Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8/13.6TCFUN.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
ELEVADORES
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DENÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (do relator)

I. Devendo a gravação ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias após a realização do ato alvo de gravação, e estando as partes sujeitas ao prazo de 10 dias para invocarem a deficiência da gravação, contado da disponibilização desta, segue-se que o prazo de arguição da deficiência conta-se a partir do termo do prazo de disponibilização da gravação imposto ao tribunal, ou antes, se a gravação for entregue à parte antes desse prazo, devendo descontar-se eventual atraso do tribunal na disponibilização efetiva da gravação à parte.

II. São contratos de adesão, sujeitos ao regime jurídico aplicável às cláusulas contratuais gerais, contratos como os que constituem objeto destes autos, formados por clausulado previamente elaborado pela Autora, empresa que se dedica à manutenção de elevadores, para regular os negócios a celebrar futuramente com a respetiva clientela, suscetíveis de negociação apenas em aspetos limitados, negociação essa que, no caso a que se reportam os autos, não se demonstrou ter existido em concreto, a não ser, eventualmente, no que concerne a condições específicas atinentes à duração do contrato, preço, “tempo de resposta” e “horário de trabalho”.

III. São nulas as cláusulas contratuais gerais que estipulam, a favor da predisponente, no âmbito de contratos de manutenção de elevadores instalados num condomínio, com a duração mínima de três anos, o seguinte:

Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da A, em caso de denúncia antecipada do presente Contrato pelo CLIENTE, a A terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” (cláusula 5.7.4);

Na situação de eventual incumprimento imputável à A, é expressamente aceite que a A apenas responderá até à concorrência do valor de 3 meses de facturação A do presente Contrato, como máximo de indemnização a pagar ao Cliente” (cláusula 5.6).

IV. Tendo a autora, em resposta à exceção de prescrição do seu direito arguida pelo condomínio réu, alegado que uma determinada sociedade, administradora do condomínio réu, havia reconhecido o seu direito, é possível ao tribunal, se estiverem reunidos os demais pressupostos de cognoscibilidade de factos complementares dos factos alegados pelas partes, neste caso a contraexceção alegada pela autora, levar em consideração o facto, se resultante da instrução, do reconhecimento do direito da autora por uma outra sociedade, administradora do condomínio.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 08.01.2013 A, Lda, intentou nas Varas de Competência Mista do Funchal ação declarativa comum, com processo ordinário, contra Condomínio (…), sito no Funchal.

A A. alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade, em 31.8.2005, assinou com o R. cinco contratos de conservação de elevadores, com efeitos a partir de 01.10.2005, com a duração de três anos, renováveis. Em 04.12.2006 a A. recebeu uma carta do R., mediante a qual este rescindiu os contratos objeto destes autos. Ora, em virtude de tal rescisão, não devidamente justificada, a A. tem direito ao pagamento de indemnização, nos termos contratualmente previstos, correspondente ao valor das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado. Acresce o preço, em dívida, de serviços de conservação prestados. A A. emitiu as correspondentes faturas, que enviou ao R. e que este não pagou. O valor total das faturas é de € 31 208,20. Acrescem juros de mora, à taxa de juro para as operações de natureza comercial sucessivamente em vigor, contados desde a data de vencimento de cada fatura, liquidados, até 08.01.2013, no montante de € 13 829,92.

A A. terminou pedindo que o R. fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 31 208,20, acrescida dos juros vencidos, à taxa legal e até 08.01.2013, no valor de € 13 829,92 e, bem assim, dos vincendos, desde 09.01.2013 e até integral pagamento.

O R. contestou, arguindo a prescrição das faturas, ao abrigo da alínea g) do art.º 310.º do Código Civil e bem assim dos respetivos juros. Mais alegou que os contratos em causa são contratos de adesão, compostos por cláusulas contratuais gerais, pelo que a cláusula invocada para fundar a indemnização reclamada pela A., e bem assim a cláusula que limitava a responsabilidade da A. perante o R., no caso de incumprimento imputável à A., são nulas ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais, além de serem atentatórias da boa fé, constituírem abuso de direito, serem contrárias à ordem pública e ofensivas dos bons costumes e serem usurárias. O R. invocou ainda que a rescisão dos contratos ocorreu na sequência de queixas dos condóminos por a A. vir incumprindo, com alguma frequência, o plano de manutenção mensal dos elevadores, existindo, com regularidade, pequenos problemas no funcionamento dos elevadores.

O R. terminou concluindo pela procedência das exceções invocadas e consequente improcedência da ação e absolvição do R. do pedido ou, caso assim não se entendesse, pela improcedência da ação, por não provada, tudo com as demais consequências legais.

A A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência das exceções arguidas e concluindo como na petição inicial.

Em 09.5.2013 realizou-se audiência preliminar, aí tendo sido proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante, tanto assente como controvertida.

Em 24.3.2014, no início da audiência de julgamento, o R. apresentou “articulado superveniente” em que alegou ter então tomado conhecimento da prolação, em 09.12.2013, no âmbito de uma ação declarativa de condenação instaurada pela A. contra a empresa B,Lda, na comarca do Funchal, de sentença que, além do mais, condenara a aí R. a pagar à A. uma indemnização pela rescisão de 121 contratos de manutenção de elevadores, entre os quais aqueles a que se reportam estes autos. Por outro lado, na petição inicial dessa ação a A. alegou expressamente que as cláusulas desses contratos eram idênticas. Ora, não só a A. não pode pretender ser indemnizada duas vezes pela cessação dos mesmos contratos, como ficou provado o alegado quanto à natureza dos contratos sub judice como sendo de adesão, pelo que deve a ação ser julgada improcedente, nos termos da contestação já apresentada.

Foi proferido despacho de admissão liminar do articulado superveniente e concedido prazo à A. para responder, sendo interrompida a audiência.

A A. respondeu, pugnando pela inexistência de prejudicialidade entre as duas ações e bem assim pela inaplicabilidade aos contratos destes autos do regime das cláusulas contratuais gerais, concluindo pela prossecução do processo até final.

Em 16.5.2014 foi proferido despacho em que, após se ajuizar que entre esta ação e aqueloutra referida no articulado superveniente não existia nexo de prejudicialidade, indeferiu-se a suspensão alegadamente requerida e ordenou-se a prossecução dos autos.

Realizou-se audiência de julgamento, nos dias 19.5.2014 e 11.6.2014.

Em 23.6.2014 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:

Pelos fundamentos enunciados, decide este Tribunal julgar improcedente, por não provada, a presente acção declarativa de condenação e procedente a excepção de prescrição e, em consequência:

a. Declarar a nulidade das cláusulas vertidas nos pontos 5.6. e 5.7.4. das Condições Gerais dos contratos denominados “Contrato A Controlo OC” constantes de fls. 14 a 43 dos autos por serem cláusulas proibidas, nos termos dos art°s 12° e 19°, c) do DL n ° 446/85, de 25-10;

b. Declarar o crédito da autora relativo às prestações mensais a que se reportam as facturas enunciadas no ponto 10. prescrito e absolver o réu do pedido.

Custas a cargo da autora.

Registe e notifique.

Oportunamente, dê cumprimento ao disposto no art. 34° do Dl 446/85, de 25-10.”

A A. apelou da sentença, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:

I. A testemunha da A., David (…), foi inquirida por videoconferência;

II. Reproduzido o seu depoimento em suporte digital, o mesmo inteligível;

III. A A. socorre-se dos apontamentos que retirou no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento;

IV. E, Caso, venha o R. sindicar o conteúdo do depoimento da referida testemunha, aqui referido pela A., terá o Julgamento de ser, pelo menos, quanto ao depoimento da testemunha David (…), repetido, com as devidas e legais consequências.

Posto isto,

V. Entendeu o Tribunal “a quo" serem os Contratos dos Autos de adesão e, entendeu, assim, declarar a nulidade das cláusulas vertidas nos pontos 5.6 e 5.7.4 das Condições Gerais dos contratos dos Autos, por serem proibidas, nos termos dos arts. 12° e 19, c) do Dl n° 446/85 de 25 - 10.

VI. Ora, salvo o devido respeito, a sentença do julgador “ a quo ", não tem correspondência com a situação dos Autos.

Existindo inclusivamente uma contradição evidente entre a fundamentação da decisão e a própria decisão. Senão vejamos,

VII. Com interesse para o presente Recurso, temos da Base Instrutória como

Provados:

• Arts. 2°, 9°, 10° e 11°;

Não provados:

• Arts. 1°, 3°, 4° e 5°.

Assim,

VIII. No ponto 15, resultou provado que “As condições específicas consistem num formulário pré-concebido e pronto a ser preenchido com a identificação das partes, o objecto do contrato, a sua duração e preço podendo ser introduzida alguma alteração negociada relativa às condições gerais, conforme referido em 18 (ponto 5)".

IX. Resulta ainda como provado no ponto 18 que “apesar de serem elaboradas antecipadamente a proposta negocial e dirigidas à generalidade das pessoas, podem ser introduzidas algumas especificidades, mediante inscrição nas condições particulares, consoante o acordo estabelecido entre as partes (ponto 9.)

X. E, bem assim como provado, no ponto 19, que “o conteúdo dos referidos contratos foi conhecido do réu desde a fase de negociação até à sua outorga (ponto 10.)".

XI. No ponto 20, referindo-se ao R., refere a Sentença “que o compreendeu e aceitou, sem que tenha sido objecto de qualquer pedido de esclarecimento da sua parte (ponto 11.).

XII. No ponto 21 da mesma pode ler-se que “à data da outorga dos contratos, o Réu era administrado por uma empresa especializada em administração de condomínio (ponto 12.)".

No entanto,

XIII. Decidiu o Tribunal “a quo" que não resultou provado que:

• “Os contratos referidos em 2. foram elaborados sem hipótese de intervenção do réu";

• “As cláusulas dos contratos não tiveram qualquer adaptação ao edifico Belle Mar".

ora,

XIV. A contradição espelhada na Douta Sentença Recorrida é estonteante.

Pois que,

XV. Como pôde o julgador “a quo" decidir pela nulidade das Cláusulas 5.6 e 5.7.4 quando, dá como provado a possibilidade da introdução de alterações, e de negociações relativas às condições gerais?

XVI. Como pôde o julgador “a quo" decidir pela nulidade das Cláusulas 5.6 e 5.7.4 quando, julga provado que podem ser introduzidas algumas especificidades, mediante inscrição nas condições particulares, consoante o acordo estabelecido entre as partes?

XVII. Como pôde o julgador “a quo" decidir pela nulidade das Cláusulas 5.6 e 5.7.4 quando, deu como provado que o conteúdo dos referidos contratos foi conhecido do réu desde a fase de negociação até à sua outorga e, portanto, o R. só não negociou as cláusulas porque não quis?

Mas mais,

XVIII. Como pôde o julgador “a quo" decidir pela nulidade das Cláusulas 5.6 e 5.7.4 quando, dá como provado que o R. compreendeu e aceitou os Contratos dos Autos, sem que tenha sido objecto de qualquer pedido de esclarecimento?

Ou,

XIX. Como pôde o julgador “a quo" decidir pela nulidade das Cláusulas 5.6 e 5.7.4 quando, quando fica assente que, à data da outorga dos contratos, o R. era administrado por uma empresa especializada em administração de condomínio e, portanto, especialista na área de celebração e negociação de contratos de manutenção de elevadores?

XX. É, mais do que evidente as contradições existentes na Douta Sentença Recorrida, já que, face aos factos que o Tribunal “a quo" considerou como provados, não podia, em momento algum, julgar como provado que “Os Contratos referidos em 2. foram elaborados sem hipótese de intervenção do réu e, assim, considerar os mesmos como de adesão.

De facto,

XXI. Se o clausulado dos Contratos é passível de alteração (art. 9°),

XXII. Se o conteúdo dos Contratos foi conhecido do R. desde a fase de negociação até à sua outorga (art. 10°),

XXIII. Se o R. compreendeu o conteúdo dos Contratos e o aceitou, sem que tenha pedido esclarecimentos (art. 11°),

XXIV. Como podem os Contratos terem sido elaborados sem a hipótese de intervenção do R.? Porque não quis? Porque concordou com o clausulado?

Mas mais grave que isso,

XXV. É que a testemunha Vitor (…) (04:54 das suas declarações), técnico comercial da A, admitiu que era dada por parte da A., sempre, possibilidade ao cliente de analisar o contrato na íntegra e, caso não concordasse com alguma das cláusulas, era negociado entre as partes, ficando a alteração inscrita nas condições particulares.

XXVI. Afirmando, ser possível negociar a cláusula 5.7.4, e que, por vezes, a A. até pedia em troca maior prazo de contrato ou, um maior preço (11:52 das suas declarações);

XXVII. Mais declarou que tinha perfeito conhecimento da negociação desta cláusula (12:12 das suas declarações);

XXVIII. E, referiu, ainda, confrontada com os Contratos dos Autos, que os mesmos foram negociados pelos representantes da B, empresa de administração de condomínios, especializada em negociação de contratos de manutenção de elevadores (12:35 das suas declarações);

XXIX. Até porque, o seu sócio gerente - Eng. Artur (…) - era, igualmente, sócio de uma empresa de manutenção de elevadores, de nome Hiss (13:45 das suas declarações);

XXX. Para além de ter celebrados muitos contratos com a A. (14:11 das suas declarações);

XXXI. Mais confirmou a testemunha Vitor (…) que os Contratos ficaram na posse do R. para análise desde 22.08.2005 até 31.08.2005 (15:29 das suas declarações);

XXXII. Não tendo o R., em momento algum lhe contactado com dúvidas quanto ao clausulado dos Contratos dos Autos (17:03 das suas declarações);

XXXIII. Mais afirmou que a A. para cumprir os Contratos teve de se organizar e, que faz toda a diferença ter 10 elevadores em carteira, por isso, teve a A. de reorganizar a rota do técnico de manutenção afecto ao edifício Belle Mar (17:55 das suas declarações);

XXXIV. Para além dos custos que a A. teve para cumprir os Contratos, com por exemplo, técnicos, call center, etc. (17:56 das suas declarações);

XXXV. Para além dessa testemunha, importante é, também, o depoimento da testemunha David (…), responsável técnico e comercial, à data dos factos, pela A;

XXXVI. Afirmou a referida testemunha que as cláusulas gerais variam de contrato para contrato,

XXXVII. e, deu o exemplo dos contratos de manutenção simples e de manutenção completa que, até pela sua própria natureza, tem clausulados diferentes,

XXXVIII. na medida em que o contrato de manutenção completa comporta a reparação de peças, enquanto que o contrato de manutenção simples não, ou seja, forçosamente, já aqui, o respectivo clausulado tinha - e tem - de ser diferente;

XXXIX. Confirmou também a referida testemunha ao tribunal “a quo" que os Contratos dos Autos foram celebrados pelo Eng. Artur (…), sócio gerente da B, empresa especialista em negociações de contratos de manutenção de elevadores e, sócio gerente da empresa de manutenção de elevadores Hiss.

XL. Sublinhou também que o referido sócio gerente tinha um poder de negociação bastante influente;

XLI. Mais afirmou ao Tribunal “a quo" a testemunha David (…), não ter dúvidas que o clausulado é negociável e, havendo alterações são as mesmas inscritas nas condições particulares constantes dos mesmos;

XLII. E que tem conhecimento directo acerca da negociação da cláusula 5.7.4;

XLIII. Sendo que Os Contratos ficaram na posse do R., que os analisou e,

XLIV. Nunca pediu qualquer esclarecimento sobre o clausulado; Ora,

XLV. Assim, resulta evidente, dos depoimentos das testemunhas Vitor (…) e David (…), que deveria o Tribunal “a quo" ter julgado como não provado o art 1° da Base Instrutória (o que, de resto, parece evidente considerando as contradições da própria Sentença).

XLVI. De facto, dúvidas não restam da possibilidade de negociação dos Contratos e do seu clausulado e, designadamente, da cláusula 5.7.4 que, só não aconteceu – em concreto - porque o R. não o quis.

Acresce que,

XLVII. Os contratos objecto dos presentes Autos não são um contrato de adesão, sujeitos ao regime do DL 446 /8 5 de 25-10.

XLVIII. Esclareça-se, antes de mais, que os contratos originais assinados pelas partes, e composto de um documento uno, desdobrável e com texto impresso em todas as faces que o constituem, e não de várias páginas autónomas e/ou separáveis.

XLIX. Com efeito, ao ser celebrado este tipo de contrato com o cliente, é-lhe explicado o seu conteúdo, e o cliente, não se conformando com alguma cláusula, pode derrogá-la.

L. E, a mera circunstância de os contratos serem pré-impressos resulta, apenas, das necessidades do tráfego jurídico comercial, mas não impede o mesmo de ser negociado se o cliente - cada cliente - assim o entender.

LI. Até porque o respectivo conteúdo, como já sobejamente referido, sempre esteve de forma cognoscível para o contratante desde a fase da negociação, até à celebração dos contratos, que, assim, deles tomou conhecimento, compreendendo-o e aceitando-o.

LII. Nenhuma das cláusulas constantes dos contratos era desconhecida do R., uma vez que somente o seria por grosseira negligência e, como tal, só ao mesmo imputável.

Na verdade,

LIII. Os contratos celebrados resultam de um processo de negociações entre os contraentes, pelo que, qualquer dúvida relativa às cláusulas contratuais estipuladas devia ter sido objecto de pedido de esclarecimento por parte do R..

LIV. Nesse sentido veja-se o douto acórdão da Relação de Coimbra, de 30 de Setembro de 1997, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano xxii - 1997,tomo iv, pág. 28: “não é pelo facto de a redução escrita do contrato já estar pré-impressa, como clausulado contratual-geral, que havia necessariamente o dever da ora apelada explicar à ré - ora apelante cláusula por cláusula, porquanto tal imposição só existe- no dizer da lei disciplinadora das “cláusulas contratuais gerais...", “expressis vertis" no art° 9°, n.° 1, do DL n.° 447/85, de 25/10 - quando, “ de acordo com as circunstâncias" (sic), a aclaração seja necessária.".

LV. Pelo contrário, a admitir-se qualquer dúvida ou desconhecimento relativos aos contratos celebrados resultam, únicamente, da inércia do próprio R. que não solicitou os esclarecimentos apropriados, como o deveria ter feito, de boa fé.

LVI. A cláusula 5.7.4 do contrato era perfeitamente conhecida do R. aquando da celebração contratual, que a aceitou, vinculando-se ao respectivo teor.

Aliás,

LVII. Tal cláusula é comum nos contratos de conservação de elevadores celebrados pelas empresas do mesmo ramo que a A. (e também certamente pela empresa que actualmente presta assistência aos elevadores), pelo que, também por essa razão, o R. não a desconhecia e aceitou-a.

LVIII. Seja como for, e como se disse já, o R. não derrogou esta cláusula, e conformou-se com a mesma.

LIX. A finalidade desta cláusula é, em primeiro lugar, estimular o devedor ao cumprimento do contrato (chamada função coercitiva) e, num segundo momento, evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação do montante da indemnização (chamada função ressarcidora, Cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. III e Ac. do STJ, de 12 de Janeiro de 1994, proferido no processo 084387, consultado no site acima referido).

LX. No caso concreto, impõe-se o accionamento da cláusula penal constante da Cláusula 5.7.4 do contrato, materializada no pagamento das prestações devidas até final do contrato.

LXI. Mais, a fórmula de cálculo encontrada pela A., no âmbito da referida Cláusula 5.7.4., é perfeitamente justificável e explica-se da seguinte forma: em lugar de ter de alegar e provar, em cada caso, danos concretos, acorda com os seus clientes a criação dessa fórmula, que tem a grande vantagem de dar aos seus clientes a prévia noção da sanção em que incorrem se não houver justa causa para a rescisão.

LXII. Até se poderia dar o caso dos danos serem superiores, mas a A. não poderia peticionar mais do que o permitido pela fórmula, em evidente benefício e segurança dos seus clientes nessa situação.

LXIII. No texto do contrato é justificada a fixação de tal cláusula referindo-se: “uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços aqui convencionados e elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da A, (...) A A terá direito a uma indemnização por danos (...)" - cfr. Cláusula 5.7.4..

Na verdade,

LXIV. Os danos causados pela frustração da expectativa da A. ver o contrato integralmente cumprido não estão incluídos no montante dos trimestres devidos, pelo que a consagração de uma verdadeira cláusula penal é perfeitamente válida.

Porquanto,

LXV. A A. dimensionou-se para garantir o cumprimento integral dos contratos celebrados, perspectivando os benefícios que obteria com os lucros provenientes do cumprimento integral pelo R., através do número dos seus trabalhadores (técnicos de manutenção e reparação, supervisores técnicos, pessoal administrativo para elaboração de orçamentos, técnicos comerciais, operadores de call center para atendimento a avarias, etc), organização do trabalho técnico e administrativo, pela aquisição do material necessário, pela estruturação do seu parque automóvel, etc.

LXVI. E se é certo que o R. num dia extinguiu o contrato celebrado com a A. e no dia seguinte poderia ter já outra empresa a prestar-lhe serviços, também não há dúvidas quanto ao facto de a A. ter uma estrutura definida para garantir a manutenção dos elevadores e, no dia seguinte à cessação do contrato, não poder dispensá-la.

LXVII. Sendo que, ao não receber o pagamento da contrapartida convencionada, a ora A. deixou de auferir os lucros previstos, jamais podendo ser totalmente ressarcida.

Assim,

LXVIII. Seria absolutamente irrazoável que a A. não pudesse ser ressarcida pela frustração da expectativa de um contrato integralmente cumprido.

LXIX. Resulta, assim, que a cláusula penal visa não só estabelecer uma sanção para o que não cumpre as suas obrigações contratuais (no caso, a de o cumprir integralmente), mas, também, fixa uma forma de calcular a indemnização devida, tendo uma função ressarcitória e coercitiva.

LXX. Mas mais, a diferença, posta em crise na Sentença Recorrida, explica-se da seguinte forma: enquanto que, accionada a cláusula 5.7.4 implica sempre o fim do Contrato, accionada a cláusula 5.6 o contrato continua e,

LXXI. Pode esta cláusula ser accionada 1, 2, 10, 20 vezes durante a vigência do Contrato.

Pelo que,

LXXII. Não vislumbra a A. qualquer desproporção na cláusula penal do contrato, a qual pretende unicamente ressarcir a parte cumpridora de um contrato, que terminou exclusivamente por culpa do R., e que se adequa ao dano provocado pela extinção intempestiva e injustificada do contrato celebrado.

LXXIII. Por conseguinte, não é tal cláusula nula, assim se esperando que V. Exas. concluam também.

Depois,

LXXIV. Entendeu o Tribunal “a quo" dar como não provado o Art. 14° da Base Instrutória:

A A. procurou a recuperação do seu crédito pela via negocial, que se foi arrastando com o reconhecimento da dívida acumulada por parte da Servbrava e consequentes promessas de pagamento?

Porém,

LXXV. A verdade é que deveria o referido artigo ser julgado como provado.

Isto porque,

LXXVI. Notificada a A. do Despacho de Saneador, reclamou do mesmo, isto porque,

LXXVII. por um lado, alegou o R. a prescrição das facturas reclamadas nos presentes Autos e, juntas à P.I. como Docs. n°s 9 a 23 e, por outro, alegou a A. a interrupção dessa prescrição pelo reconhecimento dos valores em dividas pelas sucessivas administrações que compunham o condomínio R., não constando essa matéria da Base Instrutória.

No entanto,

LXXVIII. foi aditado à Base o seguinte art: A A. procurou a recuperação do seu crédito pela via negocial, que se foi arrastando com o reconhecimento da dívida acumulada por parte da B e consequentes promessas de pagamento?

sucede que,

LXXIX. O referido quesito da Base Instrutória não se encontra correctamente formulado, porquanto, os condomínios mudam frequentemente de administrações externas e, se num dado dia a B é a empresa que está a administrar o condomínio R., no dia seguinte pode não sê-lo,

LXXX. E, nessa prespectiva, não poderia o Tribunal “a quo" limitar o reconhecimento da dívida do R. apenas à B;

LXXXI. Até porque, nas datas das negociações, através das quais o R. reconheceu os valores em dívida e, até negociou o respectivo pagamento, a B já não existia;

LXXXII. Ainda que o seu sócio gerente - Eng. Artur (…) - seja o mesmo sócio gerente da empresa administradora de condomínios que sucedeu a B, a C Manutenção.

LXXXIII. Assim, deve o Art. 14 da Base Instrutória passar a ter a seguinte redacção: A A. procurou a recuperação do seu crédito pela via negocial, que se foi arrastando com o reconhecimento da dívida acumulada por parte do condomínio e consequentes promessas de pagamento?

Mas mesmo que assim não se entendesse,

LXXXIV. A verdade é que o julgador “a quo" não estava limitado ao reconhecimento da dívida por parte do condomínio R., apenas pela empresa B;

LXXXV. Com interesse para o presente Recurso, temos o depoimento da testemunha David (…), com conhecimento directo sobre os factos, na medida em que foi o próprio que negociou os termos de pagamento com os representantes do condomínio R. e, ainda os Docs. n° 1 e 2 juntos com o Requerimento da A. de 19.07.2013 (fls188 e 194 p.p.);

LXXXVI. A. provou que os, à data, representantes do condomínio R., reconheceram os valores em dívida;

LXXXVII. Designadamente, o Eng. Artur (…), que era o sócio gerente da B e, curiosamente, o sócio gerente da empresa sucedânea da B, a C.

Com efeito,

LXXXVIII. A testemunha David (…), afirmou ao Tribunal “a quo" ter sido contactado pela B para negociar os termos do pagamento dos valores em dívida;

LXXXIX. E que foi, ainda, contactado por um condómino em, Novembro de 2011, no sentido de saber em concreto o valor em divida,

XC. Tendo a referida testemunha confirmado que, por email de 30.11.2011, enviou os extractos de conta corrente para o Sr. Condómino;

XCI. O referido email consta, aliás, junto aos Autos a fls. 188 p.p.;

XCII. Para além disso, referiu a testemunha que recebeu em, 27.01.2012, um email da, à data, administração do condomínio R., a C, na pessoa, mais uma vez, do Eng. Artur (…) com uma proposta de redução do valor em dívida para €5.000,00 em 36 prestações mensais e sucessivas;

XCIII. E, confirmou a testemunha que respondeu ao Eng. Artur (…) pela mesma via e, na mesma data, informado em concreto o valor em dívida , refutando a proposta;

XCIV. Mais salientou a testemunha que, em resposta, o Eng. Artur (…), não só detalhou a que os valores em divida se referiam como apresentou nova proposta;

XCV. A referida troca de emails consta de fls.194 p.p..

XCVI. Mais, a testemunha David (…) confirmou que o Eng. Artur (…) sabia e reconhecia quais os valores que o R. devia,

XCVII. até porque, o mesmo dirigiu-se à sede da A com os extractos de conta, após a troca de emails de 27.01.2012.

De facto,

XCVIII. Parece que o julgador “a quo" olvidou a troca de mensagens de correio electrónico, junta aos Autos a fls. 194 p.p..

Vejamos,

XCIX. Em 2012 o condomínio R. era administrado pela C Manutenção que sucedeu à empresa B que, entretanto, encerrou a sua actividade.

C. Como tal, qualquer reconhecimento dos valores em dívida por parte de um representante do condomínio R., em 2012, só o poderia ter sido feito pela C Manutenção, como de resto, aconteceu.

CI. Por isso, por mensagem de correio electrónico de 27.01.2012 (fls. 194 p.p.), a JFA, na pessoa do seu sóocio gerente, Artur (…), contactou a A. e, por escrito, propôs a redução do valor em dívida para o montante de €5.000,00;

CII. Ora, se o R. propôs a redução do valor em dívida e porque tem consciência e, reconhece que o valor em dívida é superior a, pelo menos, € 5.000,00;

CIII. Depois, na sequência da recusa pela A. da referida proposta, a administração, à data, do condomínio - C Manutenção - em 28.01.2012, descreve, detalhadamente, quais os valores em dívida (veja-se fls 194 p.p.);

CIV. A que facturas se referem;

CV. Propondo uma redução, desta vez para o valor de €7.908,40.

Como se percebe,

CVI. pelo menos em 27.01.2012 e, em 28.01.2012, resulta mais do que evidente que o R., através da sua administração não só, reconheceu os valores em dívida,

CVII. como tinha plena consciência a que se referiam os mesmos;

CVIII. E, se propôs o pagamento é porque admite que os deve;

CIX. E, se pede a redução, é porque sabe e, reconhece, que deve mais do que o valor que se propõe a pagar.

Assim,

CX. Devia a resposta ao Art. 14 da Base Instrutória ter sido a de “provado";

CXI. Na medida em que resulta demonstrado, seja através do depoimento da testemunha David (…), seja através dos Documentos juntos aos Autos a fls. 188 p.p. e, a 194 p.p., que a A. procurou a recuperação do seu crédito pela via negocial;

CXII. O qual se foi arrastando com o reconhecimento da dívida acumulada por parte da B e, das empresas de administração do condomínio R., que se seguiram a B, em representação do mesmo, com diversas propostas de pagamento;

Pelo que,

CXIII. Tendo a administração do condomínio R. reconhecido, em Janeiro de 2012, os valores em dívida, foi a alegada prescrição interrompida, assim se esperando que V. Exas. concluam também.

A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse substituída por outra, que condenasse o R., como peticionado, tudo com as legais consequências.

O R. contra-alegou, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- No que diz respeito ao facto do Tribunal “a quo ” ter entendido declarar a nulidade das cláusulas constantes dos pontos 5.6 e 5.7.4 das Condições Gerais dos Contratos sub judice , o ora recorrido considera que o Tribunal decidiu e decidiu bem!

2- O Tribunal “a quo ” entendeu resumidamente que, “do teor dos contratos juntos aos autos (no confronto, aliás, com aqueles outros que não respeitam ao Edifício Belle Mar e que constam de fls. 249 a 254 e 256 a 261 p.p.) e da factualidade apurada (...), constata-se que, com excepção do número do contrato e da indicação da identificação da subscritora e da indicação “administração do edifício” e morada, bem como das condições específicas correspondentes à indicação do início de vigência e prazo de validade, ao valor das prestações mensais e ao período de facturação, o conteúdo dos mencionados acordos é definido por referência ao que se encontra vertido nas “Condições Gerais” sendo que estas estão claramente contidas em cláusulas pré-impressas pela autora para utilização em contratos com clientes indeterminados.”

3- “A própria autora admite que as condições gerais dos contratos em causa são elaboradas previamente e dirigidas à generalidade dos consumidores (...)”.

4- Continua: “De notar que os elementos variáveis de caso para caso se destinam tão-somente, à identificação de quem contrata com a autora e à indicação do início de vigência e prazo de validade, ao valor das prestações mensais e ao período de facturação (Condições Específicas). As demais, as Condições Gerais, constam de cláusulas pré-impressas, elaboradas pela autora para utilização em contratos com clientes indeterminados, que se repetem de caso para caso, na contratação do mesmo tipo de serviços.”

5- “De acordo com o disposto no art. 1°, n°. 3 do DL 446/85 ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”

6- “Tal prova não foi feita pela autora e não o foi, concretamente, relativamente às cláusulas 5.6 e 5.7.4., ou seja, não demonstrou que em sede de negociação dos contratos essas cláusulas tenham sido objecto de apreciação e discussão entre as partes e que a sua inclusão ou alteração (...) tenha sido o resultado dessa negociação (...). Pretendendo evitar a aplicação do regime legal vertido no diploma em referência, teria de o ter provado, o que não fez.”

7- Conclui por isso que: “Assim, a tais condições gerais e, especificamente, as cláusulas 5.6. e 5.7.4. são aplicáveis os art.°s 15°, 16° e 19° do DL 446/85, de 25-10.”

8- Ora, o ora recorrido não pode estar mais de acordo!

9- Independentemente do mais e “diga-se o que se disser”, a autora não provou que aquelas cláusulas contratuais gerais (em particular as cláusulas 5.5.2, 5.6 e 5.7.4) foram objecto de negociação entre as partes!

10- Daí que seja falso o constante no ponto XV das Conclusões da recorrente.

11- Aqui se encontra o cerne da questão!

12- Para que um contrato seja celebrado através da técnica das cláusulas contratuais gerais são necessários três requisitos ou pressupostos: Pré-formulação - elaboração antecipada e pré-redigida pelo proponente das condições negociais; Generalidade - condições predispostas para utilização geral, na série ou pluralidade de contratos a celebrar; Rigidez - condições essas destinadas a serem aceitas tal qual se apresentam, sem negociação individual - Calvão da Silva, in RLJ, Ano 136°, pag. 363; cfr. do mesmo Autor, Banca, Bolsa e Seguros. Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, Coimbra, 2005, pag.148.

13- Tudo características que se constatam nos supra referidos contratos.

14- Os contratos em causa dividem-se em Condições Gerais e Condições Específicas.

15- Nas Condições Gerais consta toda a regulação do contrato que surge num bloco uniformizado utilizado para todos e quaisquer contratos - vide depoimento da testemunha Vítor (…) do minuto 41 e 14 segundos ao minuto 41 e 30 segundos.

16- Depois, as condições específicas consistem num formulário pré-concebido e pronto a que se preencha a identificação das partes, o objecto do contrato, a duração, o preço e nada mais.

17- Daí que o Condomínio entenda que, no que à matéria de facto diz respeito, isto é, do que resulta da prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal “a quo” andou mal ao não dar como provado que “os contratos referidos em 2. foram elaborados sem hipótese de intervenção do réu.” bem como ao não dar como provado que “as cláusulas dos contratos não tiveram qualquer adaptação ao Edifício Belle Mar”.

18- Assim, fácil é concluir que o Tribunal “a quo ” decidiu bem ao considerar como provado a primeira parte do ponto 1 da base instrutória, e mal ao dar como não provado a 2a parte desse mesmo ponto 1.

19- Decidiu bem ao considerar como provada a primeira parte do ponto 3 da base instrutória e mal ao dar como não provada a segunda parte desse mesmo ponto 3.

20- Na verdade, da fundamentação à matéria de direito aplicável e constante na sentença decorre e infere-se que o Tribunal “a quo” assim entendeu, isto é, teve em conta tal matéria - a da 2a parte do ponto 1 e a da 2a parte do ponto 3 da base instrutória - como se a tivesse dado como provada - vide as supra transcritas passagens da sentença - não se compreendendo, por isso, a razão para o Tribunal os considerar como não provados.

21- De facto, dúvidas houvesse, com a junção aos autos, em 7/4/2014, das certidões - vide requerimentos datados de 7/4/2014 (que juntaram certidão emitida em papel) e certidão electrónica junta, igualmente, em 7/4/2014 - das quais se retira existirem, pelo menos, 116 contratos celebrados com a OTIS exactamente iguais aos aqui em discussão (porque dos 121 contratos referenciados, 5 correspondiam aos contratos celebrados com o ora condomínio), essas mesmas dúvidas teriam de dar lugar a uma consistente certeza!

22- Note-se que a petição inicial deduzida pela OTIS no âmbito do processo n°. 312/07.2TCFUN, da extinta 1a Secção da Vara Mista do Funchal, no seu artigo 58° refere o seguinte: “Esclarece-se que as condições contratuais gerais aplicáveis aos 121 contratos de manutenção de elevadores acima identificados e juntos como Docs. 11 a 101 são exactamente iguais e correspondem às condições contratuais gerais anexas ao contrato HIM 001 junto como Doc. n°. 11”.- tudo conforme certidão emitida em papel junta com os requerimentos datados de 7/4/2014 e que se dá como integralmente reproduzida.

23- Ora, nos 121 contratos supra referenciados encontravam-se os referentes ao do Edifício Belle Mar - Ibidem e documentos juntos em audiência de julgamento datada de 24/3/2014.

24- E, isto vem confirmar, sem margem para equívocos, o alegado pelo réu, ora recorrido, servindo, assim, de prova para os pontos 1° a 5° da base instrutória e contra provado ponto 9° dessa mesma base.

25- Dos depoimentos das testemunhas decorre, igualmente, a prova de tais factos, em particular do depoimento da testemunha Cristiano (…) - vide depoimento do 1 minuto e 37 segundos aos 14 minutos e 34 segundos, dos 18 minutos e 58 segundos aos 19 minutos e 56 segundos e dos 23 minutos e 10 segundos aos 23 minutos e 27 segundos.

26- Veja-se, a título de exemplo, as seguintes passagens:

a) Mandatária do réu: “E a A não permitiu alterar esse clausulado? Cristiano (…): Tudo o que mexa com condições gerais, não aceitavam!” - Depoimento da Testemunha Cristiano (…) dos 12 minutos e 8 segundos aos 12 minutos e 15 segundos;

b) Mandatária do réu: “E isso passou-se sempre ao longo dos anos, desde que começou a trabalhar? Alguma vez a A permitiu alterar algum clausulado geral? Cristiano: Não !” - Depoimento da Testemunha Cristiano dos 12 minutos e 21 segundos aos 12 minutos e 29 segundos.

27- De salientar que ao nível deste depoimento, releva a grande experiência da testemunha em causa, que para além de acompanhar há já alguns anos diversas negociações de contratos dos Condomínios com a A - o que inclui o período em que os  contratos sub judice foram celebrados -, fê-lo também em número muito elevado.

28- Tudo isto para dizer que há um lapso notório do Tribunal “a quo” ao considerar como não provado que “os contratos referidos em 2. foram elaborados sem hipótese de intervenção do réu.” bem como que “as cláusulas dos contratos não tiveram qualquer adaptação ao Edifício Belle Mar”.

29- Acresce, ainda, que, no âmbito da matéria de facto o réu /recorrido entende que também face ao acima exposto o Tribunal não poderia ter dado como provado, como deu, a segunda parte do ponto 15 dos Factos Provados discriminados na Sentença quando diz “...podendo ser introduzida alguma alteração negociada relativa as condições gerais conforme referido em 18. (ponto 5)” nem mesmo o próprio ponto 18 dos Factos Provados discriminados na Sentença que diz “Apesar de serem elaboradas antecipadamente a proposta negocial e dirigidas à generalidade das pessoas, podem ser introduzidas especificidades mediante inscrição nas condições particulares, consoante o acordo estabelecido entre as partes (ponto 9).”.

30- A título de apontamento se dirá que não há contradição nenhuma entre o facto do Tribunal dar como provado que o Réu era administrado por uma empresa especializada em administração de condomínio (ponto 12 da base instrutória) e que “o conteúdo dos referidos contratos foi conhecido do réu desde a fase de negociação até à sua outorga (ponto 10 da base instrutória).” e depois ter considerado a nulidade das Cláusulas 5.6 e 5.7.4. dos Contratos.

31- O facto de existir uma sociedade especializada em administração de condomínios a administrar o Edifício em causa e o facto desta ter conhecimento do teor dos contratos não faz com que esta tenha capacidade, como não teve, de alterar o conteúdo desses mesmos contratos que lhe foram apresentados.

32- Aliás, neste sentido depôs claramente a testemunha Cristiano - vide o seu depoimento do 1 minuto e 37 segundos aos 14 minutos e 34 segundos, dos 18 minutos e 58 segundos aos 19 minutos e 56 segundos e dos 23 minutos e 10 segundos aos 23 minutos e 27 segundos.

33- De referir que a testemunha Vítor não acompanhou o processo de assinatura dos contratos sub judice e, mais grave, nem trabalhava na Otis a data da assinatura dos mesmos – porque só entrou ao serviço da OTIS em Junho de 2006 - vide o seu depoimento do 0 minuto e 28 segundos ao 0 minuto e 34 segundos, do 1 minuto e 7 segundos aos 1 minuto e 18 segundos e dos 2 minutos e 34 segundos aos 2 minutos e 44 segundos, dai que nao possa depor, com conhecimento de causa, relativamente às políticas da autora nesse período.

34- Pelo que, quanto a esta matéria de facto - os pontos 10 e 12 da base instrutória - se dirá que não há qualquer tipo de incongruência e/ou contradição em virtude da mesma ter sido dada como provada.

35- Quanto ao depoimento da testemunha David, para além do já acima expendido se dirá que também ele não acompanhou – dado que não se encontrava na Madeira nessa altura e não eram essas as suas funções - a contratualização em causa - vide o seu depoimento do 1 minuto e 15 segundos ao 1 minuto e 36 segundos.

36- É, portanto, falso que esta testemunha, em momento algum, tenha referido ter conhecimento directo das negociações em causa!

37- A própria mandatária da autora, a determinado ponto refere:

“(...) Olhe, o Senhor, até pela data que entrou, não esteve presente na negociação (...)” - vide depoimento da testemunha David dos 4 minutos e 9 segundos aos 4 minutos e 16 segundos.

38- É igualmente falso que, conforme mencionado no ponto XXXVI das Conclusões da Recorrente, as Cláusulas Contratuais Gerais variam de contrato para contrato.

39- O que a testemunha afirmou foi que existe um modelo/ minuta das cláusulas contratuais gerais para os contratos de manutenção simples e outro(a) para os contratos de manutenção completa.

40- Face ao exposto se dirá que é falso que o cliente possa derrogar alguma cláusula geral e disso se fez prova bastante em audiência de julgamento, nomeadamente através do depoimento da testemunha Cristiano e dos documentos juntos aos autos em 7/4/2014.

41- As testemunhas invocadas pela autora não participaram na contratualização em causa e, inclusivamente, uma delas – Vítor, à data, nem trabalhava ainda na A.

42- E tal consta, inclusivamente, da sentença do Tribunal a quo:

“Nenhuma das testemunhas inquiridas participou ou presenciou as negociações estabelecidas entre a autora e o réu com vista a celebração dos contratos aqui em causa”.

43- Isto para dizer que, para além de serem testemunhas que prestam trabalho subordinado à autora, não tem conhecimentos quanto ao período respeitante aos contratos aqui em análise – uma porque ainda não trabalhava para a A e a outra porque à data dos factos não se encontrava na Região Autónoma da Madeira nem tinha funções relacionadas com a contratualização/área comercial.

44- A ora recorrente invoca, vezes sem conta, que o condomínio tomou conhecimento do conteúdo dos contratos, que o compreendeu e o aceitou…que remédio!

45- Se o referido conteúdo não é negociável, qual é a outra opção que não seja a de aceitá-lo???

46- Evidentemente que não está em causa ter sido necessário algum esclarecimento!

47- Nunca o réu invocou qualquer dúvida ou desconhecimento.

48- O que está em causa é o facto de tais cláusulas não serem, pura e simplesmente, negociáveis!

49- O que é um facto!

50- É, portanto, falso que as cláusulas 5.6, 5.5.2 e 5.7.4 pudessem ser derrogadas!

51- E o facto de tais cláusulas serem comuns nos contratos de manutenção / conservação de elevadores de outras empresas - conforme arguido pela autora no ponto LVII das suas conclusões - não faz delas cláusulas válidas e/ou legais!

52- Infelizmente nem tudo o que se passa no mundo está em conformidade com o que devia ser!

53- A finalidade da cláusula 5.7.4 é clara mas, dada a gravidade da penalização nela contida - por exagerada face aos danos que visa ressarcir - é a desproporção da mesma face à cláusula 5.6, não poderá ser válida, operando, necessariamente, a sua nulidade.

54- Note-se, ainda, que não existe nos contratos qualquer cláusula para a eventualidade da OTIS os denunciar antecipadamente.

55- Conforme expende a douta sentença já proferida “ao inserir cláusulas deste tipo alcança não só parte dos lucros esperados pelo cumprimento do contrato como liberta a sua estrutura empresarial do cumprimento do referido contrato (deixa de ter de suportar as despesas inerentes à manutenção, designadamente, com equipamentos, materiais, tempo de trabalho.), antecipando a recepção das quantias que deveriam ser aferidas até termo do contrato” (...) Pelo que, impende assim sobre tal cláusula uma desproporção sensível, atentos os elevados encargos que incumbem sobre o cliente, fazendo com que haja um notório abuso da posição dominante () exacerbado pelo forte desequilíbrio entre situações idênticas de incumprimento, e que devem fundamentar, segundo os juízos da razoabilidade, já apontados, a nulidade da cláusula ()” - cf. Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2011, Desembargadora Fátima Galante, processo n°. 779/04.0TCSNT.L1-6; no mesmo sentido, Acordão do tribunal da Relação de Lisboa de 1-03-2012, Desembargador Jerónimo Freitas, processo n°. 26396/09.0T2SNT.L1-6 já referido; Acórdão do mesmo Tribunal de 06-02-2008, Desembargadora Fátima Galante, processo n°. 466/2008-6, publicados na base de dados do ITIJ já acima identificada.”

56- E a sentença do Tribunal “a quo” fundamentou muito bem, justamente, esta sua posição referindo, ainda, que “De relevar também que a actividade da recorrente, para além da prestação de serviços de manutenção, abrange o fornecimento e montagem de elevadores (cf. ponto 1. da matéria de facto), de tal modo que a entrada na sua carteira de clientes de um nova edifício (ainda que com dez elevadores) não traduz, por si só (e na ausência de demonstração de outros factos), que se imponha a necessidade imediata de contratação de mais pessoal, nem da aquisição de material ou equipamentos específicos ou alargamento dos meios logísticos, etc”.

57- “De igual modo, a perda de um cliente ou o incumprimento por um cliente não acarretara, necessariamente, a necessidade de dispensa de pessoal ou a perda de utilidade de material ou equipamentos.”

58- “A denúncia dos contratos antes do tempo previsto implica, é certo, um prejuízo para a autora que previa obter aquele lucro naquele período estipulado mas esse prejuízo não será, por regra, equivalente ao valor de todas as prestações correspondentes ao cumprimento integral do contrato, como previsto na cláusula

5.7.4., pelo que a aplicação desta cláusula conduzirá sempre a uma sensível superioridade da indemnização em relação ao montante dos danos normalmente previsíveis (neste caso, a indemnização ascenderia, para cada contrato, ao valor de 23 prestações mensais, num contrato de três anos).”.

59- “Diversamente, a cláusula 5.6., por referência àquela outra prevista para a denúncia por parte do cliente, ao estipular um valor máximo correspondente a três meses de prestações mensais no caso do incumprimento do contrato por parte da autora surge desadequada perante a dimensão dos danos que podem ser causados ao cliente pelo incumprimento da autora. (...)”.

60- “Por outro lado, no confronto das penalizações previstas para o cliente a cláusula penal fixada para o incumprimento da autora surge desadequado e revela total desequilíbrio entre as partes.”

61- De referir que a fundamentação constante nos pontos LXX. e LXXI. das alegações da recorrente em nada justifica o desequilíbrio já exposto.

62- Sendo que, também conforme referido na própria sentença sub judice , a Cláusula 5.5.2 encontra o seu directo contraponto na Cláusula 5.6, dado aplicar-se aos casos de incumprimento do contrato.

63- E a Cláusula 5.7.4. segue a linha do já previsto na Cláusula 5.5.2 mas com aplicação no caso de denúncia antecipada do contrato e sem contraponto directo, isto é, sem previsão, no caso da OTIS entender exercer uma denúncia antecipada.

64- De facto, da análise das referidas Cláusulas só pode resultar o vislumbre de um nítido desequilíbrio entre as partes!

65- Também não é líquida a invocação da recorrente no sentido de que as Cláusulas do incumprimento poderão ser accionadas diversas vezes durante o Contrato.

66- Ainda que assim fosse, o que não se concede, nada muda no gritante desequilíbrio e desproporção que as mesmas encerram relativamente a cada uma das partes contratantes.

67- Tais cláusulas constituem o exercício de um direito ilegítimo dado que excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé, equidade e proporcionalidade - artigo 334° do Código Civil.

68- Tais cláusulas são, ainda, no entender do Condomínio, contrárias à ordem pública e ofensivas dos bons costumes.

69- E contra a ordem pública estão as cláusulas “amordaçantes”, ou seja, “aquelas que limitam desmesuradamente (excessivamente e irrazoavelmente) a liberdade pessoal ou económica de uma das partes, contendem com a “liberdade de consciência das pessoas ou sujeitam estas a sacrifícios de todo irrazoáveis (injustificados) ou inexigíveis, ou a vinculação de todo incompatíveis com uma vontade racional” - Baptista Machado, in Obra dispersa, Volume I, 644.

70- Por sua vez os bons costumes, noção variável no tempo e no espaço, são o “conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento - Mota Pinto, in Ob. Citada, 647.

71- Ora, as mencionadas cláusulas “amordaçantes” estão contra estes bons costumes, pelo que, nos termos do artigos 280°, n°. 2 do Código Civil devem ser consideradas nulas.

72- Diga-se, ainda, que no entender do réu, existe, por parte da autora, através do clausulado no contrato sub judice, a tentativa de atingir benefícios excessivos que, de outra forma, isto é, num contrato equilibrado, não aconteceria.

73- Falamos, portanto, de uma situação de usura.

74- São, portanto, como invocado desde o início, a luz do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, cláusulas nulas, já que se integram no previsto nos artigos 15°, 16° e 19°, alínea c) conjugados com o artigo 12° desse mesmo Regime.

75- Importa, ainda, dizer que, no caso concreto, a manutenção dos elevadores no Edifício Belle Mar não implicou especiais investimentos por parte da OTIS.

76- Porque, por exemplo, se trata de um número reduzido de elevadores e porque o Edifício Belle Mar fica a cerca de 150 metros de distância das instalações da OTIS - vide depoimento da testemunha Cristiano dos 14 minutos e 47 segundos aos 15 minutos e 50 segundos e o depoimento da testemunha David do minuto 2 e 3 segundos ao minuto 2 e 24 segundos.

77- Tendo em conta tudo o expendido, deverão V. Exas. atentar, nos termos do disposto no artigo 636°, n°. 2 do Código de Processo Civil, à ora impugnação sobre os identificados pontos da matéria de facto, não impugnados pela recorrente.

78- Apesar disso, e em conformidade com o demonstrado, o Tribunal a quo, repete-se, fez bem ao decidir pela nulidade das cláusulas 5.6 e 5.7.4 dos contratos sub judice .

79- E ao assim decidir, improcedeu, e bem, o pedido de indemnização da OTIS pela rescisão antecipada dos contratos.

80- Ainda que assim não fosse, o que não se admite e apenas se coloca como mero exercício académico, o recorrido entende que o facto da OTIS peticionar uma indemnização pela rescisão de diversos contratos - o que inclui os contratos aqui em análise – no âmbito de um outro processo que corria termos na extinta 1ª Secção da Vara Mista do Funchal sob o n°. 312/07.2TCFUN - cuja sentença condenatória ainda não transitou em julgado em virtude do Recurso de Apelação interposto pelos réus e, ainda, sem acordão - constitui causa prejudicial na procedência do ora pedido na parte que diz respeito a indemnização resultante da rescisão / resolução dos contratos - tudo conforme alegado no âmbito do Articulado Superveniente do Reu datado de 24/3/2014 e que aqui se dá como integralmente reproduzido.

81- De facto, no pedido formulado naquela outra acção temos, entre outros aspectos, o seguinte: “Se condenem, solidariamente, os RR. (...) a pagar a Autora, a titulo de clausula penal, a quantia de 490.200,00 €, que corresponde ao resultado de EURO 4.300,00 x 114 contratos de manutenção de elevadores rescindidos por iniciativa da B(...)” - vide certidão junta por requerimentos datados de 7/4/2014.

82- E, em conformidade com isso, a respetiva sentença do Tribunal a quo, condenou, efectivamente, os réus a pagar uma indemnização a A, ora aqui autora, no valor de 490.200,00 €, pela rescisão de diversos contratos de manutenção de elevadores, nos quais se incluem os do Edifício Belle Mar, tudo conforme melhor se pode retirar da certidao electronica junta aos autos em 7/4/2014.

83- Ora, a OTIS não pode ser permitido que, em dois processos distintos, tente ser indemnizada pelo mesmo facto!

84- E, mantendo-se a referida decisão recorrida - no Processo n°. 312/07 -, independentemente de quem pagará a referida indemnização e independentemente da sua fórmula de cálculo advir de um outro contrato que não os sub judice , a mesma refere-se indubitavelmente a penalização pela rescisão / resolução dos contratos celebrados com a A !

85- Daí que, sem conceder, ainda que não fosse procedente a nulidade das cláusulas aqui em análise, tendo V. Exas. em conta o disposto no artigo 636°, n°. 1 do Código de Processo Civil, sempre a supra identificada acção deveria ser considerada causa prejudicial ao conhecimento do pedido referente à indemnização.

86- Por fim e uma vez mais sem conceder se dirá que ainda que nada do que se expôs atrás assim fosse, o referido montante indemnizatório estaria prescrito.

87- À laia de apontamento se dirá que tendo em conta o previsto na Cláusula 5.7.4, a referida indemnização teria de ter sido imediatamente facturada, isto é, em Dezembro de 2006 e, a ser assim, o prazo de contagem da prescrição teria começado a correr nessa data - tudo em conformidade com o previsto no artigo 306° do Código Civil.

88- No que se refere ao facto do Tribunal a quo ter decidido considerar procedente a excepção da prescrição quanto ao montante de 8.929,65 € decorrente da manutenção supostamente efectuada pela OTIS, o recorrido entende que esta é também uma decisão que não é susceptível de levantar qualquer dúvida!

89- Na verdade, “ o contrato de assistência técnica e de manutenção normal de elevadores instalados em prédio, e um verdadeiro contrato de prestação de serviços, tratando-se de um contrato de execução continuada e contrapartida (...) constitui uma prestação duradoura, que se encontra intimamente ligada ao decurso do tempo e que se renova periodicamente. Cabem tais prestações na previsão do artigo 310°, alínea g) do Código Civil, sendo de cinco anos o prazo de prescrição.” - in Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n°. 815/11.4TJLSB.L1-1 de 12-07-2012, disponível em www.dgsi.pt.

90- As obrigações que do contrato derivam para os seus outorgantes denominam-se de “prestação”, consistindo esta, em geral, na acção ou actividade que cada um dos obrigados deverá desenvolver, para se libertar, perante o credor. O devedor cumpre a obrigação (artigo 762° do Codigo Civil) quando realiza a prestação a que está obrigado.

91- Quanto à maneira da sua realização temporal, as prestações debitórias, podem classificar-se em “instantâneas” e “duradouras”.

92- “Dizem-se instantâneas as prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento (quae único actu perficiuntur)” - Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5ª Edição, pág. 85;

93- Nas relações “duradouras”, a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação.

94- Dentro das obrigações duradouras, coloca a doutrina as “prestações de execução continuada” e as “prestações reiteradas, periódicas ou de trato sucessivo”. Nas primeiras, o cumprimento prolonga-se ininterruptamente, como ocorre com o locador, fornecedor de água, luz e gás. Nas segundas o cumprimento depende de actos que “se verificam com determinados intervalos” (cf. Menezes Cordeiro in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 357). E disso exemplo a obrigação do locatário.”

95- Como ensina Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 5a Ed., pag. 88), não se confundem com as obrigações duradouras, as obrigações fraccionadas ou repartidas. Dizem-se fraccionadas ou repartidas, as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual como no caso do pagamento de preço a prestações). (...) Nas obrigações duradouras, a prestação devida depende do factor tempo (...) nas prestações fraccionadas, o tempo não influi na determinação do seu objecto, apenas se relacionando com o modo de execução.”.

96- Tendo-se presentes os princípios enunciados e as cláusulas constantes do contrato em causa, haverá que concluir que o mesmo é de execução continuada.

97- Com efeito, a autora obrigou-se durante o período inicialmente previsto, renovável automaticamente, a proceder periodicamente a manutenção dos elevadores, realizando os trabalhos necessários ao seu funcionamento.

98- O réu, por seu turno, obrigou-se (entre outras coisas) a fazer pagamentos trimestrais.

99- Trata-se, claramente, de uma prestação duradoura, que se encontra intimamente ligada ao decurso do tempo e que se renova periodicamente.

100- E, por esse motivo, as dívidas decorrentes de tais obrigações prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 310°, alínea g) do Código Civil.

101- E trata-se de uma prescrição extintiva - com tudo o que ela implica!

102- No âmbito desta temática e mais propriamente no que respeita a matéria de um eventual reconhecimento da dívida se dirá que bem andou o Tribunal “a quo ” ao não dar como provado o ponto 14° da base instrutória!

103- Note-se que nos invocados artigos 55° a 61° da Réplica - ex vi Requerimento da Autora datado de 20/5/2013 - a Autora não alegou o reconhecimento da dívida por parte das sucessivas administrações, sendo, portanto, falso o constante no ponto LXXVII. das conclusões, mas antes e tão somente quanto a ServBrava - tudo na estrita medida do constante no despacho de resposta à Reclamação do Despacho Saneador efectuada pela autora;

104- Daí que a autora, ora recorrente, não tem qualquer razão, quando diz nas suas conclusões - vide ponto LXXXIV - , que “(...) o julgador “a quo” não estava limitado ao reconhecimento da dívida por parte do condomínio R., apenas pela empresa B.”

105- E, diga-se, ainda mais, não foi o julgador que limitou o reconhecimento apenas a B mas antes a própria autora com o vertido na sua Réplica bem como no seu requerimento de reclamação ao Despacho Saneador datado de 20/5/2013 – que remete especificamente para os artigos 55° a 61° da resposta à Contestação.

106- De referir que quanto ao intitulado reconhecimento da dívida e no que à B diz respeito, é completamente falso que o Engenheiro David alguma vez, durante o seu depoimento, tenha afirmado que aquela sociedade reconheceu a existência de uma dívida - vide adiante a transcrição integral do depoimento da testemunha David.

107- Independentemente do demais se dirá que o julgador “a quo” não olvidou a referenciada troca de mensagens de correio electrónico nem o depoimento da testemunha David quanto aos invocados contactos realizados entre este e o Engenheiro Artur, posteriores a 28 de Janeiro de 2012 (data da invocada troca de e-mails).

108- Quanto a documentação, no entender do condomínio recorrido, esta não pode, de forma nenhuma, servir de prova para a matéria constante no artigo 14° da base instrutória.

109- Desde logo porque tal ponto apenas se refere à B e, quanto a esta, nenhuma prova foi produzida.

110- Depois porque, e independentemente de tal documentação ter sido expressamente impugnada, sem conceder, por um lado, no que diz respeito ao documento n°. 1 do Requerimento datado de 19/7/2013, ainda que a troca de e-mails tivesse efectivamente ocorrido entre o intitulado condómino e a A, resulta claro que este, em primeira linha, não tinha legitimidade para reconhecer o que quer que fosse em nome do Condomínio - tratava-se de um mero condómino estranho à administração do condomínio – e depois, em segunda linha, ainda que assim não fosse, o que novamente não se concede, do teor dos e-mails não resulta um reconhecimento da dívida mas antes uma tentativa de recolha de informação quanto à existência ou não de alguma dívida.

111- Por outro lado, no que respeita aos e-mails supostamente trocados entre a C e a A - identificados como documento n°. 2 juntos com o atrás referenciado Requerimento, uma vez mais se dirá que a referida documentação foi impugnada por se desconhecer se a sua letra e assinaturas são ou não verdadeiras.

112- De resto, repete-se, independentemente de tal veracidade, o ponto 14° da base instrutória apenas se refere à B e não a qualquer outra administração do Condomínio.

113- Ainda que assim não fosse, no período em que esta troca de emails supostamente tem lugar, 27 e 28 de Janeiro de 2012, já a dívida em causa tinha prescrito.

114- Atente-se que tanto a invocada dívida referente à conservação dos elevadores - no valor de 8.929,65 € - como a referente à invocada indemnização pela resolução dos contratos - no valor de 22.278,55 € - tinham mais de 5 anos.

115- Especificamente no que se refere ao montante decorrente da manutenção dos elevadores, cujo período derradeiro diz respeito a Outubro, Novembro e Dezembro de 2006, facilmente se verifica que entre essas datas e a data da citação do Condomínio, em 15/1/2013, no âmbito dos presentes autos, correram bem mais de 5 anos.

116- Sem conceder se dirá que entre Dezembro de 2006 - ainda que as facturas em causa refiram como data limite para o pagamento 25 de Outubro de 2006 - e 27/28 de Janeiro de 2012 correram, igualmente, mais de 5 anos.

117- Reafirma-se, ainda, conforme se pode verificar na transcrição do depoimento da testemunha David que, em parte alguma, este afirma ter sido contactado pela B para negociar os termos do pagamento dos valores em dívida.

118- Quanto a este aspecto refere a douta sentença do Tribunal “a quo” o seguinte: “Nenhuma testemunha mencionou que a B, Lda teria contactado com a autora aceitando a dívida, sendo certo que a correspondência trocada e constante de fls. 188 a 195 não se mostra dirigida ou expedida pela aludida empresa.”.

119- É, por essa razão, completamente falso o vertido no ponto LXXXVIII das conclusões da apelante!

120- É igualmente falso o constante nos pontos LXXXIX e XC das referidas conclusões - veja-se que, sem conceder, a ter ocorrido a tal troca de correspondência, a mesma terá tido lugar com uma funcionária da A chamada Sofia (…) e não com o referenciado David (…).

121- Ainda no que diz respeito às reclamações apresentadas ao despacho saneador se dirá que, apesar de, no entender do apelado não assistir razão ao invocado pela apelante, o Tribunal “a quo” apreciou mal a reclamação do Condomínio ao não incluir na matéria considerada como provada os factos constantes nos artigos 13° a 15° da Contestação bem como o facto de ter considerado irrelevante a alteração à redacção conferida ao ponto B) dos factos assentes - vide Reclamação do Despacho Saneador apresentada por Requerimento do Réu datado de 17/5/2013 e que se dá por integralmente reproduzida.

122- Redação, essa, que exprimiria a realidade substancial e formal do processo e reflectiria a política da A no sentido de fornecer as minutas dos contratos já pré-concebidas, sem hipótese de alterações, tanto assim era que as entregaram já assinadas, aguardando, apenas, a vinculação do cliente.

123- Quanto à inteligibilidade do depoimento da testemunha David (…) invocada pela autora/recorrente, o ora recorrido concorda que o mesmo é, de facto, na sua generalidade, inteligível!

124- Deste modo, face à prova constante nos autos, nomeadamente a que atesta que, na altura da assinatura dos contratos sub judice, a A celebrou outros 116 contratos exactamente idênticos aos do ora Condomínio Belle Mar - vide certidões juntas ao processo em 7/4/2014, tanto pelos diversos requerimentos como electronicamente - e aos depoimentos das testemunhas, com especial relevância para o depoimento de Cristiano (…), ao condomínio não parece possível que o depoimento da testemunha David (…) - incluindo as partes em que a sua audição surge dificultada e qualquer que fosse o sentido das respostas em causa (vide transcrição integral do referido depoimento, do minuto 0 e 0 segundos ao minuto 36 e 17 segundos) - possa alterar a força probatória dos restantes elementos por forma a modificar a decisão da causa.

125- Por estes motivos, o Condomínio apelado entende que dada a pouca relevância deste depoimento para a decisão da causa, não sendo este susceptível de influir no exame e decisão da causa e tendo a apelada invocado a sua inteligibilidade e o ora apelado concordado com a mesma, não há qualquer justificação para a repetição do mesmo.

Nestes termos e nos mais de direito bem como nos termos do disposto no artigo 636°, n°s. 1 e 2 do Código de Processo Civil, deverá este Tribunal ter em conta a impugnação ora efectuada ao nível da matéria de facto, a impugnação ora deduzida ao despacho da Reclamação do Despacho Saneador apresentada pelo Réu, bem como, subsidiariamente, isto é, em caso de necessidade, conhecer da causa prejudicial invocada, ou outra matéria invocada pelo Condomínio, e considerar improcedente a apelação da A, mantendo, assim, a absolvição do réu quanto aos pedidos por ela formulados.

O tribunal a quo recebeu a apelação, fixando-lhe subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo e exarando entender não se vislumbrarem omissões ou nulidades de que cumprisse conhecer.

Os autos foram aos vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

Pela apelante foram suscitadas as seguintes questões:

a) Ininteligibilidade do depoimento da testemunha David (…) e eventual necessidade de o julgamento ser repetido, pelo menos quanto a essa testemunha, no caso de a recorrida pretender prevalecer-se desse depoimento;

b) Alteração à resposta dada ao artigo 1.º da base instrutória;

c) Qualificação dos contratos dos autos como não sendo contratos de adesão;

d) Validade das cláusulas 5.7.4 e 5.6 desses contratos;

e) Alteração da redação do art.º 14.º da base instrutória e sua prova;

f) Interrupção da prescrição dos créditos peticionados.

Por sua vez, ao abrigo do disposto no art.º 636.º do CPC, o apelado ampliou o âmbito do recurso às seguintes questões:

g) Modificação da matéria de facto, devendo dar-se como provados dois factos que o tribunal a quo deu como não provados (segunda parte do art.º 1.º da base instrutória e segunda parte do art.º 3.º da base instrutória) e devendo dar-se como não provados dois dos factos dados como provados (segunda parte do ponto 15 dos factos provados e ponto 18 dos factos provados);

h) Prejudicialidade de outra ação intentada pela A.;

i) Procedência de reclamação deduzida pelo R. à seleção da matéria de facto, que o tribunal a quo indeferira.

Primeira questão (ininteligibilidade do depoimento da testemunha David Reis)

O direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto pressupõe, quando estão em causa depoimentos que tenham sido gravados, que o respetivo registo não padeça de deficiências que impossibilitem a sua compreensão (vide artigos 640.º n.º 1, alíneas b) e n.º 2, n.º 3, 636.º n.º 2 e 662.º n.º 1 do CPC).

A omissão ou ininteligibilidade da gravação, em termos que impossibilitem a reação contra a decisão de facto, constitui nulidade processual, na medida em que pode influenciar a decisão da causa (art.º 195.º n.º 1, 2.ª parte, do CPC). Tal nulidade, na falta de previsão legal em contrário, deve ser arguida pela parte interessada, conforme decorre do regime geral (artigos 195.º, 196.º e 197.º do CPC), era unanimemente considerado à luz do CPC de 1961 e hoje em dia resulta expressamente do disposto no art.º 155.º n.º 4 do CPC (“A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”).

À luz do CPC de 1961 havia divergências na jurisprudência acerca dos requisitos temporais e de forma da invocação dos vícios da gravação dos depoimentos. Uma corrente aparentemente maioritária entendia que não era razoável exigir das partes e/ou dos seus mandatários que fiscalizassem as condições técnicas das gravações antes do momento em que se confrontavam com a necessidade de optar acerca do recurso da matéria de facto, o que só ocorria após o conhecimento da decisão final. Assim, segundo esta jurisprudência, as eventuais deficiências das gravações dos depoimentos poderiam ser arguidas nas alegações do recurso (vide, v.g., neste sentido, STJ, 12.3.2002, processo 01A4057; STJ, 09.7.2002, CJ STJ, ano X, tomo II, pág. 153; STJ, 15.5.2008, processo 08B1099; STJ, 02.02.2010, processo 1159/04.3TBACB.C1). Outros, porém, entendiam que a aludida nulidade deveria ser arguida no prazo de 10 dias após a conclusão da audiência de julgamento ou, pelo menos, após a entrega, pela secretaria, do suporte da gravação da audiência de julgamento, mediante reclamação para o tribunal da primeira instância, onde ocorrera a nulidade. Ajuizava-se que as partes deveriam cooperar com o tribunal no sentido de remediarem o mais cedo possível eventuais irregularidades da gravação que pudessem comprometer a desejável celeridade no andamento dos autos, efeito esse que seria possível face à obrigação que, nos termos do disposto no art.º 7.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 39/95, de 15.02, incidia sobre o tribunal, de “facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram”, (para o que a parte ou mandatário deveriam fornecer ao tribunal “as fitas magnéticas necessárias” - nº 3 do citado art.º 7.º) – neste sentido, vide, v.g., acórdãos do STJ, de 27.11.2007, processo 07S1805 e de 16.9.2008, processo 08B2261.

O atual CPC, prevê, como se viu, que “A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (art.º 155.º n.º 4). Por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respetivo ato”.

O atual texto do CPC esclareceu algumas das dúvidas supra referidas, fixando o prazo de arguição da aludida nulidade e o decorrente ónus de tramitação do incidente perante o juiz a quo (vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 130).

Devendo a gravação ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias após a realização do ato alvo de gravação, e estando as partes sujeitas ao prazo de 10 dias para invocarem a deficiência da gravação, contado da disponibilização desta, segue-se que o prazo de arguição da deficiência conta-se a partir do termo do prazo de disponibilização da gravação imposto ao tribunal, ou antes, se a gravação for entregue à parte antes desse prazo, devendo descontar-se eventual atraso do tribunal na disponibilização efetiva da gravação à parte.

Por exemplo, realizada uma audiência no dia 19 de maio de 2014, a respetiva gravação deveria ser disponibilizada pelo tribunal o mais tardar até 21 de maio de 2014, pelo que o prazo para a parte arguir eventual vício na respetiva gravação terminaria no dia 02 de junho seguinte (segunda-feira), a menos que:

a) Se comprovasse que a gravação fora entregue à parte antes de estar decorrido o aludido prazo de dois dias, com a correspondente antecipação da data do termo do prazo para a arguição da nulidade;

b) Se demonstrasse que, sem culpa das partes, a gravação só fora entregue à parte após o aludido prazo de dois dias, caso em que o termo do prazo sofreria da dilação correspondente à duração do aludido atraso.

Com efeito, afronta a razão de ser da lei o entendimento de que o início da contagem do prazo para a invocação de eventual deficiência da gravação dos depoimentos fica dependente da livre iniciativa da parte quanto ao momento da obtenção da gravação, sem qualquer limitação temporal (para além da que decorreria do prazo de apresentação do recurso da decisão final).

Em sentido semelhante se fixou jurisprudência no âmbito do CPP, mediante o acórdão do STJ, de 03.07.2014 (Acórdão n.º 13/2014, in D.R., 2.ª série, de 23.9.2014, pág. 5042 e seguintes), em que se enunciou a seguinte proposição:

A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal [falta de documentação na ata das declarações prestadas oralmente] deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar–se sanada.”

Ou seja, perante um quadro legislativo que, segundo se entendeu nesse acórdão, comina com a nulidade a falta ou deficiência de gravação devida da audiência, nulidade essa sujeita a alegação pela parte interessada, no prazo de 10 dias, e em que, nos termos do n.º 3 do art.º 101.º do CPP, na redação dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto “sempre que for realizada a gravação, o funcionário entrega no prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário”, entendeu-se que sobre as partes recai um dever de diligência que as onera com o encargo de diligenciarem, o mais tardar logo após o termo da audiência, pela rápida obtenção da gravação dos depoimentos e, num prazo curto, averiguarem se tal registo padece de vícios, a fim de que os mesmos sejam sanados com celeridade perante a primeira instância.

É semelhante a solução que, a nosso ver, propugna o atual regime processual civil, nos termos já supra referidos.

Revertendo ao caso dos autos, constata-se que a testemunha David Reis prestou o seu depoimento na sessão de julgamento realizada no dia 19 de maio de 2014 (cfr. fls 1021 e 1022). Por conseguinte, as partes deveriam ter diligenciado pela obtenção da gravação dos depoimentos prestados nessa sessão a partir desse dia, de molde a suscitarem a necessidade de se repetir a produção da prova eventualmente afetada por deficiência no seu registo, o mais tardar até ao dia 02 de junho (2.ª feira), em requerimento para o efeito dirigido ao tribunal a quo. Ora, no que diz respeito à solicitação de entrega da gravação do registo dos depoimentos e a essa entrega, nos autos apenas consta, no que concerne à A./apelante, a menção de que “Em ver data certificada pelo sistema, conforme solicitado verbalmente, gravei e entreguei um CD contendo a gravação das audiências à ilustre Mandatária da autora, Dra. Maria de Almeida Costa, (…), na pessoa do legal representante da autora A, Sr. Pedro Almeida que, de como o recebeu vai assinar”. A data certificada pelo sistema é, conforme consta no canto superior direito da respetiva folha, 06.08.2014. Ou seja, a parte apenas solicitou a gravação dos depoimentos no decurso do prazo para recorrer da sentença, mais de dois meses após a sessão de julgamento. Assim, a A. deixou passar o prazo para invocar eventual deficiência na gravação do depoimento da referida testemunha, deficiência essa que, de resto, deveria ter sido arguida perante a primeira instância, em requerimento a ela dirigido, e não em sede de alegações (ainda para mais, como ocorreu in casu, condicionado à intenção de a outra parte se querer prevalecer desse depoimento…).

A entrada na posse da gravação dos depoimentos na data supra referida apenas permitirá, pois, à apelante sustentar a impugnação da decisão de facto com base no que for possível obter a partir do registo existente, sem possibilidade de reclamar a sanação de eventual vício de que essa gravação enferme (supondo que se trata de vício da gravação original e não da cópia avulsa dela feita).

Segunda questão (alteração à resposta dada ao artigo 1.º da base instrutória)

O tribunal a quo deu como provada a seguinte

Matéria de facto

1. A Autora é uma sociedade comercial que tem como actividades o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores (alínea A)).

2. Em 31/08/2005, o réu assinou com a autora 5 (cinco) acordos para conservação dos elevadores instalados nos blocos A a E (com correcção da alínea B) que resulta claramente do teor de fls. 38 a 43 dos autos) do Edifício Belle Mar, com efeito a partir de 01/10/2005, e renováveis por três anos, denominados “Contrato A Controlo OC”, constantes de fls. 14 a 43 dos autos.

N.º

Contrato/Instalação

Entrada a que respeitaN.º de

Elevadores

Tipo de facturaçãoDatas do contrato
InícioTermo
HIM056/7BLOCO A2TRIMESTRAL01.10.200530.09.2008
HIM058/9BLOCO B2TRIMESTRAL01.10.200530.09.2008
HIM060/1BLOCO C2TRIMESTRAL01.10.200530.09.2008
HIM062/3BLOCO D2TRIMESTRAL01.10.200530.09.2008
HIM064/5BLOCO E2TRIMESTRAL01.10.200530.09.2008

(alínea B)).

3. Os serviços acordados tinham, inicialmente, o valor mensal de 170,00 euros, que foram sofrendo, entretanto, as actualizações anuais de preços respectivas (alínea C)).

4. A Autora recebeu a carta enviada pelo Réu, 04.12.2006, mediante a qual este declara proceder a rescisão contratos referidos em 2. (alínea D)).

5. No dia seguinte, em 05-12-2006, o Réu enviou carta à Autora, com o mesmo teor, mas na qual acrescenta que a referida rescisão tinha, alegadamente, como fundamento o “(...) deficiente serviço de manutenção, e incumprimento das obrigações constantes do plano de manutenção mensal.” (alínea E)).

6. Nas referidas cartas, o Réu informa ainda a Autora que procedeu “(...) a mudança da fechadura da casa das máquinas e quadros de comando (...)”, tendo indicado “(...) à Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia a nova EMA, com a menção de que os elevadores estão em correcto funcionamento” (alínea F)).

7. Em resposta, a 14.12.2006, a Autora remeteu ao Réu com o seguinte teor: “Exmos. Senhores, Acusamos a recepção da vossa carta de 4 de Dezembro de 2006, na qual V. Exas. nos comunicaram a rescisão dos contratos de manuteção de elevadores referidos em epígrafe. Os mencionados contratos foram validamente celebrados, por um período de 3 anos, entre as partes que neles figuram, nomeadamente pelos representantes dos condomínios a que pertencem os elevadores objecto desses contratos. Assim, tendo sido oportunamente a nossa empresa escolhida para a prestação dos serviços em causa nos condomínios que connosco celebraram os mencionados contratos, qualquer alteração ocorrida neste âmbito durante a respectiva vigência, e que V. Exas. nem sequer concretizam, jamais poderá constituir um fundamento legítimo para a livre rescisão dos contratos em causa. Por outro lado, ao contrário do que por V. Exas. é alegado na Vossa carta em referência, a A sempre cumpriu, pontual e correctamente, as obrigações contratuais para ela resultantes dos contratos de manutenção de elevadores referidos em epígrafe, pelo que reputamos como falso e desprovido de qualquer fundamento tudo quanto em contrário é alegado na Vossa citada carta. De facto, V. Exas. nem sequer indicaram factos que, em concreto, revelem um incorrecto cumprimento dos serviços contratados e, muito menos, que consubstanciem um incumprimento definitivo desses contratos por parte da nossa empresa, o qual, em qualquer caso e como V. Exas. bem sabem, não existe. Acresce que na Vossas carta, datada de 5 de Dezembro de 2006, é por V. Exas. Expressamente referido que os elevadores em causa ‘estão em correcto funcionamento ’, o que é totalmente contraditório e incompatível com a Vossa alegação da deficiente manutenção dos elevadores. Pelo exposto, consideramos totalmente ilegítima e infundada a rescisão dos contratos que nos foi comunicada através da vossa carta em referência. Estes contratos foram celebrados por um período inicial de 3 anos, sendo renováveis por idênticos períodos, salvo se denunciados por qualquer uma das partes com uma antecedência mínima de 90 dias relativamente à data do respectivo termo ou de renovação. Por outro lado, a denúncia dos contratos por iniciativa do cliente antes do termo do seu prazo confere à nossa empresa o direito a ser indemnizada por um valor correspondente ao total das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado. Assim, informamos V. Exas. que, caso não seja encontrada uma solução satisfatória para a nossa empresa até ao próximo dia 22 de Dezembro, iremos recorrer aos meios que legalmente estão ao seu alcance para sermos ressarcidos dos danos resultantes da ilegalidade cometida.” (alínea G)).

8. O Réu não reagiu à carta referida em 7. (alínea H)).

9. Considerando os contratos findos, a Autora emitiu e enviou ao Réu as facturas referentes à sanção prevista na Cláusula 5.7.4. dos contratos referidos em 2., a saber: FCN08900230, com data de vencimento de 11.07.2008, no valor de 4 455, 71 euros, FCN08900231 com data de vencimento de 11.07.2008, no valor de 4 455, 71 euros, FCN08900232 com data de vencimento de 11.07.2008, no valor de 4 455, 71 euros, FCN08900233, com data de vencimento de 11.07.2008, no valor de 4 455, 71 euros (alínea J)).

10. A Autora facturou ao Réu serviços de conservação mediante as seguintes facturas:

FCN06001354, com data de vencimento de 25.04.2006, no valor de 586, 50 euros;

FCN06002678, com data de vencimento de 25.07.2006, no valor de 586, 50 euros;

FCN06003988, com data de vencimento de 25.10.2006, no valor de 612, 93 euros;

FCN06001355 com data de vencimento de 25.04.2006, no valor de 586, 50 euros;

FCN06002679, com data de vencimento de 25.07.2006, no valor de 586, 50 euros;

FCN06003989, com data de vencimento de 25.10.2006, no valor de 612, 93 euros;

FCN06001356, com data de vencimento de 25.04.2006, 586, 50 euros;

FCN06002680, com data de vencimento de 25.07.2006, no valor de 586, 50 euros;

FCN06003990, com data de vencimento de 25.10.2006, no valor de 612, 93 euros;

FCN06001357, com data de vencimento de 25.04.2006, no valor de 586, 50 euros;

FCN06002681, com data de vencimento de 25.07.2006, no valor de 586, 50 euros;

FCN06003991, com data de vencimento de 25.10.2006, no valor de 612, 93 euros;

FCN06001358, com data de vencimento de 25.04.2006, no valor de 586,50 euros;

FCN06002682, com data de vencimento de 25.07.2006, no valor de 586,50 euros;

FCN06003992, com data de vencimento de 25.10.2006, no valor de 612, 93 euros (alínea J)).

11. Os contratos referidos em 2. foram elaborados pela autora (ponto 1.).

12. E constavam de impressos tipificados que foram apresentados ao Réu para assinar (ponto 2.).

13. As cláusulas desses contratos são de utilização geral (ponto 3.).

14. As condições gerais desses contratos constituem um bloco uniformizado para a generalidade dos contratos que a autora celebra com os seus clientes (ponto 4.).

15. As condições específicas consistem num formulário pré-concebido e pronto a ser preenchido com a identificação das partes, o objecto do contrato, a sua duração e preço podendo ser introduzida alguma alteração negociada relativa às condições gerais, conforme referido em 18. (ponto 5.).

16. Entre Abril e Dezembro de 2006 verificaram-se alguns problemas de funcionamento nos elevadores pelo menos dos blocos A, B e E do Edificio Belle Mar (ponto 7.).

17. O reu pôs fim à relação contratual com a autora conforme referido em 4. e 5. (ponto 8.).

18. Apesar de serem elaboradas antecipadamente à proposta negocial e dirigidas à generalidade das pessoas, podem ser introduzidas algumas especificidades mediante inscrição nas condições particulares, consoante o acordo estabelecido entre as partes (ponto 9.).

19. O conteúdo dos referidos contratos foi conhecido do réu desde a fase de negociação até à sua outorga (ponto 10.).

20. Que o compreendeu e aceitou, sem que tenha sido objecto de qualquer pedido de esclarecimento da sua parte (ponto 11.).

21. À data da outorga dos contratos, o Réu era administrado por uma empresa especializada em administração de condomínios (ponto 12.).

22. A autora procurou a recuperação do seu crédito, pela via negocial (ponto 14.).

Facto Provado por Documento junto aos autos, nos termos do art. 607.º, n.° 4, segunda parte do CPC

23. Na assembleia de condóminos de 26 de Agosto de 2011 foi deliberado pelos condóminos do Edifício Belle Mar exonerar a empresa de administração B, Lda.; mais deliberaram eleger para a administração do condomínio, para o exercício de 1 de Setembro de 2011 a 31 de Dezembro de 2011, a empresa C Manutenção, Unipessoal, Lda. (documento de fls. 204 a 212 p.p.).

O tribunal a quo enumerou, como factos não provados:

- os contratos referidos em 2. foram elaborados sem hipótese de intervenção do réu;

- as cláusulas dos contratos não tiveram qualquer adaptação ao edifício Belle Mar;

- entre Abril e Dezembro de 2006, a Autora deixou de efectuar o serviço de manutenção dos elevadores com a periodicidade acordada;

- o réu pôs fim aos contratos em face da situação descrita em 6°) e 7°) e por forma a obviar à existência de reclamações e descontentamento por parte dos condóminos;

- o Réu não apresentou as reclamações referidas em 6°) e 7°) à Autora;

- a dívida foi reconhecida por parte da ServBrava com consequentes promessas de pagamento.

O Direito

Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).

A apelante afirma, na conclusão XLV, que dos depoimentos das testemunhas Vítor (…) e David (…) resulta evidente que o tribunal deveria ter julgado não provado o art.º 1.º da Base Instrutória.

Vejamos.

O art.º 1.º da base instrutória tem a seguinte redação:

Os contratos referidos em B) foram elaborados exclusivamente pela Autora, sem hipótese de intervenção do Réu?

Em relação a este artigo o tribunal deu como provado que “Os contratos referidos em 2. foram elaborados pela autora”, conforme consta no n.º 11 da matéria de facto e expressamente declarou não se ter provado que “os contratos referidos em 2. foram elaborados sem hipótese de intervenção do réu”.

Conforme decorre das conclusões XX a XXIV, a apelante insurge-se, no que respeita ao quesito 1.º, contra a alegada circunstância de o tribunal a quo ter dado como provado que os contratos a que os autos se reportam “terem sido elaborados sem hipótese de intervenção do réu”. Ora, a verdade é que tal matéria não foi dada como provada pelo tribunal a quo, como se viu supra. Por outro lado, quanto à restante matéria respeitante ao quesito 1.º e dada como provada (“os contratos referidos em 2 foram elaborados pela autora”) não se vislumbra que a apelante a questione no recurso, pois nada na parte restante do mesmo o inculca, sendo certo que a apelante não impugnou o dado como provado nos n.ºs 12, 13, 14, 15, 18 a 20, dos quais necessariamente resulta o dado como provado pelo tribunal sob o n.º 11 da matéria de facto.

Neste segmento do recurso existe, assim, equívoco por parte da apelante, não havendo que proceder a qualquer alteração à resposta dada ao art.º 1.º da base instrutória.

Terceira questão (qualificação dos contratos dos autos como não sendo contratos de adesão)

A massificação do comércio jurídico operada no século transato consubstanciou-se na criação de modelos negociais impostos por grandes empresas aos respetivos clientes, aos quais nada mais resta do que a eles aderirem ou não. A supremacia de que gozam os autores/utilizadores de tais modelos traduz-se, com frequência, na introdução nesses contratos de cláusulas abusivas, através das quais se inflacionam os direitos e prerrogativas dos predisponentes e se reduzem ou eliminam as respetivas obrigações e encargos, assim como se acentuam as obrigações e se atenuam os direitos dos respetivos aderentes.

Tal situação, subversora de um dos princípios básicos da vida jurídica privada, o da liberdade contratual, impunha que o legislador interviesse, para estabelecer as necessárias correções. Em Portugal foi publicado o Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (que doravante designaremos de LCCG), apontado, conforme enunciado no seu artigo 1.º, às “cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar.” Subsequentemente, nomeadamente para conformar o sistema jurídico português com as diretrizes contidas na Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, o aludido diploma foi alterado pelo Dec.-Lei n.º 220/95, de 31 de Janeiro e pelo Dec.-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho. Com essas alterações passou a ficar claro que o regime previsto para as cláusulas contratuais gerais se aplica igualmente “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar” (n.º 2 do art.º 1.º, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 249/99).

O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (LCCG) visa, pois, contrabalançar a fraqueza negocial em que incorrem os sujeitos de esquemas contratuais (v.g., os chamados “contratos de adesão”) cujo conteúdo não foi por aqueles elaborado e que foi previamente desenhado de molde a potenciar um comércio jurídico célere e massificado (propósito que, de resto, vem bem explicitado no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 446/85).

Com efeito, nos termos do art.º 1.º da LCCG, com a atual redação, o diploma rege “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar” (n.º 1), assim como as “cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar” (n.º 2).

Nos termos do n.º 3 do art.º 1.º da LCCG, “o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”

Ou seja, se alguma das partes quiser furtar ao regime da LCCG alguma cláusula contratual ou, mesmo, a totalidade de um contrato, por entender que no caso não ocorrem os pressupostos daquele regime, recai sobre si o ónus de demonstrar que tal ou tais cláusulas foram alvo de negociação prévia, isto é, que a respetiva fixação é fruto do clássico exercício da liberdade contratual tido em vista no art.º 405.º n.º 1 do Código Civil. Se não satisfizer essa exigência, a cláusula ou negócio sujeitar-se-á às restrições impostas pela LCCG.

Tal regra faz sentido em situações em que o negócio em causa aparenta ser de adesão ou conter cláusulas pré-determinadas. Se o contrato aparentar ter sido antecedido de negociação prévia e ninguém alegar o contrário, não se justifica trazer à liça o disposto no n.º 3 do art.º 1.º da LCCG, uma vez que não se suscita a questão cuja resolução ele visa.

Ora, no que diz respeito aos contratos a que esta ação se reporta, está provado, sem controvérsia entre as partes, que os mesmos constavam de impressos tipificados que foram apresentados pela A. ao Réu para assinar (n.º 12 da matéria de facto), as respetivas cláusulas são de utilização geral (n.º 13 da matéria de facto) e as condições gerais desses contratos constituem um bloco uniformizado para a generalidade dos contratos que a A. celebra com os seus clientes (n.º 14 da matéria de facto). Mais se provou que as condições específicas desses contratos consistem num formulário pré-concebido e pronto a ser preenchido com a identificação das partes, o objeto do contrato, a sua duração e preço (n.º 15 da matéria de facto).

Tal matéria inculca a perceção de que o R. se sujeitou a um modelo contratual pré-concebido pela A., a que o R. se limitou a aderir, sem ter a possibilidade de introduzir alterações relevantes às respetivas cláusulas. Caberia, assim, à A. demonstrar que, pelo contrário, os contratos foram fruto de negociação entre as partes, na totalidade ou, pelo menos, em relação a algumas cláusulas em concreto (n.º 3 do art.º 1.º da LCCG, já citado; § 3.º do n.º 2 do art.º 3.º da Directiva 93/13/CEE do Conselho: “Se o profissional sustar que uma cláusula normalizada foi objecto de negociação individual, caber-lhe-á o ónus da prova”).

Ora, sobre a existência de negociação prévia do contrato, com a concessão ao R. da possibilidade de alterar as cláusulas gerais apresentadas, apenas se deu como provado que podia “ser introduzida alguma alteração negociada relativa às condições gerais” (n.º 15 da matéria de facto) e ainda que “apesar de serem elaboradas antecipadamente à proposta negocial e dirigidas à generalidade das pessoas, podem ser introduzidas algumas especificidades mediante inscrição nas condições particulares, consoante o acordo estabelecido entre as partes” (n.º 9 da matéria de facto).

Ou seja, o que se provou não passou de uma mera admissão, em abstrato, da possibilidade de modificação das cláusulas gerais do contrato, de âmbito restrito e não concretizado. É certo que se considerou não provado que os contratos dos autos “foram elaborados sem hipótese de intervenção do réu” e, bem assim, que “as cláusulas dos contratos não tiveram qualquer adaptação ao edifício Belle Mar”. Mas, como se disse, era à A. que competia provar a concreta intervenção do R. e a negociação porventura ocorrida, com relevância que determinasse no caso dos autos a fuga ao regime das ccg. Ora, os contratos em causa, juntos a fls 14 a 43, a par das “condições gerais” (enumeradas sob o n.º 5 do contrato), que se apresentam como aplicáveis a todos os contratos, apenas contêm, como matéria que terá exigido uma análise individualizada do caso do R., a título de “condições contratuais específicas”, um formulário onde foram preenchidos os espaços referentes a “tempo de resposta”, “horário de trabalho”, “duração do contrato”, “preço” e “descrição do equipamento”. Ainda sob a epígrafe das “condições contratuais específicas” há um pequeno espaço destinado às “condições particulares”, onde tão só se fez constar que “Pelo presente contrato, as partes reconhecem e aceitam que ficarão revogados todos os contratos anteriormente existentes com o mesmo objecto e relativamente a esta unidade, produzindo esta revogação os seus efeitos a partir da presente data”. Ou seja, nos contratos sub judice apenas se lobriga a análise individualizada e eventual possibilidade de negociação em concreto do preço e da duração do contrato, assim como dos elementos “tempo de resposta” e “horário de trabalho”. Ora, a existência de alguma flexibilidade relativamente a alguns aspetos de um contrato não chega para o subtrair ao regime jurídico das ccg. Tal ideia está expressa na Directiva 93/13/CEE (2.º parágrafo do n.º 2 do art.º 3.º: ”O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão”) e subjaz à previsão do art.º 7.º da LCCG, respeitante às “cláusulas prevalentes”: “As cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes.” Daí que se deva encarar cum grano salis a identificação da “rigidez” (no sentido de inalterabilidade, de mera possibilidade de aceitação ou de recusa das cláusulas em bloco) como atributo dos designados contratos de adesão: essa será apenas “uma característica tendencial, embora com elevada probabilidade fáctica. Conforme resulta do artigo 7.º, o aderente pode provocar a eliminação ou a modificação de alguma ou de algumas cláusulas, prevalecendo aquelas que tenham sido especialmente negociadas, sem afastar, quanto às restantes, a natureza e o regime legal próprios das cláusulas contratuais gerais.” (vide STJ, acórdão de 10.4.2014, processo 2393/11.5TJLSB.L1.S1, citando Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I).

Concorda-se, assim, com a decisão recorrida quando nela se qualifica os contratos sub judice como contratos de adesão, ou seja, contratos formados por clausulado previamente elaborado pela Autora, para regular os negócios a celebrar futuramente com a respetiva clientela, suscetíveis de negociação apenas em aspetos limitados, negociação essa que, no caso a que se reportam os autos, não se demonstrou ter existido em concreto, a não ser, eventualmente, no que concerne às condições específicas supra mencionadas, atinentes à duração do contrato, preço, “tempo de resposta” e “horário de trabalho”.

Os factos dados como provados sob os n.ºs 19, 20 e 21 da matéria de facto (“O conteúdo dos referidos contratos foi conhecido do réu desde a fase de negociação até à sua outorga”; “Que o compreendeu e aceitou, sem que tenha sido objecto de qualquer pedido de esclarecimento da sua parte”; “À data da outorga dos contratos, o Réu era administrado por uma empresa especializada em administração de condomínios”), a que a apelante confere relevância para atestar a negociabilidade dos contratos sub judice e arredar a aplicabilidade da LCCG, apenas significam que a apelante cumpriu os deveres de apresentação e esclarecimento do clausulado perante o aderente, impostos pela LCCG (artigos 5.º e 6.º da LCCG), escapando assim à grave cominação imputada pelo art.º 8.º da LCCG ao incumprimento desses deveres (exclusão das cláusulas afetadas).

Conclui-se, assim, que os contratos celebrados entre a A. e o R. são contratos de adesão, contendo cláusulas contratuais gerais a que é aplicável o regime da LCCG, nelas se incluindo as cláusulas 5.7.4 e 5.6 desses contratos, cuja validade, à luz da LCCG, constitui objeto da próxima questão.

Em suma, não se vislumbra que haja contradição entre os factos dados como provados e não provados na sentença e a qualificação jurídica operada pelo julgador a quo acerca do clausulado contratado, na vertente ora analisada.

Quarta questão (validade das cláusulas 5.7.4 e 5.6 dos contratos sub judice)

Como princípio geral, consigna-se na LCCG que “são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé” (art.º 15.º). Num esforço de concretização de tal princípio, acrescenta-se no art.º 16.º que na aplicação da norma anterior “devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:

a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;

b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”

O legislador tratou de enunciar cláusulas contratuais gerais que deverão ser consideradas absolutamente proibidas, sem prejuízo de outras, não expressamente previstas, que mereçam tal epíteto (artigos 18.º e 21.º) e, também exemplificativamente, cláusulas relativamente proibidas, ou seja, que poderão ser qualificadas de proibidas se a tal apontar o respetivo “quadro negocial padronizado” (artigos 19.º e 22.º).

Talvez desnecessariamente, no art.º 12.º da LCCG anuncia-se que “as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”.

A boa-fé tida em vista neste diploma é a boa-fé objetiva, aqui apresentada em termos que, nas palavras dos autores do anteprojecto do Dec.-Lei n.º 446/85, exprime um princípio normativo que não fornece ao julgador uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, “ficando aberta, deste modo, a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça” (Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, “Cláusulas contratuais gerais, anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, Livraria Almedina, 1986, pág. 39). Afigura-se-nos que, mais do que a “aparência de um critério” ou “etiqueta em branco” (como a apelida o Professor Oliveira Ascensão in Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa fé”, Revista da Ordem dos Advogados, ano LX, vol. 2 – Abril 2000 – pág. 589), o apelo à boa-fé funciona aqui, servindo-nos da expressão do Professor Joaquim de Sousa Ribeiro, como “senha de entrada” que abre a via metodológica de uma ponderação objetiva de interesses (“O problema do contrato, as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual”, Almedina, reimpressão, 2003, páginas 557 e 558), que opera no campo do exercício da liberdade contratual na fixação do conteúdo dos contratos (Joaquim de Sousa Ribeiro, obra citada, pág. 562). Quem tem o poder de pré-estabelecer os termos dos negócios jurídicos na área onde exerce a sua atividade, antecipadamente à própria determinação da contraparte, deve sopesar também os interesses previsíveis dos aderentes, em ordem a atingir um equilíbrio para cuja avaliação as soluções dispositivas/supletivas previstas na ordem jurídica constituem um padrão de referência (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, obra citada, páginas 570, 579 a 583; também Almeno de Sá, “Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas”, Almedina, 2.ª edição, 2001, páginas 261 e 262). Nos considerandos da supra referida Directiva 93/13/CE expressamente se expende que “a exigência de boa fé pode ser satisfeita pelo profissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta”. E no art.º 3.º n.º 1 da Directiva consigna-se que “uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.” Poderá concordar-se com José Manuel Araújo de Barros, quando defende que “uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes resultar para o predisponente uma vantagem injustificável” (“Cláusulas contratuais gerais, DL n.º 446/85 – anotado, Recolha jurisprudencial”, Wolters Kluwer – Coimbra Editora, 2010, pág. 172).

Revertendo ao caso dos autos, provou-se que entre as partes foram celebrados, em agosto de 2005, cinco contratos mediante os quais a A. obrigou-se a cuidar da conservação de elevadores instalados nos edifícios que compõem o condomínio R., localizado na ilha da Madeira, mediante o pagamento de um valor mensal, faturado trimestralmente (n.ºs 2 e 3 da matéria de facto).

O contrato de manutenção de elevadores constitui um contrato de prestação de serviços atípico (art.º 1154.º do Código Civil), a que são subsidiariamente aplicáveis, com as devidas adaptações, as regras do mandato (art.º 1156.º), não devendo esquecer-se igualmente as normas com que o legislador tem contemplado o setor, em que se destacam as do Dec.-Lei n.º 320/2002, de 28.12. Aí, para além da obrigatoriedade de os proprietários de instalações com elevadores celebrarem contratos de manutenção dos elevadores com empresas de manutenção desses equipamentos (artigos 3.º e 4.º), estipula-se que tais contratos serão de manutenção simples ou de manutenção completa (art.º 5.º), que os contratos de manutenção simples terão a duração mínima de um ano (A.4 do anexo II do diploma) e os contratos de manutenção completa, na falta de estipulação em contrário pelas partes, terão a duração de cinco anos, renováveis por iguais períodos (B.8 do anexo II citado). Estas normas encontram-se reproduzidas no Decreto-Legislativo Regional n.º 2/2004/M, de 10.3, que adaptou à Região Autónoma da Madeira o regime contido no Dec.-Lei n.º 320/2002.

In casu, ficou estipulado que os contratos (que são de manutenção simples) durariam três anos, renováveis por iguais períodos de tempo, a menos que qualquer das partes denunciasse o contrato com, pelo menos, noventa dias de antecedência do termo do prazo que então estivesse em curso (n.º 2 da matéria de facto, cláusulas 5.7.1 e 5.7.3 e cláusulas específicas do contrato).

Em causa está, essencialmente, a cláusula 5.7.4 dos contratos celebrados entre a A. e o R., que tem a seguinte redação:

Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da OTIS, em caso de denúncia antecipada do presente Contrato pelo CLIENTE, a OTIS terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.”

Esta cláusula visa, como é pacífico nos autos, uma eventual decisão unilateral de cessação do contrato, por parte do cliente, anterior ao termo do prazo em curso, não justificada por factos imputáveis à empresa de manutenção.

Ou seja, está em causa um ato de incumprimento contratual por parte do cliente, o desrespeito pelo estipulado no contrato quanto à duração do vínculo negocial.

O devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor (art.º 798.º do Código Civil). O incumprimento pode traduzir-se no mero atraso na realização da prestação (mora – art.º 804.º do Código Civil), no cumprimento defeituoso da obrigação (art.º 799.º n.º 1, parte final, do C. Civ.) ou no seu incumprimento definitivo (art.º 808.º do C. Civ.). Presume-se que o incumprimento advém de culpa do devedor, cabendo a este ilidir essa presunção (art.º 799.º n.º 1 do Código Civil).

O credor tem direito a ser ressarcido dos danos emergentes do incumprimento (artigos 562.º e seguintes, do C. Civ.).

As partes podem convencionar antecipadamente o montante da indemnização exigível, para qualquer das modalidades de incumprimento (cláusula penal - artigos 810.º e 811.º n.º 1 do Código Civil).

Ou seja, a cláusula penal tanto pode ser estipulada para a determinação a forfait da indemnização devida em situações de mora como para a determinação da indemnização devida em casos de incumprimento definitivo da obrigação.

Esta cláusula tem a vantagem de poupar às partes os inconvenientes decorrentes da necessidade de fazerem o levantamento e a demonstração dos danos provocados pelo incumprimento e de dirimirem a controvérsia daí adveniente.

Por outro lado, contém ou pode conter uma dimensão compulsória, no sentido de pressionar as partes a honrarem os compromissos assumidos a fim de evitarem as consequências, já estipuladas, que lhes adviririam do incumprimento.

No âmbito da contratação individualizada a lei consigna a possibilidade de controle judicial do equilíbrio da aludida cláusula: no n.º 1 do art.º 812.º do Código Civil estipula-se que “a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, é nula qualquer estipulação em contrário.

Também no campo da contratação massificada ou despersonalizada, e por maioria de razão, o legislador intervém, incluindo, na lista exemplificativa de cláusulas contratuais gerais relativamente proibidas, ou seja, proscritas consoante o quadro negocial padronizado em que se inserem (art.º 19.º da LCCG), as ccg que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir” (alínea c) da LCCG).

Este conceito, de cláusula penal desproporcionada, mereceu do STJ as seguintes considerações: “o conceito indeterminado "cláusulas penais desproporcionadas" é uma noção de tipo descritivo, não apontando o qualificativo "desproporcionadas" para uma pura e simples superioridade das penas estabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, "de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível" - Prof. Almeida Costa e Prof. Menezes Cordeiro - "Cláusulas Contratuais Gerais", Coimbra, 1986, pág. 46/47.” (acórdão de 03.6.2003, processo 02A2973). Em resposta àqueles que apontam a diferença de redação existente entre a referida norma da LCCG e a do art.º 812.º do CC (naquela não se fala em desproporção “manifesta”, ao contrário desta, em que a censura legal se dirige, textualmente, a cláusula penal “manifestamente excessiva”), diz o STJ que “pese embora a diferença de redacção (…), a desproporção tem de ser sensível. É o que resulta, por um lado, da comparação com o conceito de abuso de direito segundo o qual a violação das regras da boa fé para o instituto funcionar exige que haja uma violação manifesta, sendo que, como dissemos já, a boa fé está subjacente à introdução das proibições do tipo da aqui em apreço. Por outro lado a finalidade compulsória inerente à fixação da cláusula penal exige a existência de um certo grau de desproporção, sob pena de inviabilizar os referidos fins compulsórios. Além disso, estando em causa a regulação do comércio jurídico entre particulares, o princípio da liberdade contratual fixado no art. 405.º, n.º 1 do Cód. Civil não deve ceder senão quando se levantaram razões com um certo grau de relevância social, o que nos não parece verificar no caso de a cláusula contratual geral apenas permitir uma pequena desproporção entre o dano a reparar e a pena fixada – avaliando o dano em moldes objectivos, como dissemos acima” (acórdão de 12.6.2007, processo 07A1701; no mesmo sentido, acórdão da Relação de Lisboa, 02.5.2013, processo 2242/10.1YXLSB.L1-6; acórdão da Relação de Lisboa, de 18.12.2012, processo 1572/10.7TJLSB.L1-7; contra, vide Relação de Lisboa, 18.01.2011, processo 1228/09.3TJLSB.L1-1 – todos in www.dgsi.pt).

No caso dos autos, a cláusula penal corresponde ao valor das prestações contratuais devidas pelo aderente/cliente até ao fim do prazo estipulado para a duração normal do contrato. Daqui decorre que ao abrigo da cláusula 5.7.4 a A. iria, antecipadamente e de uma vez só, receber a totalidade do preço devido pela prestação do serviço de manutenção até ao fim do período contratado para a execução do contrato, sem ter de efetuar a contrapartida desse preço, que era a prestação de assistência técnica com os correspondentes custos inerentes à afetação de pessoal e material. Ou seja, a prestação imposta ao R. pela aludida cláusula penal excede, de um ponto de vista objetivo (isto é, vendo a situação das partes em concreto, mas à luz de um padrão de normalidade, para casos congéneres), o montante dos prejuízos que o aludido incumprimento do contrato por parte do R. iria causar à A., ultrapassando o valor dos lucros cessantes e colocando a A. numa situação patrimonial mais favorável do que a que teria ocorrido se o contrato tivesse perdurado nos termos estipulados, ultrapassando manifestamente o âmbito de uma prestação indemnizatória (vide artigos 562.º, 563.º, 564.º n.º 1, 566.º n.º 2 do Código Civil). A razão invocada na própria cláusula 5.7.4, para a sua configuração (“Uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços contratados, é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da OTIS”), não fundamenta a aludida forma de quantificação da cláusula penal, pois não é razoável admitir que a estrutura de meios humanos e materiais empregue pela A. na sua atividade esteja diretamente dependente do número concreto de contratos de manutenção em vigor em cada momento e, menos ainda, que a libertação de meios decorrente do fim de um contrato fique inelutavelmente “a descoberto”, quedando inaproveitada no âmbito da atividade geral da A., que é, como se provou, não só a conservação de elevadores mas também o seu fornecimento e montagem (n.º 1 da matéria de facto).

A pressão compulsória que a aludida cláusula exerce sobre o R. apresenta-se, também, descabida face ao contrato no seu conjunto, uma vez que idêntica norma não incide sobre a A. e, pelo contrário, nos contratos celebrados o eventual incumprimento contratual por parte do A. é tratado no sentido da imposição de limites ao montante da prestação indemnizatória devida pelo A.. Com efeito, na cláusula 5.6, sob a epígrafe “Incumprimento imputável à OTIS”, está exarado o seguinte:

Na situação de eventual incumprimento imputável à OTIS, é expressamente aceite que a OTIS apenas responderá até à concorrência do valor de 3 meses de facturação OTIS do presente Contrato, como máximo de indemnização a pagar ao Cliente.”

Contrariamente ao insinuado na apelação (vide conclusões LXX e LXXI) a aludida cláusula 5.6 não distingue entre modalidades de incumprimento, antes impõe um limite máximo ao montante indemnizatório devido pelo A. à R. em caso de responsabilidade decorrente de incumprimento contratual (sem destrinçar entre incumprimento por mora, cumprimento defeituoso ou incumprimento definitivo), desligado (para menos) do real valor do dano eventualmente causado pela A.. Tal cláusula é nula, conforme decorre seja do princípio geral enunciado nos artigos 15.º e 16.º da LCCG, como do teor da alínea d) do art.º 18.º da LCCG (“são em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que” “excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave”.

Conclui-se, pois, tal como na sentença recorrida, que a aludida cláusula penal é nula.

Esse tem sido aliás o entendimento dos tribunais portugueses em relação a cláusulas idênticas (em especial a cláusula 5.7.4), praticadas na área da manutenção de elevadores, conforme decorre dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 30.6.2011, processo 779/04.0TCSNT.L1-6, de 01.3.2012, processo 26396/09.0TBSNT.L1-6, de 27.5.2014, processo 1004/12.6TJLSB.L1-1, da Relação de Coimbra, de 17.4.2012, processo 5060/09.6TBLRA.C1, de 20.11.2012, processo 972/10.7TBLSA.C1, de 28.10.2014, processo 3516/13.5TJCBR.C1, da Relação de Évora, de 20.12.2012, processo 612/10.4TBSTB.E1, e da Relação do Porto, de 08.4.2014, processo 1801/12.2TBPVZ.P1, culminando no recente acórdão do STJ, de 09.12.2014, processo 1004/12.6TJLSB.L1.S1.

Falece, pois, a pretensão da A., de que lhe seja paga a prestação correspondente à aludida cláusula penal.

Nesta parte, pois, a apelação improcede.

Quinta questão (alteração da redação do art.º 14.º da base instrutória e sua prova)

O art.º 14.º da base instrutória tem a seguinte redação:

A Autora procurou a recuperação do seu crédito, pela via negocial, que se foi arrastando com o reconhecimento da dívida acumulada por parte da Servbrava e consequentes promessas de pagamento?

Relativamente a este artigo o tribunal a quo deu como provado o que consta no n.º 22 da matéria de facto, ou seja, “a autora procurou a recuperação do seu crédito, pela via negocial”.

E mais deu como não provado que “a dívida foi reconhecida por parte da ServBrava com consequentes promessas de pagamento.”

O apelante insurge-se contra a redação dada ao aludido quesito. No seu entender, a Servbrava era uma empresa que esteve encarregada da administração do condomínio réu, mas que já não exercia essa função quando o réu reconheceu os valores em dívida. Assim, como o que releva é que o condomínio réu reconheceu tais dívidas, não podendo o tribunal limitar o reconhecimento da dívida do R. apenas à Servbrava, o apelante defende que ao quesito deve dar-se a seguinte redação:

A A. procurou a recuperação do seu crédito pela via negocial, que se foi arrastando com o reconhecimento da dívida acumulada por parte do condomínio e consequentes promessas de pagamento?

Vejamos.

Na contestação o R. alegou a prescrição dos créditos reclamados pela A. (os quais incluem, para além do decorrente da cláusula penal já atrás afastada, o preço de serviços de manutenção que haviam sido prestados e estavam em dívida à altura da denúncia do contrato pelo R.).

Na réplica a A., após mencionar a existência de um litígio que deflagrara entre a A. e a sociedade Hiss (…), Lda, do Grupo B, a propósito de um contrato-promessa de aquisição de parte da carteira daquela empresa, afirmou que desse litígio resultou que a B Lda, empresa que integrava o mesmo grupo da Hiss e geria, entre outros, o condomínio ora réu, deixou de pagar à A. as prestações devidas pela manutenção dos elevadores do R.. Ao que a A. acrescentou, no artigo 55.º da réplica, o seguinte:

Situação essa, insustentável para a Autora que procurou a recuperação do seu crédito, pela via negocial, que se foi arrastando com o reconhecimento da dívida acumulada, por parte da “B, Lda” e consequentes promessas de pagamento.”

Mais acrescentou a A. que a B não cumpriu tais promessas de pagamento (art.º 56.º da réplica), pelo que a A. se viu obrigada a considerar os contratos rescindidos sem justa causa e a emitir as faturas correspondentes à sanção contratual previamente acordada (art.º 57.º da réplica). Mais afirmou a A. que a conduta do R., ao invocar a prescrição do crédito da A., configurava abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium (artigos 58.º a 66.º da réplica).

Tendo o tribunal a quo, na primeira versão da base instrutória, omitido qualquer menção às invocadas negociações e reconhecimento da dívida reclamada pela A., veio esta reclamar da base instrutória, requerendo que se lhe aditasse a matéria dos artigos 55.º, 56.º, 57.º e 61.º da réplica.

Tal requerimento foi deferido nos termos supra referidos, através do aditamento à base instrutória do art.º 14.º, já transcrito.

Não vislumbramos que o Sr. juiz a quo deveria ter redigido o aludido quesito de forma diversa. Foi a A. quem mencionou especificamente a aludida sociedade B como tendo sido a sua interlocutora nas negociações e no alegado reconhecimento da dívida. E a A. fê-lo de caso pensado, pois alegadamente a dívida constituía reflexo do litígio que se instalara entre a A. e o grupo em que se inseria a dita B. Assim, face às regras processuais então vigentes, a base instrutória foi devidamente redigida, quanto a este aspeto, reproduzindo o que em concreto fora alegado pela A. (cfr. artigos 511.º n.º 1 e 264.º n.º 2 do CPC de 1961).

Nada há, pois, a apontar à redação do aludido quesito, assim como à resposta restritiva que lhe foi dada pelo tribunal a quo, tanto mais que a própria apelante alega agora, no recurso, que a B fora dissolvida e já não existia aquando do reconhecimento da dívida e da negociação do seu pagamento.

O supra exposto não prejudica o que adiante se dirá a propósito da cognoscibilidade pelo tribunal dos factos, resultantes da instrução, complementares dos factos alegados pelas partes.

Sexta questão (interrupção da prescrição dos créditos peticionados)

Ajuizou-se na sentença recorrida, sem que tal tenha suscitado controvérsia nos autos, que os valores mensais, a serem pagos trimestralmente pelo R. como contrapartida pelos serviços de manutenção de elevadores prestados pela A., estão sujeitos ao prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea g) do art.º 310.º do Código Civil. Trata-se, de facto, de prestações periodicamente renováveis, ou seja, prestações surgidas no âmbito de obrigações duradouras e cuja exigibilidade ia surgindo reiterada e periodicamente ao longo da duração do negócio respetivo.

Resulta da matéria de facto (n.º 10) que as prestações em causa se venceram nas datas de 25.4.2006, 25.07.2006 e 25.10.2006. Assim, cada uma dessas dívidas prescreveria, respetivamente, em 26.4.2011, 26.7.2011 e 26.10.2011. Ou seja, quando a ação foi proposta (em 08.01.2013), já se mostrava decorrido o prazo prescricional em relação a todas estas prestações, o que foi invocado pelo R. na contestação, facultando, pois, ao tribunal, o conhecimento dessa exceção perentória (art.º 303.º do Código Civil).

Sucede, porém, que na réplica a A. alegou que o R., através da administradora do condomínio, B, Lda, havia reconhecido a dívida em causa, no decurso de negociações ocorridas.

Embora a A. tenha enquadrado juridicamente tal reconhecimento, seguido da invocação da prescrição do crédito pelo R., na figura do abuso de direito (art.º 334.º do Código Civil), na modalidade de “venire contra factum proprium” (vide artigos 58.º a 66.º da réplica, supra sintetizados na análise da quinta questão da apelação), o certo é que o tribunal não se achava impedido de o avaliar juridicamente de forma diversa, no âmbito dos seus poderes de cognição (n.º 3 do art.º 5.º do CPC: “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”), sem prejuízo de prévia auscultação das partes em respeito pelas exigências do contraditório, se eventualmente considerasse que a sua análise do Direito era justificadamente inesperada para as partes (n.º 3 do art.º 3.º do CPC).

Ora, in casu, o tribunal a quo, tendo afastado a existência de abuso de direito não descurou, e bem, a relevância que o alegado reconhecimento do crédito da A. por parte do R., através da sua administração ou de alguém por si mandatada, poderia ter enquanto facto interruptivo da prescrição arguida pelo R..

De facto, nos termos do n.º 1 do art.º 325.º do Código Civil, “a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.” Sendo certo que além do reconhecimento expresso também é relevante o reconhecimento tácito, embora só “quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam” (n.º 2 do art.º 325.º do Código Civil). A interrupção decorrente do reconhecimento do direito inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a decorrer novo prazo a partir do ato de reconhecimento, prazo esse que é o prazo da prescrição primitiva (art.º 326.º do Código Civil).

Tal enquadramento jurídico do reconhecimento alegado pela A. não suscitou, de resto, qualquer manifestação de surpresa do lado de qualquer das partes, como decorre das alegações que ambas apresentaram no âmbito da apelação.

Quanto ao analisado facto interruptivo da prescrição arguida, o tribunal a quo exarou o seguinte:

Não obstante estar demonstrado que a autora procurou obter a recuperação do crédito que ora reclama por via negocial, não ficou provado que tenha existido reconhecido [pretendia escrever-se “reconhecimento”] do valor em dívida por parte da B, Lda., então empresa administradora do condomínio réu.

De notar que a troca de correspondência que a autora fez juntar aos autos corresponde a mensagens de correio electrónico expedidas por um dos condóminos do Edifício Belle Mar na perspectiva da futura administração, a ser eleita em Janeiro de 2012 (cf. fls. 188 p.p.), ou seja, não se trata, claramente, de alguém mandatado pelos condóminos ou que exerça já tais funções.

Por outro lado, a mensagem que consta de fls. 194 tem por emitente a C Manutenção e não a B, Lda. sendo que nenhuma outra prova foi produzida no sentido de que a então empresa administradora do condomínio réu ou que alguém por este mandatado tenha admitido e reconhecido os valores aqui reclamados.”

E, mais adiante, sintetizando, escreveu-se na sentença:

Ora, nenhum facto resultou demonstrado no sentido de que o réu, por intermédio da sua administração ou por pessoa por si para tanto mandatada, tenha reconhecido perante a autora os valores que esta aqui vem peticionar.”

E, como resultado, concluiu-se pela verificação da prescrição do crédito da A. relativo às aludidas prestações mensais e absolveu-se o R. do respetivo pedido.

A apelante insurge-se contra o assim decidido, pois entende que o tribunal a quo não estava limitado ao reconhecimento da dívida por parte do condomínio R. apenas através da empresa B, sendo certo que se provou, segundo a apelante, que em janeiro de 2012 o representante da empresa então administradora do condomínio, a C, havia reconhecido a dívida do condomínio à A.. Como meio de prova de tal afirmação a apelante invocou o depoimento da testemunha David (…) e bem assim o teor dos mails por si juntos aos autos em 19.7.2013, máxime os de fls 194 a 196.

Vejamos.

A propriedade horizontal é um direito real que harmoniza entre si duas situações jurídicas distintas: a propriedade singular, no que respeita às frações autónomas do edifício, e a compropriedade, cujo objeto é constituído pelas partes comuns do edifício. Tal é claramente expresso no n.º 1 do art.º 1420.º do Código Civil: “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.

A lei não confere personalidade jurídica ao condomínio resultante de propriedade horizontal. Os interesses respeitantes ao prédio constituído em propriedade horizontal são titulados por cada um dos respetivos condóminos, esses sim, pessoas singulares ou coletivas, como tal providos de personalidade jurídica. No que diz respeito à administração das partes comuns, os condóminos exprimirão a sua vontade através da assembleia de condóminos, vontade essa que, concretizada em deliberações, deverá ser executada pelo administrador (n.º 1 do art.º 1430.º do Código Civil). Apenas para o efeito de atuação em juízo dos condóminos nas questões atinentes às partes comuns do edifício é que a lei reconhece personalidade judiciária ao condomínio (art.º 6.º alínea e) do Código de Processo Civil de 1961; art.º 12.º, alínea e) do novo CPC), o qual será representado pelo administrador (art.º 1437.º do Código Civil).

À assembleia de condóminos compete, nomeadamente, aprovar o orçamento das despesas (respeitantes às partes comuns e aos serviços de interesse comum) a efetuar durante o ano, o que deverá ocorrer em janeiro de cada ano (art.º 1431.º n.º 1 do Código Civil).

Como se disse, o administrador tem funções de natureza executiva, enunciadas no art.º 1436.º do Código Civil e em outros preceitos legais, nomeadamente no Dec.-Lei n.º 268/94, de 25.10.

Entre essas funções conta-se a efetuação das despesas comuns (alínea d) do art.º 1436.º do Código Civil).

Entre as despesas comuns contam-se as atinentes à manutenção dos elevadores, sendo certo que entre os elementos do edifício que a lei presume, juris tantum, serem partes comuns, contam-se os ascensores (alínea b) do n.º 2 do art.º 1421.º do Código Civil).

Assim, cabe nas funções do administrador do condomínio o pagamento das despesas com a manutenção dos elevadores e, por identidade de razão, a eventual negociação quanto aos termos do seu pagamento.

De tudo o exposto decorre que a vinculação dos condóminos ao pagamento da dívida emergente da manutenção de elevadores do condomínio, decorrente do reconhecimento dessa dívida, com efeitos interruptivos da prescrição desse crédito, depende da atuação, efetuada nesse sentido, de quem tenha poderes para agir em nome do condomínio, em regra, de quem seja administrador do condomínio em questão. Ora, na réplica a A. identificou a entidade que, em nome dos condóminos (rectius, em nome do ora Réu, o condomínio do Edifício Belle Mar), teria reconhecido o seu crédito, a sociedade B. Admitindo que, no decurso da instrução da causa, se provasse que tal reconhecimento fora efetuado, em nome do condomínio, por uma outra entidade que não a B, poderia o tribunal a quo levar tal facto em consideração?

Apesar deste processo se ter iniciado ainda sob a vigência do CPC de 1961, a audiência de julgamento realizou-se já sob a vigência do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, tendo a decisão de facto sido proferida na sentença, após o encerramento da audiência final, conforme atualmente o determina o CPC (art.º 607.º) e contrariamente ao que estipulava o anterior CPC (art.º 653.º). Assim, no apuramento da matéria de facto haverá que levar em consideração o disposto no atual CPC (art.º 5.º n.º 1 da Lei n.º 41/2013).

O atual regime processual pretende conferir maior plasticidade à definição da matéria de facto que o tribunal deverá e poderá considerar para decidir o litígio que lhe é apresentado pelas partes, tendo para esse efeito introduzido alterações à tramitação do processo que facilitarão esse propósito, de forma mais eficaz da que fora vertida na legislação processual pela reforma de 1995/1996.

Assim, continuando a caber às partes alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas (n.º 1 do art.º 5.º, 552.º n.º 1 alínea d) e 572.º alínea c) do CPC), ou seja, os factos indispensáveis à procedência da ação, como tal subsumíveis à(s) norma(s) jurídica(s) convocada(s) para sustentar(em) a pretensão do autor ou, no caso das exceções, ao visado insucesso da ação, o objeto da instrução deixará de ser pautado por uma prévia descrição judicial mais ou menos atomística dos factos a provar, mas por uma mera enunciação dos “temas da prova” (artigos 410.º e 596.º n.º 1 do CPC), norteada pela concomitante “identificação do objeto do litígio” (n.º 1 do art.º 596.º do CPC). Tal como na sequência da reforma de 1995/1996, o tribunal poderá (e deverá) levar em consideração os factos (resultantes da instrução) essenciais complementares e concretizadores dos alegados para fundarem a ação ou as exceções deduzidas (art.º 5.º n.º 2 alínea b)), mas sem que atualmente a lei exija que a parte interessada na sua consideração “manifeste vontade de deles se aproveitar” (n.º 3 do art.º 264.º do CPC de 1961). Na atual formulação legal, para que o tribunal possa introduzir esses factos na decisão de facto, basta que “sobre eles [as partes] tenham tido a possibilidade de se pronunciar” (alínea b) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC). Acresce que já não caberá ao juiz que preside à audiência providenciar pela ampliação da (agora inexistente) base instrutória a fim de possibilitar a consideração dos referidos novos factos (art.º 650.º n.º 2 alínea f) do CPC de 1961). Os factos instrumentais (tendentes à prova, por ilação decorrente de presunção judicial, de factos essenciais) resultantes da instrução continuam a ser livremente atendíveis pelo tribunal (art.º 5.º n.º 2 alínea a) do CPC).

Pretende-se, como o exprime o legislador na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (que deu origem ao atual CPC), “permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo direto entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto predefinidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a vertente fáctica da lide, se limite a “responder” a questões eventualmente até não formuladas.”

Assim, além dos factos alegados pelas partes para sustentarem a sua posição na lide, o tribunal deve considerar, na decisão de facto, aqueloutros que, embora não alegados (inclusivamente no âmbito do pré-saneador – art.º 590.º n.º 2 alínea b) e n.º 4 – ou da audiência prévia – art.º 591.º n.º 1 alínea c) do CPC), resultaram da instrução (cuja estrutura necessariamente contraditória, máxime no decurso da audiência de discussão, em princípio permitirá às partes sobre eles se pronunciarem – artigos 415.º, 516.º, 461.º, 462.º, 466.º n.º 2, 423.º e seguintes, 604.º n.º 3 do CPC) e se enquadrem no âmbito do litígio, por se integrarem na causa de pedir ou nas exceções alegadas, assumindo natureza complementar dos factos alegados precisamente na medida em que, com estes estando conectados, não foram inicialmente alegados (vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, setembro de 2014, Coimbra Editora, pág. 17).

Tais factos complementares poderão, inclusive, apresentar-se como substitutos de factos alegados: pegando num exemplo noutro local apresentado (Paulo Ramos de Oliveira e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, volume I, 2.ª edição, 2014, Almedina, páginas 41 e 42), se numa ação de resolução de contrato de arrendamento fundamentada na falta de pagamento de rendas, não se provar a falta de pagamento de rendas nos meses indicados pelo senhorio na petição inicial mas se provar a falta de pagamento noutros meses, inseridos em período igualmente relevante, nada obstará à consideração desses factos para se decidir o litígio.

O supra exposto é aplicável à alegação de contraexceções (como o é a alegação, por parte do demandante, do reconhecimento do direito por parte do devedor demandado para obstar à eficácia da prescrição do direito, alegada por este).

Assim, tendo o autor alegado que o seu direito, cuja prescrição fora arguida pelo réu, fora reconhecido pelo representante deste, a sociedade x, não ficará o tribunal impedido de considerar, se tal resultar da instrução, que o reconhecimento fora efetuado pela sociedade y, representante do réu.

No caso destes autos, como se viu, o processo foi tramitado, inicialmente, à luz do CPC de 1961 (já alterado pela reforma de 1995/1996), do que resultou a elaboração de base instrutória, nos termos já supra expostos. Porém, a audiência de discussão e julgamento decorreu já ao abrigo do atual CPC, conforme supra mencionado. Assim, não cabia proceder ao alargamento da base instrutória, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 264.º n.º 3 e 650.º n.º 2 alínea f) do CPC, assim como não coube responder à base instrutória antes da elaboração da sentença. Também, para a consideração de factos complementares, não era necessário que a parte favorecida o solicitasse expressamente (art.º 264.º n.º 3 do CPC de 1961), embora, atendendo às particularidades do processo sub judice, sujeito à aplicação subsequente de dois regimes com as apontadas diferenças, houvesse que ser particularmente rigoroso na apreciação da condicionante possibilidade de as partes sobre eles se pronunciarem (art.º 5.º n.º 2 alínea b) do CPC).

Ora, a 19.7.2013 a A. juntou aos autos dois documentos, alegando, quanto ao documento n.º 2 (que é o ora convocado pela apelante), tratar-se de “troca de correspondência entre A. e R., por correio electrónico, com datas de 27 e 28 de janeiro de 2013, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos”.

O R. pronunciou-se sobre tal documento, em 04.9.2013, dizendo que “a presente administração do condomínio desconhece se a letra e assinaturas nele constantes são ou não verdadeiras pelo que o impugna com esse fundamento”.

O aludido documento foi admitido, por despacho proferido em 17.9.2013, ao abrigo do disposto no art.º 423.º n.º 2 do atual CPC, e foi alvo de análise no decurso da audiência de julgamento, máxime aquando da inquirição da testemunha David Reis.

Se o referido documento n.º 2, eventualmente conjugado com outros meios de prova, provasse que outra empresa, que não a B, havia, na qualidade de administradora do condomínio ora Réu, reconhecido o crédito da A. ora sob disputa, cremos que o tribunal poderia ter considerado tal facto, à luz das regras supra expostas.

Contudo, os mails (constantes no documento n.º 2) em que, segundo a apelante, se teria traduzido o reconhecimento da dívida, em janeiro de 2012, por parte da C, alegadamente então administradora do condomínio R., não provam, com suficiente segurança, a existência de tal reconhecimento. Embora a testemunha David (…), responsável máximo da A. na Madeira (cujo depoimento, embora gravado em más condições, é percetível no essencial), tenha confirmado a receção desses mails e ainda, segundo declarou, tenha contactado pessoalmente o autor desses mails, que afirmou ser o engenheiro Artur (…) (nos mails o seu autor identifica-se como “José (…)”), na qualidade de representante legal da sociedade “JFA”, que na altura seria administradora do condomínio Réu, o certo é que nos autos apenas está provado que a JFA foi nomeada administradora do condomínio R. no período de 01.9.2011 a 31.12.2011 (n.º 23 da matéria de facto), nada estando provado quanto a um eventual mandato dessa sociedade, para administrar o condomínio ou de alguma forma representar os condóminos, nesta matéria, no ano de 2012, data em que se situam os mencionados e-mails. Assim, independentemente da discutibilidade da interpretação desses mails como configurando uma declaração de reconhecimento do crédito reclamado pela A. (atendendo a que no primeiro mail o seu autor aceita pagar uma quantia substancialmente inferior à reclamada pela A. – apenas € 5 000, - e no segundo mail, após enunciar os valores exigidos pela A., que perfaziam o total de € 31 208,20, apresenta “à consideração”, “para o serviço efetivamente prestado (€ 7.908,40), a proposta para redução do mesmo e plano de pagamento” – ficando no ar a ideia de que se sugere o pagamento de quantia inferior a € 7 908,40 - admitindo porém “um ajustamento à proposta desde que partindo desta base”, mais adiantando que a solução proposta criaria “a folga mensal necessária ao acomodamento simultâneo deste eventual compromisso” – negrito nosso – o que torna não muito firme a declaração de aceitação do direito da A.), o certo é que não se provou que o emitente dos referidos mails tinha poderes representativos do R., pelo que, também por esta razão, nada há a alterar quanto ao juízo a este respeito formulado pelo tribunal a quo. Note-se que, a existir reconhecimento da dívida por parte do R., ele teria ocorrido em janeiro de 2012, ou seja, já após ter expirado o prazo prescricional. Assim, tal reconhecimento apenas poderia eventualmente operar enquanto renúncia tácita à prescrição, nos termos do art.º 302.º do Código Civil, o que, cremos, seria cognoscível nos mesmos termos supra apontados para a cognoscibilidade do reconhecimento do direito enquanto facto interruptivo da prescrição, mas com audição prévia das partes.

Seja como for, o alegado reconhecimento não se provou, nos termos supra expostos.

A apelação improcede, assim, na sua totalidade.

Face à improcedência da apelação, ficam prejudicadas as questões suscitadas pelo apelado, as quais ampliaram a matéria do recurso em termos subsidiários, para o caso de se visionar ganho de causa por parte da apelante (artigos 636.º, 663.º n.º 2 e 608.º n.º 2 do CPC).

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.

As custas da apelação são a cargo da apelante, uma vez que nela decaiu.

Lisboa, 05.02.2015

Jorge Leal

Ondina Carmo Alves

Eduardo Azevedo