Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2481/17.4T8BRR.L1-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não é a situação sócio-económica desfavorecida que há-de impedir o direito dos pais de manterem e educarem os seus filhos, em conformidade com as suas posses e condição social.
2. Não se pode, no entanto, perder de vista o superior interesse das crianças na satisfação das suas necessidades elementares, numa perspectiva de bem-estar e de um crescimento e desenvolvimento harmonioso e integral, nos planos cognitivo, afectivo ou volitivo
3. Esse superior interesse das crianças implica a assumpção consciente e séria das responsabilidades parentais, no sentido de esperar dos pais os comportamentos e atitudes que lhes sejam razoavelmente exigíveis em função das suas condições económico-sociais e do seu nível cultural.
4. Verificando-se que a frateria de 5 irmãos se encontra institucionalizada há já 3 anos e meio, sem que os pais tenham nesse espaço temporal manifestado competências parentais susceptíveis de levarem à sua desistitucionalização, antes se tendo apurado inexistir qualquer apoio familiar, manter a mãe com o pai dos menores um relacionamento muito instável com sucessivas aproximações e afastamentos, não denotando este o mínimo interesse pelas crianças e sendo a mãe detentora de uma personalidade instável, tendo nitidamente, no âmbito das suas prioridades, priorizado o seu relacionamento anacrónico com o pai dos menores em detrimento do investimento que deveria ter realizado no sentido da criação de condições para acolher os seus filhos, mostra-se adequada a aplicação da medida de confiança das crianças a instituição com vista a futura adopção, por ser a que se revela passível de melhor salvaguardar o seu superior interesse. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:         
                                                                      
I – Relatório
O Ministério Público instaurou processo de promoção e protecção a favor das crianças:
- AAA, nascida em 16 de Outubro de 2010, em Palmeia, filha de FFF e de GGG, acolhida no ...;
- BBB, nascido em 3 de Outubro de 2011, no Montijo, filho de FFF e de GGG, acolhido no ...;
- CCC, nascido em 22 de Março de 2013, no Montijo, filho de FFF e de GGG, acolhido no ...;
- DDD, nascida em 19 de Setembro de 2014, no Montijo, filha de FFF e de GGG, acolhida no ...; e
- EEE, nascida em 27 de Dezembro de 2016, no Montijo, filha de FFF e de GGG, acolhida no ...,
com base na falta de condições por parte dos progenitores para assumirem os cuidados destas crianças, as quais foram acolhidas na sequência de acordo de promoção e protecção, não assumindo ainda os progenitores alternativa para receber e cuidar dos filhos e não existindo família alargada que o possa fazer, promovendo agora novamente a substituição da medida por confiança judicial com vista a futura adopção.
Não tendo sido possível a obtenção de solução negociada de substituição da medida de promoção e protecção, foram notificados o Ministério Público e os progenitores das crianças para a apresentação de alegações, o que apenas foi realizado pelo Ministério Público e pelo defensor das crianças.
Procedeu-se a debate judicial, o qual decorreu com integral observância das legais formalidades que disciplinam o acto.
Foi proferido acórdão onde se veio a decidir:
«Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo aplicar aos menores AAA, nascida em 16 de Outubro de 2010, BBB, nascido em 3 de Outubro de 2011, CCC, nascido em 22 de Março de 2013, DDD, nascida em 19 de Setembro de 2014 e EEE, todos filhos de FFF e de GGG, a medida de confiança judicial com vista a futura adopção (artigo 35.°, n.° 1, alínea g), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
Com a presente decisão, os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos (artigo 1978.°-A do Código Civil).
A medida agora aplicada dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão (artigos 38.°-A, alínea b) e 62.°-A, ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).
*
Ficam nomeadas como curadoras provisórias dos menores AAA e BBB a directora técnica da casa residencial onde estes se encontram acolhidos (...) e dos menores CCC, DDD e EEE a directora técnica da casa residencial onde estes se encontram acolhidos (Casa de Acolhimento ...) (artigos 62.°-A, n.os 3 a 5 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), ficando excluídas as visitas por parte da família biológica após o trânsito da presente decisão (citado artigo, n.° 6).
(…).»
Inconformados com tal decisão, vieram os progenitores dos menores apresentar recursos autónomos.
Nas suas alegações de recurso, o progenitor FFF, apresentou as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls… dos autos, proferido pelo Juiz 1- Juízo de Família e Menores do Barreiro, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com intervenção de um Juiz e dois Juízes Sociais, no âmbito do Processo de Promoção e Protecção n.º 2481/17.4T8BRR que, nos termos da fundamentação nele constante, decidiu aplicar aos menores AAA, BBB, CCC, DDD e EEE, a medida de confiança judicial com vista a futura adopção, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 1, al. g) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e, determinando ainda que, com a presente decisão, ficam os progenitores inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos ( art.º 1978.º-A do Código Civil).
II. O presente acórdão recorrido foi proferido na sequência da instauração do processo de promoção e protecção a favor das mencionadas crianças, com base “na falta de condições por parte dos progenitores para assumir os cuidados destas crianças, as quais foram acolhidas na sequência de acordo de promoção e protecção, não assumindo ainda aos progenitores alternativa para receber e cuidar dos filhos e não existindo família alargada que o possa fazer, promovendo agora novamente a substituição da medida por confiança judicial com vista a futura adopção.”
III. Tendo, em face dos factos dados como provados, e da respectiva motivação, vindo o douto tribunal a quo a considerar que o superior interesse dos cinco menores “impõe que se encontre”, “… exclusividade” e “os laços afectivos permanentes que o seu desenvolvimento e idades reclamam”, o que vem a entender que “apenas pode ser alcançado através de famílias substitutivas da sua família biológica, ou seja, através do instituto da adopção.”
IV. Salvo mui douta e melhor opinião, o recorrente entende existir matéria de facto que se encontra incorrectamente julgada, em face da prova realizada em sede de debate judicial, impondo, assim, decisão diversa da recorrida.
V. Mormente nos seus pontos 31, 32 e 35.
VI. Tais factos, de acordo com o douto acórdão, resultaram provados em face do conteúdo dos relatórios sociais e de acompanhamento de fls. 744 a 787 e 846 a 848, 923 a 941 e 1055 a 1092, complementada pelo depoimento das testemunhas HH... ( técnica da equipa técnica multidisciplinar da Segurança Social), II... ( técnica de serviço social na Associação …), JJ...(directora do ...) e LL... (psicóloga da …).
VII. Não podemos assim, quer pelos escassos indícios sobre a actual situação do pai, aqui recorrente, quer pela actual conjuntura pandémica, considerar que o pai não terá “encetado qualquer esforço no sentido de manter os convívios com os filhos…”- vide pontos 31 e 32 da matéria de facto provada.
VIII. E que não tenha reorganizado a sua vida para os ter consigo - vide ponto 32 da matéria de facto provada.
IX. Os poucos contactos do pai, existindo, mostram-se mais prementes numa fase pandémica, com as restrições que todos conhecemos, não sendo assim manifesto o desinteresse deste.
X. Ora, ainda se admitindo que pudesse não estar ainda dominada a situação de risco em que se encontravam os menores, resulta dos relatórios e depoimentos revelados nos autos, que a execução de actos materiais atinentes às entidades envolvidas poderão não ter sido de molde a esgotar e privilegiar os contactos com os menores e os seus progenitores, sensibilizando-os para o papel mais adjuvante da sua intervenção, mais do que controlador, por forma a levá-los a aderir ao projecto global traçado.
XI. Nesta senda, entende-se que a institucionalização se deveria manter ainda com carácter temporário, por forma poder atender tais interesses e direitos das crianças.
XII. Mostrando-se ainda ser a única necessária e adequada à situação e perigo em que se encontram no momento da decisão.
XIII. Nesta senda, somos de crer, que sobre as questões de facto impugnadas, deveria ser proferida diversa decisão, no sentido de ser mantido o acolhimento residencial por mais seis meses, prevendo obrigações para os serviços técnicos de acompanhamento e para os pais, que reforcem e melhor possam dotar os progenitores em vista a uma futura medida na comunidade, auscultando e desbloqueando de forma cabal as dificuldades na compreensão, porque estas se parecem verificar, sobre as necessidades dos seus filhos.
XIV. Mostrando-se, assim, a medida de confiança judicial com vista a futura adopção, ora aplicada, excessiva e desproporcional, em face dos princípios orientadores da intervenção, previstos no art.º 4.º da Lei n.º 147/99, de 01/09, mormente o interesse superior das crianças, e os princípios basilares da intervenção mínima, da proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família.
Nestes termos, e nos mais de Direito, e porque se entende que a aplicação de uma medida que ainda permita uma derradeira providência, em que seja mantida a medida de acolhimento residencial destes menores, com reforço da intervenção junto dos pais, continuará a servir as finalidades das Medidas de Promoção e Protecção, revogando-se a medida de confiança judicial com vista a futura adopção, nos termos do art.º 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP dos seus 5 filhos menores, e melhor identificados supra, com a decorrência desta decisão que os progenitores, in casu o aqui recorrido, ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos mesmos (art.º 1978.º-A do CC), porquanto medida de última ratio, determinada no douto acórdão, assim protegendo e salvaguardando o desenvolvimento integral dos menores, e o seu superior interesse, nos termos do art.º 35.º, n.º 1, al. f) da Lei n.º 147/99, de 01/09, pelo que, assim fará este Venerando Tribunal a devida JUSTIÇA que se pede e espera!» 
Por sua vez, a progenitora GGG, nas suas alegações de recurso, apresentou as seguintes conclusões:
«I. Requerida pelo Ministério Público a instauração de processo judicial de promoção e protecção a favor dos menores AAA, BBB, CCC, DDD e EEE, foi determinado, por decisão proferida em 31.07.2017, fls (…), a medida provisória de acolhimento, pelo período de um ano, com base na falta de condições por parte dos progenitores para assumir os cuidados destas crianças, não assumindo os mesmos alternativas para receber e cuidar dos filhos, nem existindo família alargada que o possa fazer, medida que foi objecto de revisão, tendo por sentença proferida em 24.11.2020, sido decretada a medida de confiança judicial com vista a futura adopção (artigo 35.º n.º 1 alínea g) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, e inibição do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978.º - A do Código Civil).
II. O douto Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na factualidade provada da qual resulta que os “(…) progenitores continuam a revelar ainda alguma dificuldade em compreenderem as necessidades básicas dos seus filhos, não reuniram a necessária capacidade para desemprenhar as responsabilidades parentais, nomeadamente garantindo as condições habitacionais, económicas e de estabilidade que são exigidas a uma frataria tão extensa (…)”, pelo que, o “(…) prolongamento da estadia destas crianças mais tempo nas casas de acolhimento residencial é manifestamente contrários aos seus interesses, pois, deste modo, podem perder a oportunidade de viver numa casa durante a sua infância ou de dispor de figuras parentais protetoras e dedicadas durante os seus primeiros anos de vida. (…)”, o que no entendimento do douto Tribunal a quo “(…) apenas pode ser alcançado através de famílias substitutivas da sua família biológica, ou seja, através do instituto da adopção. (…)”.
III. Ora, salvo o devido respeito pelas decisões judiciais, não se conforma a recorrente com a presente decisão, existindo, no seu entendimento, matéria factual que foi indevidamente apreciada pelo doutro Tribunal a quo, impondo-se a revogação da medida aplicada, acautelando-se assim os superiores interesses dos menores.
IV. A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, assentou na análise critica e conjugada de toda a prova produzida ou examinada no debate judicial, nomeadamente, e com interesse específico para a presente causa, os factos 31.º a 35.º que resultam do conteúdo dos relatórios sociais e de acompanhamento de fls, 744 a 787 e 846 a 848, 923 a 941 e 1055 a 1092, complementada pelo depoimento das testemunhas HH... (técnica da equipa técnica multidisciplinar da segurança social), II... (técnica de serviço social na Associação …), JJ...(directora do ...) e LL… (psicóloga no …), de onde resulta, no essencial, que o progenitor se demitiu dos filhos e que a progenitora gosta dos filhos mas não faz mudanças concretas e consistentes e tem dificuldades em manifestar a sua autoridade, o que poderá comprometer as suas competências parentais, tal como resulta do relatório de avaliação pericial (factos 29.º e 30.º a fls 914 a 917 verso do referido relatório pericial).
V. Analisada a prova produzida no debate judicial, mormente os depoimentos das testemunhas, resulta, na nossa modesta opinião, uma conclusão distinta da proferida pelo douto Tribunal a quo.
VI. É facto assente que as crianças se encontram acolhidas desde 01.08.2017, ou seja, há cerca três anos e três meses, a AAA e o BBB no ..., o CCC a DDD e a EEE no ....
VII. Importa aqui referir, que o ano de 2020 foi marcado pela pandemia provocada pelo vírus Covid 19, o que deixou muitas famílias com a vida em suspenso, e muitas em situação de desespero económico, social e profissional. Se é verdade que o tempo dos adultos não é o tempo das crianças, não podemos negar que o País e o Mundo atravessam uma situação atípica que deveria de ter sido levada em consideração pelo douto Tribunal a quo.
VIII. Aqui chegados, refere a decisão ora em apreço que “a progenitora gosta dos filhos, mas não faz mudanças concretas e consistentes”, e que “(…) este agregado familiar já beneficiou de todos os apoios possíveis por parte do Estado com vista a reorganizar a sua vida (…).”.
IX. Destacamos aqui os depoimentos da Dr.ª JJ...e Dr.ª HH… que revelam que desde o inicio deste processo que os progenitores mostraram interesse em resolver as questões que levaram ao afastamento destas crianças, encetando mudanças e esforços nesse sentido, não obstante, desde o final do segundo semestre que a progenitora ficou sozinha a batalhar, sem o apoio da familiar paterna dos menores, para a melhoria das suas condições de vida de modo a proporcionar um lar para os seus filhos, o que aconteceu já durante o ano de 2020 e apesar de todos os condicionalismos provocados pela actual situação de pandemia, admitindo a Dr.ª HH… que o do plano de intervenção há coisas que se concretizaram … acho que estão a acontecer tardiamente.
X. Facto inabalável, é que, na verdade, embora tardiamente, e em panorama de pandemia, a aqui recorrente encetou todos os esforços em se autonomizar recorrendo ao apoio habitacional junto de diversas instituições não tendo obtido ainda qualquer resposta, existindo aqui uma contradição factual, e desatualizada, com o ponto 34 da matéria de facto dada como provada, não tendo esta situação sido acompanhada, nem intervencionada pelos serviços técnicos, desconhecendo-se se existe, face a estes desenvolvimentos, uma possibilidade séria de melhoria das suas condições habitacionais para receber os seus filhos.
XI. Também dos depoimentos prestados em sede de debate judicial, facto indiscutível é o laço afetivo existente entre a progenitora e as cinco crianças, o que nos leva a concluir que separar esta família não é uma solução que visa o bem-estar e o superior interesse dos menores, sendo certo que, o próprio relatório da perícia médico legal realizado à progenitora conclui que “fora dos constrangimentos económicos e materiais, e se apoiada por supervisão psicossocial dos serviços, teria provavelmente capacidade de autonomia psicológica para assumir sózinha os cuidados aos menores.”
XII. A medida de confiança com vista a futura adopção exige que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, nomeadamente se os pais tiverem abandonado a criança ou se, por acção ou por omissão, puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do filho, ou sendo este acolhido por particular ou instituição, tiverem revelado manifesto desinteresse pelo mesmo, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (artigos 38.º - A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e 1978.º do Código Civil).
XIII. A decisão de institucionalização com vista a adopção tem que surgir como recurso único e último, depois de esgotadas todas as hipóteses previstas no artigo 35.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, o que não se verifica na situação em apreço, na medida em que, não demonstra a decisão do douto Tribunal a quo a inviabilização de alternativas válidas e eficazes.
XIV. As crianças não se encontram em situação de perigo, estão estáveis e integradas nas respetivas instituições onde estão acolhidas, sendo certo que, a aplicação da medida provisória de acolhimento não resultou da existência de um perigo grave para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento das mesmas, apenas a falta de condições de habitabilidade por constrangimentos económicos dos progenitores.
XV. Não estão verificadas as condições previstas no artigo 1978.º n.º 1 do Código Civil, sendo que a aplicação da medida promovida pelo acórdão ora recorrido não respeita o superior interesse dos menores, na medida em que prevê uma eventual entrega a pessoa/pessoas que ainda não foram determinadas concretamente e com as quais não possuem qualquer vínculo afectivo, nem se encontram esgotadas todas as alternativas, resultando dos elementos juntos aos autos e dos depoimentos prestados em sede de debate judicial, e face à actual situação pandémica, que não se pode ignorar, que o progresso encetado pela progenitora em se autonomizar e obter uma habitação condigna, com o auxílio do Estado, que, ao abrigo do princípio consagrado no artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa, tem o dever de protecção da maternidade e paternidade, não foi levado em consideração na decisão tomada pelo douto Tribunal a quo.
XVI. Deveria o douto Tribunal a quo ter tomado uma decisão diversa da aplicada que visa a separação destas crianças da progenitora com quem partilham laços fortes de afectividade, e futuramente, quem sabe, a separação destes cincos irmão em famílias diversas, quebrando-se igualmente e irreversivelmente as ligações afectivas entre os mesmos, nomeadamente a prorrogação da medida provisória de acolhimento, reforçando-se o acompanhamento da progenitora pelos serviços técnicos, designadamente pelo Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, tal como sugerido no relatório da perícia médico legal realizado à progenitora.
XVII. A medida aplicada de confiança judicial com vista a futura adopção, é excessiva desrespeitando os princípios de proporcionalidade e necessidade e ainda de actualidade e da adequação, nem respeitou, como devia, o superior interesse das crianças, da responsabilidade parental e da prevalência da família.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve o presente recuso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser o acórdão recorrido revogado, aplicando-se uma medida que melhor salvaguarde o superior interesse destes menores. FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA»
O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:
«- A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não violou nem interpretou incorrectamente qualquer norma ou princípio jurídico, designadamente os princípios do superior interesse das crianças, intervenção mínima, proporcionalidade, actualidade, responsabilidade parental e prevalência da família proporcionalidade e actualidade;
- A prova produzida nos autos (testemunhal, documental e pericial) torna evidente que o regresso dos menores para junto da família/qualquer dos progenitores se mostra inviabilizado, por incompatível com o seu tempo e superior interesse, e que o único projecto de vida para os menores terá de passar pela medida de confiança a instituição com vista a adopção;
- Não poderá esquecer-se que a derradeira oportunidade que parece ser agora requerida pelos progenitores foi já concedida aquando do acórdão datado de 20/05/2019, sem que, volvido mais de um ano, a situação dos progenitores se tenha alterado, de modo pelo menos suficiente para que pudessem ser percepcionados como uma alternativa viável para o projecto de vida dos filhos, conforme todos os intervenientes (incluindo os próprios progenitores) parecem unânimes em reconhecer;
- A perpetuação do acolhimento residencial das crianças é situação contrária ao seu interesse e direito a poder ter um desenvolvimento harmonioso no seio de uma família;
- A medida de promoção que se adequa à situação dos menores e que permite a remoção da situação de perigo a que estão expostos, é, pois, a confiança a instituição com vista à adopção, não se compadecendo com mais adiamentos ou suspensão do seu futuro, que apenas poderá ser alcançado no seio de famílias substitutivas da sua família biológica, isto é, através do instituto da adopção, nos termos dos artigos 35º, nº 1, alínea g), 38ºA, alínea b), 62º, nº3, alínea b), da LPCJP e 1978º, nºs 1, alínea d), 2 e 3 do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá ser julgado improcedente o recurso.»
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo presente que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, no âmbito dos 2 (dois) recursos é impugnada parte da matéria de facto, sendo que em ambos se entende que a decisão deveria ser revogada e substituída por outra que mantenha a medida de acolhimento residencial destes menores, com reforço da intervenção junto dos pais.
III – FUNDAMENTOS
1. De facto
No acórdão deram-se como provados os seguintes factos:
1) - A AAA nasceu em 16 de Outubro de 2010, na freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmeia, e é filha de FFF e de GGG (documento de fls. 869 e 870).
2) - O BBB nasceu em 3 de Outubro de 2011, na freguesia e concelho do Montijo, e é filho de FFF e de GGG (documento de fls. 871 e 872).
3) - O CCC nasceu em 22 de Março de 2013, na freguesia e concelho do Montijo, e é filho de FFF e de GGG (documento de fls. 873 e 874).
4) - A DDD nasceu em 19 de Setembro de 2014, na freguesia do Montijo e Afonsoeiro, concelho do Montijo, e é filha de FFF e de GGG (documento de fls. 875 e 876).
5) - A EEE nasceu em 27 de Novembro de 2016, na freguesia de Sarilhos Grandes, concelho do Montijo, e é filha de FFF e de GGG (documento de fls. 877 e 878).
6) - Aquando da sinalização, as crianças viviam com os pais e a avó paterna (…) e um tio numa habitação arrendada constituída por uma casa térrea, com dois quartos, sala, uma divisão utilizada como quarto, cozinha, casa de banho e um pequeno quintal.
7) - A casa não apresentava condições de habitabilidade, arrumação e limpeza, sendo evidenciada em visita domiciliária uma total desorganização, sendo dotada de electricidade mas estando com a água cortada há algumas semanas por iniciativa do senhorio e com base na falta de pagamento das rendas (no valor mensal de duzentos e setenta euros).
8) - Durante a visita domiciliária, não foi dada qualquer explicação congruente sobre os locais onde dormiam as crianças.
9) - O progenitor exercia actividade profissional irregular (biscates) numa oficina auferindo uma remuneração mensal de cerca de oitocentos euros e a progenitora estava desempregada, recebendo o agregado familiar prestações familiares no valor de trezentos e oitenta e seis euros e um apoio do avô materno no valor de cem euros.
10) - A avó materna exercia actividade como auxiliar de limpeza e o tio trabalhava na construção civil, não se conseguindo apurar os rendimentos destes.
11) - As crianças não estavam integradas em qualquer estabelecimento de infância efectuando as refeições principais na cantina social, com excepção do pequeno-almoço e dos lanches, evidenciando problemas ao nível dos cuidados de higiene (unhas e cabelos).
12) - Apresentavam atrasos no desenvolvimento, nomeadamente ao nível da linguagem e não se verificava uma contribuição equilibrada para as despesas de gestão doméstica e rotinas dos filhos, sendo o progenitor completamente ausente destas rotinas ou pouco inteirado das necessidades de cada um, não sabendo identificar as datas de nascimento e as idades dos filhos.
13) - O pai assumia que delegava essas funções na mãe a qual se encontrava sobrecarregada em gerir as necessidades dos filhos, assumindo encontrar-se desgastada e pouco apoiada pelo companheiro e pela avó paterna, sabendo identificar as necessidades dos filhos e evidenciando afecto relativamente a estes, os quais também demonstravam o seu afecto relativamente à progenitora.
14) - Por decisão proferida em 31/07/2017, foi homologado acordo de promoção e protecção relativo aos menores, sendo aplicada a favor dos menores AAA e BBB medida de acolhimento residencial, pelo período de um ano, na Casa de Acolhimento “…”, e aos menores CCC, DDD e EEE na Casa de Acolhimento Residencial “...”, sendo esta revista semestralmente mediante o acompanhamento da equipa técnica multidisciplinar de apoio ao tribunal (fls. 576 a 580 e 583 e 584).
15) - No referido acordo, ficaram fixadas as seguintes obrigações para os progenitores (fls. 576 a 580 e 583 e 584):
- Manter contactos e visitas às crianças de acordo com os horários e regras das casas de acolhimento;
- Manter contactos telefónicos com as equipas técnicas no sentido de estarem inteirados das rotinas dos filhos e das suas necessidades;
- Reorganizarem a sua condição de vida no que concerne à situação económica, habitacional e social no sentido de criarem condições adequadas a um eventual retorno das crianças ao meio familiar;
- Recorrer aos serviços sociais da comunidade no sentido de solicitarem os apoios necessários para que possam reorganizar a sua condição de vida;
- Caso a progenitora pretenda autonomizar-se, deverá solicitar apoio junto dos serviços sociais e da técnica da equipa técnica multidisciplinar.
16) - Foram também fixadas as seguintes obrigações para as casas de acolhimento (fls. 576 a 580 e 583 e 584):
- Proporcionarem a estabilidade e as condicções essenciais para o bem-estar das crianças;
- Prestarem os cuidados básicos de saúde, higiene e alimentação;
- Providenciarem pelo acompanhamento em consultas de saúde infantil, vacinação e consultas de especialidade consoante as necessidades;
- Garantirem a frequência em estabelecimento de infância adequados às idades das crianças no sentido de promover uma maior estimulação, contactos com outras crianças e desenvolvimento das competências pessoais e sociais;
- Articularem em proximidade com a família, avaliando a periodicidade e qualidade dos contactos e visitas dos pais e familiares de especial relevância às crianças no contexto residencial.
17) - Por decisão proferida em 09/05/2018, a medida de promoção e protecção aplicada a favor da AAA, BBB, CCC, DDD e da EEE foi mantida mediante o cumprimento das obrigações estabelecidas no plano de intervenção apresentado pela segurança social (fls. 628 a 838 e 645 e 646).
18) - Por decisão proferida em 10/08/2018, a medida de promoção e protecção aplicada a favor da AAA, BBB, CCC, DDD e da EEE foi prorrogada por mais seis meses, determinando-se ainda a suspensão das visitas durante os fins-de-semana e férias (fls. 666 a 669 e 676 e 677).
19) - Por despacho proferido em 17/10/2018, foram retomadas as visitas em meio familiar das crianças junto dos pais (fls. 733).
20) - Aquando da última decisão de prorrogação da medida, os progenitores viviam num apartamento suportando uma renda mensal de quinhentos e cinquenta euros, sendo o pagamento suportado pelos pais e a avó paterna das crianças.
21) - O agregado familiar era também constituído pelo tio paterno, com dezoito anos de idade, dispondo o apartamento de três quartos, sala, cozinha e duas casas de banho, e não dispondo de frigorífico.
22) - A progenitora exercia actividade profissional numa fábrica de enchidos, no Montijo, efectuando um horário nos dias úteis entre as 8 horas e as 16 horas e 30 minutos.
23) - É a progenitora a única que continua a comparecer nas sessões do CAFAP ….
24) - O progenitor apenas efectuou três ou quatro visitas aos filhos nas casas de acolhimento.
25) - A progenitora efectua regularmente essas visitas, existindo afectividade entre esta e os filhos.
26) - Por acórdão proferido em 20/05/2019, foi prorrogada a medida de acolhimento residencial a favor das crianças, com as seguintes obrigações para as instituições acolhedoras (… e …) (fls. 881 a 893):
- Proporcionarem, estimularem e acompanharem o desenvolvimento das crianças aos seus cuidados, proporcionando-lhes que cresçam num ambiente de tranquilidade emocional e afectiva;
- Acompanharem o percurso escolar das crianças bem como assegurar as condições necessárias à sua educação;
- Cumprirem o acompanhamento das crianças às consultas médicas, de modo a assegurar-lhes uma adequada e efectiva vigilância médica;
- Assegurarem os contactos pessoais das crianças com os progenitores e com outras pessoas com quem aquelas tenham relações afectivas, com uma regularidade mínima semanal, prestando ainda as informações que lhes sejam solicitadas pelos pais das crianças;
- Avaliarem os contactos pessoais das crianças com os progenitores durante as visitas presenciais efectuadas, designadamente o relacionamento afectivo e a adequação dos cuidados prestados por forma a poder aferir se são desenvolvidos os vínculos afectivos e os cuidados próprios da filiação;
- Fornecerem à equipa técnica multidiscipiinar da segurança social os elementos necessários para a avaliação trimestral e final desta medida, incluindo expressamente as informações pertinentes e necessárias em função das obrigações estabelecidas;
- Informarem a segurança social e o tribunal de qualquer alteração relevante na vida das crianças confiadas aos seus cuidados;
27) - Na mesma decisão, foram ainda estabelecidas as seguintes obrigações para os pais:
- Obterem ou garantirem as condições habitacionais para ter os filhos consigo, devendo a habitação dispor, pelo menos, de um quarto para o casal ou para os elementos adultos e um quarto para as raparigas (AAA, DDD e EEE) e um quarto para os rapazes (BBB e CCC);
- Garantirem as condições de habitabilidade, higiene e organização da habitação;
- Garantirem a obtenção de meios de subsistência, quer através do exercício de actividade laborai, quer através da obtenção de apoios sociais em caso de desemprego ou motivo semelhante;
- Caso se perspective a possibilidade de regresso dos filhos ao agregado familiar, providenciarem pela inscrição destes em estabelecimento de ensino ou de educação pré- escolar, garantindo a sua frequência com assiduidade e pontualidade;
- Efectuarem as visitas regulares aos filhos ou contactarem regularmente com as instituições onde estes se mostrem acolhidos;
- Submeterem-se à avaliação psicológica determinada pelo tribunal e colaborarem com os técnicos e com as demais entidades envolvidas;
- Cumprirem em conjunto as obrigações decorrentes do plano de intervenção da medida de promoção e protecção, sem prejuízo da iniciativa de qualquer um deles em resolver assumir um projecto autónomo relativamente aos filhos;
- Informarem a segurança social e o tribunal de qualquer alteração relevante no processo educativo ou de desenvolvimento dos filhos ou do seu agregado familiar.
28) - E foram estabelecidas as seguintes obrigações para a equipa técnica multidisciplinar da segurança social:
- Assegurar o acompanhamento da medida, articulando o cumprimento da mesma com o ..., a Casa de Acolhimento ... e outras entidades que possam ter intervenção no âmbito do projecto de vida destas crianças;
- Prestar aos progenitores o apoio necessário para o cumprimento da medida ou efectuar o seu encaminhamento para a entidade competente;
- Prestar aos progenitores o apoio necessário e eventual encaminhamento para a realização da avaliação psicológica, caso sejam evidenciadas dificuldades que o justifiquem.
29) - No âmbito do relatório da perícia médico legal realizado à progenitora, este concluiu que esta não sofre de qualquer patologia, manifestando condições psicológicas para ter consigo os filhos e não apresentando qualquer limitação na capacidade de compreensão e integração de regras e normas sociais ou perturbações ao nível da personalidade, apresentando como pontos fortes, variáveis afectivas, cognitivas e sociais relacionadas com a capacidade para estabelecer relações adequadas no cuidado a menores, nomeadamente flexibilidade, altruísmo, empatia e equilíbrio emocional, apresentando como pontos fracos, défices nalgumas daquelas variáveis, tais como assertividade, autoridade pessoal, independência, autoestima e capacidade para resolver problemas tomando decisões acertadas em função do planeamento, possuindo capacidade para reconhecer as necessidades dos filhos, embora a capacidade de as satisfazer esteja condicionada por diminuição de componentes como assertividade, autoridade pessoal, independência e resolução de problemas, evidenciando um vínculo afectivo forte com os filhos, possuindo, aparentemente, capacidade para partilhar e assumir os cuidados dos filhos embora deparando-se com uma atitude de não envolvimento por parte do progenitor, referindo ainda uma dependência económica face ao marido e dificuldade em autonomizar-se, com traços pessoais de submissão, retraimento e baixa autoconfiança, comportando aspectos de dependência emocional, procurando segurança compensatória numa relação de suporte e apoio emocionais (fls. 914 a 917 verso).
30) - O progenitor não compareceu aos exames periciais realizados.
31) - Os progenitores estão actualmente separados sendo a progenitora a única que continua a realizar visitas regulares aos filhos.
32) - O progenitor demitiu-se da vida dos filhos não tendo encetado qualquer esforço no sentido de manter os convívios com os filhos e reorganizar a sua vida para os ter consigo.
33) - A progenitora continua a evidenciar dificuldades em incrementar procedimentos educativos consistentes e assertivos durante as visitas aos filhos, subsistindo apenas o aspecto afectivo.
34) - Exerce actividade profissional em termos parciais auferindo cerca de trezentos e cinquenta euros mensais e estando em risco de perder a habitação onde reside por falta de pagamento das rendas.
35) - Nenhum dos progenitores dispõe de apoio familiar consistente que lhes permita assegurar os cuidados dos filhos.
2. De direito
Apreciemos então as questões suscitadas pelos apelantes nos seus 2 (dois) recursos.
Ambos impugnam a matéria de facto (o progenitor relativamente aos pontos 31., 32. e 35. e a progenitora quanto aos pontos 31. a 35.).
Sucede que, quer um, quer outra, o fazem inadequadamente, em desrespeito pelas exigências do art.º 640.º do CPC.
Com efeito, estipula tal normativo:
 “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – (…)”.
A propósito deste artigo e do ónus que o mesmo acarreta para os apelantes que pretendem impugnar a matéria de facto, refere Abrantes Geraldes:[[1]]
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) (…)
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.”.
Adiantando ainda tal autor, um pouco mais à frente, que “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto”.[[2]]
Escreve ainda o mesmo autor que deverá rejeitar-se, total ou parcialmente, o recurso “respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se registe, “b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;”, e “e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor”.
Tudo isso, porquanto se visa, com aquelas – como com as demais relativas à formulação de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; à especificação dos concretos meios probatórios…; à indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e à completude, clareza e sintéctico das conclusões – impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.[[3]]
O apelante progenitor, como se referiu, impugnou os factos constantes nos pontos 31., 32. e 35., sendo que a recorrente progenitora impugnou os factos constantes dos pontos 31. a 35., os quais, recorde-se, rezam assim:
“31) - Os progenitores estão actualmente separados sendo a progenitora a única que continua a realizar visitas regulares aos filhos.
32) - O progenitor demitiu-se da vida dos filhos não tendo encetado qualquer esforço no sentido de manter os convívios com os filhos e reorganizar a sua vida para os ter consigo.
33) - A progenitora continua a evidenciar dificuldades em incrementar procedimentos educativos consistentes e assertivos durante as visitas aos filhos, subsistindo apenas o aspecto afectivo.
34) - Exerce actividade profissional em termos parciais auferindo cerca de trezentos e cinquenta euros mensais e estando em risco de perder a habitação onde reside por falta de pagamento das rendas.
35) - Nenhum dos progenitores dispõe de apoio familiar consistente que lhes permita assegurar os cuidados dos filhos.”
Sucede, porém, que para além de ambos os recorrentes apenas fazerem referências genéricas tendentes a expressar a sua discordância quanto a esses factos terem sido dado como provados (é insuficiente, transcreverem-se passagens muito resumidas de dois depoimentos em que se dá a entender que o pai ainda mantinha alguns contactos telefónicos com os filhos, e que a mãe estaria a envidar esforços para alcançar uma habitação, desconhecendo-se se o conseguiria, olvidando que a factualidade provada assentou não só no depoimento das testemunhas inquiridas mas também substancialmente nos relatórios sociais e de acompanhamento de fls. 744 a 787 e 846 a 848, 923 a 941 e 1055 a 1092, não se fazendo minimamente uma apreciação crítica dos meios de prova produzidos), mostra-se em falta a expressa indicação de quais os factos que em concreto deveriam ter sido dados como provados, em substituição dos que se impugnaram.
Tal desrespeito pelos procedimentos impostos pelo art.º 640.º do CPC implicam a rejeição dos recursos dos apelantes quanto à matéria de facto.
Mantendo-se a matéria de facto dada como provada na sentença, vejamos agora se assiste razão aos recorrentes no sentido de ser revogada a decisão que aplicou aos menores a medida de confiança judicial com vista a futura adopção, ou antes, se deveria ser-lhes aplicada outra, designadamente a medida de acolhimento residencial destes menores, com reforço da intervenção junto dos pais.
Ora, analisando quer a matéria de facto comprovada, quer a fundamentação de facto e de direito constante do acórdão recorrido, entendemos (podemos adiantar já) que a medida aplicada à frateria das 5 (cinco) crianças, se mostra perfeitamente ajustada ao circunstancialismo que rodeia toda a situação envolvente. 
Vejamos.
Em recente acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa[[4]], que o ora relator, como 1.º adjunto e o Exmo. Colega, aqui 1.º adjunto e ali 2.º adjunto, subscreveram, referente a um caso em que foi determinada a medida de «confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adopção», escreveu-se:
«(…).
Decorre dos nºs 5 e 6 do art. 36º da Constituição da República que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, excepto quando os pais não cumprirem para com eles os seus deveres fundamentais, sempre mediante decisão judicial.
Em conformidade, na lei ordinária dispõe o art. 1878º do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, designadamente, velar pela saúde e educação destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação.
Por outro lado, embora segundo o nº 1 do art. 68 ºdo Diploma Fundamental, os pais e as mães tenham direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, atentos os nºs 1 e 2 do art. 69º, as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, assegurando o Estado especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
Neste contexto e consoante resulta dos arts. 3º e 4º da lei 147/99, de 1-9, a intervenção para protecção de uma criança em perigo é norteada essencialmente pelo interesse superior da criança e tem lugar, designadamente, quando os pais ponham em perigo a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor.
O interesse superior do menor reconduz-se ao direito deste «ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade» [[5]].
A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança em perigo deve, efectivamente, atender em termos prioritários ao interesse superior da criança, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto (nº 1-a) do art. 4 da lei 147/99).
As medidas de promoção e protecção visam afastar o perigo em que a criança se encontre, bem como proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art. 34º da lei 147/99).
Entre as várias medidas encontra-se a de «confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção» (art. 35º, nº 1-g). Esta é a mais grave das medidas previstas - sendo o seu carácter tendencialmente irreversível [[6]], tendo em conta que dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão (art. 62º-A da lei 147/99) - estando correlacionada com o disposto no art. 1978º, nº 1, do CC.
Esta última norma prevê a confiança do menor, com vista a futura adopção, quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objectiva das situações ali referenciadas – entre as quais (alínea d) do nº 1) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de saúde mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor.
Sendo de salientar que na verificação daquelas situações deverá o tribunal «atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor» (nº 2 do art. 1978º do CC).
(…)»
A situação que se vivencia neste nosso caso, em que está em causa o projecto de vida desta fratria de 5 crianças, impõe indubitavelmente a intervenção do Estado, tendo em vista a protecção destas crianças, visando salvaguar o seu superior interesse, posto que uma qualquer atitude omissiva por parte daquele colocá-las-ia em situação de desprotecção e perigo quanto à sua segurança, saúde, formação, educação e/ou desenvolvimento, dado que, de acordo com os que resulta comprovado, os seus progenitores não se encontram à altura e/ou em condições de satisfazer minimamente essas exigências.
 Os recorrentes sustentam a posição de que a medida aplicada – confiança judicial com vista a futura adoção (art.º 35.º, n.º 1, al g) da Lei 147/99) – violará os princípios da intervenção mínima, proporcionalidade e actualidade e ainda da prevalência da família (previstos, respectivamente, nas alíneas d), e) e h) do art.º 4.º da Lei 147/99), tudo se traduzindo também na violação do princípio basilar do interesse superior da criança e do jovem (al. a) de tal preceito legal).
Discordamos em absoluto desse entendimento.
Com efeito, é sabido que tal medida só poderá ser determinada desde que se registe situação enquadrável na previsão do art.º 1978.º do CC, que reza assim:
«1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
4 - A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela.»
No caso em apreço, a situação vivenciada é reveladora de que a quando da recolha dos menores nas duas instituições os mesmos encontravam-se em situação de perigo, o que aliás terá sido em parte aceite pelos progenitores que acordaram na sua institucionalização. A factualidade relatada nos pontos 6. a 13. dos factos provados, de que se destacam os indicados sob os n.ºs 11. e 12. (as crianças não estavam integradas em qualquer estabelecimento de infância efectuando as refeições principais na cantina social, com excepção do pequeno-almoço e dos lanches, evidenciando problemas ao nível dos cuidados de higiene (unhas e cabelos) e apresentavam atrasos no desenvolvimento, nomeadamente ao nível da linguagem e não se verificava uma contribuição equilibrada para as despesas de gestão doméstica e rotinas dos filhos, sendo o progenitor completamente ausente destas rotinas ou pouco inteirado das necessidades de cada um, não sabendo identificar as datas de nascimento e as idades dos filhos), é reveladora dessa situação de perigo em que os menores se encontravam.
Essa situação só evoluiu favoravelmente para as crianças, precisamente porque foram retiradas do seu meio natural e colocadas nas instituições onde ficaram a residir, e onde ainda se encontram, foram tratadas e cuidadas devidamente, passando a ter acompanhamento escolar e médico, tendo sido detectadas algumas problemáticas de saúde à AAA, ao CCC e à DDD, que no seio familiar natural não o tinham sido.
É desse ponto (da sua retirada da família natural e do seu acolhimento institucional) que temos que partir para considerar que o perigo foi real e existiu, e, de acordo com o que acabamos de referir, teremos de concluir que o indicado requisito previsto na alínea d) do n.º 1 do art.º 1978.º do CC se mostra preenchido - puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da(s) criança(s) – sendo certo que também se tem como certo que o regresso hoje das crianças ao seu meio familiar natural redundaria num retrocesso no seu desenvolvimento e colocá-las-ia, de novo, em situação de perigo grave quanto à sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento.  
No que respeita ao outro requisito, previsto no corpo do n.º 1 do preceito - quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação – sempre se dirá que também ele se revela existir neste momento.
Está provado, tendo tal resultado dos pareceres de todas as técnicas que acompanharam o caso, que a mãe das crianças nutre por elas amor e preocupação, o que se demonstrou pela regularidade das visitas que fez aos seus filhos, e do acompanhamento que foi fazendo mesmo à distância. As crianças também nutrem afecto pela sua mãe e gostam de estar com ela.
Mas será isso bastante para que se possa afirmar que, no caso, existem vínculos afectivos próprios da filiação.
Entendemos que não. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-04-2017[[7]], «Importa acentuar que os “vínculos afectivos próprios da filiação” (art.1978.º nº 1 CC ) devem ter um suporte factual consistente na interacção dinâmica entre pais e filhos, assente numa parentalidade responsável (“próprios da filiação”) e, nesta medida, como lucidamente se afirmou no Ac RC de 25/10/2011 ( proc. nº 559/05 ), disponível em www dgsi.pt “são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito, inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige para se formarem e manterem que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes por palavras e acções o afecto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre”.
Ou seja, como se afirma pertinentemente no Ac RL de 5/11/2015 (proc. nº 6368/13) em www dgsi.pt, “Sendo certo que os vínculos afectivos que obstam à aplicação da medida sob análise são os “próprios da filiação”: não basta que haja relação afectiva entre pais e filhos, é necessário - demonstrar esse amor de forma objectiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas características. Pais são aqueles que cuidam dos filhos no dia a dia, são aqueles que cuidam da segurança, da saúde física e do bem-estar emocional das crianças, assumindo na íntegra essa responsabilidade”.» 
Ou, como é referido no acórdão desta Relação de Lisboa de 27-04-2014[[8]], «não basta que haja relação afectiva entre pais e filhos, é necessário que esta assuma a natureza de verdadeira relação pai/mãe filho, com a inerente auto-responsabilização do progenitor pelo cuidar do filho, por lhe dar orientação, estimulá-lo, valorizá-lo, amá-lo e demonstrar esse amor de forma objectiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas.»
Vejamos o que os autos nos revelam quanto ao relacionamento entre os progenitores e os seus filhos.
Estas 5 crianças encontram-se institucionalizadas há aproximadamente 3 anos e 6 meses, na sequência de acordo de promoção e protecção datado de 27-07-2017, o qual teve na sua origem, como já se referiu, a verificação de manifesta falta de condições de habitabilidade (de que é paradigma o facto da habitação já não ter água, por a mesma ter sido cortada pelo senhorio), de falta de higiene dos menores e carência de acompanhamento médico dos mesmos, que revelavam dela carecerem (sinónimo disso é o facto de a AAA ser hoje acompanhada em terapia ocupacional, da fala e psicológica; do CCC ser acompanhado em terapia da fala; da DDD ser acompanhada em terapia da fala e oftalmológica; e da EEE se preparar para ser seguida em oftalmologia).
Essa inicial medida foi revista e mantida por decisões datadas de 09-05-2018 e 10-08-2018. Posteriormente, perspectivou-se a substituição da medida de acolhimento pela medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, sendo certo, porém, que por acórdão datado de 20-05-2019, foi prorrogada a medida de acolhimento residencial por mais seis meses (entendeu-se nesse acórdão que não estariam ainda definitivamente comprometidos de forma séria os vínculos afectivos da progenitora em relação aos seus filhos (o que não se entendeu relativamente ao pai), sendo aquela preocupada com o bem-estar dos filhos e mantendo laços afectivos que não revelavam desinteresse da sua parte. Mais se entendeu que deveria ser-lhe concedida uma última oportunidade, apoiar a mesma, no sentido de poder assumir com responsabilidade a sua função parental, prestando os cuidados básicos aos filhos e criando as condições necessárias para que possam desenvolver-se integralmente.
Foi ainda determinada a realização de perícia psicológica aos progenitores, sendo que a relativa à progenitora foi junta aos autos em 06-08-2020, não tendo o pai comparecido à que se lhe destinava.
Por decisão datada de 04-11-2019 foi prorrogada por mais seis meses a medida de acolhimento, tendo-se solicitado a elaboração de um plano concreto de apoio psicossocial junto da mãe o qual foi junto em 04-12-2019.
De acordo com o relatório da EMAT apresentado em 10-07-2020 dele consta em suma que:
«- As acções contempladas no plano de intervenção relativas às necessidades das crianças ao nível do seu desenvolvimento, saúde, cuidados básicos e necessidades escolares estão devidamente garantidas pelas respectivas equipas das casas residenciais e serviços de 1ª linha;
- Verifica-se uma total demissão do progenitor na vida das crianças, não tendo encetado quaisquer esforços no sentido de manter convícios com os filhos e reorganizar a sua condição de vida;
- A frequência das visitas/convívios com a mãe revela-se um factor de protecção consistente, sendo o principal aspecto que foi cumprido pela progenitora, denotando-se, porém nesta sede, dificuldades em incrementar procedimentos educativos consistentes e assertivos;
- Presentemente a progenitora apresenta uma condição social e pessoal menos favorável para receber as crianças; terá um trabalho a tempo parcial pelo qual aufere 350 euros mensais e terá acumulado uma dívida de renda de casa no montante de 1100 euros, estando sujeita a possível acção de despejo, tendo manifestado o propósito de mudar para um quarto na residência de um casal amigo;
- Pese embora a equipa do CAFAP tenha registado algumas melhorias por parte da progenitora, as mesmas não foram consistentes, mantendo uma postura muito idêntica àquela que o CAFAP já conhecia: refere sempre a necessidade de fazer diferente, manifesta desejo em se autonomizar, reorganizar a sua vida para ter os filhos junto de si, mas, na prática, verifica-se uma grande resistência à mudança, nomeadamente no que concerne à sua independência e à organização da sua vida para que possa receber os seus filhos e proporcionar-lhes uma vida estável, tranquila e com os cuidados que as crianças têm direito;
- As equipas que prestam apoio psicossocial têm vindo a manter o apoio e orientação à progenitora desde o acolhimento das crianças, sendo que as mudanças têm sido pouco expressivas, significativas e consistentes, o que levanta muitas dúvidas quanto à capacidade da progenitora para assumir sozinha os cuidados aos cinco filhos, atendendo designadamente a que se tratam de crianças com vulnerabilidades ao nível do desenvolvimento físico e psicológico, beneficiando de consultas de especialidade, o que exigirá uma acompanhamento muito próximo e regular nas diferentes especialidades de saúde;
- Da história familiar deste agregado constata-se que a família no passado já beneficiou de acompanhamento psicossocial de grande proximidade, tendo sido garantido apoio alimentar e higiene diária por meio de serviços de primeira linha, apoio também ele continuado no âmbito do processo judicial de promoção e protecção, com a intervenção da Equipa do CAFAP …, todavia a dependência destes serviços não poderá ser garantida em permanência até à maioridade das crianças, em virtude de se pressupor a autonomização e independência das famílias;
- Acresce o facto do tempo das crianças não se compadecer com o tempo dos adultos, afigurando-se que a dependência da progenitora em relação ao companheiro continua a manifestar sinais evidentes de se constituir uma prioridade;
- As crianças têm necessidade de dispor de figuras parentais protectoras e dedicadas, com direito a um desenvolvimento harmonioso e um ambiente que exige afeição, responsabilidade e ausência de descontinuidades graves no seu desenvolvimento afectivo e educacional, tornando-se urgente traçar um projecto de vida estruturado e consistente, necessitando de uma família e atenção personalizada, necessidades que até à data a família biológica não tem conseguido assegurar.»
Este relatório da EMAT concluiu, pugnando pela alteração da medida de acolhimento residencial pela medida de confiança a instituição com vista à adopção, prevista no artigo 35º, nº1, alínea g), da LPCJP.
De notar ainda que tal relatório foi construído com base, em grande parte, nos dados fornecidos pelas casas de acolhimento dos menores - “... – Casa de Acolhimento Residencial” (quanto à AAA e ao BBB) e “Centro Social de ...” (relativamente ao CCC, à DDD e à EEE), sendo que no seu parecer final, ambas as instituições se pronunciaram no sentido de entenderem que deveria ser encontrado “um projecto de vida alternativo” ao que se encontra em vigor, tendo mesmo o ... expressado que tal poderia passar pela medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Os recorrentes não questionam que a institucionalização actual dos menores seja necessária, assumindo que a mesma se deverá manter. Entendem é que a mesma não deverá levar a que percam os seus vínculos com os filhos, como sucederá se se mantiver a medida que foi aplicada, prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 35.º da da LPCJP.
Ora, do que se deixou expresso, resulta, quanto a nós, que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, entendidos estes nos termos supra enunciados.
Na ponderação de toda a matéria apurada, de que já se ilustrou o “histórico” destes últimos 3 anos e seis meses de institucionalização e dos seus efeitos nas crianças e os resultados e empenho demonstrados pelos progenitores (que aqui não se põem em paridade de posições, pois que o pai revelou um manifesto desinteresse pelos menores, enquanto que a mãe nunca desistiu deles, muito embora a sua postura se traduza em verbalizar a sua intenção de querer mudar, mas, na prática, apresentar grande resistência à mudança), há que concluir que foram dadas as oportunidades judiciais possíveis para que não se chegasse ao ponto a que se chegou, de se concluir que não poderão estas 5 crianças esperar mais pela sua família de origem e que o seu futuro poderá ter mais hipóteses de felicidade e segurança numa possível futura adopção.
Os princípios que os recorrentes referem terem sido violados - da intervenção mínima, proporcionalidade e actualidade e ainda da prevalência da família e do interesse superior da criança e do jovem – não se mostram desrespeitados, pois que a actuação revela-se adequada ao quadro fáctico exibido e já descrito, não sendo sustentável “obrigar” estas crianças a ficarem institucionalizadas numa expectativa de regresso ao lar de origem, que não deu mostras e não dá mínimas garantias de poder vir a ter um mínimo de condições para as acolher sem pôr em perigo a sua saúde, segurança e educação, afigurando-se-nos que a medida aplicada é a que melhor salvaguarda o seu superior interesse.
Em situação não muito distinta da que aqui se vivencia, referiu-se no acórdão desta Relação de 02-10-2012, o segmento com que concordamos em absoluto [[9]]:
«(…) sempre se dirá que não se ignora que o artigo 36º, nº 5 e 6, da Constituição privilegia a família biológica como célula fundamental para o processo de socialização das crianças, pois é aí que se podem desenvolver as relações de afecto mais genuínas e os quadros de referência mais personalizantes, forjados no histórico de cada família e no esteio dos papéis sociais desempenhados pelos respectivos progenitores. Também é certo que não é a situação sócio-económica desfavorecida que há-de impedir o direito dos pais de manterem e educarem os seus filhos, em conformidade com as suas posses e condição social. Seria, aliás, uma grave violação do princípio da igualdade e da cidadania, proclamados nos artigos 12.º, n.º 1, e 13.º da nossa Lei Fundamental, se assim não fosse. E para que cada cidadão possa cumprir com estas tarefas, o Estado tem por incumbência proporcionar, na medida do possível, meios e mecanismos para obviar às desigualdades existentes, mormente através de apoio social, sanitário e de ensino.
Mas, importa nunca perder de vista o superior interesse da criança na satisfação das suas necessidades elementares, numa perspectiva de bem-estar e de um crescimento e desenvolvimento harmonioso e integral, nos planos cognitivo, afectivo ou volitivo. Também assim se cumpre o princípio da igualdade substancial no acesso ao estatuto de um cidadão de pleno direito.
Esse interesse da criança implica pois a assunção consciente e séria das responsabilidades parentais, no sentido de esperar dos pais os comportamentos e atitudes que lhes sejam razoavelmente exigíveis em função das suas condições económico-sociais e do seu nível cultural.
No caso presente, não cabe censurar os pais dos menores pela sua situação de penúria. Mas o que os autos evidenciam à saciedade é que o pai dos menores não revela um padrão mínimo de diligência para proporcionar aos seus filhos um ambiente familiar salutar e adequado. Por sua vez, a progenitora não dispõe das capacidades mínimas para exercer as responsabilidades parentais mais elementares. Não bastam, para tanto, meras declarações de intenção; importa pois que esta intenção se concretize e objective numa vontade firme que evidencie o esforço exigível na construção dos projectos de vida dos menores. Antes de reclamar os apoios sociais devidos, haveria assim que comprovar a determinação e capacidade dos progenitores na assunção dessas responsabilidades parentais, muito embora dentro do quadro de vida de que dispõe.
Ora, sucede que nem os progenitores têm conseguido qualquer progresso relevante, nesse sentido, com o próprio apoio social de que têm beneficiado.
Além disso, as dificuldades ao nível relacional, dentro do próprio agregado familiar, não permitem supor que se viesse sequer a estabelecer uma relação de afecto e de confiança tão necessária à estruturação e desenvolvimento da personalidade dos menores. De resto, a falta de interacção dos progenitores com os menores, nas visitas à instituição, seja por desinteresse, seja por manifesta incapacidade, denota a ausência de qualquer preocupação com o acompanhamento do processo educativo que eles vêm fazendo na instituição onde se encontram acolhidos.
Acresce que os relatórios sociais produzidos apontam claramente no sentido de uma personalidade deficitária da progenitora e instável do progenitor, e que têm persistido, já que nem, dentro das suas limitações económicas, conseguem sequer organizar, de forma salutar o seu modo de vida.
Por outro lado, não se vislumbram condições no sentido de qualquer solução no âmbito da família alargada, que assegurem a assunção das responsabilidades pelo sustento e educação dos menores, o que nem a própria apelante aqui suscita, sendo que dos relatórios sociais transparece que nem ela mantém relações cordiais com a família de origem.
Estamos pois perante um quadro familiar desfuncionalizado, deficientemente estruturado, que não oferece as garantias mínimas de proporcionar aos menores um ambiente familiar sadio e afectivo, que lhes permita uma boa estruturação da personalidade e dar seguimento ao bom desenvolvimento já conseguido ao longo da sua institucionalização, com vista a prepará-los para a vida.
Nessas circunstâncias, a via da adopção, não deixando de ser uma solução radical, na medida em que corta o vínculo com a família natural, sendo que nem esta permite assegurar a consistência desse vínculo, o certo é que é a solução que, neste caso, oferece mais garantias de realização de um projecto de vida seguro para os menores, com a sua integração num ambiente familiar que lhes dê possibilidades de construção sustentada do futuro. É um elementar direito que lhes assiste e que resulta da melhor interpretação dos normativos legais em que a decisão recorrida se amparou, que por isso aqui se acolhe na íntegra.»
Este caso apresenta, como se indicou, alguma similitude comportamental com a que se regista no nosso processo.
Um pai desinteressado e uma mãe que quer, mas não faz o que se torna necessário, para poder acolher no seio da família natural estas 5 crianças.
Os progenitores foram alertados, aquando da prolação do anterior acórdão da 1.ª instância (em Maio de 2019), de que teriam de se comprometer e empenhar no cumprimento de obrigações então impostas, visando criar as condições e reorganizarem-se para que pudessem acolher os seus filhos no seio da família natural. Verifica-se que a situação pouco se alterou. A mãe que foi conduzida pelos Serviços a solicitar uma casa junto da Câmara, ao invés de referir que a mesma se destinaria à sua família de 5 filhos, referiu pretender uma casa para si, tipo T0, tendo assim ficado mal graduada nesse concurso. Dada a sua instabilidade emocional foi-     -lhe indicado pelos serviços um psicólogo, sendo que apenas foi à 1.ª consulta, faltando à 2.ª que se encontrava marcada e nada mais dizendo quanto a essa questão. Por razões não apuradas, deixou de se relacionar com uns amigos – D. Al… e Sr. Ma… – que constituíam o único suporte de apoio que detinha e que sempre a tinham ajudado nas tarefas inerentes à sua prole. Não detem qualquer apoio de família sua ou do pai dos menores e vem mantendo com este um relacionamento muito instável com sucessivas aproximações e afastamentos, sendo que este não denota o mínimo interesse pelas crianças. A mãe, detentora de uma personalidade instável, nitidamente, no âmbito das suas prioridades, priorizou o seu relacionamento anacrónico com o pai dos menores em detrimento do investimento que deveria ter realizado no sentido de criação de condições para acolher os seus filhos.  
Prova-se assim que os progenitores não dispõem das competências necessárias para garantir aos menores as condições de vida minimamente adequadas, muito embora a mãe revele algum sentimento de pertença e afecto pelos filhos. Não se descortina, por outro lado, que tenha(m) capacidade para inverter essa situação.
Entendemos assim que a medida que melhor garantias securitárias poderá trazer para estas 5 crianças será a que veio a ser determinada no acórdão recorrido.
Em idêntico sentido se manifestou também o acórdão da Relação do Porto de 13-01-2014[[10]], onde se pode ler o seguinte segmento do seu sumário:
«(…).
II - A institucionalização deve ocorrer durante o menor tempo possível, de modo a evitar tudo o que de prejudicial acarreta para o desenvolvimento das crianças e, deverá, apenas, manter-se, quando se perspective um regresso rápido à família natural, caso isso não seja possível, o superior interesse da criança, reconhece-lhes o direito a protecção alternativa, que pode incluir a adopção art. 20º da Convenção sobre os Direitos da Criança.
III - Um colo institucional nunca será, não importa o tamanho dos recursos, tão íntimo, cuidadoso e afectuoso quanto o de uma família, seja natural ou substitutiva.
IV - Exploradas todas as alternativas de menor dano no decorrer dos últimos quatro anos, desde a data da sinalização da situação de negligência dos menores, a manutenção da medida de institucionalização, aplicada provisoriamente, não pode ter acolhimento, se não houve qualquer evolução positiva dos progenitores, comparativamente com aquela que existia quando foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, no âmbito da CPCJ.»       
Partilhamos igual entendimento.
Poderia eventualmente questionar-se se o tempo já decorrido – repete-se, 3 anos e 6 meses de institucionalização – e as idades que as 4 crianças mais velhas hoje já apresentam (a AAA com 10 anos e 04 meses, o BBB, com 09 anos e 04 meses, o CCC com 07 anos e 11 meses e a DDD com 06 anos e 05 meses), não poderá pôr em risco a possibilidade da sua adopção.
Na nossa óptica é um risco que se nos afigura que haverá que correr, pois que a alternativa de esperar mais tempo só dificultaria ou inviabilizaria essa possibilidade, e assim tornaria de todo irrealizável o encontrar de um projecto de vida securizante e potencialmente criador de felicidade para estas crianças.
Diga-se, por outro lado, que pese embora se saiba ser mais difícil a adopção de crianças com idades acima dos seis anos, a mesma é viável e portadora de bons resultados quer para os adoptados quer mesmo para os adoptantes.
Numa dissertação de mestrado apresentada em 2013 à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, em Psicologia Clínica e da Saúde, foi apresentado um interessante “Estudo Exploratório” subordinado ao tema “A ADOPÇÃO DE CRIANÇAS MAIS VELHAS: ESPERA, TRANSICÇÃO, ADAPTAÇÃO E INTEGRAÇÃO”[[11]], onde se podem ler as seguintes 13 conclusões[[12]], que se nos afiguram interessantes e significativas:
«1. Os pais que adoptaram crianças mais velhas esperaram menos tempo, percepcionaram como menos completa a informação fornecida durante a proposta e passaram por uma transição mais longa;
2. Os pais que adoptaram crianças mais velhas não apresentaram mais medos e preocupações, durante o tempo de espera do que as FP[[13]] que adoptaram crianças mais novas;
3. Os pais que adoptaram crianças mais velhas percepcionaram tantas mudanças como os pais que adoptaram crianças mais novas;
4. Os pais que adoptaram crianças mais velhas consideram que estas se adaptaram bem e têm uma boa relação e comportamentos afectuosos com os elementos da família;
5. Os pais que adoptaram crianças mais velhas consideram mais que a criança pede menos ajuda para resolver os problemas do que os pais que adoptaram crianças mais novas;
6. Os pais que adoptaram crianças mais velhas consideram a parentalidade adoptiva mais difícil e estão menos satisfeitos com a adopção do que os pais que adoptaram crianças mais novas, mas encontram-se satisfeitos com a criança e com a família;
7. Os pais que adoptaram crianças mais velhas consideram que houve uma evolução positiva da criança e percepcionam comportamentos normativos nos seus filhos;
8. Os pais que adoptaram crianças com mais de 6 anos apresentam maiores níveis de revelação social do que os pais que adoptaram crianças mais novas;
9. Em comparação com as crianças adoptadas mais novas, as crianças que foram adoptadas mais velhas indicaram que nem sempre chamaram pai/mãe;
10. A maioria das crianças adoptadas mais velhas considera que a família adoptiva foi a melhor coisa que lhe aconteceu por ter sido adoptada e que não houve nada de pior;
11. Para a maioria das crianças adoptadas mais velhas a comunicação foi suficiente, apesar de algumas terem ficado com dúvidas após uma primeira conversa e de parte delas terem tido medo de as colocar;
12. A maioria as crianças adoptadas mais velhas não se sente diferente por ser adoptada mas algumas já foram discriminadas pelos pares;
13. Os pais que adoptaram crianças mais velhas consideram-se mais abertos em relação ao exterior do que as crianças que foram adoptadas mais velhas.»
Como referimos, a adopção de crianças mais velhas poderá implicar, eventualmente, uma tarefa um pouco mais difícil, porém, sempre possível e desejável, sendo importantíssimo, quanto a nós, ter presente o que se sublinhou na conclusão 10. de tal estudo – quando a adopção ocorre, “A maioria das crianças adoptadas mais velhas considera que a família adoptiva foi a melhor coisa que lhe aconteceu por ter sido adoptada e que não houve nada de pior.”[[14]]
Desta forma, por tudo quanto se deixa dito, concluímos que será de manter a decisão recorrida, afigurando-se-nos adequada a medida decidida, atento os interesses das crianças, improcedendo, assim, as apelações.  
IV Decisão
Face ao exposto, os juízes desembargadores que integram este colectivo, acordam em julgar as apelações improcedentes, assim confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelos apelantes (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem).

Lisboa, 11-02-2021
José Maria Sousa Pinto
João Vaz Gomes
Jorge Leal - (com voto de vencido que a seguir segue e de conformidade, nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13-03, com a alteração introduzida pelo DL 20/2020, de 01-05).

VOTO DE VENCIDO
«Vencido. Não encontro razão bastante para uma medida tão drástica como a que foi tomada pela 1.ª instância e se mantém na posição que ora fez vencimento. Trata-se de, invocando o “superior interesse da criança”, tirar a estas crianças a mãe e os irmãos, sem nunca sequer lhes ter sido perguntado o que achavam ou lhes ter sido falado de tal projeto de vida. Dos sucessivos relatórios sociais e dos factos provados resulta que entre as crianças e a mãe existe uma relação filial e afetiva forte, mostrando as crianças o desejo de estar com a mãe e gosto em conviver com os irmãos. O prazo suplementar que no acórdão de 20.5.2019 foi dado aos pais para se reorganizarem caiu em cheio na pandemia, sendo evidente que as condições de vida da mãe sofreram uma relevante degradação, a que o contexto atual não é certamente alheio. Não vejo como se pode considerar ser do interesse destas crianças cortar-lhes o vínculo afetivo, identitário e securizante (como é admitido nos relatórios sociais), que têm com a mãe e os irmãos, que é real e efetivo, para os lançar no vazio de um hipotético relacionamento adotivo. A circunstância de a mãe sofrer de falta de assertividade e de dependência afetiva face ao pai dos seus cinco filhos basta para a afastar das crianças e enviá-las para adoção? A lei estipula que vão para adoção as crianças cujos pais não disponham de apoio familiar consistente que lhes permitam assegurar os cuidados dos filhos? Trata-se de uma mãe de fracos recursos, a braços com uma família numerosa, que, conforme resulta dos relatórios sociais e está provado, tem lutado para subsistir, arranjando sucessivos empregos (aquando da intervenção inicial estava desempregada), que a dada altura conseguiu melhorar as condições habitacionais que tinha face à situação inicial, mas que não conta com o apoio do progenitor das crianças – embora conte, conforme resulta dos relatórios sociais, com a ajuda de algumas pessoas amigas.
O facto de a mãe se ter candidatado a uma habitação social tipo T0, e não a uma habitação adequada a uma família numerosa, suscita interrogações que, por não esclarecidas, não constituem base para uma decisão como a que fez vencimento.
Situações destas, de famílias numerosas, têm de beneficiar de um apoio estatal reforçado. Creio que se deveria prorrogar a medida de promoção e proteção que já vigorava, quanto mais não seja atendendo à atual situação de pandemia. E enquanto a ligação entre os filhos e a mãe não regredir, não há fundamento legal (art.º 1978.º do Código Civil) para a confiança para adoção. Embora a atual situação não seja a mais desejável, as crianças estão bem adaptadas às instituições onde se encontram - ponto é que se mantenham os contactos regulares com a mãe e entre elas e, se possível, com o pai (que também recorreu e manifestou - agora - interesse nas crianças) e se vá forcejando por que as condições dos progenitores se alterem para melhor, com o apoio das instituições.
Com base nestas considerações concederia provimento às apelações.»

Jorge Leal
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[1] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, págs. 126 a 127.
[2] Idem, pág. 124.
[3] Idem, págs. 128, 129.
[4] Acórdão proferida no Proc. n.º 64-14.0TBSVC.L1, em que foi relatora a Exma. Juíza Desembargadora, Maria José Mouro, disponível em www.dgsi.pt
[5] Almiro Rodrigues, «Interesse do Menor, Contributo para uma Definição», Revista de Infância e Juventude, nº 1, 1985, pags, 18-19.
[6] «A título excecional a medida é revista, nos casos em que a sua execução se revele manifestamente inviável, designadamente quando a criança atinja a idade limite para a adoção sem que o projeto adoptivo tenha sido concretizado».
[7] P.º 268/12.0TBMGL.C2, em que foi relator Jorge Arcanjo, disponível em www.dgsi.pt
[8] P.º 1035/06.5TBVFX-A.L1-2, em que foi relator Jorge Leal, disponível em www.dgsi.pt
[9] P.º 213/11.0TMFUN.L1-7, em que foi relator Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt
[10] Proc. 296/12.5TMMTS.P1, em que foi relatora Rita Romeira, disponível em www.dgsi.pt
[11] Da autoria de MARIA ANTÓNIA RIO FERNANDES BARBOSA DA CRUZ, disponível na internete: Em: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/114997/2/280653.pdf 
[12] Págs. 57-58 do estudo.
[13] FP- Figuras Parentais
[14] No Estudo, a págs. 53, na parte que deu azo a esta conclusão 10., pode ler-se:
«Vivência da adoção
A maioria das crianças indicou o facto de ter uma família como a melhor coisa que lhes aconteceu relacionado com a adoção e quando questionadas acerca da pior coisa que lhes aconteceu a maioria respondeu: “nada”. Contudo, no geral, indicaram como principais dificuldades: a perda de amizades/construção de novas; a adaptação à família adotiva; os aspetos jurídicos; a compreensão do vínculo da filiação adotiva e a incerteza deste; a adaptação à escola; e a aceitação o estatuto de adotado.»