Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5538/05.0TJLSB.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
PARTILHA
QUINHÃO HEREDITÁRIO
REMANESCENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- A presunção contida no artº 259 nº1 do C.P.C., de que decorrido o prazo nele fixado a parte se considera notificada, tem natureza juris tantum, incumbindo ao notificado, de forma a ilidir esta presunção, alegar e provar que a notificação não ocorreu, ou ocorreu em data posterior, por razões que lhe não são imputáveis.
II-Em sede de inventário para partilha de bens, vigora o princípio da repartição igualitária de bens, na proporção das quotas de cada interessado.
III-Assim, o preenchimento do quinhão do interessado não licitante, nos termos do artº 1374 b) do C.P.C., em verbas não licitados, está limitado pelo valor da quota de cada interessado e não poderá ter lugar sempre que dele resulte uma atribuição excedente do valor do respectivo quinhão.
IV- Nesse caso e na ausência de acordo dos interessados na adjudicação das verbas remanescentes em comum ou a um dos interessados, terá de se proceder à alienação das verbas excedentes, com repartição do montante assim obtido pelos interessados, uma vez que ao juiz não é lícito por acto unilateral e contra a vontade dos interessados, constituir e impor situações de compropriedade, por a tal se oporem as finalidades do inventário e o disposto no artº 1412 do C.C.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
R…., requereu, em 3 de Novembro de 2005, a instauração de processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de seu avô M… ocorrido em 11 de Abril de 1976, tendo sido nomeada cabeça-de-casal, nestes autos, por despacho de 17/02/06, sendo indicados como interessados à herança de M… a sua viúva M…, a requerente na posição ocupada por seu falecido pai, filho do inventariado e a viúva de seu pai,  L….
A interessada MA…, faleceu no dia 15 de Novembro de 2009 – conforme certidão de óbito de fls. 430 e 431, tendo deixado testamento, no qual instituiu herdeiro da quota disponível o seu irmão,  J….
Foi ordenada a cumulação de inventários, por despacho de 25/01/12, sendo interessados os acima indicados e M.J….
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Por despacho proferido em 05/06/13, foi a requerente removida do cargo de cabeça- de-casal, por incumprimento dos deveres do seu cargo nos termos do artº 2086.º, n.º 1 alínea c) do CC, sendo nomeado cabeça-de-casal, o interessado MJ….
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Em 13/09/2013, os Ilustres Mandatários da requerente, vieram comunicar a sua renúncia ao mandato, tendo sido remetida notificação da renúncia à requerente em 16/03/13, repetida em 04/11/13, tendo as cartas sido devolvidas com a indicação de “mudou-se”.
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Com data de 12/03/15, pelo cabeça-de-casal M..J.. foi apresentada relação de bens corrigida, na qual constam as seguintes verbas:
ATIVO:
Verba 1
Prédio Urbano sito na Rua …., n.º 20, no concelho de Lisboa, freguesia da Estrela, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 598, composto por dois pavimentos – RC 20 e RC 5 -ma loja com 3 divisões e 1 vão, 1.º andar composto por 3 divisões e um vão, numa área total do terreno e coberta de 30 m2, com o valor patrimonial total de € 19.540,00 (Doc. 1 já junto).
Verba 2
Prédio Urbano destinado a construção sito no Casal ..n.º 3, no concelho de Arruda dos Vinhos e freguesia das Cardosas, confrontando a Norte com Assunção Cardoso Rodrigues e outro, a Sul com o lote 2, a Nascente com caminho e a Poente com terra lagarto, com uma área total de terreno de 2.707 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 675, descrito na CRP de Arruda dos Vinhos sob a ficha 00130/200989, com o valor patrimonial de € 24.170,00 (Doc. 2 já junto).
Verba 3
Prédio Urbano destinado a construção sito no Casal…., no concelho de Arruda dos Vinhos e freguesia das Cardosas, confrontando a Norte com Lote 3, a Sul com o lote 1, a Nascente com caminho e a Poente com terra lagarto, com uma área total de terreno de 2.813 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 674, descrito na CRP de Arruda dos Vinhos sob a ficha 00131/200989, com o valor patrimonial de € 73.570,00 (Doc. 3 já junto).
Verba 4
Prédio Urbano sito no Casal…, no concelho de Arruda dos Vinhos e freguesia das Cardosas, confrontando a Norte com Lote 2, a Sul com o A… e outro, a Nascente com caminho Horta dos Velhos a Poente com J…, com uma área total de 2.760 m2, tendo implantado um edifício com 120m2, com uma área bruta de construção de 300m2, uma área bruta privativa de 120m2 e área bruta dependente de 180m2, composto de R/C e 1.º andar e águas furtadas, sendo que o R/C se destina a comércio e o 1.º andar e águas furtadas a habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 641, descrito na CRP de Arruda dos Vinhos sob a ficha 00129/200989, com o valor patrimonial de € 41.300,00 (Doc. 4 já junto).
Verba 5
Dinheiro depositado na conta de depósitos à ordem no BPI, S.A. na conta n.º 6-3539808/0515 (000.001) com saldo apurado à data da morte de € 3.853,22, atualmente saldada apresentando um saldo de € 00,00.
Verba 6
Dinheiro depositado na conta de depósitos à ordem no Santander Totta S.A. na conta n.º 0000.50925995020 com saldo apurado á data da morte de € 8.282,22.
Verba 7
Dinheiro depositado na conta de depósitos a prazo no BPI, S.A. na conta n.º 6- 3539808/0515 (220.001) com saldo apurado à data da morte de € 43.240,07, atualmente apresenta um saldo de € 17.545,80.
PASSIVO:
Verba 1
Por força do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 455 a 491 datado de 07.12.2010, foi a Inventariada M…A condenada a pagar ao aqui Cabeça-de-casal pelo período compreendido entre Maio de 2003 e Junho de 2004 à razão de 808,00, o valor de € 11.312,00 (vd. fls 490).
Verba 2
Por força do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 455 a 491 datado de 07.12.2010, foi a Inventariada M..A..s e a herdeira R… condenadas a pagar ao aqui Cabeça-de-casal, a titulo de benfeitorias realizadas nas verba n.ºs 2, e 4 do ativo, a quantia de € 15.000,00 (vd. fls. 459).
Verba 3
O Cabeça-de-casal pagou à Inventariada, a titulo de sinal e principio de pagamento, pela cessão do quinhão hereditário cuja escritura veio a ser judicialmente anulada, e por intermédio de cheque n.º 1200000034 do Banco Totta e Açores, S.A. com data de 11.03.2003 a quantia de € 25.000,00 (vd. fls. 467 ponto 8).
Verba 4
O Cabeça-de-casal pagou ainda à Inventariada M.A.. pela cessão do quinhão hereditário cuja escritura veio a ser judicialmente anulada, e por intermédio de cheque n.º 9100000036 do Banco Totta e Açores, S.A. com data de 14.05.2003 a quantia de € 50.000,00 (vd.fls. 482 e 483).
Verba 5
O Cabeça-de-casal pagou à Inventariada Maria dos Anjos Ramos, em cumprimento do contrato promessa de cessão de quinhão hereditário e de direito à meação datado de 11.03.2003 (cuja subsequente escritura veio a ser judicialmente anulada no processo n.º 3379/04.1TVLSB.L1 que correu termos na 7.ª Vara Cível de Lisboa), segundo qual tinha que pagar até à data de sua morte uma prestação mensal de € 808,00 que depois veio a ser reduzida para € 438,00, entre Agosto de 2005 e até Novembro de 2009 (falecimento da Inventariada Maria dos Anjos Ramos) a quantia de € 27.216,00, conforme resulta de documentos que se juntam e deixam integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (Doc.s 5 a 56) (vd. fls. 468 a 469 pontos 19, 20 e fls. 483 e 484).
Verba 6
O Cabeça-de-casal pagou por conta herança o Imposto Municipal sobre Imoveis relativo às verbas n.ºs 2, 3 e 4 do ativo relativo aos anos de 2003, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 num total de € 1.692,76 conforme consta de documentos que se juntam e deixam integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (Doc. 57 a 62).
Verba 7
O Cabeça-de-Casal pagou por conta da herança os consumos de água, conservação de esgotos e eletricidade relativos às verbas n.ºs 1, 2, 3 e 4 do ativo num total de € 470,90, conforme consta de documentos que se juntam e deixam integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais (Doc. 63 a 103)”
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Designada conferência de interessados para o dia 16/09/15, notificada a requerente e interessada, veio a carta devolvida por não reclamada.
Nesta, realizada sem a presença da requerente, requerida avaliação pericial aos imóveis constantes das verbas nos 1 a 4, sendo esta ordenada, junto o respectivo relatório, foi designada conferência de interessados para o dia 29/11/17, tendo a carta remetida para notificação da interessada R… sido devolvida por não reclamada, com continuação para o dia 12/01/18, da qual foi expedida notificação à mesma interessada, não devolvida.
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Após consulta à base de dados foi novamnete expedida notificação para comunicação de renúncia à interessada R…, em 03/01/18, devolvida em 04/01/18.
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Realizada conferência de interessados em 12/01/18, nesta, foram eliminadas as verbas nºs 6 e 7 do passivo e a “Verba 1- Ativo - Prédio Urbano sito na Rua dos …, n.º 20, no concelho de Lisboa, freguesia da Estrela, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 598, composto por dois pavimentos – RC 20 e RC 5 –, uma loja com 3 divisões e 1 vão, 1.º andar composto por 3 divisões e um vão, numa área total do terreno e coberta de 30 m2, foi licitada apenas pelo cabeça de casal, MJ.., pelo valor de 45 mil euros (quarenta e cinco mil euros)”, tendo sido designada continuação para o dia 12/03/18.
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Remetida notificação à interessada R… em 15/01/18, veio esta devolvida com a menção “não atendeu”, em 17/01/18.
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 Na data designada para conferência de interessados e realizada a mesma, veio o cabeça-de-casal, nela presente, informar não pretender licitar quaisquer outras verbas, tendo sido notificado para se pronunciar sobre a forma à partilha.
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Por requerimento de 04/04/18, veio o cabeça-de-casal pronunciar-se sobre a forma à partilha, nos seguintes termos:
“a) Somam-se os valores dos bens relacionados na relação de bens, abate-se o passivo e obtém-se o valor líquido da herança;
b) A verba n.º 1 da Relação de Bens, já adjudicada ao cabeça-de-casal, abatida pro rata do valor do passivo reconhecido, deverá ser distribuída pelo cabeça-de-casal e interessadas, havendo que ser pagas as tornas por parte do adjudicatário;
c) As restantes verbas do ativo da herança, ainda não adjudicadas, abatidas pro rata do
valor do passivo reconhecido deverão ser colocadas à venda a terceiros, devendo o respetivo saldo líquido ser distribuído pelo cabeça-de-casal e interessada R.., na proporção das respetivas quotas da herança.”
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Após, com data de 12/06/18, foi proferido despacho que “julgou reconhecidas as dívidas relacionadas sob as verbas nº1, 2, 3 e 4 do passivo da relação de bens e remeto os interessados para os meios comuns quanto à dívida relacionada sob a verba nº5 do passivo da relação de bens” e determinou o seguinte quanto à forma à partilha:
“Da forma à partilha:
Procede-se nestes autos a inventário por óbito de M…, falecido em 11 de Abril de 1976, no estado de casado com M.. A.., em primeiras núpcias de ambos, sob o regime de comunhão geral de bens.
O inventariado deixou um filho que veio a falecer em 04/05/1997, no estado de casado com  L…, no regime de comunhão de adquiridos deixando a suceder-lhe a viúva e uma filha, R….
Por óbito de B…,filho do inventariado, houve lugar a inventário que correu termos na 11ª vara Cível de Lisboa, sob o nº 3220/98, no qual se procedeu à partilha do quinhão hereditário a que este tinha direito na herança do seu pai, tendo ficado tal quinhão a pertencer à filha Rita, que pagou tornas à viúva daquele.
Contudo, o valor do quinhão foi apurado com referência ao valor das três últimas verbas da relação de bens, pelo que, nestes autos, deverá proceder-se à correcção dos valores que cabem à viúva de B…, tendo-se em conta, em relação a esta, para apuramento do valor a que tem direito, apenas o valor da verba nº1 da relação de bens.
O inventariado deixou testamento através do qual instituiu sua única e universal herdeira, a sua mulher, M.A...
Esta veio a falecer na pendência dos presentes autos, no estado de viúva, tendo sido ordenada a cumulação de inventários por despacho de 25/01/2012.
A inventariada deixou a suceder-lhe, a sua neta, R….
Deixou testamento no qual instituiu herdeiro da sua quota disponível, o seu irmão, MJ.
Os bens relacionados sob as verbas 1 a 4 correspondem aos bens que constam igualmente da relação de bens do inventariado os que constam das verbas nº5 a 7 são bens próprios da inventariada.
Não existe passivo por óbito de M…, a inventariada M.. A.. deixou passivo e houve lugar a licitações.
À partilha deverá proceder-se da seguinte forma:
Somam-se os valores dos bens imóveis relacionados obtido através de avaliação e licitação e esse valor divide-se por dois, sendo uma das partes a meação do cônjuge do inventariado e a outra a meação do inventariado.
A herança do Inventariado M… divide-se em duas partes iguais, constituindo uma delas o valor da quota indisponível e a restante o valor da disponível (atento o testamento existente que deve ser interpretado restritivamente, por ofender a legítima do filho – art. 2158º, nº1 CC na sua versão original).
O valor da quota indisponível que caberia ao seu filho, já falecido, divide-se em três partes iguais, cabendo duas delas à viúva deste (por força do testamento efectuado por B…no qual institui herdeira da quota disponível, a sua mulher  L..) e a restante à filha, R….
Por força da partilha que foi efectuada no processo de inventário por óbito de B…, no qual foi atribuído o quinhão hereditário a que aquele teria direito na herança do seu pai, à filha R.. apenas se atenderá, para cálculo do valor a que tem direito a viúva, à parte do bem que constitui a verba nº1 correspondente ao seu quinhão.
O valor da quota disponível atribui-se à viúva do inventariado, M..A, por força do testamento.
Este valor deverá ser somado ao valor da sua meação e aos valores existentes em contas bancárias, à data do óbito (verbas 5 a 7), sendo esse resultado o valor da herança da inventariada M…A
A este valor abate-se o passivo reconhecido.
Atenta a existência de testamento, o valor obtido deverá ser dividido por dois, correspondendo uma das partes assim obtida à quota disponível e a restante à quota indisponível.
A quota disponível é atribuída, por força do testamento existente, ao irmão da inventariada.
A quota indisponível atribui-se à neta da inventariada.
No preenchimento dos quinhões observar-se-á o resultado das licitações, atribuindo-se os bens não licitados à interessada R… por força do disposto no art. 1374º, b) CPC e distribuindo-se o saldo das contas bancárias na proporção dos quinhões dos herdeiros da inventariada M…A...”
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Este despacho foi notificada à interessada R… e aos demais interessados, em 15/06/18.
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Requerida a rectificação de lapso do referido despacho pela interessada L…, por despacho de 05/09/18, foi determinada a rectificação “do despacho de forma à partilha proferido em 12/06/2018, para que do mesmo deixe de constar o segmento de frase constante da décima linha com a seguinte redacção “(…) que pagou tornas à viúva daquele.
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Notificado este despacho em 07/09/18 à interessada R..e aos demais inrteressados, foi ordenada a elaboração de mapa da partilha.
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Elaborado o referido mapa, em 23/05/19, dele resulta, no que ao caso importa, que
“A interessada R.. recebe 1/3 da legítima da herança do inventariado M…,
Quanto ao valor correspondente à verba nº1 ................. € 3.750,00
A totalidade da legítima da herança do inventariado M..,  
Quanto ao valor correspondente às verbas nº2, 3 e 4 .. € 86.655,00
A totalidade da legítima da herança da inventariada M..A..,
No valor de ................................................................. € 123.889,26
Total ............................................................................ € 214.294,26
Tendo em conta as conferências de interessados de fls.975 e fls.980 e o determinado nos despachos de fls.984 e fls.996:
A interessada R… recebe
Os bens imóveis das verbas nº 2, 3 e 4
(atribuídos por despacho de 12/06/2018 – fls.984) .... € 346.620,00
1/2 do dinheiro das verbas nº 5, 6 e 7
(atribuídos por despacho de 12/06/2018 – fls.984) ..... € 27.687,76
Total ............................................................ …..…….€ 374.307,76
Dedução do passivo da sua responsabilidade 1/2 .......€ 50.656,00
Recebe ........................................................................€ 323.651,76
Dá tornas aos interessados:
Ao interessado MJ.. ...............................................…€ 101.857,50
À interessada L… .......................................................... € 7.500,00
Total ............................................................................ € 109.357,50
O interessado MJ.. recebe
O bem imóvel da verba nº 1 (licitado) ......................... € 45.000,00
1/2 do dinheiro das verbas nº 5, 6 e 7
(atribuídos por despacho de 12/06/2018 – fls.984) ..... € 27.687,76
Total ............................................................................. € 72.687,76
Dedução do passivo da sua responsabilidade 1/2 ...... € 50.656,00
Recebe ......................................................................... € 22.031,76
Recebe de tornas:
Da interessada Rita ..................................................€ 101.857,50
Total igual ao que lhe pertence ................................€ 123.889,26
A interessada  L.. recebe
Recebe de tornas:
Da interessada R.. ........................................................ € 7.500,00
Total igual ao que lhe pertence .....................................€ 7.500,00”
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Notificados os interessados em 28/05/19 foi, em 18/06/19, proferida sentença que homologou “a partilha constante do mapa elaborado em 28/05/2019, adjudicando a cada interessado o seu respectivo quinhão.
Condeno os interessados no pagamento do passivo da herança – art. 1354º, nº1, in fine CPC
Custas pelos interessados na proporção do respectivo quinhão – art. 1383º CPC.
Valor da acção: 391.620,00 euros
Registe e Notifique.”
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Notificada a sentença em apreço aos interessados em 18/06/19, com data de 19/06/19, veio a interessada R… juntar procuração forense aos autos e arguir “a nulidade de todo o processado posterior à notificação à Interessada para os efeitos do n.º 2 do art.º 1379.º do CPC, ficando os autos a aguardar que sejam apresentadas reclamações contra o mapa da partilha ou o decurso do prazo em que tal pode ser feito, invocando que apenas em 11/06/19 foi notificada do mapa de partilha, pelo que ainda estaria a decorrer o prazo para dele reclamar.
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Com data de 24/06/19, veio a interessada R… apresentar reclamação do mapa de partilha, nos seguintes termos:
“1. Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 1379.º do CPC, na versão aplicável aos presentes autos, posto o mapa em reclamação, os interessados podem requerer qualquer retificação ou reclamar contra qualquer irregularidade e nomeadamente contra a desigualdade dos lotes ou contra a falta de observância do despacho que determinou a partilha.
2. O douto despacho sobre a forma da partilha determinou que “ No preenchimento dos quinhões observar-se-á o resultado das licitações, atribuindo-se os bens não licitados à interessada R… por força do disposto no art.º 1374.º, b) CPC (…) ”. (sublinhado nosso)
3. Sucede que, na organização do mapa resultou a atribuição à interessada Rita das verbas n.ºs 2, 3 e 4, excedendo-se a respetiva quota hereditária em cerca de 100.000 euros.
4. Ora, as disposições legais que se referem ao preenchimento dos quinhões dos interessados no processo de inventário, designadamente a al. b) do art.º 1374.º do CPC, têm por finalidade pôr termo à comunhão hereditária, fazendo participar cada um dos interessados em tudo quanto constitui o acervo do património indiviso, de forma a possibilitar uma partilha justa e igualitária.
5. Os bens não licitados são atribuídos aos não licitantes para, tanto quanto possível, os igualar e inteirar em bens do acervo a partilhar, não podendo exceder-se o seu quinhão hereditário ao ponto de os transformar em devedores de avultadíssimas tornas.
Como é o caso dos autos.
6. Ou seja, o douto despacho sobre a forma da partilha deve ser interpretado no sentido em que a atribuição de bens à Interessada R…tem por limite a medida do seu quinhão, ou com escasso excesso dele.
7. Admitir-se o contrário, como resulta do mapa sob reclamação, não seria justo, nem equitativo, e conduziria a uma inadmissível e ilegal inversão de posições, na medida em que o processo funcionava de modo a que, quem menos licitava, via afinal preenchido o seu quinhão, e em manifesto excesso.
8. Neste sentido pronunciou-se o Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.04.2008, disponível em www.dgsi.pt, nos termos do qual “O preenchimento do quinhão do interessado não licitante não poderá ter lugar sempre que dele resulte uma atribuição excedente do valor do referido quinhão.” (sublinhado nosso)
9. Com interesse para os presentes autos, refere o citado Acordão ainda o seguinte: “ O objectivo "igualitário" da norma [art.º 1374.º, al. b) do CPC] não pode violar a vontade hipotética do não licitante, pois que se este não concorreu às licitações foi porque, pelo menos - sem prejuízo de outros motivos - não quis contrair dívidas com tornas originadas pelo excesso da respectiva quota.
Ao provocar a mesma consequência que o não licitante quis evitar, a aplicação do preceito
com tal amplitude conduziria à produção de um efeito perverso, na perspectiva do fim prosseguido pela lei, ao transformar aquele interessado em devedor, desprotegendo-o economicamente perante os restantes, apenas para o inteirar no seu direito com bens cujo valor no inventário poderá, as mais das vezes, ser incerto ou, pelo menos, duvidoso, ao ponto de não ter despertado a vontade de licitantes.
De resto, se assim não fosse, isto é, se o não licitante pudesse ver a sua quota preenchida com mais bens do que os necessários, mal se compreenderia que o mecanismo previsto para a correcção do excesso de bens licitados no art.º 1377 do Código, seja pelo pagamento das tornas reclamadas pelos respectivos credores, seja pelo reposicionamento das verbas a mais nos moldes explicitados nos nºs 2 a 4 daquele artigo, não tivesse contemplado, da mesma forma, o excesso de bens atribuídos aos não licitantes, nos termos da alínea b) do art.º 1374. Seria ainda incongruente que a lei permitisse a esse não licitante exigir a venda quando fosse inteirado com bens de natureza diferente dos licitados, e não já, quando, apesar de o preenchimento do respectivo quinhão se ter efectuado com bens da mesma espécie e natureza dos licitados, estes mesmos bens superassem o valor desse seu quinhão.” (sublinhado nosso)
10. Acresce que, efetivamente, tendo em conta que foi licitado um único bem imóvel, de natureza urbana - verba n.º 1 - as verbas n.ºs 2 e 3, não licitadas, constituindo prédios rústicos (de acordo com as certidões da conservatória do registo predial juntas aos autos) são bens da mesma espécie mas diferente natureza do que foi licitado, pelo que a Interessada sempre poderia exigir a composição da sua quota em dinheiro, a obter com a venda judicial dos aludidos bens (2ª parte da alínea b) do art.º 1374 do CPC).
11. Em suma, as verbas n.ºs 2 e 3 da relação de bens (prédios rústicos) não devem ser atribuídas à Interessada Rita, na medida em que excedem o seu quinhão hereditário, resultando na obrigação de pagar avultadíssimas tornas, contra a sua vontade.
Termos em que se requer a V Exa. que se digne deferir a reclamação apresentada, ordenando-se a reforma do mapa em conformidade com o supra exposto.”
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Em 05/09/19, foi proferido o seguinte despacho:
Reclamação do mapa de partilha:
Veio a interessada R.. reclamar do mapa de partilha, invocando previamente a existência de nulidade processual por ter sido proferida sentença antes de decorrido o prazo para apresentar a referida reclamação.
Juntou aos autos documento extraído do site dos CTT que documenta o percurso da carta que lhe foi enviada pelo Tribunal.
Cumpre decidir:
A interessada apresentou a reclamação do mapa de partilha em 24/06/2019, mostrando-se paga a multa prevista no art. 139º CPC.
A interessada foi notificada do mapa de partilha por documento elaborado em 28/05/2019, remetido por correio registado para a sua residência.
No dia 29/05/2019, por ausência de destinatário, foi deixado aviso.
No dia 30/05/2019 a carta estava disponível para levantamento no posto de correios de Palmeiras/Oeiras.
No dia 11 de Junho de 2019 a carta foi entregue à destinatária.
Em 18/06/2019 foi proferida sentença homologatória da partilha.
Argumenta a reclamante, anteriormente sem mandatário constituído, ter sido notificada por carta registada enviada para a sua residência e recebida em 11/06/2019, data que considera ser a da sua notificação, que o Tribunal não respeitou o prazo para se pronunciar quanto ao mapa, proferindo a sentença antes que este prazo tivesse decorrido integralmente. Juntou aos autos documento extraído do site dos CTT que documenta o percurso da carta que lhe foi enviada pelo Tribunal.
Vejamos:
Relativamente às notificações da secretaria, prevê a lei processual civil, nomeadamente:
- As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (art.º 247º, n.º 1, do CPC). Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência (n.º 2).
- Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3º dia posterior ao da elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art.º 248º do CPC).
- Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art.º 249º, n.º 1 do CPC). A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior (n.º 2). As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo (n.º 5).
Decorre das normas mencionadas que a lei considerou normal, por isso presumiu, até prova em contrário, que a notificação se efectua no terceiro dia posterior ao do registo no correio, ou seja, provado o facto base da presunção, a expedição da carta sob registo no correio dirigida a determinada pessoa, fica assente o facto desconhecido de a carta lhe ter sido entregue no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte (art.ºs 349º e 350º do Código Civil).
A prova em contrário visa demonstrar que a carta de notificação não foi entregue ao notificando ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis e é ao notificando que incumbe demonstrar em juízo, com vista à determinação do início do prazo para a prática do acto processual por ele pretendido, que a notificação ocorreu em data posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis.
No caso em análise, embora o documento extraído do site dos CTT comprove a entrega da carta para notificação no dia 11 de Junho de 2019, nada nos é dito sobre a razão pela qual foram precisos doze dias para a interessada se apresentar a levantar tal carta, uma vez que tal documento também comprova que a primeira tentativa de entrega foi realizada no dia seguinte ao da elaboração do documento.
Perante isto, cabendo à interessada ilidir a presunção de notificação, deve concluir-se que a mesma não logrou fazê-lo, por não terem sido alegados e provados factos que demonstrem que a entrega tardia da carta se encontra justificada por razões que escaparam ao seu controlo e não lhe podem por isso ser imputáveis.
Mantém-se, pois, a presunção de notificação estabelecida na norma, iniciando-se o prazo para a apresentação de reclamação do mapa de partilha no dia 31 de Maio de 2019, com término no dia 11 de Junho seguinte.
A sentença homologatória da partilha foi proferida em 18 de Junho, após o termo do prazo para apresentação das reclamações.
É, assim, manifesto que a reclamação apresentada no dia 24/06/2019 é claramente extemporânea.
Pelo exposto, não admito a reclamação do mapa de partilha apresentado pela interessada.
Custas do incidente pela interessada fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Notifique.”
*
Notificada desta decisão e com ela não se conformando, veio a interessada R…., interpor recurso, constando das suas alegações as seguintes:
“CONCLUSÕES:
DO DESPACHO QUE NÃO ADMITIU A RECLAMAÇÃO DO MAPA DA PARTILHA
A. O despacho de 05.09.2019, que decidiu pela extemporaneidade da reclamação contra o mapa da partilha apresentada pela Recorrente, carece de uma análise jurídica mais atenta, com o devido respeito, tendo em consideração o circunstancialismo que ocorreu nos presentes autos.
B. Com efeito, o anterior mandatário da Recorrente renunciou ao mandato em 13-09-2013 e não foi dado cabal cumprimento por parte do Tribunal ao disposto no art.º 47.°, n.º 2 do CPC, não sendo a Recorrente notificada pessoalmente da renúncia realizada pelo seu mandatário.
C. É um direito fundamental dos interessados em processo de inventário a representação em juízo por mandatário forense, não só atendendo ao valor da causa, como acontece na situação dos presentes autos, mas porque se suscitam complexas questões de direito e as partes não têm os conhecimentos técnicos indispensáveis para o exercício dos seus direitos e a defesa dos seus interesses.
D. A falta de patrocínio judiciário influiu decisivamente no desenrolar e desfecho da presente causa, uma vez que não foi minimamente assegurado o contraditório, tendo inclusivamente ocorrido vários atos processuais de incontornável importância sem efectivo conhecimento da Recorrente, nomeadamente as conferências de interessados de 12.01.2018 e de 12.03.2018.
E. Neste concreto circunstancialismo, de falta de notificação pelo Tribunal da renúncia do mandatário, não pode ser aplicável à parte o disposto no art.º 249.º do CPC, porque esta norma rege as notificações às partes que não constituam mandatário, o que não é o caso dos presentes autos.
F. Com efeito, a Recorrente constituiu oportunamente advogado e não foi notificada da sua renúncia, nos termos impostos pelos art.ºs 47.º, n.º 2, 225.º, n.º 2, al. b) e 229.º, n.º 5 do CPC.
G. Portanto, não lhe podia ser exigível que tivesse de providenciar no sentido de consultar regularmente o seu recetáculo postal para verificar da existência de correspondência enviada pelo Tribunal; ou ainda que se lhe impunha que, constatado o depósito de qualquer aviso postal referente a uma carta proveniente do Tribunal, tivesse de proceder rapidamente ao respetivo levantamento e de praticar algum ato processual.
H. Ora, tendo ficado demonstrada nos autos a data em que a Recorrente efectivamente recebeu a carta, e sendo que essa data é fundamental para que se fixe no processo o termo inicial da contagem do prazo para a prática de um acto cujo decurso tem efeitos preclusivos, deveria a mesma ter sido considerada pelo Tribunal a quo, pelo que o despacho recorrido consubstancia uma desigualdade processual ilegítima, proibida pelo princípio da igualdade de armas e da igualdade das partes, previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, enquanto concretização do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.° da Constituição da República Portuguesa.
I. Ainda que assim não se entenda, a norma constante do art.º 249.º, n.º 2 do CPC, quando interpretada no sentido de que, num processo em que se verifique a falta de notificação da renúncia do mandatário constituído ao mandante e provada a entrega da carta em data posterior à presumida, ainda assim presume-se a notificação da parte no dia a que se refere a parte final do n.º 1 do art.º 249.º do CPC, contando-se a partir dessa data o prazo para a prática do acto processual, é susceptível de desconformidade constitucional por violação dos art.ºs 13.º, 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA
DO DESPACHO DETERMINATIVO DA FORMA DA PARTILHA
J. No despacho determinativo da forma da partilha foi decidido que: “No preenchimento dos quinhões observar-se-á o resultado das licitações, atribuindo-se os bens não licitados à interessada Rita, por força do disposto no art.º 1374.,º b) CPC (…)”
K. Ora, as disposições legais que se referem ao preenchimento dos quinhões dos interessados no processo de inventário, designadamente a al. b) do art.º 1374.º do CPC, têm por finalidade pôr termo à comunhão hereditária, fazendo participar cada um dos interessados em tudo quanto constitui o acervo do património indiviso, de forma a possibilitar uma partilha justa e igualitária.
L. Os bens não licitados devem ser atribuídos aos não licitantes para, tanto quanto possível, os igualar e inteirar em bens do acervo a partilhar, não podendo exceder-se o seu quinhão hereditário, ou com escasso excesso dele.
M. Admitir-se o contrário, não seria justo, nem equitativo, e conduziria a uma inadmissível e ilegal inversão de posições, na medida em que o processo funcionava de modo a que, quem menos licitava, via afinal preenchido o seu quinhão, e em manifesto excesso.
N. Pelo que, al. b) do art.º 1374.º do CPC deve ser interpretada no sentido em que a atribuição de bens à Recorrente tem por limite a medida do seu quinhão, ou com escasso excesso dele.
O. Assim, o despacho sob recurso deve ser revogado na parte em que atribuiu a totalidade dos bens não licitados à ora Recorrente, excedendo em mais de 100.000 euros o seu quinhão e constituindo-a em devedora de tornas de igual montante, anulando-se, consequentemente, a sentença que homologou a partilha.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V.
Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso,
revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª
Instância de 05-09-2019 e substituindo-se por outra que
admita a reclamação contra o mapa da partilha apresentada pela Recorrente, anulando-se consequentemente a sentença homologatória da partilha, e prosseguindo os autos os seus ulteriores termos.”
*
Não constam interpostas contra-alegações pelos demais interessados.
*
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir, no âmbito do presente recurso, consistem no seguinte:
No despacho que indeferiu a reclamação ao mapa de partilha da interessada R…:
-se ao caso em apreço, não é aplicável o disposto no artº 249 do C.P.C., com fundamento em não ter ocorrido a notificação da renúncia do mandatário à interessada;
-caso se considere aplicável, se para ilisão da presunção contida neste artigo, carece o interessado de provar apenas a data em que recebeu a notificação, não lhe sendo exigível que alegue que tal se deveu por causa que lhe não é imputável;
- se a norma constante do art.º 249.º, n.º 2 do CPC, quando interpretada no sentido de que, num processo em que se verifique a falta de notificação da renúncia do mandatário constituído ao mandante e provada a entrega da carta em data posterior à presumida, ainda assim presume-se a notificação da parte no dia a que se refere a parte final do n.º 1 do art.º 249.º do CPC, contando-se a partir dessa data o prazo para a prática do acto processual, é susceptível de desconformidade constitucional por violação dos art.ºs 13.º, 18.º, n.º 2 e 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa;
No despacho determinativo da forma à partilha:
-se a adjudicação dos imóveis não licitados à interessada Rita Alves está limitada pelo seu quinhão;
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto a considerar, é a constante do relatório acima elaborado.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se a recorrente, contra o despacho proferido pelo tribunal recorrido, que considerou extemporânea a reclamação por si apresentada contra o mapa da partilha, alegando que nos presentes autos não é aplicável o disposto no artº 249 do C.P.C., por a recorrente não ter sido validamente notificada da renúncia ao mandato do mandatário por si constituído e ainda por, expedida carta para notificação, alegando e provando o notificado que teve conhecimento da notificação em data posterior à presumida, é esta a data que releva, sob pena de resultar violado o seu direito de defesa, de igualdade e do acesso ao direito e à tutela efectiva, direitos estes com assento constitucional.
Cumpre-nos assim apreciar este recurso do despacho que considerou intempestiva a reclamação da interessada quanto ao mapa da partilha, nomeadamente apreciando se ao caso em apreço, não é aplicável o disposto no artº 249 do C.P.C., com fundamento em não ter ocorrido a notificação da renúncia do mandatário à interessada.
Como primeiro argumento da recorrente alega esta que não foi regularmente notificada da renúncia do seu mandatário, comunicada aos autos em 2013, o qual, apesar desta renúncia, continuou até 2017 a receber notificações no âmbito destes autos, notificações que considera irregulares, invocando ainda que tal constitui uma violação do seu direito a constituir mandatário no âmbito destes autos, com efectiva representação nas conferências de interessados, violação que lhe causou prejuízo relevante e influiu na sorte dos autos.
Deste argumento extrai a conclusão de que, por não ter existido notificação válida da renúncia ao mandato, não é aplicável o disposto no artº 249 do C.P.C. (preceito que regula as notificações às partes que não constituíram mandatário). 
Ora, equivale esta alegação à arguição de nulidade, sendo certo que, nos termos do disposto no artº 195º, nº1, do Código de Processo Civil, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quanto a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, sendo que a não notificação da renúncia ao mandato, com realização de diligências nas quais o renunciante não esteve presente e notificação de despachos a este renunciante, poderia efectivamente causar prejuízo relevante ao mandante e influir na decisão da causa, ao obstar a que o mandante, tomando conhecimento da renúncia, constituísse novo mandatário que, de forma activa, diligenciasse pela protecção dos seus direitos.
A respeito da distinção entre infracções processuais relevantes e irrelevantes, Alberto dos Reis em Comentário ao Código de Processo Civil, 2º Vol., p. 484 (anterior artigo 201 do C.P.C. revogado), afirmava que « Praticando-se um ato que a lei não admite, omitindo-se um ato ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infração, mas nem sempre esta infração é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) quando a lei expressamente a decreta;
b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
No segundo caso — continua o mesmo Autor — «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa».
A omissão do ato ou da formalidade prescrita influem no exame ou na decisão da causa quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento – cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 3ª Ed., 2014, p. 381.
Se assim é, a ter existido tal omissão (ou irregularidade na notificação da renúncia que, alega a recorrente deveria ter sido efectuada com os formalismos aplicáveis às citações pessoais, previstos nos artºs 222 e 225 do C.P.C.), causadora de nulidade, não foi esta invocada perante o juiz da causa.
Ora, é regra assente que dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
Conforme explicava Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º Vol., p. 507, «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.»
Também Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 372, afirma que «(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; - se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão.»
A parte que interveio nos autos, constituindo novo mandatário e que veio afinal arguir a nulidade da sentença por não ter decorrido ainda o prazo para reclamação do mapa da partilha, poderia e deveria ter invocado eventual nulidade consistente na não notificação (ou na notificação com preterição de formalidades essenciais) da renúncia do seu mandatário, o que não fez.
Mas diga-se ainda, que tal argumentação é incongruente e contraditória com a sua pretensão de se considerar notificada na data em que efectivamente levantou a carta remetida para sua notificação nos CTT, como é incongruente e contraditória com o teor do seu requerimento de 20/06/19 no qual expressamente refere que “Por carta registada dirigida para a sua residência e recebida em 11-06-2019, a Interessada/Requerente, anteriormente sem mandatário constituído, foi notificada do mapa de partilha e da possibilidade de reclamar do mesmo, nos termos do disposto no citado n.º 2 do art.º 1379.º do CPC (cfr. ofício do Tribunal e print do site dos CTT - docs. 1 e 2).”, mais acrescentando a seguir que “Esta situação assume contornos de inusitada gravidade, atendendo ao facto de a Interessada não ter mandatário constituído, à data, o que logo à partida justificava especiais cautelas por parte do Tribunal, que claramente não foram observadas, no sentido de assegurar à Interessada o direito a um processo justo e equitativo.”
É que, em bom rigor, alegando a A. que constituíra mandatário nos autos e que não fora notificada da sua renúncia, nos termos do artº 47 do C.P.C., tem-se por não operada a renúncia (nº2),uma vez que a declaração em causa se traduz num negócio jurídico unilateral receptício, que apenas se torna eficaz, se e quando for levada ao conhecimento do destinatário, tendo em conta os deveres deontológicos que decorrem para o advogado, resultantes do disposto nos artsº 88 e 100 do EOA.
A não ter ocorrido renúncia ao mandato, as notificações, excepto para comparência nas conferências de interessados, deveriam efectivamente ser feitas ao mandatário renunciante e não a si pessoalmente (artº 247 nº1 e 2 do C.P.C.), não podendo a recorrente invocar que não é aplicável o disposto no artº 249 do C.P.C., por ter mandatário constituído, e pretender que se deve considerar notificada na data em que levantou nos CTT a carta a si pessoalmente expedida.
De todo o modo é questão que não pode ser apreciada neste recurso, pois que, a não ter ocorrido notificação válida da renúncia ao mandato, trata-se de questão nova não invocada junto do tribunal recorrido, sendo que, a parte veio juntar procuração forense aos autos e não invocou em prazo a referida nulidade que ora vem invocar, conforme decorre do seu requerimento acima parcialmente transcrito, podendo fazê-lo.
Tal como já referido no âmbito de Ac. proferido nesta relação em 04/06/19[3], “A junção de procuração forense aos autos constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do processo e que se tem de ter como válida para início da contagem do prazo previsto no art. 199º do CPC e para arguição de nulidades relacionadas com a tramitação processual.
Acrescentamos que, a junção de procuração forense e a efectiva intervenção da requerente nos autos, sem suscitar esta questão, sanou-a definitivamente.
Sendo a regularidade da notificação expedida à R. comunicando a renúncia do mandato, questão afastada do âmbito deste recurso (tendo em conta ainda que nos termos do disposto nos artºs 32º n.º3 do CPC (anterior à Lei 41/2013) não é obrigatória a intervenção de advogado nos inventários seja qual for a sua natureza ou valor, com a excepção de se suscitarem ou discutirem questões de direito), cumpre-nos nestes autos, expedida que foi carta para notificação do mapa da partilha, pessoalmente à parte (por se ter considerado precisamente a não existência de mandatário), apreciar a questão da contagem do prazo para efeitos de se considerar que a recorrente estava ou não em prazo para deduzir reclamação ao mapa, mormente apreciando - se para ilisão da presunção contida no artº 249 nº1 do C.P.C., carece o interessado de provar apenas a data em que recebeu a notificação, não lhe sendo exigível que alegue que a dilação na entrega se deveu por causa que lhe não é imputável;
A respeito das notificações expedidas às partes que não têm mandatário constituído nos autos, quer porque não foi constituído, não sendo caso de patrocínio obrigatório, quer porque, sendo constituído, veio renunciar ao mandato, dispunha o anterior artº 255 do C.P.C. (anterior à entrada em vigor do NCPC aprovado pela lei 41/2013) que estas eram feitas no local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber, nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários.
Por sua vez, o artº 254 nº2 do C.P.C. estipulava que “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”, constituindo esta uma presunção juris tantum, que só podia ser ilidida pelo notificado “provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.” (nº4 do referido preceito legal)     
   Com a entrada em vigor do N.C.P.C. aprovado pela Lei 41/2013 (aplicável tendo em conta a data em que ocorreu a notificação e o disposto no artº 136 do N.C.P.C. (semelhante ao previsto no artº 142 do anterior C.P.C.), as notificações às partes sem mandatário constituído nos autos, são efectuadas nos termos previstos no artº 249 o qual prevê que “1.Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2 - A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.

3 - Excetua-se o réu que se haja constituído em situação de revelia absoluta, que apenas passa a ser notificado após ter praticado qualquer ato de intervenção no processo, sem prejuízo do disposto no n.º 5.
4 - Na hipótese prevista na primeira parte do número anterior, as decisões têm-se por notificadas no dia seguinte àquele em que os autos tiverem dado entrada na secretaria ou em que ocorrer o facto determinante da notificação oficiosa.
5 - As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo.”
Tendo em conta a entrada em vigor da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, publicada em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil, só a parte que não haja constituído mandatário (ou que tendo constituído, este tenha renunciado, não sendo o patrocínio obrigatório, no caso de se tratar de autor ou requerente), é notificada por carta registada, constando agora deste preceito no seu nº1 a forma de notificação e a presunção de que a notificação se operou findo o prazo nela consignado, que se encontrava estipulada no artº 254 do anterior C.P.C.
Mantém-se pois para as partes, não objecto de notificação electrónica, o regime que já vinha do disposto no D.L. 121/76 de 11/02, o qual estabeleceu a presunção de que a notificação ocorre no terceiro dia útil ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte, quando o terceiro dia recair em fim de semana ou feriado, presunção esta com natureza juris tantum, ou seja ilidível, mas incumbindo ao notificado, de forma a ilidir esta presunção, alegar e provar que a notificação ocorreu em dia posterior por razões que lhe não são imputáveis.
O teor do artº 249 do C.P.C., reflecte pois, a necessidade de consignar o regime de notificações para as partes que não constituíram mandatário, por contraponto às notificações electrónicas, mantendo-se o princípio contido no referido D.L. 121/76, mormente no que se reporta à presunção nele estabelecida e consignada expressamente neste preceito legal, tendo em conta que, de acordo com as regras gerais, existindo uma presunção juris tantum é à parte que pretende ilidir esta presunção, que cabe o ónus de alegar e provar que a notificação não ocorreu nessa data e por causa que lhe não é imputável.[4]
Com efeito, a presunção contida neste preceito, de que a notificação ocorreu no 3º dia ou no primeiro dia útil seguinte, quando o último o não for, é relevante para que o tribunal possa aferir do início de contagem de prazos processuais, não podendo este estar na mera disponibilidade das partes, sob pena de se subverter o princípio da certeza e segurança jurídicas, deixando ao critério da parte destinatária da notificação, a data em que se considere notificada, por ser esse o dia em que se disponibilizou para o levantamento da correspondência.
Acresce que não deixa de causar estranheza que num inventário por si requerido em 2005, a parte pelo menos desde 2013, pareça ter-se alheado completamente do inventário, (aliás sendo apontada pelo seu mandatário como fundamento para a renúncia ao mandato a falta de colaboração da sua constituinte), não cuidando de levantar em tempo a correspondência, ou sequer de diligenciar por informações sobre o andamento deste inventário
Acresce que, a interpretação deste preceito e do ónus de ilisão desta presunção na forma descrita, ao contrário do que invoca a recorrente, não é inconstitucional, mormente por violação dos artºs 13, 18 nº2 e 20 nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
A este respeito, invoca a recorrente que, a considerar-se o entendimento defendido na decisão sob recurso, resulta violado o princípio da igualdade e o direito a um processo justo e equitativo, condicionando este argumentado à alegada falta de notificação da renúncia ao mandato.
Afastada esta questão, sendo certo que a não ter existindo notificação da renúncia, a notificação seria feita mas ao mandatário e por via electrónica e não à parte, caso em que se não equacionaria sequer a aplicabilidade do artº 249 do C.P.C., a presunção prevista neste preceito legal e os requisitos para que se considere ilidida a referida presunção não constituem ofensa do princípio da igualdade, nem violam o direito a um processo equitativo e justo (pois que idêntica presunção existe para todas as notificações, incluindo as feitas a mandatário judicial).
Aliás, no âmbito das notificações feitas a mandatário judicial, apenas se considera violado este princípio quando exista erro ou discrepância na data certificada pelo sistema como sendo a de notificação e a data efectiva de notificação ao mandatário (decorrente da natureza electrónica do procedimento), conforme o considerou o Ac. do STJ de 24/01/18 [5] , em que no caso referido considerou que “tal privação ofenderia princípios relevantes em termos de conformação do Processo Civil, nomeadamente, o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República.”, prosseguindo o mesmo Ac. por citar igualmente o acórdão do Tribunal Constitucional nº 138/2006, de 08/03/06[6], o qual declarou “ inconstitucional, por violação do artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição, a norma do artigo 198°, n° 2, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de considerar sanada a nulidade da citação no prazo para apresentar a contestação, quando a Secretaria informa a ré, erradamente, de que não é obrigatória a constituição de advogado e esta somente reage quando é notificada da sentença condenatória.”
O princípio em causa é sempre o da confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual, conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2016, proferido no processo n.º 1185/13.2T2AVR.P1.S1 (igualmente citado no acima mencionado Ac. de 24/01/18)  “não podendo os interessados sofrer quaisquer limitações, exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem, sequer, vir a ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar».
Reportam-se estes acórdãos a informações erróneas transmitidas pela secretaria, quer quanto à data de notificação certificada via citius, quer quanto às informações transmitidas no momento da citação ou notificação, com a virtualidade de induzir em erro os seus destinatários.
No caso em apreço, remetida carta registada à interessada, para a sua morada, notificando-a para reclamar, querendo, do mapa da partilha e indicando o prazo correcto para o fazer, não existe qualquer violação do princípio da confiança ou do direito a um processo justo ou equitativo a considerar, decorrendo a não notificação da interessada no prazo previsto neste preceito, de conduta da própria parte que, deixado aviso em 29/05 e estando a carta disponível nos correios a partir do dia 30, apenas diligenciou pelo seu levantamento 11 dias depois.
Improcede assim o recurso interposto do despacho que indeferiu a reclamação do mapa de partilha por extemporânea, confirmando-se esta decisão, com custas a cargo da apelante que nele decaiu.
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Passando à apreciação do recurso do despacho determinativo da forma à partilha, alega a recorrente que a adjudicação dos bens imóveis não licitados à interessada Rita Alves, tem de estar limitada pelo seu quinhão, não sendo lícito que, em caso de interessado não licitante, lhe sejam adjudicados todos os bens não licitados, em medida muito superior ao seu quinhão, ficando onerado com valores elevados de tornas, requerendo assim que a alínea b) do art.º 1374.º do CPC deve ser interpretada no sentido em que a atribuição de bens à Recorrente tem por limite a medida do seu quinhão, ou com escasso excesso dele.
A este respeito dispõe o artº 1374 do C.P.C. (na versão anterior ao D.L. 303 /2007 de 24/08) que no preenchimento dos quinhões observar-se-ão as seguintes regras:
a) Os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante, tal como os bens doados ou legados são adjudicados ao respectivo donatário ou legatário;
b) Aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados. Não sendo isto possível, os não conferentes ou não licitantes são inteirados em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias.
O mesmo se observará em benefício dos co-herdeiros não legatários, quando alguns dos herdeiros tenham sido contemplados com legados;

c) Os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais;
d) Os créditos que sejam litigiosos ou que não estejam suficientemente comprovados e os bens que não tenham valor são distribuídos proporcionalmente pelos interessados.”
Visa este preceito a composição equitativa e igualitária dos quinhões dos herdeiros ou legatários de forma a que, se licitarem, vejam os seus quinhões compostos pelos bens licitados, salvaguardando ainda o excesso de licitação nos termos previstos no artº 1376 nº1 e 1377 nº2 do C.P.C. Não licitando, vejam os seus quinhões compostos por bens da mesma espécie e natureza dos licitados, só podendo ser inteirados em outros bens da herança no caso de não existirem bens da mesma espécie ou natureza, caso em que ainda assim têm o direito de requerer a composição do seu quinhão em dinheiro, mediante a venda dos bens necessários a atingir este desiderato.
Recorde-se que, as espécies de bens a partilhar são as previstas no artº 1345, nº 1 do CPC: os direitos de crédito, títulos de crédito, dinheiro, objectos de ouro, pratas e pedras preciosas e semelhantes, outras coisas móveis e bens imóveis.
Dentro da mesma espécie de bens móveis ou imóveis, podem coexistir bens de natureza diferente, consoante o seu critério finalístico ou funcional.
Serão bens da mesma espécie os imóveis rústicos ou urbanos, mas de natureza diferente.
No entanto, ao contrário do que refere a interessada Rita Alves, os imóveis a partilhar, constituídos por prédios e terrenos para construção, são todos eles urbanos, cfr. resulta da relação de bens de fls. 770 e segs. e do auto de avaliação efectuado aos aludidos imóveis junto a fls. 822 e segs, pelo que são, não só da mesma espécie, como da mesma natureza.
Assim, visando a partilha fazer participar todos nos interessados, na proporção das suas quotas e independentemente dos seus meios económicos, nos proveitos da herança, de forma igualitária, partilhando o bom e o mau, o mais valioso e o menos valioso ou de mais difícil rendimento, valorização ou alienação, de forma a que uns não fiquem com as suas quotas preenchidas com os bens mais “valiosos” e outros com bens de mais difícil realização.[7]
Daqui decorre que o preenchimento do quinhão do interessado não licitante, em verbas não licitadas não poderá ter lugar sempre que dele resulte uma atribuição excedente do valor do referido quinhão e, existindo preenchimento do seu quinhão, no limite da sua quota mas com verbas de natureza diferente, pode requerer a composição do seu quinhão em dinheiro.[8]
Esta faculdade concedida aos interessados não licitantes, conforme refere Capelo de Sousa[9] prevista na alínea b) do preceito acima enunciado constitui «um dique às atribuições judiciais, que, por maior margem na determinação dos bens a atribuir, não satisfaçam os partilhantes não conferentes ou não licitantes».
Assim, a medida do preenchimento do quinhão dos interessados não conferentes ou não licitantes é sempre a medida da sua quota[10], de forma a que exista uma repartição, tanto quanto possível igualitária, de bens, prevenindo-se o excesso, de forma a evitar que um dos herdeiros veja a sua quota preenchida com todos ou a maior parte dos bens, esvaziando a quota dos remanescentes e constituindo-o na obrigação de pagar tornas, por vezes de valor avultado aos demais herdeiros, com a consequência de que o interessado que não haja licitado, quer por não ter interesse nos bens, quer por não ter capacidade económica para os licitar, ver-se constituído na propriedade exclusiva destes bens, sendo que aos demais caberá apenas o equivalente monetário das suas quotas.
Não pode ser, porque viola um dos princípios fundamentas do inventário, que é o de assegurar uma repartição igualitária de bens na medida das quotas de cada herdeiro, constituindo ainda uma flagrante desigualdade entre os herdeiros, penitenciando aqueles com menor capacidade económica.
Acresce que a existirem mais bens dos que os necessários para o preenchimento igualitário destes quinhões, ainda assim prevê a alínea c) deste preceito, a formação de lotes que serão repartidos à sorte por todos os herdeiros, na proporção das respectivas quotas.
Não sendo possível a formação de lotes, por não existirem bens em excesso que o permitam, terá de se proceder à alienação do bem excedente, na ausência de acordo dos interessados na sua adjudicação em comum ou a um dos interessados[11], com repartição do montante assim obtido.
Neste circunspecto seguimos a posição referida no Ac. do 17/05/16, (proc. n.º 2519/06.0TBSTS.P1) no sentido de só com o acordo dos interessados se poder proceder à adjudicação dos bens em comum na proporção das quotas, uma vez que, destinando-se o processo de inventário à efectiva partilha dos bens deixados por óbito do de cujus, a constituição de compropriedade não serve este desiderato, transpondo para o futuro (mediante a divisão de coisa comum) o que não se conseguiu resolver nestes autos.
Este princípio da repartição igualitária que perpassa pelo inventário e preside à sua finalidade de efectiva partilha de bens, resulta ainda do disposto no artº 1376 do C.P.C., devendo a secretaria, na organização do mapa da partilha e em caso de bens licitados em excesso, informar do referido excesso.
Nesse caso, existindo bens licitados que excedam o valor da quota do licitante, prevê ainda o artº 1377 nº2 do C.P.C. que “a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.”, prosseguindo o nº3 por dispor que, nesse caso, o “licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e será notificado para exercer esse direito, nos termos aplicáveis do n.º 2 do artigo anterior.”, dispondo-se ainda no seu nº 4 que, no caso de não existir acordo, o juiz decide
“por forma a conseguir o maior equilíbrio dos lotes, podendo mandar proceder a sorteio ou autorizar a adjudicação em comum na proporção que indicar.”

Destes preceitos, resulta que o despacho determinativo da forma da partilha, ao atribuir todas as verbas não licitadas à interessada Rita Alves, constituindo-a em devedora de avultadas tornas, em especial ao cabeça-de-casal, viola o princípio da repartição igualitária de bens e viola ainda o disposto no artº 1374 alinea b).
Pelo exposto e porque nenhum dos interessados manifestou nos autos interesse na adjudicação em comum dos bens não licitados, requerendo pelo contrário o cabeça-de-casal a sua venda, acordam os juízes que compõem este tribunal da relação em revogar o despacho determinativo da partilha, devendo no preenchimento dos quinhões de cada interessado, observar-se a regra de repartição igualitária dos bens não licitados, com o limite da respectiva quota e, se tal não for possível e não acordarem os interessados na sua adjudicação em comum e na proporção da respectiva quota, proceder à sua venda judicial, sendo os quinhões dos interessados não licitantes compostos em dinheiro.  
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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em:
Julgar improcedente a apelação interposta do despacho que não admitiu a reclamação contra o mapa da partilha pela interessada Rita Alves.
Custas pela apelante que se fixa em 1 UC. (artº 527 nº1 do C.P.C. e 7 do RCP)
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Julgar procedente a apelação interposta do despacho determinativo da forma à partilha, revogando este despacho, devendo no preenchimento dos quinhões de cada interessado, observar-se a regra de repartição igualitária dos bens não licitados, com o limite da respectiva quota, e se tal não for possível e não acordarem os interessados na sua adjudicação em comum e na proporção da respectiva quota, proceder à venda judicial dos bens em excesso, sendo os quinhões dos interessados não licitantes compostos em dinheiro. 
Em consequência, anular os demais actos praticados, mormente o mapa de partilha e a sentença que a homologou.
Custas pelos demais interessados na proporção dos respectivos quinhões. (artº 527 nº1 e 2 do C.P.C.)

Lisboa 05/12/19
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A.A. Carvalho
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Proferido no processo nº 500/04.3YYLSB-C.L1-7, disponível in www.dgsi.pt
[4] Neste sentido vidé Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Còdigo de Processo Civil Anotado, 4ª edição, págs. 501; vidé ainda Acs. do S.T.J. de 25.01.2012, proferido no processo n.º 1432/05.3TTPRT.S2; do TRC de 09/04/08, proferido no processo n.º 206/06.9TACDN-A.C1 e de 12/07/17 proferido no processo n.º 32/17.0T8SEI-C.C1, do TRL de 09.6.2014, proferido no processo 2085/13.3TBBRR-A.L1-6, do TRE. de 22.9.2016, proferido no processo 571/11.6TBSSB-C.E1., todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt
[5] Proferido no Proc. nº 28602/15.3T8LSB.L1-A.S2, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[6] Disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060183.html.
[7] Conforme refere Lopes Cardoso, in partilhas Judiciais, 1990, 4º Ed., Vol II, pág.s 468«A partilha supõe igualdade e é mister fazer quinhoar todos e cada um dos bens no bom e no mau e evitar que uns, mercê de mais avultados meios de fortuna, possam, através de licitações em que se apropriaram dos melhores valores da herança, relegar aos demais co-herdeiros aqueles bens de difícil realização, susceptíveis de litígio ou sem rendimento»
[8] Ac. do TRG de 16/11/17, proferido no Proc. nº 385/08.0TBEPS.G1, disponível para consulta in www.dgsi.pt;
[9] Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 3.ª edição renovada, reimpressão, 2012, p. 167
[10]Neste sentido vidé Ac. do TRC de 08/04/08, proferido no Proc. nº 30/06.9TBOFR.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt;
[11]Conforme se refere em sumário ao Ac. do STJ de 17-05-2016, processo 2862/08.4TBMTS.P1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, in www.dgsi.pt, “II - Só será legítimo partilhar bens por via da adjudicação em comum de verbas aos interessados, no processo de composição de quinhões, desde que ocorra acordo dos interessados, com expressa manifestação de vontade nesse sentido, sob pena de se aceitar, por iniciativa do juiz, uma imposição de compropriedade que contraria a finalidade do processo de inventário e o regime do art. 1412º do CC.(…)
IV - Não prevendo a lei que a propriedade possa ser constituída por declaração do juiz, não pode este – na falta de acordo dos interessados – compor quinhões hereditários adjudicando em comum bens indivisíveis.”;

-vidé ainda no mesmo sentido, os Acs. do STJ de 05/05/11, relator Moreira Camilo, proc. nº 319/07.0TBAMT.P1.S1; Ac. do STJ de 17-11-2011, relator Orlando Afonso, Revista n.º 156/1995.G1.S1; Ac. do TRG, de 31-05-2006, proc. n.º 668/06-2;
- em sentido contrário vidé Lopes Cardoso, ob. citada, págs. 466; Acs. do TRP de 17/11/12, proc. n.º 2519/06.0TBSTS.P1e Ac. do TRC de 15-01-2013, proc. n.º 1927/08.7TBVIS.C1 e do TRG de 05/01/17, proc. nº 1931/11.8TBVCT.G1, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt