Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
962/19.4T8TVD.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
QUEBRA DOS ÓCULOS
AJUDAS TÉCNICAS
REPARAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Tendo a trabalhadora, no tempo e local de trabalho, sido atingida na cabeça por alguns alguidares que arrumava, o que fez com que os óculos que usava caíssem ao chão e se partissem, é de concluir que esse evento causou perturbação funcional na trabalhadora no sentido de que deixou de poder contar com um auxiliar da visão e que a sua privação representa, objectivamente, uma redução na sua capacidade de trabalho, configurando o evento um acidente de trabalho.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
Porque se frustrou a tentativa de conciliação veio a sinistrada, AAA, residente (…), com o patrocínio do Ministério Público, intentar contra BBB, com sede na Rua (…), a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, pedindo que, julgada procedente a acção, a Ré seja condenada a pagar à Autora:
-789 euros relativos a despesas de reparação dos óculos estragados por causa do acidente de trabalho; e
- 12 euros por despesas com deslocações e transportes e demais quantias que a Autora ainda vier a desembolsar com transportes nas suas deslocações obrigatórias a Tribunal, acrescidos dos juros legais.
Invocou para tanto, em síntese, que:
-A 12 de Abril de 2019, a Autora era trabalhadora por conta de outrem da empresa (…). e estava colocada nas instalações da (…) exercendo as funções de cozinheira de 3.ª;
-Cerca das 12h45m desse dia, a Autora estava em tal local de trabalho e durante o horário de trabalho procedendo à arrumação de alguidares grandes por cima de uns armários de inox quando, de repente, tais alguidares caíram e bateram-lhe na cabeça e os óculos que utiliza normalmente durante o trabalho, com a pancada, caíram no chão e partiram-se.
- Por força do acidente acima descrito, a Autora sofreu estragos nos seus óculos cuja reparação, que ainda não efectuou, orça o valor de 789 euros e que lhe é devido de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 1,al.a) da Lei dos Acidentes de Trabalho;
- Em deslocações ao Tribunal, gastou quantia não inferior a €12,00.
Citada, a Ré contestou invocando, em resumo, que apenas aceita que estivesse para si transferida a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, em função da retribuição de 635,00€ x 14 meses, num total anual de 8.890,00€, por força do contrato de seguro celebrado com a empregadora da Autora, que não aceita a existência do alegado acidente de trabalho, nem o nexo de causalidade entre os danos causados aos óculos da Autora e qualquer eventual acidente de trabalho, que, não tendo resultado do incidente descrito pela Autora quaisquer lesões corporais, tal não permite qualificar como de trabalho o acidente que a sinistrada terá sofrido.
Concluindo que não é responsável pelo pagamento de quaisquer indemnizações à Autora e que o orçamento junto aos autos é um orçamento para a aquisição de uns óculos novos e não para reparação dos alegadamente danificados, pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente e a contestante absolvida do pedido.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento.
Após, foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto julgo a ação parcialmente procedente, e em consequência:
1.º) Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €789,00 (setecentos e oitenta e nove euros) acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos desde 20.09.2019 e vincendos até integral pagamento.
2.º) Absolvo a Ré do mais peticionado pela Autora;
3.º) Condeno a Autora e a Ré no pagamento das custas do processo na proporção dos decaimentos, sem prejuízo da isenção que assiste à Autora, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1, al. h, do R.C.P..
Valor da causa: Tendo em conta os pedidos efetuados pela Autora, fixo o valor da causa em €801,00 (€789,00 + € 12,00).
Notifique.”
Inconformada, a Ré recorreu e sintetizou as alegações nas seguintes conclusões:
“1. Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que, considerando que o acidente sofrido pela autora deve ser qualificado como acidente de trabalho, condenou a ora recorrente a pagar à autora os óculos danificados por esse acidente.
2. Salvo o devido respeito, essa decisão deve ser revogada, por enfermar de erro de interpretação e aplicação da lei aos factos, ao considerar aquele acidente como acidente de trabalho.
3. Na douta sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
- A 12 de Abril de 2019, a Autora era trabalhadora por conta de outrem da empresa (…). e estava colocada nas instalações da Escola (…)exercendo as funções de cozinheira de 3.ª;
- Cerca das 12h45m do dia 12 de Abril de 2019 a Autora estava em tal local de trabalho e durante o horário de trabalho procedendo à arrumação de alguidares grandes por cima de uns armários de inox;
- Em tal data a entidade empregadora da Autora tinha transferida a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré através da celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice n.º 203544111 do ramo de acidentes de trabalho;
- Durante a realização da tarefa referida no ponto 2) alguns alguidares caíram e atingiram a Autora na cabeça, fazendo com que os óculos que usava caíssem ao chão e se partissem (na própria armação e, pelo menos, numa das lentes), impossibilitando a sua reparação;
- A substituição/aquisição de novos óculos (armação e lentes adequadas à mesma) foi orçamentada em €789,00;
- A Autora deslocou-se entre a zona da sua residência em Lourinhã para comparecer neste tribunal em tentativa de conciliação.
4. Com base nestes factos, o Mtº Juiz recorrido entendeu que o acidente sofrido pela autora – cuja ocorrência não se põe em causa – deve ser qualificado como de trabalho “porquanto a ocorrência do acidente [de trabalho] não pressupõe necessariamente a existência de lesão corporal bastando que o evento ocorrido no tempo e local de trabalho produza perturbação funcional a qual pode resultar da simples danificação de ajudas técnicas que o sinistrado já fosse portador, como é caso dos óculos que visam a compensação de deficiência visual”.
5. O Mtº Juiz recorrido qualifica, assim, o acidente em causa como acidente de trabalho porque dele resultaram danos nuns óculos (ajuda técnica) de que a sinistrada já era portadora e por entender que da danificação desses óculos resultou uma perturbação funcional.
6. Ora, a perturbação funcional que afectaria a autora não foi, seguramente, causada por este acidente, sendo-lhe pré-existente e não foi por este agravada.
7. Não foram os danos causados nos óculos da autora que lhe causaram qualquer perturbação funcional: a eventual (porque não alegada) perturbação funcional resultante de um problema na visão já existiria.
8. Assim, o acidente em causa nos autos não produziu qualquer perturbação funcional (nem lesão corporal ou doença), pelo que não pode ser qualificado como acidente de trabalho.
9. Mas mesmo que se entendesse que a quebra dos óculos, por si só, era causa de perturbação funcional, continuaria a faltar um pressuposto essencial para que se pudesse qualificar como de trabalho o acidente dos autos: a redução na capacidade de trabalho ou de ganho resultante dessa perturbação funcional.
10. Com efeito, e como se define no art. 8º-1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” e, nos presentes autos, não foi alegado, sequer, que da danificação dos óculos e consequente perturbação funcional (existente, nesta hipótese) tinha resultado uma redução na capacidade de trabalho ou de ganho da autora.
11. Ora, sendo certo que é da autora o ónus de alegar e provar os factos que integram os pressupostos de cuja verificação depende a qualificação de um acidente como acidente de trabalho, não pode considerar-se como sendo de trabalho o acidente dos autos, uma vez que não se provou que este tenha produzido, directa ou indirectamente, perturbação funcional (ou lesão ou doença) de que tenha resultado redução na capacidade de trabalho ou de ganho da autora.
12. Não tendo ocorrido qualquer acidente de trabalho, não pode a ora recorrente ser responsabilizada pela reparação dos danos causados nos óculos da autora pelo acidente dos autos, sendo manifesto que os invocados arts. 11º-4, 23º, 25º-1-g), 41º-2 e 43º-1-a) da LAT não têm, por isso, aplicação no caso dos autos.
13. Assim, ao decidir que o acidente dos autos deve ser qualificado como acidente de trabalho e ao condenar a recorrente no pagamento à autora dos custos de aquisição de novos óculos, em substituição dos que foram danificados e ficaram irreparáveis em consequência do acidente dos autos, a douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 8º-1, 11º-4, 23º, 25º-1-g), 41º-2 e 43º-1-a) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue não poder ser qualificado como acidente de trabalho o acidente dos autos e, em consequência, absolva a apelante dos pedidos.
Assim se fazendo
J U S T I Ç A !”
A Autora contra-alegou e, sem formular conclusões, pugnou pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo posto que a Recorrente prestou caução.
Subidos os autos a este Tribunal, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar se o Tribunal a quo errou ao qualificar o acidente descrito nos autos como acidente de trabalho.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provada a seguinte factualidade:
1) A 12 de Abril de 2019, a Autora era trabalhadora por conta de outrem da empresa (…). e estava colocada nas instalações da Escola (…), exercendo as funções de cozinheira de 3.ª;
2) Cerca das 12h45m do dia 12 de Abril de 2019 a Autora estava em tal local de trabalho e durante o horário de trabalho procedendo à arrumação de alguidares grandes por cima de uns armários de inox;
3) Em tal data a entidade empregadora da Autora tinha transferida a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré através da celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice n.º 203544111 do ramo de acidentes de trabalho;
4) Durante a realização da tarefa referida no ponto 2) alguns alguidares caíram e atingiram a Autora na cabeça, fazendo com que os óculos que usava caíssem ao chão e se partissem (na própria armação e, pelo menos, numa das lentes), impossibilitando a sua reparação;
5) A substituição/aquisição de novos óculos (armação e lentes adequadas à mesma) foi orçamentada em €789,00;
6) A Autora deslocou-se entre a zona da sua residência em Lourinhã para comparecer neste tribunal em tentativa de conciliação.
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A sentença recorrida considerou que não se provou que:
-Na deslocação referida nos factos provados a Autora despendeu quantia não inferior a €12,00.
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Fundamentação de Direito
Apreciemos, então, a questão suscitada no recurso e que consiste em saber se o Tribunal a quo errou ao qualificar o acidente descrito nos autos como acidente de trabalho.
Sobre a questão escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“Como resulta dos factos provados ficou demonstrada a existência do evento alegado pela Autora, ocorrido no local e tempo de trabalho, ou seja, a queda dos alguidares que a atingiram na cabeça e lhe partiram os óculos.
A Ré declina qualquer responsabilidade alegando que não existe acidente de trabalho na medida em que não existiu lesão corporal. Entendo, no entanto, que não lhe assiste razão pelos motivos que se passam a enunciar.
De acordo com o artigo 8.º, n.º 1, da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04/09), “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”
De acordo com o artigo 11º, n.º 4, da LAT, quando do acidente resulte a inutilização ou danificação das ajudas técnicas de que o sinistrado já era portador, o mesmo tem direito à sua reparação ou substituição.
Como previsto pelo artigo 23º da LAT, a reparação compreende prestações em espécie, nomeadamente as previstas no artigo 25º, entre as quais as referidas na al. g), ou seja, “O fornecimento de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, bem como a sua renovação e reparação;”.
De igual modo estabelece o artigo 43º, n.º 1, al. a), da LAT, que “Sempre que um acidente de trabalho inutilize ou danifique ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais de que o sinistrado já era portador: a) Ficam a cargo da entidade responsável por aquele acidente as despesas necessárias à renovação ou reparação das mencionadas ajudas técnicas.”.
E o artigo 41.º, n.º 2, da LAT, esclarece que “O direito às ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais abrange ainda os destinados à correção ou compensação visual, auditiva ou outra, bem como a prótese dentária.”
Face ao teor dos referidos preceitos parecem não existir dúvidas acerca da obrigatoriedade da reparação dos danos causados nos óculos da Autora ou da sua substituição, não sendo viável a reparação, mesmo tendo em conta que não sofreu lesão corporal, porquanto a ocorrência do acidente não pressupõe necessariamente a existência de lesão corporal bastando que o evento ocorrido no tempo e local de trabalho produza perturbação funcional a qual pode resultar da simples danificação de ajudas técnicas que o sinistrado já fosse portador, como é caso dos óculos que visam a compensação de deficiência visual.
Este mesmo foi “entendimento” da ASF sobre a inutilização da ajuda técnica ótica desacompanhada de lesão corporal, divulgado no seu Relatório de Regulação e Supervisãoda Conduta de Mercado-2014, consultável bem http://www.asf.com.pt/NR/rdonlyres/104F6D3A-E19E-4487-9C0C 48F49C7B2410/0/ASFRRSCM2014.pdf que assim se transcreve: “Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, define-se acidente de trabalho como aquele que, verificando-se no local e tempo de trabalho, produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Ora, conjugando o referido dispositivo legal com o previsto na alínea g), do n.º 1 do artigo 25.º e com o artigo 41.º, ambos do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, conclui-se que, em caso de acidente de trabalho, encontra-se a empresa de seguros obrigada a proceder à substituição dos óculos do trabalhador que sejam danificados, na medida em que os mesmos sejam indispensáveis para a reposição da sua capacidade de ganho e o acidente tenha ocorrido no local e tempo de trabalho (tal como estes se encontram definidos na lei).
Assim, entende-se que basta a simples produção de uma perturbação funcional para que se determine a existência de acidente de trabalho, não sendo necessário que aquela seja acompanhada pela ocorrência de lesão corporal ou doença / prejuízos no corpo ou na saúde”.
E a mesma posição foi defendida na publicação “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, págs. 35 e 36 (julho de 2013), do Centro de Estudos Judiciários, Jurisdição do Trabalho e da Empresa, Coleção Formação Inicial – João Pena dos Reis, Albertina Pereira, Viriato Reis e Diogo Ravara, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/Caderno_Acidentes_trabalho.pdf, também citada no “Regime Jurídico de Acidentes de Trabalho Anotado”, da Associação Portuguesa de Seguradores, de março de 2017, em anotação ao artigo 43º, onde se consignou que “(…) não são indemnizáveis as lesões de outra natureza que não sejam corporais ou funcionais.
Assim, se a explosão, a queda, o desabamento, etc., apenas provocarem abalo moral, a reparação desse dano não ocorre ao abrigo da lei dos acidentes de trabalho. O mesmo se dirá, relativamente aos danos decorrentes do estrago da roupa, ou da avaria de um relógio de pulso pertença do sinistrado. Porém, a fratura duma perna artificial ou de uns óculos, a avaria ou destruição de uma cadeira de rodas utilizadas por um trabalhador, quando tal fratura ou destruição se possam considerar consequência do acidente de trabalho, deverão integrar o conceito de “lesão ou perturbação funcional” referido no art.º 8.º, n.º 1 da LAT, com todas as consequências daí resultantes. De qualquer modo sempre seriam indemnizáveis tais danos ao abrigo do art.º 43 da LAT (reparação ou substituição de “ajudas técnicas” de que o sinistrado era portador à data do acidente).”
Face ao exposto, entende-se dever a Ré responder pelos custos da aquisição de novos óculos (armação e lentes), em substituição dos que ficaram danificados e irreparáveis, pagando à Autora a quantia orçamentada para o efeito, ou seja, os peticionados €789,00.”
Defende a Recorrente, por sua banda, que a perturbação funcional que afectaria a Autora não foi, seguramente, causada por este acidente, sendo-lhe pré-existente e não foi por este agravada, que não foram os danos causados nos óculos da Autora que lhe causaram qualquer perturbação funcional, a eventual (porque não alegada) perturbação funcional resultante de um problema na visão já existiria e que, mesmo que se entendesse que a quebra dos óculos, por si só, era causa de perturbação funcional, continuaria a faltar um pressuposto essencial para que se pudesse qualificar como de trabalho o acidente dos autos, qual seja, a redução na capacidade de trabalho ou de ganho resultante dessa perturbação funcional, pressuposto que não foi alegado, nem provado pela Autora, pelo que não tendo ocorrido qualquer acidente de trabalho, não pode a Recorrente ser responsabilizada pela reparação dos danos causados nos óculos pelo acidente dos autos, não tendo aplicação nos autos o disposto nos artigos 11.º n.º 4, 23.º, 25.º n.º 1 al.g), 41.º n.º 2 e 43.º n.º 1 al.a) da LAT.
Vejamos:
Tendo o acidente descrito nos autos ocorrido a 12 de Abril de 2019, ao caso é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro- LAT- (cfr.arts.187.º n.º 1 e 188.º).
Dispõe o artigo 2º da LAT: “ O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.”
E de acordo com o artigo 8º da citada Lei:
“1- É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a)«Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
b)«Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçadas de trabalho.”
Assim, como se escreve no sumário do Acórdão do STJ de 30.05.2012, in www.dgsi.pt, cujo entendimento temos sufragado “I- O acidente de trabalho pressupõe uma cadeia de factos, em que cada um dos relativos elos está interligado por um nexo causal.
Assim, o evento naturalístico que ele pressupõe há-de resultar duma relação de trabalho; a lesão corporal, perturbação funcional ou doença tem de resultar desse evento; e a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho devem ter por causa a lesão corporal, perturbação funcional ou a doença.
(…).”
No mesmo aresto e com pertinência para a caracterização de um acidente como acidente de trabalho ainda se escreve: “Por isso e citando Cruz de Carvalho, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pg.ª 26, e Melo Franco, in Direito do Trabalho, BMJ (suplemento) de 1979, pgª 62, o conceito de acidente de trabalho está ainda hoje delimitado pela existência cumulativa dos seguintes elementos:
a) Um elemento espacial (local de trabalho);
b) Um elemento temporal (tempo de trabalho); e,
c) Elemento causal que consiste na existência dum nexo de causa/efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença e não propriamente uma relação de causalidade entre o trabalho e o acidente, pois esta já resulta dos dois elementos anteriormente citados.
De qualquer forma e a montante da verificação cumulativa destes pressupostos, torna-se imperioso que ocorra um evento que possa ser havido como “acidente”, que a doutrina e a jurisprudência definem como o evento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de duração curta e limitada, com origem externa, e que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano[3].
 Por isso, e como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8/2/95[4], o acidente de trabalho pressupõe uma cadeia de factos, em que cada um dos relativos elos está interligado por um nexo causal. Assim, aquele evento naturalístico há-de resultar duma relação de trabalho; a lesão corporal, perturbação funcional ou doença tem de resultar daquele evento; e a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho devem ter por causa a lesão corporal, perturbação funcional ou a doença.
Tem por isso que se tratar dum evento lesivo, isto é, dum facto anormal, produtor de lesão física ou psíquica, aparente ou não aparente, interna ou externa, profunda ou superficial [5].
Feliciano Tomás de Resende [6], a propósito do texto que acabou por ser adoptado no conceito de acidente de trabalho constante do nº 1 da base V da Lei 2127, refere que …”parece depreender-se da discussão havida que se reputou a palavra evento de significado inconvenientemente amplo, preferindo-se, com prejuízo do rigor formal da definição (tautologia), o termo acidente, com o sentido em geral aceite pela doutrina e jurisprudência de acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa”.
Também Melo Franco (citando Sachet) [7] define o acidente como o acontecimento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de uma duração curta e limitada, que acarreta uma lesão à integridade física ou à saúde do corpo humano.
Do mesmo modo Vítor Ribeiro [8], para quem a noção de acidente há-de ser entendida no sentido naturalístico, devendo ele coincidir com um acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.   
Carlos Alegre [9] refere que a doutrina aponta como características do acidente naturalístico tratar-se dum evento exterior à constituição orgânica da vítima, em geral súbito e que causa uma acção lesiva sobre o corpo humano.
No entanto, continua este autor, esta caracterização está longe de ser completa, pois “nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente”.
Por isso, sustenta este autor que a violência não constitui, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho. E quanto à subitaneidade, que constitui uma característica importante que permite a possibilidade de localizar no tempo o evento lesivo, e por isso distinguir o acidente de trabalho da doença profissional, também este critério não resolve, sozinho, todas as situações da vida real (obra citada, 36 e 37). 
Efectivamente, já Veiga Rodrigues sustentava que o carácter repentino do acidente naturalístico não quer dizer que este deva ser instantâneo, pois pode tratar-se dum acontecimento que coincida com o dia de trabalho [10]. E continuando a citar este autor, acidente é qualquer facto ou ocorrência modificadora de um estado físico anterior, sendo que “essa modificação há-de objectivar-se na produção de uma lesão ou doença física ou psíquica, aparente ou não, interna ou externa, profunda ou superficial, de evidenciação imediata ou mediata”[11].
Donde podermos concluir que o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência dum acidente, entendido, em regra, como evento súbito, imprevisto, exterior à vítima e que lhe provoque uma lesão na saúde ou na sua integridade física e que este evento ocorra no tempo e no local de trabalho.
(…).”  
E como se escreve no Acórdão deste Tribunal e Secção de 24.1.2018, in www.dgsi.pt no qual a ora Relatora interveio como 1ª Adjunta, “São elementos do acidente de trabalho: a existência de uma relação jurídico-laboral entre o trabalhador e o dador de trabalho; a ocorrência de um evento em sentido naturalístico; a lesão, perturbação funcional ou doença; a morte ou redução da capacidade de ganho ou de trabalho, o nexo de causalidade entre o evento e as lesões; o nexo causal entre as lesões e a morte ou incapacidade.
Em suma, atendo-nos ao disposto no artigo 8.º da LAT, o acidente de trabalho caracteriza-se como um evento súbito, inesperado, mas não necessariamente instantâneo ou violento, exterior à vítima, que ocorre no tempo e local de trabalho e que produz directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Regressando ao caso, face à factualidade provada resulta clara a existência de um vínculo laboral entre a Autora e a empregadora (facto provado 1) e a existência de um evento súbito e inesperado (facto 4) que ocorreu no tempo e no local de trabalho (factos 1 e 2).
Não se provou, porém, que, como consequência do mencionado evento, a Autora tenha sofrido lesão ou doença.
Mas será que, conforme entendeu o Tribunal a quo, em virtude do acidente a Autora sofreu perturbação funcional?
Acompanhamos a sentença recorrida quando diz que sim.
Com efeito, encontrando-se a Autora no seu local de trabalho, a exercer as suas funções munida de óculos, é de concluir que tal circunstância evidencia que é portadora de deficiência a nível visual não sendo, pois, os óculos um mero acessório de moda, mas sim uma ajuda técnica no sentido acolhido pela LAT.
E se a referida ajuda técnica se estragou na sequência de evento ocorrido no tempo e no local de trabalho, como foi o caso, também não temos dúvidas de que o mencionado acidente causou perturbação funcional na Autora, no sentido de que esta deixou de poder contar com um auxiliar da visão.
Mas ainda afirma a Recorrente que a Autora não alegou nem provou que sofreu redução na capacidade de ganho ou de trabalho.
Ora, embora a Autora não tenha alegado nem conste dos factos provados que sofreu redução na capacidade de ganho ou de trabalho, o que, aliás, são expressões conclusivas, e, por isso, nem devem constar dos facos provados, a verdade é que face às regras da vida, sempre podemos concluir que quem está munido de óculos a arrumar alguidares grandes por cima de armários que se encontram num nível superior àquele em que se encontra a cabeça do sujeito (esse era o caso da Autora, caso contrário os alguidares ao caírem não a teriam atingido na cabeça) é porque os mesmos se revelavam essenciais à execução daquela tarefa e, naturalmente, às tarefas que desempenha; e a sua privação representa, objectivamente, uma redução na sua capacidade de trabalho.
E sendo assim, como entendemos ser, então, impõe-se concluir que os óculos que se estragaram são indispensáveis, pelo menos, para a reposição da sua capacidade de trabalho.
Consequentemente, entendemos que estão verificados os pressupostos que caracterizam o acidente dos autos como acidente de trabalho.
Ora, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, “quando do acidente resulte a inutilização ou danificação das ajudas técnicas de que o sinistrado já era portador, o mesmo tem direito à sua reparação ou substituição.”
Nos termos dos artigos 23.º al.a) e 25.º n.º 1 al.a) da mesma Lei, o direito à reparação compreende, para além das prestações em dinheiro, as prestações em espécie, compreendendo estas, além de outras, o fornecimento de ajudas técnicas.
Por fim, dispõe o artigo 43.º n.º 1 al.a) que sempre que um acidente de trabalho inutilize ou danifique ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais de que o sinistrado era portador ficam a cargo da entidade responsável por aquele acidente as despesas necessárias à renovação ou reparação das mencionadas ajudas técnicas.
Concluindo, ao caso são aplicáveis as disposições legais citadas pelo Tribunal a quo, havendo, pois, lugar à pretendida reparação.
Por conseguinte, o recurso deverá ser julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida por não merecer reparo.
Considerando o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.
Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 29 de Abril de 2020        
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Manso