Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25985/23.5T8LSB.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
RECURSO
ÓNUS DO RECORRENTE
DELIBERAÇÃO RENOVATÓRIA
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado pela relatora) [1]
I- Os recursos destinam-se a obter a reapreciação de uma decisão, mas não a obter decisões sobre questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
II- Nas respectivas alegações, incumbe ao recorrente o ónus de alegar e o de formular conclusões.
III- Com vista à satisfação daquele primeiro ónus, o recorrente na alegação deve explicitar as razões pelas quais considera que a decisão enferma de erro, seja do ponto de vista da apreciação da prova produzida e do julgamento da matéria de facto efectuado com base nela, seja do ponto de vista da interpretação e da aplicação do direito aos factos.
IV- Tendo a apelante, em recurso interposto de sentença que anulou as deliberações aprovadas em Assembleia Geral da sociedade R. e no qual peticionou a revogação de tal sentença, alegado unicamente que, em Assembleia posterior a essa sentença, foi aprovada deliberação renovatória daquelas outras deliberações, não pode essa matéria, por ser nova, ser conhecida no recurso e, deste modo, terá o mesmo que ser julgado improcedente.
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[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
AA, residente na Rua …, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra Construções E… C…, Lda., com sede na …, peticionando sejam declaradas nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de Ré realizada a 1 de Setembro de 2023.
Alegou, em síntese:
- É sócio da Ré;
- Por carta datada de 21 de Agosto de 2023, recepcionada a 31.8, o Autor foi convocado para uma Assembleia Geral da sociedade Ré, que se iria realizar no dia 1 de Setembro de 2023;
- A Gerente e Presidente da Assembleia Geral da Ré, bem como os restantes sócios da sociedade, conluiados e em abuso de direito, procederam à marcação de tal Assembleia, bem sabendo que o Autor se encontrava a gozar férias na data designada;
- Por e-mail remetido ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, alertou para a invalidade da assembleia, por a convocatória não observar o prazo legal de 15 dias de antecedência, comunicação à qual não obteve resposta;
- Mediante consulta da certidão da matrícula tomou conhecimento da realização da assembleia;
- A sociedade tinha conhecimento das férias do Autor e aproveitou-se das mesmas para enviar a convocatória para a sua morada, na esperança de que não fosse levantada, o que constitui ofensa aos bons costumes - alínea d) do n.º 1 do art. 56º do Código das Sociedades Comerciais.
A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.
Sustentou, em suma, que o pacto social prevê que as convocatórias sejam expedidas através de carta registada com A/R, com a antecedência de 8 dias. Mais alegou que o Autor deveria estar ao serviço na data para a qual foi designada a realização da assembleia e que, tendo o Autor participado no pacto social, e por ele tendo pautado a sua conduta, actua em venire contra factum proprium.
Foi registada a acção e realizou-se audiência prévia, na qual a Mmª Juíza proferiu despacho no sentido que, considerando a matéria alegada nos articulados, o processo se encontrava em condições de ser decidido. De seguida, foi dada a palavra às Ils. mandatárias para alegações, o que fizeram.
Foi proferido despacho saneador e fixado o objecto do litígio e foi proferida sentença que, julgando procedente a acção, anulou as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada no dia de 1 de Setembro de 2023.
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Inconformada a R. interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A) O presente Recurso de Apelação vem interposto da Decisão por Sentença que anulou as deliberações tomadas na Assembleia de 1 de Setembro de 2023.
B) Tais deliberações incidiram sobre dois pontos, ponto 1, “Apreciação, discussão e deliberação sobre a proposta de venda de Participações e respectivos direitos associados, que a sociedade possui na sociedade comercial por quotas com a firma “L…, LDA”,
C) Ponto 2, “Mandatar a sócia-gerente, BB para outorgar contrato promessa de compra e venda e o contrato definitivo, nas condições que entender por convenientes, para a Transacção definitiva e respectivos direitos e obrigações associadas”,
D) Sucede, porém, que por adenda à respectiva acta, ficou também nomeado o sócio-gerente CC.
E) Acontece que o A, ora Recorrido, intentou acção equivalente para anulação das deliberações da Assembleia de dia 16 de Janeiro de 2019,
F) Nomeadamente um dos pontos de trabalho era o seguinte, “Ponto dois: Deliberar sobre a aquisição de uma quota no valor nominal de 1.875,00 Euros (…), no capital social da sociedade comercial por quotas com a firma “L…, LDA” (…)
G) Por sentença posterior à dos presentes autos, porquanto a acção correu termos num outro juízo de comércio, Juiz 1, conforme Doc. 1 que se junta, foram consideradas as deliberações nulas, nomeadamente a aquisição da quota,
H) Ou seja, o Recorrido nem sabe se quer impedir a venda, se a compra, sendo diametralmente os pedidos antagónicos e inconciliáveis.
I) No entanto, para suprir, sem mais, quaisquer irregularidades, foi regularmente convocada uma Assembleia pelos sócios que detêm mais de 90% do capital social da Recorrente e realizado no dia 19 de Maio de 2025 para confirmar as deliberações anuladas por sentença, conforme Doc. 2 e 3.
J) Ora, deve o Tribunal “a quo” considerar validada a deliberação de 1 de Setembro de 2023, por ratificação realizada na Assembleia que deu origem à acta nº 44.
K) Caso assim não se entenda, deve o Tribunal Superior validar nos termos do art. 62º do C.S.C.
Terminou peticionando que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, seja revogada a sentença recorrida e validada a ratificação das deliberações, por suprimento de quaisquer irregularidades anteriores.
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O A. contra-alegou, CONCLUINDO:
- O recurso apresentado nos autos deve ser rejeitado porque não obedece às exigências formuladas no artº. 639º /2 do CPC.,
2ª - E a ser invocado algum erro, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, seria a falta de validação retroactiva, nos termos do artº 62º do CSC. da deliberação tomada na Assembleia de Sócios realizada em 19.05.2025, quando esta douta decisão recorrida foi proferida em 16.04.2025.
3ª - Além do interesse atendível do recorrido, em obter a anulação da primeira deliberação, pelo menos durante o período anterior à deliberação renovatória,
4ª - Não poderia ser admitida qualquer renovação, porque a mesma se encontra ferida dos vícios de forma e omitiu formalidades como as previstas nas als. a). e b). do artº 56º do CSC.
5ª - Por isso, sendo a norma do n.º 3 do art.º 248.º do CSC imperativa, uma vez que o prazo mínimo de 15 dias é inderrogável, apenas podendo ser pactuado prazo superior e a Ré ao marcar a Assembleia Geral da Ré para o dia 1 de Setembro, bem sabendo que o recorrente estava fora da sua residência até ao dia 17 de Setembro, quis impedir o autor e recorrido de exercer o seu direito de voto.
6ª - Se o vício neste processo ataca o processo de formação de deliberação, a consequência é a sua anulabilidade.”
7ª - Pelo que o douto tribunal recorrido, ao ter entendido que o prazo supra não pode ser inferior a 15 dias e nem suprimento houve, dado que o sócio e recorrido não esteve e nem devia estar presente, uma vez que se encontrava de férias e disso teve conhecimento a recorrente, não pode ser objecto de censura,
8ª - Mantendo-se a douta sentença, nos seus precisos termos, assim e fazendo Justiça.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos das Exmªs Adjuntas.
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II– Objecto do Recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo apelante, importa decidir:
- questão prévia: da admissibilidade dos documentos apresentados pela apelante com as alegações do recurso e
- se existe fundamento para a revogação por parte deste tribunal da sentença que anulou as deliberações sociais da sociedade apelante.
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III- Fundamentação
A) Questão Prévia: Da admissibilidade dos documentos apresentados com as alegações
Com as alegações, veio a R./apelante requerer a junção de três documentos – cópia da sentença proferida em 05/05/2025, no Proc. nº … do Juízo de Comércio de Lisboa – J…, acção essa instaurada pelo ora A. e recorrido AA contra a sociedade R. e na qual foi peticionada a declaração de nulidade das deliberações aprovadas na Assembleia da R. de 16 de Janeiro de 2019, tendo a sentença em causa declarado nulas tais deliberações (doc. 1); como doc. 2 cópia do respectivo registo dos CTT e da convocatória dirigida ao A., convocando-o para a Assembleia Geral da R a realizar no dia 19 de Maio de 2025, com o seguinte objecto:
“Ponto Único: Renovação da deliberação tomada em assembleia geral de 1 de setembro de 2023, quanto à apreciação, discussão e deliberação sobre a proposta de venda de Participações e respetivos direitos associados, que a sociedade possui na sociedade comercial por quotas com a firma "L… - LDA, na sequência da sentença que determinou a anulação desta deliberação, proferida no âmbito do Processo nº. 25985/23.5T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa —Juiz 5” e como doc.nº 3 a acta da Assembleia da R. realizada nesse dia e na qual foi aprovada a deliberação em causa.
Relativamente à junção de documentos na fase de recurso, resulta do disposto no artº 651º do C.P.Civil, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez, prevê o referido artigo 425º do CPC que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
De acordo com o que resulta da regra geral relativa à junção de documentos estabelecida no artº 423º, nº1, do mesmo C.P.Civil, apenas podem ser juntos aos autos os documentos relevantes para a prova dos fundamentos da acção ou da defesa.
A sentença nos presentes autos foi proferida no dia 16 de Abril de 2025, pelo que os documentos em causa são objectivamente supervenientes.
No entanto, no que concerne ao doc. nº 1, além de não estar demonstrado que a sentença em causa tenha transitado em julgado, ou, dito por outras palavras, que se trate de uma decisão definitiva, não resulta do alegado que a mesma possa assumir relevância para a decisão do recurso. Considerando o objecto deste, a declaração de nulidade das deliberações aprovadas na Assembleia Geral da R. de 16 de Janeiro de 2019 – a primeira relativa à venda do imóvel ali identificado e a segunda à «aquisição de uma quota no valor nominal de €1.875,00 (mil oitocentos e setenta e cinco euros), no capital social da sociedade comercial por quotas com a firma L…, LDA.", matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matricula e pessoa coletiva …, com sede na Avenida …, com o capital social de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros)» não assumem relevância para a decisão a proferir. Tratam-se de deliberações com objecto distinto das que estão em causa nestes autos e do invocado pela apelante não resulta que possam, de alguma maneira, colocar em crise a decisão proferida.
Quanto aos documentos juntos como docs 2 e 3, destinam-se a demonstrar a aprovação pela sociedade R., ora apelada, em data posterior à sentença sob recurso, de deliberação alegadamente renovatória das deliberações anuladas nos termos desta mesma sentença.
Assim, há que admitir a sua junção aos autos e infra será apreciada a possibilidade de o teor dos mesmos ser conhecido por este tribunal.
Pelo exposto, não se admite a junção do documento apresentado como doc. nº 1 e admite-se a junção dos documentos nº 2 e 3.
Custas do incidente pela apelante na proporção de ½, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
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B) De Facto
i. O tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade:
1. A constituição da sociedade Construções E… C…, Lda., NIF …, com sede na Travessa …, mostra-se registada com data de 10.12.1984.
2. A sociedade tem o capital social de €299.278,72, sendo sócios: DD, o Autor, EE, FF, BB e CC.
3. A sociedade vinculou-se, desde a sua constituição e até 11.11.2021, pela assinatura da gerente DD, ou a de dois restantes gerentes.
4. São actualmente gerentes da sociedade II, JJ, KK e LL.
5. O Autor é titular de uma quota no valor de €29.927,87 e contitular de uma outra no valor de €119.711,50 que se encontra registada em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor dos sócios.
6. O Autor foi gerente da sociedade Ré até ter sido destituído por deliberação de 3.12.2008.
7. Por carta datada e expedida em 21 de Agosto de 2023, recepcionada a 31 de Agosto de 2023, o Autor foi convocado para uma Assembleia Geral da sociedade Ré, que se iria realizar no dia 1 de Setembro de 2023, com a seguinte Ordem de Trabalhos: “Ponto Um- Apreciação, discussão e deliberação sobre a proposta de venda de Participações e respetivos direitos associados, que a sociedade possui na sociedade comercial por quotas com a firma “L… – LDA” Ponto Dois- Mandatar a sócia-gerente, BB … para outorgar contrato promessa de compra. e venda e o contrato definitivo, nas condições que entender por convenientes, para a Transação definitiva e respetivos direitos e obrigações associadas”.
8. Por e-mail de 17 de Julho de 2023, remetido a: FF, CC, BB ...@edmee.pt, Cc: HH, GG ...@gmail.com, o Autor comunicou que estaria a gozar férias a partir do dia 1 de Agosto, até ao dia 17 de Setembro.
9. No dia 31.8.2023, o Autor enviou e-mail à Presidente da Assembleia Geral da Ré, com o seguinte teor: “Exma. Senhora/Senhor Presidente da Assembleia Geral da CONSTRUÇÕES E… C…, LDA. Acuso a recepção da convocatória para a realização da Assembleia Geral no próximo dia 01 de Setembro, seja amanhã. Conforme resulta do disposto no art.º 246, nº. 3, do CSC, a convocação tem que ser efectuada com a antecedência mínima de 15 dias. Mesmo considerando a data em que a convocatória foi colocada no correio (21 de Agosto de 2023), não cumpre com a antecedência mínima estabelecida por lei. Aliás como é do V/ conhecimento, nem sequer me encontro em Lisboa no dia de amanhã. Assim, qualquer deliberação tomada na Assembleia que se irá realizar é nula e de nenhum efeito- art.º 56.º n.º 1, al a) do CSC.”
10. O Autor não recebeu qualquer resposta ao referido e-mail.
11. Da “Ata Número Quarenta Um” consta que:






12. Para o que releva nestes autos, o Pacto Social da sociedade Ré, junto como doc.1 com a contestação, tem o seguinte teor:


13. Foi averbado ao “Ficheiro de Horas de Funcionário” do Autor, na sociedade Ré, faltas nos dias 1.9.2023 até 30.9.2023.
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ii. Ficou a constar da sentença que inexistiam quaisquer factos relevantes para a decisão que tivessem ficado por provar.
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iii. Atento o teor dos documentos juntos pela R./apelante sob os nºs 2 e 3 com as alegações e cujo teor não foi impugnado pela A./apelada, encontram-se ainda provados os seguintes factos:
14- No dia 29 de Abril de 2025, foi expedida carta registada com aviso de recepção convocando o A./apelado para a Assembleia Geral da R./apelante a realizar no dia 19 de Maio de 2025, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
“Ponto Um: Renovação da deliberação tomada em assembleia geral de 1 de Setembro de 2023, quanto à apreciação, discussão e deliberação sobre a proposta de venda de Participações e respetivos direitos associados, que a sociedade possuía na sociedade comercial por quotas com a firma "L… — LDA, na sequência da sentença que determinou a anulação desta deliberação proferida no âmbito do Processo nº 25985/23.5T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa —Juiz 5”.
15- No dia 19 de Maio de 2025 realizou-se Assembleia Geral da R./apelante, constando da respectiva Acta:





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C) O Direito
Na petição inicial, peticionou o A., ora apelado, que fossem declaradas nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de Ré, ora apelante, realizada a 1 de Setembro de 2023.
A R. contestou e após o registo da acção e a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador-sentença que, julgando procedente a acção, anulou as deliberações tomadas na assembleia geral da Ré realizada no referido dia de 1 de Setembro de 2023.
As pessoas colectivas manifestam a sua vontade resolvendo ou deliberando através das suas assembleias ou reuniões de sócios. Como refere Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, 1993, pág. 12, a deliberação é uma declaração colectiva.
Cada sócio tem o direito de se opor a qualquer deliberação ilegal, isto é, que viole ou contrarie a lei geral ou a lei especial do corpo colectivo; tal direito de oposição consiste em pedir que se julgue nula, ou se anule, a deliberação ilegal – cfr Moitinho de Almeida, Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, 4ª Ed., pág. 10.
Como se sabe, existe uma razão principal para a distinção entre a nulidade e a anulabilidade dos actos jurídicos que determina o diferente tratamento que lhes dá o nosso sistema jurídico: a gravidade do vício que afecta tais actos.
Podemos dizer que, em regra, o nosso sistema jurídico sanciona com a nulidade a violação de interesses públicos e com a anulabilidade a violação de interesses meramente privados, sendo que, também em regra, a nulidade é invocável a todo o tempo, é de conhecimento oficioso e pode ser invocada por qualquer interessado, enquanto a anulabilidade apenas pode ser invocada em determinado período subsequente à cessação do vício e por aqueles em cujo interesse foi estabelecida – cfr artigos 285º a 294º do Código Civil.
Esta diferenciação entre a nulidade e a anulabilidade das deliberações sociais resulta também do disposto nos arts 56º a 60º do Código das Sociedades Comerciais.
Na nossa lei é excepcional o sistema da nulidade das deliberações sociais: é maioritariamente aceite que as deliberações sociais nulas estão sujeitas ao princípio da tipicidade – cfr neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/13/2004 – Processo nº 04A1519, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt. Com excepção das nulidades ali previstas, todas as demais invalidades implicarão a anulabilidade da deliberação social viciada.
A R. interpôs o presente recurso, começando por invocar que, “por adenda à respectiva acta, ficou também nomeado o sócio-gerente CC” e que o Recorrido intentou acção equivalente para anulação das deliberações da Assembleia Geral da R. que teve lugar no dia 16 de Janeiro de 2019, assembleia essa em que foi deliberada a aquisição de uma quota no valor nominal de 1.875,00 Euros no capital social da sociedade comercial por quotas com a firma L…, LDA. Diz que por sentença posterior à dos presentes autos, foram consideradas as deliberações nulas, nomeadamente a aquisição da quota.
Conforme resulta do disposto no artº 639º, nº 1, do CPC, na interposição do recurso cabe ao recorrente observar dois ónus:
1º) o de alegar e
2º) o de formular conclusões.
Com vista à satisfação daquele primeiro ónus, o recorrente deve apresentar a alegação onde:
a) expõe os motivos e argumentos da sua impugnação, explicitando as razões pelas quais considera que a decisão está errada, seja do ponto de vista da apreciação da prova produzida e do julgamento da matéria de facto levada a efeito com base nela, seja do ponto de vista da interpretação e da aplicação do direito aos factos que devem considerar--se provados e
b) enuncia o objectivo que visa alcançar com o recurso.
Para satisfação do segundo ónus, o recorrente deve terminar a sua minuta com a formulação de conclusões, onde de forma sintética, deve indicar os fundamentos, de facto e/ou de direito, pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
Não está de modo nenhum demonstrado que na Assembleia Geral da R. que teve lugar no dia 1 de Setembro de 2023 tenha também tido lugar a nomeação de gerente, nada constando da respectiva acta e nem o A., nem a R. invocaram tal factualidade, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
Quanto à sentença imediatamente supra referida cuja cópia foi junta pela apelante com as alegações de recurso, ainda que a mesma tivesse transitado em julgado – o que também não está demonstrado -, o ali decidido não infirma os fundamentos invocados pelo tribunal da 1ª instância e que determinaram a anulação das deliberações sociais nos termos consignados na sentença proferida nestes autos.
Sustentou ainda a mesma apelante que, para suprir quaisquer irregularidades das deliberações em causa, foi regularmente convocada uma Assembleia pelos sócios que detêm mais de 90% do capital social da Recorrente. Essa Assembleia foi realizada no dia 19 de Maio de 2025 e aí foram confirmadas as deliberações anuladas por sentença, pelo que «deve o Tribunal “a quo” considerar validada a deliberação de 1 de Setembro de 2023, por ratificação realizada na Assembleia que deu origem à acta nº 44 e caso assim não se entenda, deve o Tribunal Superior validar nos termos do art. 62º do C.S.C.»
Terminou peticionando que seja concedido provimento ao recurso e que, em consequência, seja revogada a sentença recorrida e validada a ratificação das deliberações.
A renovação das deliberações foi invocada nas alegações do recurso interposto para esta Relação, pelo que não podia a mesma ter sido conhecida pelo tribunal a quo. Com a prolação da sentença, esgotou-se o poder jurisdicional daquele tribunal – artº 613º, nº1, do C.P.Civil.
E poderá ser a invocada renovação das deliberações ser conhecida por este Tribunal da Relação?
Está em causa uma questão nova e como diz Abrantes Geraldes a propósito das questões novas (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016, 3ª ed., Almedina, págs. 97/99): “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina (…) importante limitação ao seu objeto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema assim fosse arquitectado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios…”.
Este mesmo entendimento é defendido por Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (CPC anotado, vol. III, tomo I, 2ª ed., pág. 8): “Os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso…”.
Também na jurisprudência esta regra se encontra assumida, como resulta do explanado, entre outros, nos Acs do STJ de 12/09/2013 – Proc. nº 381/12.3TTLSB.L1.S, de 09/07/2014 – Proc. nº 2127/07.9TTLSB.L1.S1, de 14/01/2015 – Proc. nº 2881/07.8TTLSB.L1.S1 e de 22/02/2017 – Proc. nº 1519/15.4T8LSB.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Desta forma, tendo a renovação das deliberações anuladas sido invocada apenas em sede de alegações do recurso, estão em causa factos novos e que este tribunal está impedido de conhecer, pelo que se impõe improcedência do recurso.
O invocado pela recorrente nas alegações não é susceptível de colocar em crise a sentença proferida pela 1ª instância, quer seja do ponto de vista da apreciação da prova produzida e do julgamento da matéria de facto levada a efeito com base nela, quer seja do ponto de vista da interpretação e da aplicação do direito aos factos. Os argumentos invocados não permitem alcançar o objectivo enunciado pela recorrente no final das mesmas alegações - a improcedência do recurso -, sendo que, como se disse supra, este tribunal está impedido de conhecer da invocada renovação das deliberações.
Nestes termos, há que julgar o recurso improcedente.
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IV-Decisão
Em face do exposto, acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantêm a sentença recorrida.
Custas pela recorrente – artº 527º, nº1, do C.P.Civil
Registe e Notifique.

Lisboa, 25 de novembro de 2025
Manuela Espadaneira Lopes
Fátima Reis Silva
Ana Rute Costa Pereira