Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1387/22.0T8SNT-C.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO A FAVOR DA MASSA INSOLVENTE
FACTOS NOVOS NÃO CONSTANTES DA COMUNICAÇÃO DE RESOLUÇÃO
PREJUÍZO PARA A MASSA INSOLVENTE
MÁ-FÉ DO TERCEIRO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.Na acção de impugnação da resolução a favor da massa o impugnante não pode ser surpreendido com a invocação de novos factos essenciais, não constantes da declaração de resolução.

2.A troca de um objecto por uma soma pecuniária equivalente não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente.

3.A alegação do requisito da má fé do terceiro constitui um facto essencial do direito à resolução condicional exercido pela AI, pelo que os factos base da presunção judicial de má fé não podem também deixar de ser considerados como essenciais ao exercício desse direito.

4.Não tendo o julgamento incidido sobre um facto essencial para a sorte da acção, impõe-se determinar a ampliação da matéria de facto e a anulação da sentença, nos termos do art. 662º, n.ºs 2 e 3 als. c) do CPC.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:



I.CB intentou contra Massa Insolvente de CS, representada pela Administradora Judicial, Dra. MM, a presente acção declarativa de impugnação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente, por apenso ao processo de insolvência.
Alegou, em síntese, que, por carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Julho de 2022, recebida a 21 de Julho de 2022, a ré Massa Insolvente comunicou-lhe a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre esta e o Insolvente CS, tendo por objecto o prédio urbano denominado Lote 8”, sito em …. composto por terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de M____ sob o …. da freguesia de E..... e inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo …. da freguesia de E.....; que nessa carta não se justifica, nem se esclarece porque motivos se encontram reunidos tais pressupostos, não contendo a comunicação da resolução a alegação de qualquer facto, apenas uma mera remissão para as normas legais, pelo que a mesma é ineficaz; que, caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe, impugna-se a resolução declarada pela Ré Massa Insolvente, sendo que entre o insolvente e a A., ora impugnante, não havia à data qualquer ligação; que durante o processo negocial nunca o insolvente lhe disse que tinha urgência em concretizar o negócio, nem tão pouco que se encontrava numa situação económica difícil, ou que era sua intenção apresentar-se à insolvência; que não tinha conhecimento da situação económica do vendedor; que o preço foi liquidado por transferência bancária para o IBAN que lhe foi indicado pelo vendedor, e cujos comprovativos se anexam como Docs. n°s 4, 5 e 6, desconhecendo o destino que o mesmo deu ao produto da venda; que tem de entender-se que a comunicação de resolução carece de conter «factualidade suficiente» para fazer nascer o direito de resolução, a apreciar casuisticamente, pois a deficiência de fundamentação da declaração de resolução não pode ser suprida na contestação da ação de impugnação daquela resolução (neste sentido vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.03.2014, Proc. 251/09.2TYVNG-L.P1).
Terminou pedindo seja revogada a resolução em benefício da massa insolvente notificada pela Senhora Administradora da Insolvência e relativa ao contrato de Compra e Venda do prédio urbano, acima identificado, devendo, em consequência, manter-se o direito de propriedade da aqui Autora, conforme registo constante da competente Conservatória do Registo Predial.

A ré Massa Insolvente apresentou contestação, mediante a qual manteve o alegado na comunicação de resolução, defendendo ter sido a mesma fundamentada, válida e eficaz.

Alegou ainda que a Autora, enquanto pessoa especialmente relacionada com o insolvente, tinha conhecimento da sua difícil situação económica ou de iminência de insolvência; que tendo em conta a relação duradoura e até afetiva entre ambos, seria impossível esta desconhecer a situação económica do insolvente.
Termina pedindo  seja a presente ação julgada totalmente improcedente e determinada a validade e eficácia da carta resolutória enviada pela Ré à Autora, com as legais consequências.
Realizou-se audiência prévia, onde foi tentada a conciliação, enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Concluído o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu:
“julga-se improcedente a presente ação e, consequentemente, declara-se válida e eficaz a declaração de resolução do contrato de compra e venda celebrado entre CB e CS relativo ao prédio urbano, denominado “ Lote 8 “, sito em …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de E..... e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de M_____ sob o nº …, outorgado por Escritura Pública, no dia 20/01/2022, no Cartório Notarial de Ó....., a cargo do Notário AAMB... .
Custas a cargo da Autora, que a estas deu causa (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi art.º 17º do CIRE).”

Inconformada, veio interpor a autora CB o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões:
a)-Na sentença que ora se recorre, entendeu o Tribunal a quo que a dita resolução operada pela Senhora Administradora de Insolvência, através de carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Julho de 2022, obedeceu aos requisitos formais de conteúdo exigíveis para a sua efectivação, por considerar “…que a fundamentação da declaração de resolução basta-se com a indicação sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, desde que perceptíveis. Ao Administrador da insolvência só cabe alegar factos, não se lhe impõe que os qualifique juridicamente…”. Não tendo a Senhora Administradora elencado factos concretos, apenas se limitou a referir as normas jurídicas alegadamente violadas.
b)-O Tribunal a quo baseia a sua decisão tomando em consideração factos e documentos constantes nos demais apensos deste processo, mas labora em erro relativamente ao pagamento do preço do imóvel objecto destes autos (cujo comprovativo se encontra junto à PI), quanto ao alegado prejuízo causado aos credores do insolvente, quando se encontra provado por documento junto no Apenso A (Refª. 22616686 de 24/01/2023), que o insolvente pagou dividas ao Millennium BCP, com o quantitativo recebido pela venda do lote objecto deste processo.
c)-Argumentando o Tribunal a quo que a Administradora de Insolvência concretizou de forma suficiente e claramente perceptível os factos em que suportou a decisão de resolução, por entender que houve uma cabal identificação do acto e dos direitos inerentes ao mesmo e que as expressões usadas pela Administradora da Insolvência na aludida missiva – “…“diminuição do valor da massa insolvente”, “satisfação igualitária dos direitos dos credores”, ainda que correspondam a termos jurídicos, são também palavras de uso corrente na linguagem comum, portadoras de um sentido corrente…”
d)-A Douta Sentença recorrida, assenta numa errónea avaliação dos factos e de toda a prova produzida nos presentes autos, e numa incorrecta interpretação de Direito, considerando, assim a Recorrente, que o pedido formulado deveria ter sido totalmente procedente, por provado, uma vez que, foi obtida prova suficiente que lhe permita concluir pela declaração de nulidade da resolução operada pela Senhora Administradora de Insolvência.
e)-Atenta a matéria provada, entendeu a Meritíssima Juiz a quo que na carta em apreço e objeto dos presentes autos “ A fundamentação da declaração de resolução basta-se com a indicação sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução desde que percetíveis. Ao Administrador da Insolvência só cabe alegar factos, não se lhe impões que os qualifique juridicamente porque, na realidade, o Administrador da Insolvência não tem que ser um jurista.”
f)-Da declaração resolutiva resulta claro, que a Senhora Administradora de Insolvência limitou-se a comunicar a resolução, a identificar o ato jurídico afetado, o seu objeto e a data da sua celebração, nela se incluindo, a invocação de diversos preceitos legais - totalmente desconhecidos para o cidadão comum - não fazendo qualquer ligação entre estes e a resolução que pretendia operar, não explicitando ou tornando claro qual o motivo daquela resolução, designadamente a prejudicialidade do referido ato para a massa insolvente e a eventual má-fé de terceiro.
g)-A declaração resolutiva efetuada pela Senhora Administradora de Insolvência mostra-se, assim, completamente omissa, entre outros, quanto a elementos essenciais, como sendo ao preço do referido negócio e/ou ao valor do mercado do imóvel e/ou a quaisquer outras circunstâncias factuais que permitisse à Recorrente concluir pelo preenchimento do requisito da prejudicialidade, essencial à resolução do negócio, não fazendo qualquer menção ao facto de que o produto da venda se destinou ao pagamento de uma dívida do insolvente.
h)- Como é consabido, apesar de o CIRE não especificar qual o grau de fundamentação necessário que deve constar na carta resolutiva ou até mesmo se ela deve existir, pois tal não resulta do disposto no artigo 123.º, do referido diploma legal, a doutrina e a jurisprudência dominante têm entendido que “a carta resolutiva deverá conter, ainda que sistematicamente, a motivação fáctica específica que origina a resolução do ato em benefício da massa insolvente, pois, tendo o terceiro o direito de impugnar o ato, através da ação prevista no artigo 125.º, este tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados. – vide neste sentido Gravato Morais, in ob. cit., pág. 164. E Acs. Rel. Porto de 10.5.2011 e de 24.11.2011, disponíveis in www.dgsi.pt”, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04.06.2013, Proc. 354/12.6TBFND.K.C1, disponível em www.dgsi.pt.
i)-Assim, ainda que, tal como a Meritíssima Juiz a quo, se opte pela orientação mais moderada no que toca à fundamentação da declaração de resolução, não se pode olvidar que “sem pretendermos ser demasiado rigorosos no que concerne às exigências substanciais da carta resolutiva, pois a lei não impõe que mesma seja exaustiva quanto à explicação dos fundamentos que levam à resolução, tem, no entanto, de entender-se que tal carta carece de conter «factualidade suficiente» para fazer nascer o direito de resolução, a apreciar casuisticamente, pois a deficiência de fundamentação da declaração de resolução não pode ser suprida na contestação da ação de impugnação daquela resolução”, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.03.2014,Proc.251/09.2TYVNG-L.P1.
j)-Com efeito, incumbia à Senhora Administradora de Insolvência indicar os factos concretos que fundamentam a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrente e o Insolvente, bem como a prejudicialidade do mesmo, pois só dessa forma a Recorrente ficava em condições de poder impugnar a resolução, o que, supra se referiu, não se verificou.
k)-Na senda do invocado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, atrás citado, “concordando, embora, que não é necessário que na carta resolutiva o AI transcreva o preceito legal em que fundamenta a resolução do negócio em benefício da massa – que para o efeito indica - já não poderemos conceber que a mera indicação de tal preceito legal se mostre suficiente para permitir ao terceiro o direito de impugnar essa resolução, pois, sem conhecimento prévio dos pressupostos que fundamentam essa resolução, ainda que indicados de forma genérica e sintética, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada, aquele não está habilitado a deduzir contra a mesma qualquer impugnação”.
l)-A missiva resolutiva apenas refere que “…O adquirente, sendo pessoa muito próxima do insolvente, tinha conhecimento da situação de insolvência. O acto em causa é um acto prejudicial em relação à massa insolvente, pois consideram-se como tais, além dos actos que implicam diminuição do valor da massa insolvente, todos os que tornem a satisfação dos interesses dos credores mais difícil ou mais demorada…”. Salvo o devido e merecido respeito por proficiente entendimento contrário, trata-se de uma carta-tipo, da qual não resultam quaisquer factos concretos e específicos ao negócio que se pretende resolver.
m)-Assim, salvo melhor entendimento, a carta enviada pela Senhora Administradora de Insolvência à Recorrente não chega a concretizar em que factos é que fundamentou a sua decisão de resolução, ou mesmo em que é que se traduziu o prejuízo do negócio celebrado entre a Recorrente e o Insolvente, ficando, pois, aquela sem saber e sem se provar a razão pela qual a celebração de um contrato de compra e venda, só por si e sem mais, prejudica a massa insolvente.
n)-A carta resolutiva mostra-se, assim, absolutamente omissa a respeito da factualidade suscetível de integrar a previsão do artigo 120.º, do CIRE, ou tão pouco de algumas das alíneas do artigo 121.º, do mesmo diploma (e em que, designadamente, o Tribunal a quo se considera integrar o negócio em causa), não fazendo qualquer menção aos contornos do negócio realizado, ao valor da venda, ao valor do imóvel no mercado, preço de aquisição e ainda quais os factos referentes a essa venda, suscetíveis de traduzir prejuízo para a massa insolvente.
o)-Do mesmo modo, daquele subscrito não está também suficientemente alegado ou, melhor dizendo, não está sequer alegado, nem muito menos resultou provado, o requisito da má-fé, também ele essencial para a resolução condicional do ato em benefício da massa insolvente, nos termos do artigo 120.º, do CIRE.
p)-Face ao exposto, e ao contrário do que invoca a Meritíssima Juiz a quo, a carta enviada pela Senhora Administradora à Recorrente, não contém sequer a fundamentação mínima e necessária que permitisse à Recorrente saber por que factos concretos se declarou resolvido o negócio por ela celebrado com o Insolvente, nem sequer qual a prejudicialidade do mesmo para a massa insolvente, ou ainda, a existência da má-fé, requisitos necessários de que depende aquela resolução condicional.
q)-Como decorre da própria Sentença recorrida, “ Na carta a enviar pelo Administrador da Insolvência e que consubstanciará o ato de resolução do ato em beneficio da massa insolvente, este tem de invocar os fundamentos da resolução, expor os factos que tem por verificados e em que baseia a sua resolução do ato ou atos:o ato que foi praticado ou omitido e a data em que o foi; bem como os factos e as razões em que se baseia a prejudicialidade dos mesmos…”.
r)-A declaração de resolução, efetuada pelo Administrador da Insolvência, deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da respetiva acção de impugnação (Ac. S.T.J. de 17-9-2009, Proc. 307/09.1YFLSB, em www.dgsi.pt).
s)-O Tribunal a quo, ao admitir esse suprimento, traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova, em momento posterior ao exercício desse direito e que, por isso, não foi utilizada para fundamentar aquela declaração de resolução”, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, supra citado.
t)-No caso dos presentes autos, a Senhora Administradora de Insolvência não invoca os factos concretos que subjazem à resolução do negócio jurídico celebrado entre a Recorrente e o Insolvente, nem mesmo os factos concretos que fundamentem a prejudicialidade do referido negócio, ou a má-fé do terceiro, mas fá-lo em sede de contestação à acção de impugnação, e como se disse, não o fazendo, porém, na declaração de resolução do referido negócio, o que não pode conceber-se como aceitável, nem tão pouco que o mesmo substitua ou supra as deficiências da declaração de resolução.
u)-Estando aqui em causa o “princípio da imutabilidade da causa de resolução”, pelo que não pode a invocação posterior de novos factos ou novos vícios não invocados antes e desconhecidos da Impugnante, servir para que a declaração de resolução se torne eficaz, quando a mesma não cumpre os requisitos legais para a sua validade e realização.
v)-Deve assim ser revogada a decisão recorrida, por se verificar uma errada interpretação dos factos e do Direito.
w)-Cumpre, aliás, referir que, com a outorga do referido contrato de compra e venda, o Insolvente desonerou-se de uma obrigação, mais concretamente do pagamento do crédito bancário que havia efetuado no Millennium BCP, vindo-se desonerado de uma obrigação e de um passivo elevado.
x)-Conclui-se, ainda, por outro lado, que inexiste qualquer prejudicialidade para a massa insolvente na realização do referido negócio, uma vez que o mesmo, além de não atentar contra a massa insolvente, frustrando, dificultando, impossibilitando, diminuindo ou pondo em perigo a satisfação dos direitos dos credores, garantiu que o passivo do Insolvente fosse diminuído.
y)-Resulta assim da prova produzida nos documentos constantes dos presentes autos, que inexiste qualquer prejudicialidade no negócio jurídico celebrado entre o Insolvente e a Recorrente, pressuposto fundamental para que se verifique a resolução de um ato em benefício da massa insolvente, nos termos do artigo 120.º, do CIRE.
z)-A prejudicialidade, ainda que não presumida, não se verifica, contudo, no caso dos presentes autos, uma vez que, conforme já supra referido, o Insolvente desonerou-se de uma obrigação e diminuiu o seu passivo.
aa)-A aquisição do imóvel pela ora Recorrente e pelo preço de 25.000,00€ em nada prejudicou a massa insolvente (que à data, relembre-se, não existia), que como resulta do processo de insolvência, se destinou ao pagamento de dívidas do Insolvente
bb)-Resulta, assim, da prova produzida inexistir qualquer prejudicialidade no ato jurídico realizado entre a Recorrente e o Insolvente, razão pelo qual o mesmo não deve ser resolvido, uma vez que não se verifica um dos pressupostos essenciais para a resolução do negócio em benefício da massa insolvente, previstos no artigo 120.º, n.º 1 e 2, do CIRE, devendo, por esse motivo, a Decisão recorrida ser objeto de revogação.
cc)-Como ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já supra citado, “nos termos gerais do nosso direito positivo, compete àquele que invoca um direito a alegação e prova dos factos constitutivos desse direito, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos cabe àquele contra quem o direito é invocado, conforme dispõe o artigo 342.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. Contudo, a Lei contempla algumas regras especiais, relativamente à repartição do ónus da prova. Assim, nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, nos termos do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil”.
dd)-A ação de impugnação, que releva no caso dos presentes autos, tem, pois, em vista a negação dos factos invocados pela Administradora de Insolvência para fundamentar a resolução que declarou extrajudicialmente. Trata-se uma ação de simples apreciação negativa, que pretende tão-somente a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência.
ee)-Assim, a alegação da inexistência de prejudicialidade do ato ou da má-fé de terceiro não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que, por via extrajudicial, foi exercida pela Senhora Administradora de Insolvência.
ff)-A inexistência da prejudicialidade ou da má-fé alegadas pela Impugnante, ora Recorrente, a provar, não determinam a extinção do direito potestativo de resolução, mas antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito.
gg)-Deste modo, na presente ação de impugnação, era à aqui Recorrida, Administradora de Insolvência, a quem incumbia a prova dos requisitos da resolução do negócio, invocados na carta, dirigida à Recorrente, a qual, conforme já supra mencionado, não se fez, pois, salvo melhor opinião, não basta alegar o facto de “…O adquirente, sendo pessoa muito próxima do insolvente, tinha conhecimento da situação de insolvência…., para a prova de que conhecia a sua situação económica difícil ou de insolvência iminente.
hh)-Sem Prescindir ainda se terá que referir, que a considerar-se válida a resolução, como o fez a sentença de que se recorre, e provado que está também o pagamento do preço e correspondente pagamento do crédito da massa insolvente, verifica-se um enriquecimento sem causa da massa insolvente à custa do património da ora recorrente.
ii)-Da comunicação resolutiva impunha-se portanto que um mínimo de factualidade fosse alegada sobre o efectivo prejuízo, não bastando a afirmação de que o adquirente, sendo pessoa muito próxima do insolvente, tinha conhecimento da situação de insolvência.
jj)-Resta assim concluir que da comunicação de resolução não se extraem factos fundamentadores quer do prejuízo para a massa do acto impugnado para efeitos do disposto no artigo 120º nº 1 do CIRE.
kk)-Por tudo o que antecede, deve a douta Sentença recorrida ser alterada e, em conformidade, ser declarar nula e sem efeito a resolução operada pela Senhora Administradora de Insolvência cessante, devendo ser alterado o julgamento dado à matéria de facto e de Direito, a qual foi incorretamente julgada e apreciada, violando-se o disposto nos artigos 120.ºe 121.º, do CIRE e artigos 342.º e 343.º, n.º 1, do Código Civil.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II.–As questões a decidir resumem-se essencialmente em saber:
- se é caso de alterar a decisão sobre a matéria de facto;
- se a resolução operada pela A.I. é nula ou ineficaz;
- se não se verificam os requisitos da resolução condicional;
- se é caso de anular a sentença para ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 662º, n.ºs 2 e 3 als. c) do CPC.
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III.São os seguintes os factos considerados provados em 1ª instância:
1.Por requerimento de 24.01.2022 CS veio apresentar-se à Insolvência, o que veio a ser declarado por sentença proferida a 28 de Janeiro de 2022, pelas 11:53 horas.
2.A Ré Massa Insolvente, representada pela sua Administradora, remeteu carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Julho de 2022, recebida pela aqui A. a 21 de Julho de 2022, comunicou à A. a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre esta e o Insolvente Sr. CS, com o seguinte teor:
“Assunto: Resolução de negócio jurídico, denominado “Compra e Venda”, em benefício da massa insolvente.
Exma. Senhora,
Na qualidade de Administradora de Insolvência no Processo: 1387/22.0T8SNT, que corre no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Comércio de Sintra — Juiz 6, e ao abrigo do disposto no n°1 do artigo 123º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), venho proceder à resolução em benefício da massa insolvente do contrato denominado “Compra e Venda”, realizado por V. Exa. Como compradora, e CS como vendedor na escritura pública de 21 de Janeiro de 2022, lavrada de folhas ..... e ..... a folhas ..... do Livro de Notas para Escrituras diversas, número ..... e ..... e ..... - F, do Cartório Notarial a cargo do Notário AAMB..., respeitante ao imóvel que passo identificar:
”Prédio urbano denominado “ Lote 8”, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de M____ sob o n° … da freguesia de E..... e inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo …. da freguesia de E..... .
Os fundamentos da resolução são os seguintes:
De acordo com o art. 120-", no 1, do CIRE, podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Consideram-se prejudiciais à massa, segundo o n° 2 do referido preceito, os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
O último requisito da resolução em benefício da massa insolvente é a existência da má fé de terceiro, considerando-se, como tal, nos termos do art. 120º, n° 5 do CIRE, o conhecimento por este das seguintes circunstâncias:
a)-De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b)-Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c)-Do início do processo de insolvência.
Ora, a petição inicial do processo de insolvência deu entrada no Tribunal em 24-01-2022, tendo a sentença de declaração da insolvência sido proferida em 28-01- 2022.
Assim, o negócio de compra e venda em questão, celebrado em 21 de Janeiro de 2022, foi efectuado nos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Por outro lado:
O adquirente, sendo pessoa muito próxima do insolvente, tinha conhecimento da situação de insolvência.
O acto em causa é um acto prejudicial em relação à massa insolvente, pois consideram-se como tais, além dos actos que implicam diminuição do valor da massa insolvente, todos os que tornem a satisfação dos interesses dos credores mais difícil ou mais demorada.
E tal critério está em consonância com a finalidade do processo de insolvência, que visa a satisfação igualitária dos direitos dos credores.
Ora, na situação em causa, o acto prejudicial consiste na venda do imóvel supra identificado, atenta a natureza volátil da contrapartida.
Contudo, tal poderá não se verificar, se a contrapartida for apreendida nos autos, se tiver sido empregue na aquisição de outos bens apreendidos para a massa insolvente ou se proporcionar um aumento do Activo.
Sucede que no presente caso não foi encontrada a contrapartida (preço) correspondente às alienações.
Entende-se, pois, que o carácter prejudicial dos actos praticados se depreende da volatilidade da contrapartida e à inexistência de justificação e/ou de um elemento de não prejudicialidade para com os credores da insolvente.
Daí que o prejuízo da venda se mostre evidente para a massa insolvente.
Em face do exposto, fica V. Exa, por este meio notificada da resolução declarada, com a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria, se o acto não tivesse sido praticado.
Lisboa, 11 de Julho de 2022.
A Administradora da Insolvência
MM (…)

3.CS, era proprietário do prédio urbano, denominado “Lote 8”, sito em …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de E..... e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de M____ sob o n.º….
4.O insolvente vendeu à aqui impugnante o prédio urbano referido em 3), por escritura datada de 20/01/2022.
5.O Insolvente e a CB, viveram em união de facto um ano, entre Dezembro de 2020 e Novembro de 2021.
6.No apenso D dos presentes autos, por sentença proferida em 09.02.2023, não transitada em julgado mostram-se provados, entre outros, os seguintes factos:
  • Por requerimento de 24.01.2022 CS veio apresentar-se à Insolvência, o que veio a ser declarado por sentença proferida a 28 de Janeiro de 2022, pelas 11:53 horas;
  • O Insolvente foi sócio único da sociedade comercial MD, Lda.
  • CB foi trabalhadora da MD, Lda. pelo menos entre 2013 e 2016.
  • CB era socia única da sociedade comercial AF, Lda. que, por sua vez, foi a entidade patronal do Insolvente até 31.12.2021.
  • CB teve o mesmo domicílio fiscal que o Insolvente CS, sito na Urb. ….
E são os seguintes os factos considerados não provados na sentença:
a)-Entre o insolvente, e a A., ora impugnante, não havia à data qualquer ligação.
b)-A aqui impugnante, comprou o supra identificado lote, porque teve conhecimento de que estava à venda através de uma amiga.
c)-Depois de algumas conversações com o insolvente, chegaram a entendimento sobre o seu preço.
d)-Como não tinha disponibilidade financeira para proceder ao pagamento do preço, tentou conseguir quem lhe emprestasse o dinheiro e procedeu ao agendamento da escritura, logo que lhe foi entregue pelo vendedor, a documentação necessária para o efeito.
e)-O mútuo foi contraído ao Senhor AS, pessoa que foi contactada pela A., em virtude de o conhecer por viver na mesma zona e saber que era uma pessoa com uma boa condição financeira.
f)- A A. encontra-se a cumprir o contrato de mútuo celebrado, ou seja, paga mensalmente a respectiva prestação.
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IV.Do mérito do recurso:

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Como ressalta das conclusões b) a d), a apelante impugnou a decisão sobre a matéria de facto, propugnando que se dê como provado o pagamento do preço do imóvel objecto destes autos (com base nos documentos n.ºs 4, 5 e 6 juntos com a p.i.) e que o insolvente pagou dividas ao Millennium BCP, com o quantitativo recebido pela venda daquele (com base num documento junto ao apenso A) no dia 24/01/2023).
Quanto ao 1º dos aludidos factos:
Na p.i. (art.º 18º) a apelante alegou que o preço foi liquidado por transferência bancária para o IBAN que lhe foi indicado pelo vendedor, e cujos comprovativos se anexam como Docs. n°s 4, 5 e 6, e cujo conteúdo se dá como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais”.
Os documentos em referência constituem comprovativos da realização de três transferências nos dias 21/01/2022, 22/01/2022 e 23/01/2022 dos montantes de €10.000,00, €10.000,00 e €5.000,00, respectivamete, da conta IBAN n.º PT50…05, de CB para a conta IBAN n.º PT50…04 de MR.
Essas transferências totalizam a quantia de €25.000,00, valor idêntico ao preço declarado na escritura pública em causa nos autos, outorgada no dia 20/01/2022.
Acontece que nesta se exarou que pelo vendedor (ora insolvente) foi declarado que o “preço foi pago por transferência bancária hoje efectuada a partir da conta com o IBAN PT 50…105 para a conta com o IBAN PT50…02(sublinhados nossos), tendo a compradora (ora apelante) declarado aceitar a venda nos termos exarados.
Ora, a conta referenciada na escritura como sendo a conta destino do preço não corresponde ao número de conta destino referenciada nos docs. n.ºs 4, 5 e 6 supra referenciados, e as transferências corporizados em tais documentos foram efectuadas nos dias seguintes à celebração da escritura.
Valorando esta divergência documental, e não tendo sido produzidos outros elementos de prova esclarecedores do efectivamente ocorrido, considera-se não ter sido feita prova suficiente do facto em referência, desatendendo-se a impugnação deduzida pela apelante.
Quanto ao 2º dos aludidos factos:
No apenso A), foi junto no dia 24/01/2023 um documento composto por facturas-recibo (2ª via). Duas facturas-recibo datadas de 27/01/2022, sendo numa delas referida uma operação de reembolso antecipado relativamente ao empréstimo n.ºs 28......12 e  em outra referente ao empréstimo n.º 28......72 do banco Millenium, dos montantes de €13.809,58 e de €11.693,88, respectivamente; uma outra factura-recibo, datada de 8/04/2022, referente ao empréstimo n.º 29......72, do montante de €156,50.
Incumbia à recorrente relacionar estas operações de reembolso, ocorridas já após o insolvente se apresentar à insolvência,  com o destino dado ao produto da venda  celebrada dia 20/01/2022, o que não fez, posto que, para além dessa documentação, não foi produzida qualquer outra prova.
De resto, esse facto não foi sequer alegado nos autos (p.i.) pela impugnante/apelante.
Assim sendo, desatende-se a impugnação deduzida pela apelante também nesta parte.

Da questão de direito:
Na sentença proferida nos autos, o tribunal a quo julgou improcedente a presente ação e “válida e eficaz a declaração de resolução do contrato de compra e venda celebrado entre CB e CS relativo ao prédio urbano, denominado “ Lote 8 “, sito em …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, freguesia de Encarnação e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de M_____ sob o nº …., outorgado por Escritura Pública, no dia 20/01/2022, no Cartório Notarial de Ó....., a cargo do Notário AAMB...”.
Entendeu-se na sentença que:
“Da alegação descrita resulta que a Administradora de Insolvência concretizou de forma suficiente e claramente percetível os factos em que suportou a decisão de resolução, desde logo, através da cabal identificação do ato e dos bem e direitos dela objeto, correspondente à transmissão de imóvel realizado pelo insolvente em benefício da autora.
Da carta de resolução mais consta referência ao requisito temporal previsto pelo art.º 120º, nº 1 do CIRE, sendo que no presente caso entre a celebração da escritura e a apresentação à insolvência mediaram apenas 3 dias.
A má fé consta perfeitamente concretizada pela alegação de que autora tinha conhecimento da situação de insolvência por ser pessoa muito próxima do insolvente, e ainda na alegação de que o ato objeto de resolução visou favorecer a autora em detrimento dos credores do insolvente, alegação que concretiza o conhecimento da prejudicialidade do ato exigido pelo pressuposto da má fé nos termos previstos pelo art.º 120º, nº 5, al. b).
Acresce que as expressões usadas pela Administradora de Insolvência – “diminuição do valor da massa insolvente”, “satisfação igualitária dos direitos dos credores” ainda que correspondam a termos jurídicos, são também palavras de uso corrente na linguagem comum, portadoras de um sentido corrente.
Pode, pois, concluir-se que a declaração de resolução se encontra devidamente fundamentada no que concerne à prejudicialidade do ato que foi objeto de resolução.
Importa ter em conta que a resolução em benefício da massa insolvente pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de quem se tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
Nos termos do artigo 49º, do citado código “1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:
a)- O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b)- Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
c)- Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;
d)- As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Ora, no caso em apreço, no ato de resolução refere-se que a adquirente é pessoa especialmente relacionada com o Insolvente, o que se veio a comprovar.
Ainda que se pudesse discutir se estávamos perante um namoro ou uma união de facto, o certo é que os meios de prova apontam para a existência de uma união de facto que terá durado até Novembro de 2021. Mas mesmo que assim não fosse, e a relação entre ambos fosse de namoro, sempre se entenderia que a Autora era conhecedora da situação patrimonial do Insolvente, pois a relação existente já perdurava à inúmeros anos (tendo sido alternadamente empregado/entidade patronal um do outro), com ligações familiares próximas (depoimento da testemunha).
A aquisição (compra e venda) do terreno, dias antes da apresentação à Insolvência, sem a correspondente entrada de valor na conta do Insolvente, transparecem a má-fé da Autora, e o claro intuito de prejudicar todos os credores.
Do exposto resulta que estão reunidos todos os pressupostos para a resolução do negócio em benefício da massa insolvente”.

Dissentindo, sustenta, em suma, a apelante que:
- Na declaração resolutiva não se faz qualquer ligação entre os preceitos legais invocados e a resolução que se pretendia operar, não se explicitando qual o motivo daquela resolução, designadamente a prejudicialidade do referido acto para a massa insolvente - não fazendo qualquer menção ao facto de que o produto da venda se destinou ao pagamento de uma dívida do insolvente - e a eventual má-fé de terceiro (conclusões f e g));
- Com efeito, incumbia à Senhora Administradora de Insolvência indicar os factos concretos que fundamentam a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre a recorrente e o insolvente, bem como a prejudicialidade do mesmo, pois só dessa forma a recorrente ficava em condições de poder impugnar a resolução, o que não se verificou (conclusão J);
- Não está sequer alegado, nem muito menos resultou provado, o requisito da má-fé, também ele essencial para a resolução condicional do acto em benefício da massa insolvente, nos termos do artigo 120.º, do CIRE (conclusão O));
- Não basta alegar o facto de “…O adquirente, sendo pessoa muito próxima do insolvente, tinha conhecimento da situação de insolvência…., para a prova de que conhecia a sua situação económica difícil ou de insolvência iminente (conclusão gg));
- A declaração de resolução, efetuada pelo Administrador da Insolvência, deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da respectiva acção de impugnação (Ac. S.T.J. de 17-9-2009, Proc. 307/09.1YFLSB, em www.dgsi.pt) – conclusão r);
- Cumpre, aliás, referir que, com a outorga do referido contrato de compra e venda, o insolvente desonerou-se de uma obrigação, mais concretamente do pagamento do crédito bancário que havia efetuado no Millennium BCP, vindo-se desonerado de uma obrigação e de um passivo elevado (conclusão), pelo que inexiste qualquer prejudicialidade para a massa insolvente na realização do referido negócio (conclusão x);
- Deve a sentença recorrida ser alterada e, em conformidade, ser declarar nula e sem efeito a resolução operada pela Senhora Administradora de Insolvência, devendo ser alterado o julgamento dado à matéria de facto e de Direito, a qual foi incorretamente julgada e apreciada, violando-se o disposto nos artigos 120.ºe 121.º, do CIRE e artigos 342.º e 343.º, n.º 1, do Código Civil (conclusão KK).

Como se exarou na sentença recorrida, o regime da resolução em benefício da massa insolvente instituído pelo CIRE (artigos 120.º a 126.º) visa salvaguardar as acções anteriores praticadas pelo devedor e que se prefigurem ou contenham indicações de haverem sido efectivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento (igualitário) dos credores.
A resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades: a)- a resolução condicional prevista no art. 120 do CIRE; b) a resolução incondicional prevista no art. 121º do citado diploma.
Na apelação está em causa a 1ª das referidas modalidades, e, fundamentalmente, se a comunicação resolutiva é nula e/ou ineficaz.

Como se refere no ponto 41 do Preâmbulo do Dec. Lei nº 53/2004 de 18.03, que aprovou o CIRE, no novo Código prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a «resolução em benefício da massa insolvente» -, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”.
Subjacente à previsão e faculdade legal de resolução de atos de caráter patrimonial pelo AI estão dois princípios estruturantes do processo falimentar: a garantia patrimonial dos bens e direitos dos credores dada pelo património do devedor, e a satisfação igualitária dos direitos dos credores (par conditio creditorum). A resolubilidade funda-se na quebra desses princípios e visa destruir ou tornar ineficaz a concessão de vantagens especiais pelo insolvente a terceiros ou a qualquer dos seus credores a partir do momento em que, durante o período suspeito (dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência), é conhecida a situação de insolvência – atual ou iminente – do devedor. A resolução permite à massa insolvente a recuperação das atribuições patrimoniais que nesse contexto foram concedidas com prejuízo para os credores da insolvênciacfr. Ac. desta Relação e Secção de 28/02/2023, proc. n.º 25911/19.6T8LSB-D.L1, Amélia Sofia Rebelo (relatora); vide ainda neste sentido, Marisa Vaz Cunha, Garantia Patrimonial e Prejudicialidade, 2017, Almedina, pag. 121.
Segundo o disposto no nº 1 do art. 123º do CIRE, a resolução poderá ser efectuada através de carta registada com aviso de recepção, cabendo a legitimidade para a ela proceder ao administrador da insolvência.
Existe concordância na doutrina e na jurisprudência sobre a resolução dever ser fundamentada, embora não se apresente como absolutamente linear e unânime qual deverá ser o necessário conteúdo da fundamentação.
Como se dá nota, entre outros, no Acórdão do STJ, de 29 de Abril de 2014 (Processo n.º 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, Pinto de Almeida-relator; acessível, assim como os adiante citados, em www.dgsi.pt), sobre a fundamentação da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, divisam-se na jurisprudência duas orientações:
Uma, mais rigorosa, na esteira do entendimento firmado no Acórdão do STJ de 17.09.2009, no sentido de que o administrador tem de indicar os concretos factos fundamento da resolução; só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução, não podendo a deficiência de fundamentação do acto ser suprida em sede de contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios. "A impugnação visará a negação dos factos invocados pelo administrador para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou".
Outra posição, mais moderada, reconhecendo que o terceiro tem o direito de impugnar o acto de resolução, afirma que ele deve conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele foram invocados. Todavia, a declaração de resolução apenas carece da indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada – vide, entre outros, os Ac STJ 29-04-2014, proc. n.º  251/09.2TYVNG-R.P1.S1, Pinto de Almeida, de 25-02-2014, proc. N.º 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, Ana Paula Boularot, e de de 12 de Março de 2019, Processo n.º 483/12.3TJCBR-H.P2.S1, Paula Boularot.
Seja como for, mesmo segundo esta última posição, que perfilhamos, o impugnante não pode ser surpreendido na acção com novos factos e novos fundamentos que não constassem da declaração de resolução – neste sentido vide o Ac. STJ 31/05/2023 (proc 25911/19.6T8LSB-D.L1.S1, Maria José Mouro-relatora; e que confirmou o acórdão desta Relação de 28/02/2023, supra refernciado).
Como se sintetizou no citado acórdão do STJ podemos assentar em que a declaração escrita de resolução em benefício da massa insolvente:
- deverá conter os elementos de facto que se mostrem suficientes para permitir ao destinatário saber o porquê da resolução, a apreciar pelo Tribunal face a cada caso concreto;
- deverá incluir os factos concretos essenciais que demonstrem as razões invocadas para a resolução, possibilitando ao destinatário da declaração a sua impugnação;
- não se impõe, porém, uma exaustiva indicação de todos os factos justificativos, ou uma justificação completa esgotando todos os fundamentos”.

No caso dos autos, a fundamentação vertida na declaração de resolução respeita à resolução condicional (art. 120º do CIRE).

Dispõe este normativo:
1 Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a elação especial não existisse a essa data.
5 Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a)- De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b)-Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c)- Do início do processo de insolvência.
6São insuscetíveis de resolução por aplicação das regras previstas no presente capítulo os negócios jurídicos celebrados no âmbito de processo especial de revitalização ou de processo especial para acordo de pagamento regulados no presente diploma, de providência de recuperação ou saneamento, ou de adoção de medidas de resolução previstas no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, bem como os realizados no âmbito do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas ou de outro procedimento equivalente previsto em legislação especial, cuja finalidade seja prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação.
Constituem assim requistos da resolução condicional:
- que o acto (praticado ou omitido) seja prejudicial à massa;
- que o acto ocorra dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (período suspeito);
- que se verifique a má fé do terceiro.
O ónus da prova desses requsitos cabe ao AI.
Ora, na carta resolutiva a Sra Administradora da Insolvência identificou o acto dela objecto, correspondente à transmissão de imóvel que identificou nos seguintes termos:
Prédio urbano denominado “Lote 8”, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de M____ sob o n° …. da freguesia de E..... e inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo … da freguesia de E.....”.
E situou no tempo esse acto dizendo que “a petição inicial do processo de insolvência deu entrada no Tribunal em 24-01-2022, tendo a sentença de declaração da insolvência sido proferida em 28-01- 2022. Assim, o negócio de compra e venda em questão, celebrado em 21 de Janeiro de 2022, foi efectuado nos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência.”

No que toca à prejudicialidade, alegou que o acto prejudicial consiste na venda do imóvel supra identificado, atenta a natureza volátil da contrapartida. Contudo, tal poderá não se verificar, se a contrapartida for apreendida nos autos, se tiver sido empregue na aquisição de outos bens apreendidos para a massa insolvente ou se proporcionar um aumento do Activo. Sucede que no presente caso não foi encontrada a contrapartida (preço) correspondente às alienações”.

E, como se entendeu no AC. STJ de 12/03/2019 (proc. n.º 493/12.3TJCBR-H.P2.S1, Ana Paula Boularot - relatora):
“(…) os actos prejudiciais à massa são amplamente definidos como “os actos que diminuem, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência” (artº 120º nº2 CIRE).
Na decorrência, e por apelo ao que a doutrina estabeleceu a propósito da norma requisito da impugnação pauliana do artº 610º al.b) CCiv, “qualquer acto que enfraqueça qualitativamente ou quantitativamente a garantia patrimonial pode e deve ser atacado”Prof. Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa, 2008, pg. 50.
“No fundo”, escrevem os Prof. Carvalho Fernandes e Dr. João Labareda, Anotado, I, 2005, pg. 434, “para além dos actos que implicam diminuição do valor da massa insolvente, são prejudiciais todos os que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada”.
Assim, a troca de um objecto por uma soma pecuniária equivalente não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente.
Aliás, como se escreveu a propósito da impugnação pauliana no Ac.S.T.J. 12/7/07, pº 07A1851, relatado pelo Consº Alves Velho, “o que releva é a impossibilidade ou dificuldade prática em executar os demais bens do devedor, como é tipicamente o caso da venda pelo preço justo e real mas com ocultação da importância recebida. O dinheiro é, na verdade, um bem que, pela sua natural fungibilidade é facilmente “mobilizável e sonegável à acção dos credores” (…). Não fora assim e, certamente, desapareceriam os casos de impugnação relativos a actos onerosos, com excepção dos feridos de simulação de preço, os únicos em que a insolvência ou o seu agravamento, tal como a consciência do prejuízo, são inerentes à inferioridade do valor efectivo da contraprestação relativamente ao valor real da coisa vendida.” O caso dos autos mais se caracteriza ainda por inexistir um pagamento efectivo do preço no acto da compra e venda, como resulta do processo e da alegação dos Autores.
No caso de actos realizados sem contrapartida ou, como no caso dos autos, sem possível contrapartida actual, a ocorrência de prejuízo para a massa rectius para a satisfação dos credores da insolvência decorre apodíctica, claramente, da própria disposição dos bens, ao invés dos contratos que prevêem prestações recíprocas, maxime a venda de um bem contra um determinado preço.
A questão da prejudicialidade torna-se evidente, em face da própria falta de contrapartida actual”.

Refira-se ainda que a impugnante não logrou demonstrar que com o preço da venda do imóvel procedeu no dia 27/01/2022 (ou seja, no dia anterior à declaração de insolvência) ao reembolso antecipado de empréstimos contraídos junto do banco Millenium BCP.
Ademais, ainda que tal pagamento tivesse ocorrido, sempre o mesmo teria violado o princípio do tratamento igualitário dos demais credores, sendo, também nessa medida, prejudicial à massa.

No que respeita ao requisito da má fé, diz-se na carta resolutiva:
“O último requisito da resolução em benefício da massa insolvente é a existência da má fé de terceiro, considerando-se, como tal, nos termos do art. 120º, n° 5 do CIRE, o conhecimento por este das seguintes circunstâncias:
a)-De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b)-Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c)-Do início do processo de insolvência.
Ora, a petição inicial do processo de insolvência deu entrada no Tribunal em 24-01-2022, tendo a sentença de declaração da insolvência sido proferida em 28-01- 2022.
Assim, o negócio de compra e venda em questão, celebrado em 21 de Janeiro de 2022, foi efectuado nos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Por outro lado:
O adquirente, sendo pessoa muito próxima do insolvente, tinha conhecimento da situação de insolvência.”

Assim, a AI concretizou de forma suficiente e claramente perceptível os factos em que suportou a má fé da adquirente, ao alegar que esta, na data da celebração da escritura de compra e venda, tinha conhecimento da situação de insolvência do vendedor - artº 120º nº5 al. a) do CIRE.
Porém, e no que toca a este requisito, o tribunal a quo fez funcionar a presunção a que alude o n.º 4 do art. 120º do CIRE, dando como provado que o insolvente e a adquirente CB, viveram em união de facto entre Dezembro de 2020 e Novembro de 2021 (facto n.º 5).
Ora, esse facto foi alegado na contestação e não na carta de resolução.
Com efeito, nesta a AI limitou-se a enunciar genericamente que a adquirente é uma pessoa muito próxima do insolvente.
Só que essa proximidade, para se enquadrar no conceito de pessoa especialmente relacionada com o devedor/insolvente, para efeitos de permitir presumir a má fé da adquirente, teria de ser integrada pela alegação de uma das situações elencadas no art. 49º, n.º 1 do CIRE – vide neste sentido o Ac. STJ de 29 de Abril de 2014, proc. n.º 251/09.2TYVNG-R.P1.S1, Pinto de Almeida (Relator).
Sendo a proximidade entre a adquirente e o insolvente alegada na carta de resolução destituída de qualquer elemento fáctico, não poderá valer para efeitos de presunção de má fé, na medida em que é insusceptível de conduzir à asserção de que a adquirente é uma pessoa especialmente relacionado com o insolvente.
Essa alegação apenas aconteceu em sede de contestação (aí a AI alegou ter a adquirente vivido em união de facto com o insolvente), sendo este articulado desadequado para o efeito, tendo em atenção a própria natureza da acção que tem por objecto por em causa uma resolução efectuada e nos precisos termos em que a mesma foi feita, não noutros que possam vir a ser trazidos aos autos e completamente desconhecidos do seu destinatário: este só poderá impugnar o que conhece e na medida do seu conhecimento, não podendo ser surpreendido com outra factualidade, como se assinala no citado Ac. STJ de 25/02/2014.
Pelo teor da carta de resolução, o destinatário tem de saber pelo menos, em termos suficientes, quais os factos que conduziram à destruição do negócio. Sendo a acção de impugnação da resolução uma acção de simples apreciação negativa, a mesma visará, essencialmente, a negação dos factos invocados pelo administrador da insolvência para fundamentar a resolução que declarou extrajudicialmente. E, como tal, na contestação a essa acção não podem ser alegados novos factos essenciais, mas apenas serem invocados factos complementares ou instrumentais dos alegados na carta de resolução, os quais, de resto, podem sempre ser considerados pelo juiz, nos moldes definidos no ar. 5º do CPC – cfr. neste sentido Marisa Vaz Cunha, ob. cit. pag. 274/275.
Ora, é fora de dúvida que a alegação do requisito da má fé do terceiro constitui um facto essencial do direito à resolução exercido pela AI, pelo que os factos base da presunção judicial de má fé não podem também deixar de ser considerados como essenciais ao exercício desse direito.
Assim, divergindo da sentença recorrida, não se pode considerar para efeitos de resolução do acto em causa nos autos a nova factualidade alegada na contestação atinente à presunção (ainda que ilidível) de má fé da adquirente, considerada provada sob o ponto n.º 5 (O Insolvente e a Catarina Bento, viveram em união de facto um ano, entre Dezembro de 2020 e Novembro de 2021).

Certo é que na carta de resolução foi alegado que na data da celebração do contrato de compra e venda (21/01/2022) a adquirente tinha conhecimento da situação de insolvência do vendedor, como se exige no art. 120º, nº 5, al. a) do CIRE.
E na contestação à acção de impugnação reiterou essa alegação (como se infere dos arts. 9º, 11º, 13º, 16º, 17º e 21º) e invocou diversos factos instrumentais atinentes à demonstração daquele facto (arts. 18º, 19º e 20º).
Acontece que o julgamento não incidiu sobre aquele facto essencial: Na data da celebração do contrato de compra e venda a adquirente tinha conhecimento da situação de insolvência do vendedor.
E pese embora o alegado (situação de insolvência) corresponda a um termo jurídico, trata-se de uma expressão de uso corrente na linguagem comum, significando que a pessoa se encontra impossibilitada de pagar a generalidade das suas dívidas vencidas, não podendo a adquirente, enquanto sócia única de uma sociedade comercial, desconhecer a significação dessas palavras.

Ora, como resulta da acta da audiência prévia, os temas da prova foram apenas os seguintes:
- Apurar o alegado nos artigos 13º e 14º da Petição Inicial (nesses artigos foi alegado que: 13° Entre o insolvente, e a A., ora impugnante, não havia à data qualquer ligação; 14° A aqui impugnante, comprou o supra identificado lote, porque teve conhecimento de que estava à venda através de uma amiga);
- Qual a forma e pela qual teve aqui Autora Conhecimento dos elementos da venda/negócio”.
Significa isto que o julgamento não envolveu a matéria corporizada no alegado conhecimento da situação de insolvência.
Sintomático de tal é que o tribunal a quo não considerou esse facto como provado ou não provado.
Impõe-se por isso ampliar a matéria de facto por forma a que o julgamento abranja aquela factualidade, o que importa a anulação da sentença e a repetição do julgamento, nos termos do art. 662º, n.ºs 2, al. c) e 3, al. c) do CPC.
Procede, por isso, em parte a apelação.
As custas do recurso ficam a cargo da parte vencida a final.

*
Sumário:
1.-Na acção de impugnação da resolução a favor da massa o impugnante não pode ser surpreendido com a invocação de novos factos essenciais, não constantes da declaração de resolução.
2.-A troca de um objecto por uma soma pecuniária equivalente não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente.
3.-A alegação do requisito da má fé do terceiro constitui um facto essencial do direito à resolução condicional exercido pela AI, pelo que os factos base da presunção judicial de má fé não podem também deixar de ser considerados como essenciais ao exercício desse direito.
4.-Não tendo o julgamento incidido sobre um facto essencial para a sorte da acção, impõe-se determinar a ampliação da matéria de facto e a anulação da sentença, nos termos do art. 662º, n.ºs 2 e 3 als. c) do CPC.
***

V.Decisão:

a.-Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, anulando-se a sentença recorrida, determinando-se a repetição do julgamento, de molde a que este abranja a matéria de facto acima referenciada, podendo ainda o tribunal apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão;
b.-Custas do recurso pela parte vencida a final;
c.-Notifique.



Lisboa, 5 de Março de 2024


(Manuel Marques Relator)
(Isabel Maria Brás Fonseca 1ª Adjunta)
(Teresa de Jesus S. Henriques2ª Adjunta)