Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
104/10.1S6LSB-A.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: PENA DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Quando a pena de multa é convertida na prisão subsidiária, não se verifica nenhuma modificação da decisão condenatória, que, continua a ser em pena de multa; e, assim é que o arguido pode a todo o tempo impedir a detenção da prisão subsidiária, quer pagando a multa, quer provando a sua falta de pagamento e obter a suspensão tal como estabelece o nº. 2 e 3 do artigo 49 do C.Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO.

No processo supra identificado, do então denominado 1º. Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o condenado F..., id. a fls. 66 destes autos, representado pelo seu Defensor, não se conformando com o despacho proferido em 23/10/2012, que declarou a conversão da pena de multa em que havia sido condenado nestes autos, em 80 dias de prisão subsidiária, vem do mesmo interpor recurso.

Apresenta na motivação de fls. 193 a 202 dos autos as conclusões que vão transcritas:

1ª. Como é consabido, estando em causa a sua privação de liberdade, decorrente da conversão da multa em prisão, deve ser assegurado ao arguido o contraditório, na sequência do princípio consignado no artigo 32°., n°. 5, da C.R.P., e no disposto no art°. 61º. nº. 1, al. b) do C.P.P.

2ª. É irrefutável que a decisão que converte a multa em prisão subsidiária, contende com a privação da liberdade, por isso, naturalmente é susceptivel de pessoalmente o afectar.

3ª. A propósito do direito de audição, o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1981, 1, páginas 157 e 158, refere que “constitui a expressão necessária do direito do cidadão á concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os interessados na criação do Direito: a todo o participante processual antes de qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade através da sua audição, de influir na declaração do direito”.

4ª. No caso dos autos, ao não proceder-se à audição do Arguido, foi coarctada a oportunidade de pronunciar-se sobre a existência ou não dos pressupostos da suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do n°. 3, do art°. 49°., do Código Penal “(...), Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”.

5ª. Por outro lado, prescindindo-se da audição, também não ocorreu a fundamentação da desnecessidade dessa audição e, portanto, da realização do contraditório.

6ª. Impunha-se, que a decisão recorrida obedecesse a tais requisitos!

7ª. Preceitua, o art°. 122°., n°. 1, do C.P.P. que, as nulidades tomam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.

8ª. Destarte, não tendo sido ofertada a possibilidade do Arguido pronunciar-se sobre o objecto da decisão sub judice é nulo o douto Despacho recorrido.

9ª. O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (art°. 3°., n°. 3, do C.P.C. aplicável ex vido art°. 4°., do C.P.P.).

10ª. Textua, o art°. 61°., n°. 1, als. a) e b), do C.P.Penal que:

«1.O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo (...), dos direitos de:

a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;

b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte».

11ª. Por seu turno, a Constituição da República Portuguesa, no seu art°. 32°. vincula que:

«1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

2. Todo o arguido se presume inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação (...).

3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo (...).

(. .).

5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao principio do contraditório».

12ª. Acresce que, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (ratificada por Portugal) estatui, no seu art°. 6°. que:

«2 — Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

3- O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

(...);

b) Dispor do tempo e dos meios necessários para preparação da sua defesa;

c) Defender-se a si próprio ou ter assistência de um defensor (...), quando os interesses da justiça o exigirem».

13ª. O douto Despacho recorrido, ao “dispensar” a audição do Arguido, violou o disposto no nº. 3, do art°. 213°., do C.P.Penal e o acervo normativo assinalado nos artigos precedentes (supra transcritos).

14ª. A omissão de uma formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (art°. 118°., ns. 1 e2, doC.P.P.).

15ª. Constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento “(...), a ausência do Arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência” [ 119°., alínea c), do C.P.P.).

16ª. Quanto à alínea c), do art°. 119°., do C.P.P., os tribunais superiores têm enquadrado a preterição de audição prévia do arguido como nulidade insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do disposto no art°. 119°., alínea c), do C.P.P., vide nesse sentido:

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Março de 2011, titulado com o Número de Processo: 432/08.6POLSB-A.L1-5, patenteando as vestes de nobre Relator o Venerando Juiz Desembargador Dr°. Simões de Carvalho “(.. .), V° Sendo determinado o cumprimento da prisão subsidiária, sem ter sido assegurado ao condenado o contraditório, foi cometida uma nulidade insuprível, passível de ser suscitada em fase de recurso (...)“, susceptivel de compulsação electrónica in http://www.dQsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec12fd9cb2cf2fde45f8025 78840051 f76d?OpenDocument

17ª. E constitui nulidade dependente de arguição a “(...), omissão (...), de diligências  que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” [ 120°., n°. 2, alínea d), do C.P.P.].

18ª. “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (art°. 118°., n°. 2, do C.P.P.).

19ª. Ora, o exame oficioso dos pressupostos da suspensão da execução da prisão subsidiária (n°. 3, do art°. 49°., do Código Penal), em que o Juiz decide-se pelo cumprimento da pena de 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária, deve ser, sempre, precedido da audicão do Arguido [ 61°., n°. 1, aI. b), do C.P.P.] o que in casu, manifestamente, não ocorreu.

20ª. E, como o contraditório, para além de garantia constitucional de defesa (art°. 32°., ns. 1, 3, 5 e 6, da C.R.P.), constitui, no cerne da própria dialéctica processual “diligência essencial para a descoberta da verdade” [ tão ‘essencial” e “necessária” que a lei, “salvo caso de manifesta desnecessidade”, proibe que o Juiz decida qualquer “questão de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem], a sua omissão será, à partida, susceptível de influir no exame ou na decisão seja da causa, seja dos incidentes que, no seu decurso, visem a resolução, ainda que preventiva, intercalar, transitória ou provisória, de quaisquer questões de facto ou de direito.

21ª. E, como tal, constituirá, senão nulidade insanável [ quadro do art°. 119°., alínea c), do C.P.P.], pelo menos, nulidade dependente de arguição [ 120°., n°. 2, alínea d), do C.P.P.].

22ª. E, tratando-se de nulidade dependente de arguição, nada obstará, a que esta seja invocada, como in casu, (não contemplado, aliás, em nenhuma das alíneas do n°. 3, do art°. 120º., do C.P.P.).

23ª. A ilegalidade relativamente ao conteúdo é fundamento de recurso, mas isso não significa que as imperfeições dos actos, as nulidades, não possam ser também, por si só, fundamento de recurso (Vd. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Civil, Verbo, 1999, pág. 69).

24ª. O recurso pode ainda ter como fundamento (…), a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanadas (art°. 410°., n°. 3 do C.P.P.).

Pelo sucintamente exposto, e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser declarada nula a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra em ordem à sua reparação e à prévia audição do Arguido assim se fazendo,

JUSTIÇA!

               O Mº.Pº. respondeu ao recurso, na motivação junta de fls. 3 a 32 dos autos, com as conclusões que se transcrevem.

Questão PRÉVIA

1-Salvo melhor opinião, nunca o Tribunal “a quo” deveria admitir o recurso Interposto pelo arguido, uma vez que o mesmo é extemporâneo, tendo, forçosamente, que ser rejeitado.

2- Resulta que, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 113.°/9 e 1 96°/ alínea e) do C.P.P.. na versão conferida pela Lei n°115/2009 de 12.10 e até à alteração legislativa operada por força da lei n°20/2013 de 21.02 a notificação da decisão a converter a pena de multa em prisão subsidiária terá de ser feita por contacto pessoal com o notificando, nos termos do 113.°/1, alínea a) do C.P. Penal.

3- O despacho que procede à conversão da pena de multa em prisão subsidiária consubstancia uma modificação essencial do conteúdo decisório da sentença de que foi dado conhecimento ao condenado e só com um efectivo conhecimento do arguido do conteúdo de tal despacho, permite ao mesmo, em consciência, decidir se recorre ou não e as termos em que impugna.

4 - Compulsados os autos dos mesmos resulta que, na presente data, o arguido ainda não foi notificado pessoalmente do despacho que converteu a pena de 120 dias de multa em 80 dias de prisão subsidiária constante a fls.216 e 211, peio que não se inicia o prazo para a interposição do recurso antes dessa notificação.

5- In casu entende o Ministério Público que, não obstante o recurso em causa ter sido admitido pelo Tribunal “a quo”, ocorre uma circunstância obstativa do conhecimento do mesmo, qual seja a de o arguido, nos termos supra expostos, ainda não estar notificado da decisão de conversão da pena de 120 dias de multa em 80 dias de prisão subsidiária, sendo ainda certo que, nos termos do disposto no artigo 414.º do C.P.P., o despacho que o admitiu o recurso não é vinculativo para o Tribunai da Relação de Lisboa, pelo aue deve o mesmo ser liminarmente rejeitado

DA RESPOSTA

6- O recorrente invoca a violação do direito de audição pelo facto de, antes de ser de ser proferido o despacho sob recurso - que converteu a multa remanescente não paga em prisão subsidiária, ao abrigo do art.49.°/l, do C.P.- o Tribunal “a quo” não ter ouvido o arguido para exercer o contraditório o que considera constituir nulidade da decisão sob recurso, por violaçâo do disposto nos arts.49.°/1 e 3, do C.P., 32.°/1 e 5 da CRP, 61º/1, aI. b), 119.° alínea c) e pelo menos do art.120.°/ 2, al. d), todos do C.P.P., pedindo, em consequência, que seja declarada nula aquela decisão impugnada e que seja ordenada a sua audição prévia.

7- Salvo devido respeito não assiste razão ao recorrente.

8- Compulsados os autos dos mesmos resulta que o arguido foi notificado da promoção do Ministério Público de promoção do conversão da pena de multa em prisão subsidiária nos termos do art.49.°/1, do C.P., na pessoa do seu defensor oticioso nos termos do previsto no art.113.°/9 do C.P.P. á contrário.

9- Do teor do art.49.°/1, do C.P. e do arts.489.° a 491.°do C.P.P. não resulta que estabeleçam quaisquer regime no sentido de o arguido ter de ser ouvido presencialmente antes do Tribunal “a quo” proferir decisão convertendo a pena de multa não paga em prisão subsidiária e,

10 - Mesmo que se entenda que o arguido deve ter a oportunidade de exercer o contraditório antes de ser proferida a decisão a que se refere o art.49.°/1, do C.P., o certo é que para esse efeito não é necessária a sua presença, bastando neste caso em apreço o disposto no invocado art.61.°/1, alínea b), do C.P.P. que permite que o mesmo seja ouvido através do defensor ou mandatário, pronunciando-se por escrito, assim exercendo o contraditório.

11- Quando a lei entende que a audicão é presencial dizê-lo expressamente, o que não é o caso destes autos, pois não se pode confundir o direito de audição previsto no ort.61 .º/1, al. b). do C.P.P., com o direito de presença previsto no art.61 .°/1, alínea a), do C.P.P.

12- Assim. ainda que se entenda (como defende o recorrente) que no momento em que apenas foi aplicado o disposto no art.49.°/1. do C.P., foi negado o direito de audição e, nessa medida, foi igualmente prejudicado nas sua garantias de defesa (ver arts.61 .°/1, alinea b), do C.P.P. e 32.°/1 e 5 da CRP), a consequência é que foi apenas cometida uma irregularidade a qual devia ter sido arguida em sede de 1ª instância, tempestivamente, isto é, no prazo de 3 dias a contar da notificação da decisão judicial proferida em 20.06.2012 (notificação essa que foi feita ao defensor oficioso e ao arguido, por via postal registada (para o arguido foi carta com AR) expedida em 21.06.2012, tal como estabelece o art. 123.° do C.P.P.

13- Assim sendo, não tendo sido arguido tal vicio — estando o arguido devidamente representado pelo respectivo defensor — sempre teria de considerar-se sanado. De qualquer modo é extemporânea a sua arguição em sede de recurso, sendo cedo que, até agora, nem o próprio condenado se mostra notificado do despacho recorrido de fls.216 e 217.

14-Acresce ainda que no caso sub judice não é aplicável o disposto no art.120.°/2, al. d), do C.P.P. que o recorrente invocou, uma vez que uma das a situações dos autos - omissão de notificação do arguido para exercer o contraditório no momento a que se refere o art. 49.°/1, do C.P.- não pode classificar-se, nem enquadrar-se como “omissão posterior de diligência que pudesse reputar-se essencial para a descoberta da verdade”.

15- Assim somos do entendimento que o recurso deve improceder, nesta parte.

16- O arguido sustenta ainda que a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiárIa é nula por violar (por omissão) a obrigação de audição do arguido e o princípio do contraditório porém, salvo devido respeito por melhor opinião não assiste razão ao recorrente.

17- O despacho do Tribunal “a quo” datado de 23,10.2012, de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, constante a fls.21 6 e 217, constitui, efectivamente, uma modificação do conteúdo decisório da sentença condenatória, que tem repercussões, uma vez que da mesma resulta — directamente — a privação da liberdade do condenado.

18- Só a notificação pessoal do arguido de tal despacho assegura o efectivo conhecimento da decisão, via que garante a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afecta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária.

19-O termo de identidade e residência prestado pelo arguido em 21.04.2010 extinguiu-se em 05.03.2012, com o trânsito em julgado da respectiva sentença condenatória, como resulta dos arts.191,° e 214.°/1, alínea e), do C.P.P., pelo que deixou o mesmo de estar vinculado às obrigações que lhe haviam sido impostas, assim como as respectivas notificações deixaram de poder ser tidas como regularmente efectuadas nos termos em que o vinham sendo até à referida extinção.

20- Assim, os motivos em que radica a exigência de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor são transponiveis para a notificação do despacho que impõe o cumprimento da pena de prisão subsidiária.

21- Entende o Ministério Público que no caso concreto, a notificação do despacho de conversõo da pena de multa em prisão subsidiária tem de revestir carácter pessoal atenta a data em que o arguido prestou o termo de Identidade e residência - 21.04.2010 - e a redacção, ao tempo, dos arts. 113.°/9 e 1 96.° do C.P.P., dada pela Lei n°115/2009 de 21.10.

22- Só assim se mostra garantido o direito de defesa do arguido como se prevê nos arts.61 .°/1 alínea b) do C.P.P. e art.32.°/1 e 5 da C.R.P.

23- No caso em apreciação, os autos demonstram que o Tribunal ‘a quo” envidou todos os esforços para localizar o arguido, por forma a notificá-lo da decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.

24- Não obstante as diligéncias encetadas, certo é que o arguido ainda não foi notificado pelo que ainda se mostra assegurada a possibilidade de o arguido exercer o contraditório, antes do trânsito da decisão da conversão da pena de multa em prisão subsidiária

25- Ora, a falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colidir com direitos fundamentais de defesa, constitui nulidade insuprível, passível, de ser suscitado em fase de recurso (cfr.art.410.°/3 do C.P.P.}, sucede porém que a nulidade Invocada pelo recorrente ainda não ocorreu, carecendo o recurso interposto de objecto e de interesse processual em agir.

26- Em síntese, o Ministério Público, entende que por ora, não assiste razão ao recorrente, pelo que o recurso interposto deverá ser declarado improcedente e extrair as correspondentes consequências legais.

27- Termos em que, nesta parte, deve ser negado provimento ao recurso interposto.

Nestes termos, em face do enunciado a titulo de questão prévia julgamos que o presente recurso não merece provimento, devendo o mesmo ser rejeitado por intempestivo, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados.

Em alternativa

Caso não se entenda, o que só por mera hipótese académica se concede, sempre as nulidades invocadas na motivação do recurso designadamente a violação do princípio da audição do arguido e do princípio do contraditório devem ser consideradas improcedentes por não verificadas ocorrendo a absoluta falta de obiecto de recurso e de interesse processual em agir devendo mantendo-se na íntegra a decisão proferida.

Porém, V°. Exas. como sempre, farao a costumada JUSTIÇA!

***

A questão colocada em recurso resume-se à questão da audição do arguido antes da decisão da conversão da pena de multa da condenação, não cumprida, na prisão subsidiária correspondente.

Porém, na resposta ao recurso o Mº.Pº suscita a apreciação de uma questão prévia ao conhecimento do recurso e, que se apreciou e foi objecto de Decisão Sumária proferida nas folhas 211 a 220 destes autos.

 Essa questão prévia prende-se com a tempestividade do recurso, entendendo o Mº.Pº. que a notificação da decisão que converteu a multa em prisão deverá ser pessoalmente notificada ao arguido, o que ainda não aconteceu, sendo por tal extemporânea a interposição do recurso.

Vejamos então o que consta da decisão sumária proferida sobre esta matéria:

“Sobre as notificações, à data da decisão (posteriormente, em 23.3.2013 entrou em vigor a nova redacção da Lei 20/2013 de 21.2) dispunha o artigo 113 do C.P.P.
Regras gerais sobre notificações
      1 - As notificações efectuam-se mediante:
      a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
      b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
      c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
      d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
      2 –
      3 –
      4-
      5 –
      6 –
      7 -
      8 -
      9 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
     10 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos das alíneas a), b) e c)do n.º 1, ou por telecópia.
      11-
      12 –
Assim, desta redacção é claro, na nossa perspectiva, que as notificações dos diversos actos processuais podem ser feitas na pessoa do defensor ou advogado, só o devendo ser na pessoa do arguido aquelas determinadas no nº. 9 do artigo 113 acima mencionadas.

O despacho em causa no recurso não versa sobre esses actos processuais em que a lei exige a notificação pessoal do arguido,[1] pelo que, não nos parece que o arguido devesse ser pessoalmente notificado daquele despacho, bastando mesmo a notificação ao seu Defensor.

                 Cabe aqui, a propósito, citar o que o Relator José Adriano escreveu no Acórdão proferido em 17/6/2008, nesta Relação de Lisboa, em apreciação de situação semelhante à agora em questão:                                                                   “A notificação da decisão que determinou a conversão da multa em prisão subsidiária, efectuada ao defensor do arguido, garante os direitos deste, que se limitam à interposição de recurso, caso discorde de tal decisão, sendo certo que o arguido poderá, em qualquer momento (ou seja, mesmo depois de transitado em julgado o despacho notificado), proceder ao pagamento da multa em dívida, assim evitando o cumprimento da prisão subsidiária - o art. 49.º, n.º 2, do CP, diz expressamente que “o condenado pode a todo o tempo evitar … a execução da prisão subsidiária, pagando …” - como pode aquele vir a demonstrar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, podendo, nesse caso, a execução da prisão subsidiária ser suspensa (n.º 3, do mesmo normativo).

Por isso, não há diminuição grave ou mesmo relevante das garantias de defesa do arguido – já que pode recorrer, através do seu defensor (pessoalmente não o podia fazer), da decisão que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária, não sendo, apesar disso (ainda que aquela transite em julgado), definitiva aquela conversão, porquanto continua o arguido a poder pagar a multa em dívida ou provar que não lhe é imputável o incumprimento, evitando cumprir a pena detentiva –, evitando-se, por outro lado, a paralisia do processo quando é desconhecido o paradeiro do arguido. A exigência de notificação pessoal deste é, pois, injustificada no presente caso, acarretando desvantagens para o normal desenrolar do processo, sem quaisquer acrescidas garantias para o arguido.”

                                                                 

 Sufragamos integralmente este entendimento, que, transposto para o caso em análise nos conduz á conclusão da extemporaneidade do recurso, embora por diferente fundamentação daquela que é invocada pelo Mº.Pº. que se funda no entendimento de que a notificação do despacho em causa deve sê-lo na forma pessoal.

Discordamos com o devido respeito.

 Na nossa perspectiva, a Lei não comina expressamente a forma da notificação (pessoal ) deste despacho e o facto de no mesmo se declarar a conversão da multa aplicada em prisão subsidiária não introduz nenhuma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença anteriormente proferida (posição defendida p.ex. no Ac R.Lx. de 8/5/2013), que justificasse essa forma de notificação. É nosso entendimento que a notificação ao arguido se mostra realizada na pessoa do seu Defensor e, no caso, na sua própria pessoa através da remessa postal.

Há quem defenda que a notificação ainda que por via postal, efectuada ao arguido só poderia ser válida por assentar no pressuposto da manutenção da validade do TIR mesmo depois do trânsito em julgado da sentença, o que, antes da alteração da Lei 20/2013 que aditou a alínea e) ao artigo 196 do C.P.P. (De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.) não era imposto pela lei.[2] Pelo que as notificações posteriores ao momento da cessação da eficácia do termo de identidade e residência deveriam ser realizadas através de via postal registada e se tal não fosse possível por notificação pessoal.

Discordamos desta perspectiva que, no caso de não ser conhecido o paradeiro do arguido levaria a um infindável percurso de diligências e de dilacção temporal que contraria todo o sentido da maior eficácia e celeridade das notificações introduzidas pelas alterações legislativas citadas, bem como o próprio sentido e diferenciação das disposições legais dos artigos 43 e 49 do C.P.

E, o legislador, mesmo antes das alterações da Lei 20/2013 manifestou que a notificação via postal nas modalidades vertidas no artigo 113 do C.P.P. se tornavam as mais adequadas e eficazes na tramitação processual. Assim, independentemente do facto de o TIR prestado pelo arguido se mostrar extinto com o trânsito em julgado na decisão, sempre se deverá atentar na notificação postal a fazer a qualquer pessoa que deva ser notificada ou convocada para actos processuais em determinado processo.

E, ainda porque o que está em causa nesta situação é a forma de transmitir (notificar) o conteúdo de determinado acto processual (despacho proferido nos autos ao abrigo do art. 49º, nº 1, do CPP) ao arguido para, verificando-se os respectivos pressupostos, este possa exercer o seu direito de defesa, através do recurso.

 Isto é, tendo o Defensor sido notificado da decisão agora impugnada em 28/1/2013, é manifesto que, perante o prazo estabelecido para a interposição do recurso (à data de 20 dias e actualmente de 30- artº. 411 do C.P.P. consoante a redacção anterior e a posterior à vigência da Lei 20/2013) a data em que o mesmo foi interposto -17/10/2014- excedeu largamente aquele prazo legal.

Citando ainda jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, a propósito desta questão e cujo entendimento seguimos de perto:

“ Na nossa perspectiva, a pena de multa torna-se exigível a partir do momento em que a sentença condenatória transitou em julgado, não podendo o arguido desconhecer as consequências do seu não pagamento.

Exigir que o arguido tenha de ter conhecimento da conversão da pena de multa em prisão subsidiária significa ainda que se atribui a este último despacho uma natureza distinta e autónoma da pena de multa, o que não pode aceitar-se, pois a pena principal é e continua a ser a pena de multa. Ou seja, “… que a conversão da multa em prisão subsidiária envolve uma modificação do conteúdo decisório da sentença condenatória já que sempre continuamos a estar perante uma só condenação (está em causa a mesma pena de multa em que o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, bem como o seu cumprimento por uma das formas previstas na lei), tanto mais que, ainda que o arguido venha a ser detido, sempre tem possibilidade de pagar a pena de multa que se encontra por liquidar (artigo 49º, nº 2, do CP) ou beneficiar da suspensão da prisão subsidiária (verificados os pressupostos do art. 49º, nº 3, do CP).[3]

Atento o entendimento exposto, conclui-se que o recurso não deveria ter sido admitido na 1ª.Instância, por extemporâneo. No entanto, a decisão da 1ª.Instância, que admitiu o recurso, não vincula este Tribunal, conforme se estabelece no artigo 414- 3 do C.P.P.. sendo assim, agora, de proferir a sua rejeição, por decisão sumária (artº.420 nº. 1 b) do C.P.P.).

Decisão.

Atento o que fica exposto, por decisão sumária (artigos 417- 6 alínea b) e 420- 1 alínea b) do C.P.P., decide-se pela rejeição do recurso interposto pelo arguido, que foi junto fora do prazo de 30 dias estabelecido no artigo 411-1 b) do C.P.P.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC., acrescida de 3 Ucs. (art. 420 nº. 3 do C.P.P.).

Notifique.”

                          É desta decisão sumária que o arguido F... reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 417 nº. 8 do C.P.P.

Argumenta o recorrente com o que chama de “Ilegalidade da Decisão Reclamada” por ter acolhido entendimento diverso da jurisprudência que cita e parecer da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa, no sentido de que a notificação da decisão que converte a pena de multa em prisão subsidiária (artº. 49-1 do C.P.) deve ser pessoalmente notificada ao arguido.

Na verdade a jurisprudência tem-se dividido sobre esta questão da modalidade da notificação do despacho da conversão da multa em prisão, consoante se considere ou não como contendo uma modificação do conteúdo decisório da sentença, o despacho que decrete a conversão da pena de multa em prisão.

Como dissemos na decisão sumária, salvo o merecido respeito pela opinião vertida na jurisprudência citada pelo recorrente, não perfilhamos aquele entendimento. Antes entendemos que se não verifica nenhuma modificação da decisão condenatória, que, continua a ser em pena de multa; e, assim é que o arguido pode a todo o tempo impedir a detenção da prisão subsidiária, quer pagando a multa, quer provando a sua falta de pagamento e obter a suspensão tal como estabelece o nº. 2 e 3 do artigo 49 do C.Penal.

E, ainda que se entenda que a notificação pessoal se justifica pelo facto de o TIR se ter extinguido com o trânsito em julgado da decisão condenatória, mesmo nesta perspectiva discordamos de que a notificação do despacho da conversão tenha de ser pessoal, uma vez que o estatuto de arguido se mantém durante todo o decurso do processo (artº. 57 nº. 2 do C.P.P.) e, nessa qualidade se aplica o disposto no artigo 113 nº. 9 do C.P.P.

                         Nesta perspectiva que perfilhamos encontramos também jurisprudência: acórdãos da Relação do Porto de 16.03.2012, Processo n.º 4989/08.3TAMTS-A.P1, 06.04.2011, Processo n.º 53/10.3PBMTS-A.P1, e 02.05.2012, Processo n.º 4261/07.6TAMTS-A.P1, da Relação de Lisboa de 17.06.2008, Processo n.º 4129/2008-5, e 22.05.2012, Processo n.º 588/06.2GTCSC.L1-5, e de 22/5/2012 no processo nº. 588/06.2GTCSC.L1-5 in www.dgsi.pt.).

Este é o nosso entendimento, o qual nos conduz à conclusão da extemporaneidade do recurso, uma vez que, tendo o Defensor sido notificado da decisão agora impugnada em 28/1/2013, é manifesto que, perante o prazo estabelecido para a interposição do recurso (à data de 20 dias e actualmente de 30- artº. 411 do C.P.P. consoante a redacção anterior e a posterior à vigência da Lei 20/2013) a data em que o mesmo foi interposto -17/10/2014- excedeu largamente aquele prazo legal..

Cumpre ainda dizer o seguinte: caso perfilhássemos o entendimento sufragado pelo recorrente, sempre haveria de concluir-se da mesma extemporaneidade do recurso, agora com a douta fundamentação aduzida pelo Mº.Pº. na sua resposta ao recurso.

 E, ainda sobre as invocadas inconstitucionalidades exemplificadas nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, citados pelo recorrente ( nº. 476/2004 e 418/2005) não vemos qualquer semelhança com a situação em causa, pois ambos se reportam a decisões condenatórias (acórdãos ou sentenças) e não a despachos posteriores à condenação transitada em julgado, como é o caso vertente.

Assim, de novo analisada a decisão sumária ora reclamada, este tribunal colectivo delibera confirmar a integralidade da mesma, subscrevendo e reproduzindo aqui todos os seus fundamentos.

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Assim se concluindo ficam prejudicadas as restantes questões aduzidas pelo recorrente na motivação e conclusões do recurso.

Uma vez que a decisão da 1ª.Instância, que admitiu o recurso, não vincula este Tribunal, conforme se estabelece no artigo 414- 3 do C.P.P. é agora, de proferir a sua rejeição.

III – DECISÃO.

Acordam os juízes da 9ª Secção do Tribunal desta Relação em julgar improcedente a reclamação para a conferência, apresentada pelo recorrente e consequentemente em rejeitar o recurso interposto pelo arguido, que foi junto fora do prazo de 30 dias estabelecido no artigo 411-1 a) do C.P.P.

Fixa-se em 3Ucs. a taxa de justiça devida.

Lisboa, 07 de Maio de 2015

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)

                                                                                                                          (Maria do Carmo Ferreira)

                (Cristina Branco)


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[1] Não é, no caso aplicável a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010. D.R. n.º 99, Série I de 2010-05-21
Fixa jurisprudência no sentido de que: i - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. ii - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). iii - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]


[2] Ac. Rel.Lx de 8 de Maio de 2013 em dgsi.pt
[3] Ac.R.Porto de 6/ 4/2011- dgsi.pt