenchida respeitando escrupulosamente o pacto de preenchimento, tendo-lhe sido fixado o vencimento em 14/03/2011.
2.-Trata-se de uma livrança pagável à vista, que é aquela que é pagável no momento da sua apresentação a pagamento.
3.-A data da apresentação a pagamento da livrança é a que foi aposta pela Recorrente na livrança no respeito do pacto de preenchimento outorgado, vencendo-se em relação ao subscritor e ao respectivo avalista.
4.-O avalista fica sujeito a pagar a livrança ao portador a partir do momento em que este lhe tenha aposto a data do vencimento e a tenha declarado vencida, pelo que o avalista não tem de ser interpelado para pagamento da livrança.
5.-O avalista é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (art. 32º, parágrafo 1 da LULL). O avalista do subscritor da livrança responde como o avalista do aceitante na letra.
6.-A livrança com vencimento à vista, à simples apresentação, e ficando, como ficou, o beneficiário tomador com a possibilidade de designar a data do vencimento e a da apresentação, que coincidem, não carece o portador de apresentar as livranças a pagamento aos avalistas do subscritor.
7.-O avalista fica sujeito a pagar a livrança ao portador a partir do momento em que este lhe tenha aposto a data do vencimento e a tenha declarado vencida.
8.-Assim, a livrança não foi apresentada a pagamento, nem tinha de o ser.
9.-Tem sido assim já decidido, nomeadamente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 9001/2008-1, de 10/02/2009, com sublinhados aditados) e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 7771/04.3YYLSB-C.L1, de 05/06/2012
10.-Ademais tratando-se de dívida com prazo certo, dispõe o art. 805º, n.º 2 alínea a) do CPC que o devedor fica constituído em mora independentemente de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado.
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Foram apresentadas contra-alegações e apresentadas as seguintes conclusões:

I-O recurso ao qual se responde, não pode olvidar os factos constantes da sentença proferida e elencados sob os números 1, 2, 3, 4, 10, 13, 14, 16 e 17.
II-A natureza do aval e a sua função de garantia da obrigação cambiária futura em termos, aliás, análogos aos da fiança, permitem que, pese embora sejam figuras distintas, não deixam de se aplicar ao aval os princípios fundamentais da fiança, que a lei cambiária não afasta expressamente (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.1991, in BMJ, nº 412, pág. 504 e de 1.11.1990, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 50º, 1990, III, pág. 711).
III-O art. 10º ex vi art 70º da LULL – Lei Uniforme das Letras e Livranças-, estatui que, no caso de violação do pacto de preenchimento em que a livrança seja adquirida de má fé ou em que, após a aquisição, o portador tiver cometido uma falta grave, pode a inobservância desse acordo ser motivo de oposição ao portador, pois ambos os subscritores de tal acordo, estão vinculados a cumprir o mesmo, sob pena, de em caso de incumprimento do mesmo, o seu preenchimento ser abusivo – art. 10º ex vi art. 77º da LULL-.
IV-O Apelado, subscreveu o contrato de abertura de crédito em conta corrente, de onde constava o pacto de preenchimento do título de crédito, entregue em branco à Apelante, sendo Apelado e Apelante, sujeitos materiais da relação contratual subjacente, podendo invocar em juízo para sua defesa factos atinentes àquela relação contratual e subjacente à emissão do título de crédito, assim como, uma eventual violação do pacto de preenchimento do título de crédito avalizado.
V-Conforme emerge nomeadamente da fundamentação de facto da sentença ora em apreço, a ora Apelante preencheu a livrança pelo valor devido pela sociedade avalizada à data de 14/03/2011, não tendo o Apelado recebido qualquer comunicação da Apelante a informá-lo do vencimento de qualquer dívida da sociedade para com a mesma, montante, data de vencimento e prazo de pagamento ou qualquer comunicação da Apelante de que havia preenchido a livrança ou instando-o ao seu pagamento –factos provados sob os números 13, 14 e 17-.
VI-À data do incumprimento do “contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples” pela sociedade Temphorário – Empresa de Trabalho Temporário, SA., o Apelado desde há cerca de dois anos que não tinha qualquer ligação com a referida sociedade e quando renunciou ao cargo de (vogal) do Conselho de Administração da referida sociedade – 24 de Novembro de 2008-, a mesma cumpria escrupulosamente o contrato subjacente ao título de crédito em apreço -factos provados sob os números 3 e 16.
VII-A possibilidade conferida à Apelante de preenchimento da livrança entregue em branco e avalizada pelo Apelado nos presentes autos, encontra-se balizada pelos limites impostos pela boa-fé contratual, no sentido de que aquela, seja exercida em conformidade com o convencionado e de que seja dado oportuno conhecimento do preenchimento da livrança – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-04- 2010, processo nº 1835/07.9TBALM-A.L1-1, in www.dgsi.pt-.
VIII-O abuso de direito constitui uma excepção peremptória de conhecimento oficioso, como tem sido entendimento pacífico da jurisprudência (cfr., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1991, in BMJ, n.º 412, pág. 459), uma vez que o abuso de direito é ofensivo do princípio de direito e ordem pública.
IX-A concepção de abuso de direito adoptada na lei nacional é objectiva, não exigindo o preceito a consciência de serem excedidos os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; é suficiente que, efectivamente, esses limites sejam ultrapassados.
X-Na concretização do princípio da boa-fé, importa considerar os princípios da tutela da confiança legítima e da primazia da materialidade subjacente.
XI-A protecção jurídica da confiança, tem como pressupostos, uma situação de confiança, uma justificação para essa confiança, um investimento de confiança e a imputação da situação de confiança àquele que será onerado pela protecção da mesma, o que se verifica no caso dos presentes autos.
XII-No que concerne ao princípio da primazia da materialidade subjacente, “o direito visa, através dos seus preceitos, a obtenção de certas soluções efectivas; torna-se, assim, insuficiente a adopção de condutas que apenas na forma correspondem aos objectivos jurídicos, descurando-os, na realidade, num plano material. A boa fé exige que os exercícios jurídicos sejam avaliados em termos materiais, de acordo com as efectivas consequências que acarretem. (...) A boa fé requer, assim, que o exercício de posições jurídicas se processe em termos de verdade material. Não basta apurar se as actuações das pessoas apresentam uma conformidade formal com a ordem jurídica: impõe-se uma ponderação material, de modo a dar relevo e projecção aos valores efectivamente em jogo.” - Prof. Menezes Cordeiro (Teoria Geral do Direito Civil, 1.º volume, 2.ª edição, 1994, AAFDL, página 407 -408)-,
XIII-Daí que o exercício do direito do credor, ora Apelante, nos termos por este configurados, se mostre ilegítimo quando pretende o pagamento de juros de mora antes da citação do Apelado nos presentes autos, atentos os factos provados sob os números 13, 14 e 17 – sem olvidar os existentes sob os números 3, 4 e 16-, atendendo ao sentimento dominante da colectividade e aos bons costumes, atendendo a que os mesmos traduzem um “conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente, contrários a laivos ou conotações, imoralidade ou indecoro social” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1991, BMJ 412, pág. 459).
XIV-E de tal obrigação de agir de acordo com os ditames da boa fé por parte da Apelante, é de onde emerge a necessidade legal de dar conhecimento ao Apelado, do incumprimento da sociedade avalizada ou do preenchimento da livrança – montante, data de vencimento e local de pagamento-, o que não sucedeu.
XV-Impossibilitando o Apelado de, antes de qualquer acção judicial e com os encargos que a mesma acarreta: pagar voluntariamente o montante devido pela sociedade avalizada, logo que a dívida se venceu, sem outros encargos ou pagar o valor aposto pela Apelante no título de crédito, na data de vencimento aposta no mesmo.
XVI-E de tal obrigação de agir de acordo com os ditames da boa fé por parte da Apelante, é de onde emerge a necessidade legal de dar conhecimento ao Apelado, do incumprimento da sociedade avalizada ou do preenchimento da livrança, o que não sucedeu.
XVII-“(…)tem vindo a ser entendido que é necessária a interpelação do avalista quando o título é entregue em branco ao credor (com preenchimento por este, designadamente, dos elementos referentes à data de vencimento e quantia a pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim tal avalista adquire o conhecimento do exacto montante devido e da data de vencimento da garantia prestada(…) - Acordãos da Relação de Lisboa de 20/01/2011, P. 1847/08.5TBBRR-A.L1-6 e 08/11/2012, P. 5930/10.9TCLRSA. L1-6, e da Relação de Évora de 27/02/2014, P. 1470/11.7TBSTB-A.E1, em www.dgsi.pt..
XVIII-Muito mais vincada tal obrigação, no caso em apreço, pois estamos no âmbito de relações imediatas.
XIX-Atente-se ainda no teor do Acórdão da Relação do Porto de 03/04/2014, processo n.º 1033/10.4TBLSD-A.P2 -em www.dgsi.pt.- mencionado na sentença objecto de recurso parcial pela Apelante: “o princípio da boa fé e o dever de actuação em conformidade com ele impõem ao exequente a obrigação de informar aos avalistas dos títulos, simultaneamente partes no pacto de preenchimento, os montantes em dívida, as datas de vencimento e em que termos os títulos serão preenchidos em caso de não pagamento. «A falta de interpelação pelo credor/exequente, na ausência de prazo no pacto de preenchimento, implica que a obrigação apenas se considera vencida com a citação».
XX-Pelo que, apenas são devidos juros de mora sobre o montante inscrito na livrança, a partir da data de citação do Apelado, não merecendo qualquer censura a douta sentença proferida.
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Questões a decidir:

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão a decidir é a de saber se são devidos juros de mora desde o vencimento da livrança ou apenas desde a citação do executado.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:

1)A exequente é portadora de uma livrança, junta a fls. 10 dos autos principais, que se dá por integralmente reproduzida, que se encontra preenchida pela importância de € 209.760,95, com a data de vencimento de 14/03/2011.
2)A referida livrança está assinada na face por Temphorário – Empresa de Trabalho temporário, S.A., tendo o opoente aposto no verso da mesma os dizeres “Dou o meu aval à firma subscritora”, colocando sob tal menção, a sua assinatura.
3)O executado foi membro (vogal) do Conselho de Administração da sociedade Temphorário – Empresa de Trabalho temporário, S.A., encontrando-se registada a cessação das suas funções, por renúncia, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, mediante a Ap. 3/20081124 (cfr. o documento de fls. 10, que se reproduz).
4)Em 17 de Setembro de 2007, o ora opoente, na qualidade de Administrador da referida sociedade e garante, assinou com a exequente o acordo copiado a fls. 11 a 15, que se reproduz, denominado “contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples”.
5)Nos termos do aludido acordo, a exequente declarou obrigar-se a conceder à Temphorário – Empresa de Trabalho temporário, S.A., um financiamento no valor máximo de € 200.000,00, destinado a apoio de tesouraria, mediante crédito da conta de que a mesma era titular junto da oponida com o nº 0063.095950.130, na agência sita na Avenida Almirante Reis, a ser utilizado de e para a referida conta, quer a débito quer a crédito, em função    da existência ou inexistência de saldos credores disponíveis nesta conta (cfr. os pontos 7, 12 e 13).
6)O referido crédito foi concedido pelo prazo de 6 meses – “com início na data da sua perfeição” -, prorrogável automaticamente por períodos iguais e sucessivos, salvo denúncia da identificada sociedade ou da exequente, mediante comunicação escrita com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo que estiver em curso (cfr. o ponto 6).
7)Mais foi consignado no aludido acordo, sob os pontos 8, 9 e 10, a forma de cálculo dos juros compensatórios e taxas de remuneração e condições de actualização da mesma.
8)Sob a cláusula 10.3 ficou a constar que «o capital será reembolsado no termo do prazo do contrato ou, em caso de prorrogação, no termo do último prazo prorrogado».

9)Nos termos do ponto 22 do mesmo acordo, ficou consignado o seguinte:
«22.1–Fica convencionado que o extracto de conta do empréstimo e, bem assim, todos os documentos de débito emitidos pela CGD e relacionados com o presente contrato, serão havidos para todos os efeitos legais como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judiciais dos créditos que deles resultem em qualquer processo.
«22.2–As partes acordam, ainda, que o registo informático ou a sua reprodução em qualquer suporte constituem meios de prova das operações ou movimentos efectuados».

10)Sob o ponto 23 do mesmo acordo, ficou consignado o seguinte:

«Livrança em Branco.
«23.1–Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a Cliente e o Avalista atrás identificados para o efeito entregam à ..., neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelo segundo, e autoriza desde já a ... a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria ..., tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
«a) A data de vencimento será fixada pela ... quando, em caso de incumprimento pela Devedora das obrigações assumidas, a ... decida preencher a livrança;
«b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança (…)
«c) A ... poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento».

11)O opoente assinou o verso da livrança, que lhe foi apresentada pela exequente em branco, nos termos descritos em 2), aquando da celebração do acordo.
12)A sociedade Temphorário – Empresa de Trabalho Temporário, S.A., foi declarada insolvente em 15/12/2010.
13)O opoente, não recebeu qualquer comunicação da exequente a informá-lo do vencimento de qualquer dívida da sociedade para com a mesma, montante, data de vencimento e prazo de pagamento.
14)O opoente não recebeu qualquer comunicação da exequente de que havia preenchido a livrança ou instando-o ao seu pagamento.
15)A sociedade Temphorário – Empresa de Trabalho Temporário, SA., utilizou o montante máximo posto à sua disposição no âmbito do acordo descrito acima em 4), conforme extracto de utilizações de fls. 32 e 33, que se dá por reproduzido.
16)A referida sociedade Temphorário – Empresa de Trabalho Temporário, SA., pagou a última prestação emergente do acordo à exequente em 21/11/2010, deixando de pagar a partir de 21/12/2010.
17)A exequente preencheu a livrança pelo valor do capital em dívida à data de 14/03/2011, que correspondia à totalidade do capital, € 200.000,00, acrescido de juros de mora à taxa de 15,45 %, calculados desde 21/12/2010, sobre aquele valor e até 14/03/2011, acrescidos de comissões, no valor de € 536,61, impostos sobre juros e imposto de selo sobre a livrança, a taxa de 0,5%.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Cumpre apreciar e decidir.

A questão a decidir neste recurso é tão só a de aferir se a falta de interpelação pela exequente ao executado para pagamento da divida e a falta de comunicação do preenchimento da livrança, tem como consequência que o cômputo dos juros de mora devidos seja feito apenas a partir da citação e não da data aposta como de vencimento da livrança.

Resultou provado que:
«13) O opoente, não recebeu qualquer comunicação da exequente a informá-lo do vencimento de qualquer dívida da sociedade para com a mesma, montante, data de vencimento e prazo de pagamento.
14) O opoente não recebeu qualquer comunicação da exequente de que havia preenchido a livrança ou instando-o ao seu pagamento.»

Decidiu a sentença recorrida ser necessária a interpelação do avalista quando o título é entregue em branco ao credor, pois só assim o avalista adquire o conhecimento do exacto montante devido e da data do vencimento da garantia prestada. E tal resulta do princípio da boa fé que impõe um dever de informação pelo exequente ao executado dos montantes em divida, datas de vencimento e em que termos os títulos serão preenchidos em caso de não pagamento.

Vejamos.

Preceitua o artigo 32º da LULL sobre a responsabilidade do avalista, nos seguintes termos:
«O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.
A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.»

Não é necessário protesto por falta de pagamento para responsabilizar o avalista, posto que o mesmo também não é necessário para responsabilizar o aceitante ou subscritor e, assim, está o portador da livrança dispensado de comunicar que vai apresentar a livrança a pagamento.

Todavia, tratando-se de uma livrança em branco (factos 10 e 11 provados) e estando-se no domínio das relações imediatas com o portador, permite-se ao avalista que discuta a validade do pacto de preenchimento, nos termos do artigo 10.º, ex vi, do 77º da LULL.

Tendo as partes acordado no preenchimento da livrança, assumindo um pacto de preenchimento da mesma, a questão prende-se com a interpelação para cumprimento das obrigações apostas na livrança pelo exequente, à luz do referido pacto.

De facto, definido o pacto de preenchimento em que termos vai ocorrer o preenchimento do título subscrito em branco, sem que dele resulte fixado prazo certo para o preenchimento, o credor tem o dever de interpelar o devedor, reclamando o cumprimento da obrigação emergente do contrato subjacente à subscrição do título.

E tal exigência de interpelação radica-se no princípio geral atinente ao cumprimento das obrigações, enunciado no artigo 762º, nº 2, CC, no seguintes termos: «No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.»

Se a LULL dá ao avalista a possibilidade de discutir o preenchimento da livrança em branco, esta faculdade tem subjacente o conhecimento dos exactos termos daquele preenchimento. Tanto mais se compreende quando, como no caso em apreço, o executado/avalista cessara as suas funções de vogal do conselho de administração na empresa subscritora da livrança em 2008 e a livrança foi preenchida pelo valor do capital em dívida à data de 14/03/2011 e, assim, 3 anos volvidos sobre aquela cessação de funções (factos 3 e 17), sem que o mesmo tivesse recebido qualquer informação sobre o vencimento da dívida da sociedade (facto 13).

Resulta do pacto de preenchimento estar a exequente autorizada a preencher a referida livrança, designadamente, quanto à data de vencimento a fixar pela mesma (facto 10).

Ora, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor. Não tendo sido fixado tal prazo no pacto de preenchimento, ficando a sua aposição ao critério do portador, a falta de comunicação do Exequente ao avalista tem como consequência que a obrigação apenas se considere vencida com a sua citação (artigo 610º, nº 2, b) do CPC).

De facto, um dos requisitos da livrança é que dela conste a «época do pagamento» ( 75º, nº 3, da LULL).

Quando foi subscrita tal data não constava, vindo a ser preenchida por a tal estar autorizado o exequente, de acordo com o pacto de preenchimento.

Nos termos do artigo 34.º, ex vi do artigo 77º da LULL, a livrança é pagável à apresentação, pretendendo o apelante estarmos no caso perante uma livrança pagável à vista (conclusão 2ª). Por seu turno, o portador de uma livrança pagável em dia fixo ou a certo termo de data ou de vista deve apresentá-la a pagamento no dia em que ela é pagável ou num dos dois dias úteis seguintes ( 38º ex vi 77º da LULL).

Ora, não sendo exigível, como acima se referiu, o protesto, daqui não decorre que não deva a livrança ser apresentada a pagamento ou que não impenda sobre o seu portador o ónus de comunicação ao avalista dos elementos que apôs na livrança, designadamente a respectiva data de vencimento.

Só assim é possível dar a conhecer ao avalista os exactos termos em que foi preenchida a livrança, dando-lhe a oportunidade de proceder ao seu pagamento.

Concluindo se dirá que não tendo sido fixado um prazo no pacto de preenchimento, a falta de comunicação da Exequente tem como consequência que a obrigação só se considere vencida com a citação do avalista/executado.

Só por via desta comunicação, o avalista adquire o conhecimento do montante em divida porque foi preenchida a livrança e da data em que se vence a garantia prestada.[1]

Improcede, consequentemente, a pretensão deduzida pelo apelante.
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DECISÃO:
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
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Lisboa,20.12.2016                                                                                                       


(Carla Câmara)
(Maria do Rosário Morgado)
(Rosa Maria Ribeiro Coelho)


[1]No mesmo sentido do aqui decidido, entre outros:
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 5930/10.9TCLRS-A.L1-6 ,08-11-2012, http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b75bac0763a8056880257ae9004ec314?OpenDocument
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 1847/08.5TBBRR-A.L1-6               , 20-01-2011
http://www.dgsi.pt/jtrl1.nsf/0/17ef6033d36fc6428025784c003db444?OpenDocument
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 7771/04.3YYLSB-A.L1-2, 06-12-2012
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b7e052d3a232f2c480257af3003761fc?OpenDocument
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 1470/11.7TBSTB-A.E1, 27-02-2014, http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/79de9353c620b03980257cd200528ccf?OpenDocument
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 1033/10.4TBLSD-A.P2, 03-04-2014, http://www.dgsi.pt/JTRP.NSF/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/1e8c08ceedb62d4380257cc400554538?OpenDocument