Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
642/19.0SGLSB.L1-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA GRAVADA
REJEIÇÃO DO RECURSO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: No caso do arguido/recorrente pretender impugnar a matéria de facto, sob pena de rejeição, está obrigado a especificar nas conclusões, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas — artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b).
Nos termos do  nº 4 do mesmo artigo, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
Se não o fizer, o recurso só não é rejeitado se o recorrente impugnar  também matéria de direito.
O arguido ao agredir a assistente com bofetadas, uma pancada no nariz, arranhões nos braços, provocando-lhe dores e hematomas nas partes do corpo atingidas, ao dirigir expressões "se saíres parto isto tudo, mato-te a ti e ao menino, não tenho nada a perder", ''puta, mentirosa, andas metida com outros homens" e "dá-me o teu telemóvel para não poderes avisar os homens que lá estão em baixo, porque eu hoje não vou sair daqui, sua desavergonhada a receber homens em casa com o bebé lá dentro", agiu com o propósito de amedrontar e humilhar a sua ex-companheira, bem sabendo que essas expressões, atento o seu estado de exaltação e as agressões que as acompanharam, eram aptas a provocar na assistente receio pela sua vida e integridade física e a ofender a sua honra e dignidade.
É adequada a fixação de uma pena de prisão de 3 (três) anos e  a pena acessória de proibição de contactos com a assistente incluindo afastamento da residência e local de trabalho desta por quatro anos com fiscalização  por meios técnicos de controlo à distância, e     obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I -RELATÓRIO
1.1. No processo comum com intervenção de Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Lisboa - JL Criminal - Juiz 3, com o número 642/19.0SGLSB, o Tribunal, por sentença proferida em 3 de junho de 2020, proferiu a seguinte decisão, no segmento que nos importa:
Pelo exposto, decide-se julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
a) Condenar o arguido H______pela prática como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº l, al. b ) e nº 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com TP______ incluindo afastamento da residência e local de trabalho desta por quatro anos, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, e na obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;
b) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, nos termos do Regulamento das Custas Processuais;
c) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente TP______ e, em consequência, condenar o arguido/demandado no pagamento à mesma da quantia de €1.104,78 (mil cento e quatro euros e setenta e oito cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais e da quantia de €8.000,00 (oito mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas dos juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
d) Custas da parte cível pelo arguido/demandado.
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Remeta boletim ao DSICCOC.
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Determina-se, ao abrigo do disposto no artigo 8°, nº2 da Lei nº 5/2008, de 12.02, a recolha, após trânsito em julgado, de amostra de ADN ao arguido, com os propósitos referidos no nº2 do artigo 18º do mesmo diploma legal, oficiando-se ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito, que uma vez recolhida a amostra se proceda à sua inserção na competente base de dados ao abrigo do disposto no artigo 18º, nº3 do supra mencionado diploma legal e ainda que, transitada esta decisão, se remeta certidão da mesma com nota de trânsito ao I.N.M.L. para efeitos de recolha da amostra e subsequente inserção na base de dados.
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Por subsistirem os respetivos pressupostos legais, mantêm-se as medidas de coacção aplicadas ao arguido de TIR, a de proibição de contactar com a assistente e de proibição de se aproximar da residência da mesma, artigo 200º, nº l, als. a) e d) do Código de Processo Penal.
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Solicite-se à DGRSP a elaboração de relatório e indicação de programa.
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Declaram-se perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos e ordena-se a sua destruição, artigo 109º do Código Penal.
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Passe mandados de condução ao Estabelecimento Prisional a fim de o arguido cumprir a pena de prisão efectiva em que foi condenado no caso de não haver recurso, ou, havendo-o, ser confirmada a decisão da 1 ª instância.
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De imediato proceder-se-á ao depósito da sentença (artigos 372º, nº5 ex vi 373º, nº2 do Código de Processo Penal).
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Notifique.
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1.2. O arguido H______inconformado com a decisão, interpôs recurso para este Tribunal da Relação com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, apresentando então as seguintes conclusões:
A.O recorrente considera que os factos n.º 4, 5 e 6 deveriam ter sido dados como não provados, por não terem suporte probatório e até por existir prova em contrário. Vejamos,
B.Nem o arguido, nem a assistente, nem nenhuma testemunha atestou existirem cenas de ciúmes ou discussões no início da relação (2006), até porque, se o antigo casal fixou residência naquele arruamento em 2013, como poderiam as vizinhas (testemunhas GM ___ e ML ___) testemunhar factos ocorridos antes de 2013?
C.O que a testemunha GM ___ referiu foi o episódio dos autos, de Junho e referiu que, antes disso, ouviu discussões, que não soube precisar no tempo, mas que muitas vezes eram sobre o filho do casal, que nasceu em 2017 nada tendo dito, ao longo de todo o seu depoimento, a propósito de ciúmes ou comportamentos possessivos.
D.A testemunha ML ___ que também relatou o incidente de Junho, o que referiu, em todo o seu depoimento, é que também ouviu discussões, nada tendo referido a propósito de ciúmes ou comportamentos possessivos por parte do arguido.
E.Aliás, a mãe da assistente, Sra. LC ___, que convivia com o casal, referiu que as discussões do arguido e assistente se prendiam com o facto de o arguido não trabalhar e de não haver dinheiro – também esta testemunha nunca referiu nenhum episódio de ciúmes [passagens 1.20 a 2.15].
F.Nem resulta da prova que, antes da data da separação indicada pela assistente (como o dia 19/03/2019), o arguido alguma vez tenha impedido a assistente de sair e conviver com amigos e familiares ou que a tenha controlado e ameaçado, também não existe nenhum suporte probatório para dar como provado que a partir do nascimento do filho o arguido tenha continuado com os seus comportamentos possessivos. Antes pelo contrário,
G.A assistente, que é a pessoa que mais sabe do seu relacionamento com o arguido, ao ser inquirida sobre o inicio dos problemas do casal, situou-o no primeiro aniversário do filho, quando o seu pai chamou o arguido à atenção para o cumprimento das suas responsabilidades parentais, que se iniciou uma ruptura, tendo a partir dessa altura deixado de ocorrer almoços de família e que em Dezembro desse ano (2018), quando o filho tinha um ano e seis meses, que conversou com o arguido transmitindo-lhe que se tinham que separar [excerto das passagens de 7.16-9.50].
H.Inquirida a assistente, sobre se o arguido alguma vez tinha demonstrado ciúmes, a tinha tentado controlar ou proibir de entrar em contacto com outras pessoas, esta referiu, de forma inequívoca que não.
I.Que até ao momento da separação, o arguido nunca a havia controlado e/ou impedido de entrar em contacto com quem quer que fosse e que antes da separação o arguido não era uma pessoa interessada nos seus movimentos (passagens de 27.40 a 28.05).
J.Mais referiu a assistente, conforme supra mencionado, que eram frequentes os almoços de família, pelo que, atendendo ás regras da experiência comum, estranho seria, que o arguido concordasse a aderisse a esse tipo de convívios, se a sua motivação fosse o afastamento da assistente de terceiros.
K.Neste ponto concreto, arguido e assistente prestaram declarações no mesmo sentido, vide declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório (passagens 6.40 a 7.40).
L.Com todo o devido respeito, esta sentença e os factos dados por provados não têm integral correspondência com a prova produzida em sede de julgamento, parece uma sentença de outro processo, também não se demonstrou que o arguido alguma vez tenha ameaçado a assistente que a mataria a si e ao seu filho, por não ter nada a perder – desconhecendo-se de onde o Tribunal a quo tirou tal ilação.
Adiante,
M.Deu o Tribunal a quo como provado, com base única exclusivamente nas palavras da assistente, que, no dia 19 de Março de 2019, na sequência de uma discussão motivada por ciúmes, que o arguido lhe desferiu duas bofetadas, o que originou a que a vizinha GM ___ chamasse a policia.
N.Ora, como já referimos, supra, foi a assistente que referiu que os ciumes só tiveram início após a separação, e nunca antes – o que é uma contradição, pois, se não existiam ciúmes antes da separação, como pode ter a discussão sido originada por ciúmes?
O.Foi a assistente e a sua progenitora (vide pontos E e G das conclusões, onde constam as passagens concretas), que avançaram que a razão para a separação/ruptura se deveu ao facto de o arguido não assumir as suas responsabilidades parentais e por questões de dinheiro, nomeadamente por não exercer actividade retributiva, e não por ciúmes, o que constituiu uma inovação por parte do tribunal, mais uma vez sem qualquer suporte probatório ou fundamentação.
P.Quanto ao evento propriamente dito, entendeu o Tribunal valorar o depoimento da assistente, por ser credível, em contraponto ao discurso do arguido. Vejamos,
Q.Referiu a assistente que o arguido lhe desferiu duas chapadas, por esta se ter negado a ter relações sexuais e que na sequência da discussão, a vizinha chamou a polícia.
R.Estranho que a vizinha GM ___, nas suas declarações apenas tenha relatado o evento ocorrido em Junho, e não esse, alegadamente de Março, que de não se recordava e mais referiu a testemunha que nunca chamou a polícia.
S.Relativamente a esta situação, o arguido negou ter exercido qualquer violência sobre a assistente, bem como os contornos relatados pela assistente.
T.O arguido referiu nas suas declarações em julgamento (passagens 16.47 a 17.40), que no dia 19 existiu uma discussão, que levou os seus pertences, mas que no dia a seguir fizeram as pazes e que ia para a casa de família todos os dias, onde pernoitava, situando a ruptura da relação no dia 14 de Junho, “o dia do acontecimento” [sic].
U.O arguido foi peremptório em assumir que no dia, 14 de Junho de 2019, tinha ocorrido a situação dos autos, com o arrombamento da porta e o rasgo dos pneus.
V.Porque razão o arguido, iria assumir um evento e não o outro? Estranho que o arguido identifique o dia da ruptura como o dia 14 de Junho e não antes, em Março.
W.Provavelmente porque não existiu uma ruptura definitiva em Março, como a assistente quis fazer crer.
X.É a própria assistente que refere que, após o dia 19 de Março, que dizia ao arguido onde ia almoçar e o que ia fazer, a que horas [passagens 29.07 a 29.47].
Y.Estranho que a assistente mantivesse tais contactos com o arguido, relatando o seu dia, onde iria almoçar, a que horas, etc., na sequência de actos de violência, que culminaram com o fim, definitivo (passe a redundância), da relação.
Z.É a palavra da assistente contra a do arguido, sendo que o arguido assume o incidente de Junho, não assumindo este de Março – o que não faria qualquer sentido, em assumir o mais grave e não assumir um alegado incidente de menor gravidade.
AA.Não existe, para além das declarações da assistente, nenhuma prova, nos autos, que comprove que no dia 19 o arguido lhe tenha desferido bofetadas.
BB.Até pelo contrário, segundo as regras da experiência comum, estranho seria que a vizinha GM ___, que vivia a paredes meias e que ouvia algumas discussões conjugais, não se recordasse da discussão de Março, em que alegadamente teria chamado a policia, sendo que tal testemunha apenas conseguiu relatar o incidente ocorrido em Junho.
CC.Estranho seria, que a assistente na sequência da violência e da ruptura definitiva da relação mantivesse contactos com o arguido, relatando o seu dia e onde estava.
DD.Neste ponto, as declarações da assistente não deveriam ter merecido a credibilidade que foi conferida pelo tribunal, porque são contrários às regras da experiência comum.
EE.Em qualquer caso, o principio in dubio pro reo impunha decisão diversa, pelo que deveria o facto n.º7 ter sido dado como não provado e deveria ter sido eliminada a menção às bofetadas no facto n.º40.
FF.Ao assim não o ter feito, violou o Tribunal a quo, o aludido principio, do qual, em nenhum momento fez aplicação.
GG.Nesse seguimento, também o facto n.º9 deveria ser alterado, uma vez que, conforme se alcançou, o arguido visitava a casa de família com muita regularidade, não só para ver o filho…uma vez que tinham feito as pazes, com pernoitas do arguido (cfr. as declarações do mesmo).
HH.Por outro lado, atendendo ao tudo o quanto se referiu supra, não resulta da prova feita que o arguido tivesse rondado os locais onde a assistente trabalhava e almoçava (facto n.º11), pelo que tal deve ser eliminado dos factos provados.
II.Como a assistente referiu (vide supra), mantinha contacto com o arguido, dizendo-lhe de forma livre e espontanea, o que estava a fazer, relatando o seu dia, nunca tendo referido que o arguido andasse ao seu encalço, com deslocações ou esperas nos locais que frequentava - Mais uma vez, uma inovação do Tribunal…
JJ.Relativamente aos factos ocorridos em Junho de 2019, consta como assente que o arguido tentou desferir um golpe, com uma faca, na assistente, quando esta passou com o filho de ambos, nos braços (facto 30).
KK.Mais uma vez, tal situação apenas é relatada pela assistente, facto que o arguido contraria, apesar de assumir outros comportamentos ilícitos.
LL.Se o arguido quisesse desferir algum golpe na assistente, tê-lo-ia feito antes, e pela sua superioridade física, a assistente muito dificilmente o poderia evitar.
MM.Além do mais, o arguido estava focado em encontrar uma terceira pessoa… e por estar tão focado, é que a assistente conseguiu sair, sem que o arguido a impedisse.
NN.Pelo que, não é crível que naquela situação que o arguido quisesse ou tentasse esfaquear a assistente e/ou o filho.
OO.Além do mais, mais uma vez, pela aplicação do principio in dubio pro reo, deveria tal facto ter sido considerado como não provado.
PP.Ao longo da sentença e dos factos provados, o Tribunal a quo mencionada para além das chapadas, também murros (vide facto n.º44).
QQ.Ora, em nenhum momento alguém mencionou a palavra murros, pelo que tal menção deve ser eliminada, o que só se compreende por lapso manifesto na elaboração da sentença.
RR.Também deve ser eliminada, do facto 44 a menção a que se fez referência relativamente à proibição pelo arguido dos contactos da assistente com os seus familiares, uma vez que, conforme demonstrámos, tal não se provou, antes pelo contrário.
SS.Se assim tivesse sido julgado, certamente não teria sido o Recorrente condenado, na medida em que foi.
TT.O Tribunal a quo condenou o arguido numa pena de prisão efectiva, de três anos, o que, atendendo à alteração da matéria de facto que se pugna no capitulo anterior, parece excessiva, pelo que ponderando os factos, deve a pena ser reduzida para o limite mínimo de dois anos, adiante, considerou o tribunal que a simples ameaça de prisão não realizava de forma suficiente as finalidades da punição, mais concretamente por o arguido não se ter auto-censurado e não ter admitido a prática dos factos, razão pela qual decidiu pela prisão efectiva (ao invés da suspensão).
UU.O facto de no relatório social o arguido não se rever nos factos pelos quais vinha acusado, apesar de reconhecer a desadequação das suas condutas, não significa que possa vir a praticar factos idênticos no futuro.
VV.Aliás, é perfeitamente normal, uma pessoa não se rever em comportamentos que teve, quando estava fora de si, principalmente, quando negou alguns comportamentos de que era acusado – é perfeitamente legítimo.
WW.Não pode o Tribunal a quo penalizar desta forma um arguido, não lhe concedendo a execução suspensa da pena, apenas por este não ter reconhecido todos os factos (o que é natural, na medida em que alguns não correram), até porque o arguido tem o direito de não se auto-incriminar, e no que respeita à censura, o arguido assumiu, segundo consta do relatório social, a desadequação de algumas condutas, portanto, não se pode acompanhar a conclusão deste Tribunal, existindo nesta sede, erro notório na apreciação da prova (al. c) do n.º1 do art.º 410 do CPP), o que se invoca para todos os efeitos legais.
XX.Considerou o Tribunal a quo que, pesou contra o recorrente o facto de o mesmo não assumir as suas adições.
YY.Ora, não resultou provado que o recorrente tivesse vicio do álcool, apenas bebe socialmente (cfr. as declarações da assistente), e pode ter acontecido ter bebido mais do que a conta - o que, em bom rigor, pode acontecer a qualquer pessoa – não significa que tenha uma doença/adição, por outro lado, a assistente nunca justificou que os comportamentos do recorrente tivessem causa no consumo de álcool, nem relatou que o recorrente estava alcoolizado.
ZZ.A única vez que a assistente se referiu ao consumo de álcool pelo recorrente, em festas e convívios, nunca associou a comportamentos agressivos para consigo, pelo que é completamente irrelevante, não pode o consumo social de álcool, perfeitamente saudável, ser desfavorável ao recorrente, quando nada tem a ver com os factos.
AAA.In casu, e como vimos, apesar de enquanto casal, o recorrente e a assistente terem discussões, no que diz respeito aos factos criminosos praticados no dia 17/06 estamos perante um episódio pontual do arguido, um desvaneio.
BBB.Mais tarde, conforme resultou das declarações da assistente, o arguido voltou a contactar, porém a assistente não referiu o teor dos contactos, por o número estar bloqueado e por poder atender.
CCC.Ora, o facto de o arguido ter tentado contactar a assistente nos dias seguintes aos factos, não demonstra que a estivesse a perseguir, como conclui o Tribunal a quo.
DDD.Em primeiro lugar, a assistente não disse que as mensagens eram de molde a produzir ameaça à sua pessoa, ou qualquer ofensa, ou receio quanto à integridade física e liberdade pessoal, aliás nem sequer mencionou o teor das mesmas (apesar de o número estar bloqueado, teria acesso ao teor, por consulta na pasta das mensagens bloqueadas).
EEE.Por outro lado, era uma relação de quinze anos, normal seria, que depois do sucedido o recorrente quisesse dar explicações, pedir perdão ou falar sobre o que tinha acontecido, saber se estavam bem..
FFF.Até porque tinham um filho em comum, portanto, é perfeitamente justificável a tentativa de contacto, nem que fosse para tratar de assuntos relativos ao menor.
GGG.A verdade é que dos autos não resulta que, após os factos, o recorrente tenha perturbado a assistente com ciúmes ou ofensas, ou qualquer constrangimento.
HHH.Foi a progenitora da assistente, a testemunha LC ___ que mencionou, no final do seu depoimento, que o arguido, nas visitas supervisionadas ao filho, não falava nem sequer perguntava pela assistente (passagens 13,13 a 13,33).
III.Portanto, destes factos, não é possível concluir por uma conduta persecutória.
JJJ.Tratando-se de um facto isolado, nada fazendo crer, atendendo à postura e conduta posterior do arguido, que venha a praticar factos idênticos, impunha-se a conclusão de que a condenação em pena suspensa realizava de forma suficiente as finalidades da punição.
KKK.Até porque, o recorrente não tinha antecedentes por crime de idêntica natureza.
LLL.O Recorrente à data do julgamento estava a trabalhar, estava laboralmente integrado. Acresce que,
MMM.A sua prisão implica a perda do seu trabalho e a impossibilidade de continuar a pagar a pensão de alimentos do seu filho, no valor de €200,00, o que tem feito até à presente data.
NNN.Em face do exposto, o Tribunal a quo, deveria ter suspendido a execução da pena de prisão, ao assim não decidir, violou o Tribunal a quo o disposto no art.º 50º do CP.
OOO.No que ao pedido cível diz respeito, o Tribunal a quo condenou o recorrente ao pagamento de danos não patrimoniais no valor de €8.000,00, que correspondia ao pedido da assistente sem fundamentar juridicamente a quantificação da indemnização, padecendo a sentença de nulidade, por falta de fundamentação jurídica violando o disposto no art.º 615 n.º1 al b) do CPC.
PPP.Em todo o caso, sendo a indemnização por danos não patrimoniais excessiva, face ao evento de Junho de 2019, deveria a mesma ser reduzida, para valor nunca superior a €3.000,00.
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1.3. A assistente respondeu ao recurso interposto concluindo nos seguintes termos:
a) Vem o Recorrente, nos artigos 3.º a 18.º das motivações, alegar que os factos 4, 5 e 6 dados como provados na douta sentença, não o deveriam ter sido, por alegada falta de suporte probatório “e até por existir prova em contrário”.
b) Ora, contrariamente àquilo que o arguido agora quer fazer crer, a relação deste com a Assistente, antes dos factos ocorridos sejam a 19 de março, sejam a 14 de junho, já era pautada por inúmeras discussões entre ambos, acrescidas de ofensas verbais.
c) Atente-se, nesse sentido, o depoimento das testemunhas GM ___ e MT ___, vizinhas:
MT ___, 01:36m, CD 20200106155257_19899640_2871127:
“Eu realmente ouvia gritos e discussões, pronto, muito da parte do senhor (…). Trabalhava no primeiro, e eles moravam no quinto. Agora é que moram no primeiro. (…) Não eram discussões eu só ouvia o senhor a gritar, ela nunca ouvia. (…) Era muito barulho e só ouvia a fala do senhor. Palavras obscenas… (…) chamava-lhe estúpida, outras coisas assim, mandava-a para o caralho, chamava-a porca e pronto outras coisas assim. Xingava-a muito com “não prestas para nada”. Pronto isto também já foi … era o que eu ouvia. E ouvia muito barulho lá em casa, portas a baterem, antes de ter o menino.”
GM ___, 1:27m e 02:27m CD 20200106153115_19899640_2871127:
“Resido na porta ao lado há mais de 8 anos. Não sou íntima deles (…). A convivência não era muito tranquila, em que haviam bastantes discussões e nomeadamente alguma forma de maltrato verbal. (…) Ouvia de minha casa, como se fosse dentro da minha casa. (…) Eu ouvia a maior parte das vezes o senhor H____ a discutir com a Sra. D. TP______ porque também tem um tom de voz bastante mais alto. A Sra. D. TP______ não a ouvia responder.”.
2:27m
“O conteúdo das conversas (…) outras vezes eram maus tratos verbais em que o Sr. H____ a chamava de estupida e burra.”
d) E, ainda, as declarações da Assistente, CD 20200106145708_19899640_2871127,
07:08m “Ele é um homem muito alto, muito robusto, falta muito alto e às vezes é um bocadinho agressivo.”
08:30m
“Em 19 de março ele acordou-me, tal como me acordava quase todas as noites, por volta das 2h/3h da manhã a querer ter relações sexuais e eu não tinha disponibilidade porque eu acordava muito cedo (…) E foi então que ele foi agressivo comigo, foi a primeira vez que foi agressivo fisicamente. (…) deu-me dois estalos.”
e) Depois de ter saído de casa, em 19 de março de 2019, “Desde então tem havido, houve mais ciúmes, saber onde é que eu estava e pedia sempre para ver o menino. Eu permitia que ele fosse ver o menino, mas ele não ligava ao menino, queria saber onde é que estava. Aí começavam os insultos, eu não queria que ele fizesse em frente ao menino, mas não consegui evitar.”
f) E, ainda, que costumava apelidar a Assistente de “prostituta” “puta” “mentirosa” “que eu era uma desavergonhada” “que andava com outros”. – cfr 10:20m.
g) Mais, também durante o período em que a Assistente esteve grávida do filho de ambos, a relação entre os dois pautou-se pela desconfiança do arguido relativamente à paternidade, colocando em causa da fidelidade da Assistente.
“(…) durante o período da gravidez o arguido começou por apresentar expressões ofensivas e de desconfiança relativamente à sua lealdade e fidelidade, assim como, o acentuar de consumos abusivos de álcool por parte daquele.” – Cfr. fls. 2 do relatório social, 485 e 486 dos autos.
h) Demonstra-se, assim, que a relação entre Assistente e arguido já era conturbada antes de, pelo menos, março e junho de 2019.
i) Datas essas, em cujos factos são de tal forma graves, que per si, justificam a determinação e medida da pena aplicada em concreto ao arguido no caso dos autos.
j) Mais, e pese embora o arguido tente demonstrar o contrário, a verdade é que a partir da agressão ocorrida a 19 de março, aquele visitava o seu filho, cerca de duas vezes por semana, em casa da Assistente, mas sem lá tomar as refeições ou pernoitar.
k) Pelo que, é falso, que os mesmos tenham feito as pazes depois da agressão de 19 de março de 2019, pese embora as suas testemunhas tenham tentado confirmar a versão do arguido nesta matéria.
l) A própria mãe do arguido acabou por admitir que ligava ao filho para saber se o mesmo ia jantar, e que tal não acontecia antes de março de 2019. – cfr. CD 20200205130736_19899640_2871127.
03:49m
Mãe arguido: “(…) eu telefonava-lhe quando era há noite “vinhas jantar?”, há tarde… “vens jantar?” telefonava-lhe e ele dizia “não tou com a TP______.”
MP: “Mas porque é que a senhora lhe telefonava para ir jantar? Isso era habitual?”
Mãe Arguido: “Sim, às vezes eu telefonava para ir jantar e como ele só lá foi levar aquelas coisas…eu depois durante o dia não sei se estava com ela, com quem estava…”
MP: “Minha senhora! Vamos ver. Anteriormente a março do ano passado, a senhora telefonava ao seu filho para perguntar se ele ia lá jantar a casa ou não?”
Mãe do arguido: “Não, antes de março não.”
MP: “E porquê que a senhora passou a fazer isso depois de março?”
Mãe do arguido: “Só porque ele levou as coisas e eu pensei que ele … sei lá… que ele tivesse chateado com ela. “
06:05m
“(…) eu achava que eles estavam chateados… porque ele tinha levado aquelas coisas.”
m) Indicando, assim, que era com ela que residia, pernoitava e tomava as suas refeições, tendo logo levado naquela altura, 03:20m “algumas roupas, computador, umas coisas assim.”
n) O facto de o arguido não concordar com a prova produzida, nem com a matéria de facto dada como provada, por não lhe ser favorável, não significa que a mesma não seja verdade, nem que tenha não tenha sido produzida prova.
o) Aliás, as declarações prestadas pelo arguido em julgamento são tão ou mais contraditórias, como as presentes motivações que se respondem.
p) Atente-se, por exemplo, ao artigo 31.º das motivações, por exemplo, no qual diz: “É a palavra da assistente contra a do arguido, sendo que arguido assume o incidente de junho, não assumindo este de março – o que não faria qualquer sentido, em assumir o mais grave e não assumir um alegado incidente de menor gravidade.”
q) Em primeiro lugar, apelidar os factos de março de 2019, no qual o arguido agrediu com duas bofetadas a assistente, como sendo de “menor gravidade” é grosseiro.
r) E, em segundo lugar, dizer que “assume o incidente de junho”, é no mínimo estranho.
s) Os factos dados como provados em sentença, resultam, sem dúvidas, da prova produzida em julgamento não existindo, nesta matéria e contrariamente ao alegado, qualquer nulidade ou “lapso manifesto na elaboração da sentença”.
t) Alega, ainda, o Recorrente que o tribunal entendeu valorar o depoimento da assistente, por ser credível, em contraponto do discurso do arguido. – Cfr. artigo 21.º das motivações.
u) Ora, Venerandos Desembargadores, basta a mera audição das declarações do arguido em julgamento, para se perceber que as mesmas de credíveis e coerentes não têm nada.
v) O Recorrente inventou uma versão, diga-se ridícula, se não fosse tão grave, dos factos ocorridos no dia 14 de junho de 2019. – Cfr. 14:00m 20200106142856_19899640_2871127
“Eu só dei dois encontroes na porta e tentei chamar a polícia antes, só parti a porta porque o meu filho estava a chorar compulsivamente dentro de casa. Eu só pensei no meu filho. E também não fui a correr atras dela para lhe tentar fazer alguma coisa…
Quando eu vi o meu filho com ela... o meu filho tava à frente a chorar compulsivamente e ela tava histérica, tentei imobilizar o carro para ela não sair dali, que o menino tava à frente. Foi a minha única intenção. (…) Não lhe chamei nenhum nome.”
w) Contudo, em sede de motivações parece que mudou ideias e afirma: “(…) no que diz respeito aos factos criminosos praticados no dia 14/06 [e não 17/06] estamos perante um episodio pontual do arguido, um desvaneio”. – Cfr. Artigo 53.º das motivações.
x) Questiona-se Venerandos Desembargadores, que factos criminosos praticou então o arguido? Quais são os que assume agora? Em audiência de julgamento, nem arrependido se mostrou dos factos ocorridos naquela noite, presenciados pelo seu filho.
y) Mas, agora, surpreendentemente, já afirma ter-se tratado de um “desvaneio” e de um facto isolado12
z) Os depoimentos das testemunhas da Acusação e Assistente, foram credíveis e claros quanto à dinâmica do sucedido. Nada mais disseram ou acrescentaram relativamente ao que presenciaram.
aa) De relevar, os depoimentos dos Agentes da PSP, os primeiros a abordar a Assistente na rua e os primeiros a chegar ao local.
bb) Atente-se às declarações de, Agente da PSP, CD 20200106160845_19899640_2871127, 01:36m:
“Nós estávamos no âmbito de patrulhamento (…) na altura que entramos no carro para seguir o nosso patrulhamento, cerca das 05 horas da manhã, vimos uma senhora que até vinha, entrou um bocadinho na faixa de rodagem em sentido contrário, e ao aperceber-se disso, estacionou logo ali o carro num jeito acelerado e vem com uma criança ao colo para o carro ao qual eu estava.”
2:20m: “Dizendo que o seu ex-companheiro estava em casa e que a queria matar… que tinha uma arma branca, eu tentei-me aperceber e inteirar da situação, perguntando-lhe onde é que era a artéria onde estava a decorrer essa situação. (…)
3:10m “Nisto encetámos direção à Rua Possidónio da Silva, onde se encontrava apenas um senhor junto ao numero que a senhora tinha dito e que a passo acelerado se dirigiu para o carro da PSP e disse logo, interpelou-nos e disse logo “ia mesmo ligar para vocês” (…) o senhor explicou-nos a situação… o discurso dele não era muito coerente porque muitas das vezes contradizia-se a ele próprio. (…) Perguntei pela situação narrada pela sua ex-companheira e ele admitiu que sim.”
05:29m “Nós visualizamos os pneumáticos dianteiros da viatura que a senhora conduzia cortados e então, no decorrer da conversa com o suspeito, eu próprio lhe perguntei se tinha utilizado uma arma branca, e perguntei qual é que era a viatura em que ele se transportava. (…) Eu ao deslocar-me à viatura, foi perfeitamente visível no lado do pendura uma arma branca à qual eu o interroguei se aquela arma branca era dele e ele diz que sim, que utilizava para se defender.” “Uma faca de cozinha”.
cc) E, do Agente da PSP Fábio Rodrigues, cfr. 20200106162416_19899640_2871127:
01:13m
“(…) quando estávamos em patrulhamento visualizamos a senhora no caso vitima a dirigir-se num tom aflito em direção à esquadra de Campo de Ourique, pedindo por auxilio, por socorro, com uma criança ao colo (…) a senhora explicou em breves trechos que seria o ex-companheiro que teria arrombado a porta e que estaria com uma faca na mão (…).”
02:19m
“Chegamos ao local, o senhor tava a sair da residência, abre a porta da entrada e dirigiu-se a nós a dizer que também já nos estava prestes a ligar, (…) num discurso bastante exaltado, desconexo, que até aparentaria estar sob o efeito de alguma coisa, … desregulação ali emocional e do discurso do Sr. H____.”
02:59m
“Posto isto, (…) fomos verificar a questão da porta, totalmente arrombada, e ao ouvir da minha ação direta com o suspeito, ouvi-o mesmo a dizer … pronto coisas que não sei se o tribunal me permite dizer … “a vítima metia dois homens ao mesmo tempo na cama junto com a criança e depois metia só um…” que lhe drogava as salsichas, e envenenava a comida e bebida (…)”.
dd) Questionado pela Digma. Procuradora, se tinha chegado a ver alguma faca com o arguido, respondeu o mesmo Agente, 04:44m: “Sim. A faca estava escondida, mas visível, no carro em que fizemos a reportagem fotográfica. (…) Ao espreitar da parte do lado direito do pendura, na parte da frente, (…) via-se a faca lá.”
ee) E, o arguido após ter confrontado com a faca na sua viatura, terá respondido:
05:40m “Se bem me recordo na altura, disse ao colega José Silva que seria para defesa pessoal ou algo do género.”.
ff) Ora, no caso vertente, o arguido encontrava-se numa situação de união de facto com a Assistente, e perante o conjunto fáctico apreciado e julgado, não restam dúvidas aquele, com a sua conduta preencheu e praticou os factos de que vinha acusado.
gg) Desde logo, sujeitou a sua companheira a humilhações, a violência psicológica e física como resultou provado, ofendendo a sua dignidade, enquanto ser humano, violando o seu direito à saúde psíquica e mental, bem como à sua integridade física.
hh)E, tudo, na presente no filho menor de ambos.
ii) A condenação e a medida na pena aplicadas, tiveram como fundamento a prova produzida em audiência de julgamento, o relatório social junto aos autos, e, em concreto, as declarações prestadas pelo arguido e pela assistente.
jj) A Mma. Juíza a quo valorou, e bem, única e exclusivamente, as declarações para memória futura da Assistente e das testemunhas de acusação, à versão contraditória e incoerente do arguido.
kk) Nem in dúbio pro reo se poderia ter aplicado outra pena diversa daquela que foi aplicada pelo douto tribunal a quo, uma vez que, NÃO existiu qualquer dúvida dos factos ocorridos a 14 de junho de 2019, designadamente,
ll) De acordo com as declarações da assistente, CD ROM 20190702151639_19805204_2871066:
02:40m
“Ele apareceu por volta das 20horas, eu já estava a jantar com o menino. Ele entrou e depois de eu tratar do menino dirigiu-se a mim e disse-me “Eu hoje não vou sair daqui”, como habitualmente, porque estão homens la em baixo à espera que eu saia para entrarem. E começaram os insultos (…)”.
03:00m
(…) “Fui deitar o menino, quando regressei reparei que as minhas chaves não estavam na porta, porque a porta já tem de estar trancada porque o menino já alcança a fechadura.
Reparei que as minhas chaves não estavam na porta e que a porta estava trancada, entrei na sala e ele começou-me a pedir o telemóvel. “Dá-me o teu telemóvel para não poderes avisar os homens que la estão em baixo de que eu hoje não vou sair daqui. E eu recusei-me a dar o telemóvel e aí houve a primeira violência física.”
03:14m
“Ele agarrou-me os pulsos, tirou-me o telemóvel do bolso e deu-me com o telemóvel no nariz e disse-me para eu me manter calada para não acordar o menino e que ele ia-me arrancar os olhos. Só ameaças e insultos.”
03:44m
“Quando ele abre a janela, (…) eu aí pedi socorro, ajudem-me que eu estou fechada e não tenho telemóvel. E a vizinha do lado bateu à porta e perguntou-me: “Vizinha quer ajuda?”.
“Por favor chame a polícia que eu estou trancada e sem telemóvel.”
04:07m
“Ele de imediato abre a porta à vizinha e diz-lhe, “deixe estar vizinha que eu próprio saio”, e nem fechou a porta. Foi buscar a mala dele (…) e saiu. (…) quando me apercebi não tinha nem as minhas chaves, nem o meu telemóvel. Ele levou as chaves e o telemóvel. Eu tenho umas chaves de segurança, outra cópia… tranquei-me por dentro cruzei a chaves…”
mm) Relativamente a este primeiro período temporal, dia 14 de junho, por volta das 20horas da noite, atente-se o discurso, nada coerente do arguido, cfr, CD ROM 20200106142856_19899640_2871127:
18:30m
“Eu cheguei com a comida. Ela tinha-me ligado para aí há 10m e tinha-me dito se eu ainda tava atrasado, porque tinha-me dito anteriormente que era para eu trazer a comida do Burger King. (…) Mal eu cheguei ela começou logo a dizer, que ao Sábado eu ia sempre a piscina com o meu filho, e ela começou a dizer para eu me ir embora, que logo depois de jantar ia para a Costa e já não ia há piscina.”
19:12m
“A discussão começou toda a partir daí. Entretanto eu disse que ia lá ficar, que nos tínhamos combinado que íamos la ficar como todas as sextas e sábados, (…) e eu não tava a perceber porque é que ela tava a dizer que ia para a costa. E a discussão continuou. O menino ficou sempre a dormir na sala onde ela tava e continuou a discussão. Também não foi assim nada de … muito especial. Ninguém chamou nomes a ninguém.”
20:01m
“Entretanto eu fiquei lá até sei lá há 1 ou 2 da manhã. “
nn)Ora, são claramente duas versões contraditórias entre Assistente e arguido.
oo) No entanto, oiça-se o depoimento de, vizinha do lado esquerdo da Assistente, CD 20200106153115_19899640_2871127:
03:00m
“Eu intervim num dia (…) em que ouvi a Sra. D. TP______ a pedir por socorro. Dentro da casa e o meu quarto… os nossos quartos ficam lado a lado penso eu, e eu ouvi a TP______ realmente a chamar por socorro. (…) Foram vários gritos de socorro, muito aflitos, os quais me fizeram imediatamente levantar da cama e ir bater à porta.”
03:46m
“Há porta apareceu o H____, eu reconheci-lhe e voz a perguntar o que é que eu queria, ao que eu perguntar para o lado de dentro “se era preciso chamar a policia” e a TP______ disse que sim. (…) Eu não chamei a polícia, fui para dentro de casa porque já estava bastante exaltada com a situação… fui para dentro de casa e a Sra. D. TP______ o que me disse é que era preciso chamar a polícia porque ele a tinha preso lá dentro.”
05:43m
“Passado 10/15m de eu ter ido para dentro de casa, penso que o H____ terá saído. (…) Tenho ouvido alguém a tentar arrombar-lhe a porta, que penso que terá sido o H____ (…) nessa mesma madrugada, que terá tocado à porta e terá arrombado a porta. Pelo estado da porta no dia a seguir estava meio emparada (…).
pp) Quando questionada pela Digna. Procuradora se ouviu pontapés, encontroes na porta, respondeu, a 06:34m “Bastantes, bastantes.”
qq) Ora, Venerandos Desembargadores, não é, sequer necessário, apelar à logica e senso comum, para se compreender que quem fala a verdade é a Assistente.
rr) Cuja versão é corroborada, não só pela vizinha, ora testemunha  , como pelo relatório fotográfico junto aos autos, no qual se observa a porta arrombada.
ss) Mas também pelos Agentes da PSP que se deslocaram ao local para tomar conta da ocorrência, in casu,  , 09:22m, ao afirmar que a porta estava totalmente danificada.
tt) E, ainda, pelas declarações de  , vizinha do prédio ao lado, 3:18m, CD 20200106155257_19899640_2871127:
“Acordei com o senhor a partir a porta toda. Eu sei que é a porta agora. Porque antes ouvi muito barulho (…) Aquilo ficam paredes com paredes. (…) Eu acordei com muitos gritos, tomo o comprimido para dormir e acordei com muitos gritos, da menina, da senhora, e dele a chamar-lhe nomes e a querer apanhá-la.”
04:07m
“Chamou-a de puta e outras coisas assim, mas pronto, e eu moro sozinha e os animais não paravam de ladrar. Eu venho ca abaixo com medo, e vejo ela a esconder-se assim atrás de um carro com um bebé ao colo, com o menino ao colo.”
“(…) eu acho que era o carro dela. Assim a esconder-se, assim a esconder-se. Eu a chama-la, mas também tava com medo (…) depois, entretanto chegou a polícia.”
uu) Quando questionada se ouvir algum pedido de socorro, também a testemunha foi perentória a dizer que sim: “Isso ajuda-me ajuda-me ela pediu”. – Cfr. 05:06m.
vv) Ora, quanto ao que se passou, então, após o arguido entrar na residência da Assistente depois de ter arrombado a porta, ambas as versões também divergem:
21:03m Arguido - 20200106142856_19899640_2871127
“Entretanto cheguei lá, tentei bater à porta, ouvi o meu filho a chorar compulsivamente.
(…) Ela começou aos gritos lá de dentro. Vou chamar a polícia, mas não sei porquê não conseguia chamar a polícia (…) O meu filho estava a chorar compulsivamente e eu não a ficar ali parado à espera que o meu filho… (…) Arrebentei com a porta. Eu não fiz mais mal nenhum lá dentro. E as facas que lá tavam eram as delas. E ela é que tinha a faca na mesa da sala.”
ww) Em contrapartida, a Assistente afirma que, a 04:33m, CD 20200106145708_19899640_2871127:
“Ouvi, pum pum, ele a arrombar a porta. Não sei porquê, calcei os ténis e escondi-me atrás da porta da cozinha até que a porta cedeu, ao final de 5/10m de arrombamento. A porta cedeu e, entretanto, ele entrou para dentro de casa, viu-me atrás da porta da cozinha, arrombou a porta da cozinha, e dirigiu-se a mim e perguntou onde é que eles estão? E foi para o quintal.”.
05:09m
“Ele voltou do quintal, já com duas facas da cozinha, e eu estava sentada no sofá e ele dirigiu-se a mim e disse sai daí, “arranco-te os olhos” “vou-te matar”, “porque ele tá debaixo do sofá, sai daí, estás a esconde-lo”. E nisto o menino chora, acordou, e eu pensei que podia fugir, mas não ia fugir sem o menino. Fui buscar o menino e a minha mala tava pendurada ao lado da porta de saída, peguei na mala e passei pela porta arrombada (…) a sorte foi eu ter passado o menino, porque conforme eu passo o menino ele baixame a faca e eu consegui passar.”
05:50m
“Ele veio atrás de mim, eu na rua ainda me baixei atrás do carro para ele não localizar de imediato o meu carro, consegui abrir o fecho. Ele quando ouviu o fecho localizou o carro, e só tive tempo de mandar o menino para o … do lado e tranquei a central. E ele esfaqueou o pneu do carro e eu arranquei porque a esquadra é ao cimo da minha rua
(…)”.
xx) ___, vizinha do prédio ao lado, afirma que viu o arguido a sair do interior da casa, à procura da Assistente, com um objeto na mão 06:13m, a qual estava escondida atrás de um carro.
yy) Tudo coincidente com a versão da Assistente e corroborado pelas testemunhas, vizinhas, e pelos Agentes da PSP que tomaram conta da ocorrência.
zz) Ora, posto isto, não se aceita, nem pode aceitar, que o Recorrente, ponha em causa a determinação e medida da pena, por “não se rever nos factos pelos quais vinha acusado”13 num “facto isolado”…
aaa) Tanto a pena a que foi condenado, como o seu quantum, está mais que justificado na douta sentença recorrida.
bbb) “Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.” SIC (nosso sublinhado).
ccc) Atendendo aos factos provados e à prova produzida, segundo as regras da experiência comum, não existe qualquer violação, nem se verifica qualquer desproporção do quantum da pena.
ddd) Ora, no caso dos autos, o Recorrente não enuncia, nem faz, qualquer juízo comparativo a demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que poderia justificar a intervenção corretiva e respetiva amplitude, quanto à determinação da pena.
eee) Limita-se a afirmar que foi um episodio pontual do arguido, um devaneio.
fff) E isto, quando em sede de audiência de discussão e julgamento, negou a prática de qualquer ilícito criminal, não demonstrando autocensura ou arrependimento.
ggg) Os factos que foram julgados nestes autos são graves, muito graves!
hhh) Mas, em momento algum do julgamento ou do recurso, o arguido entendeu a gravidade da sua conduta e do que fez à Assistente.
iii) Prova disso, a título de exemplo, é o relatório de ocorrência datado de 12 de junho de 2020, já após a leitura da sentença e do Recorrente ter sido condenado a três anos de prisão, efetiva. – Cfr. Doc 1.
jjj) Tendo terminado o relatório com a seguinte avaliação: “Neste sentido, afigura-se imprescindível uma intervenção urgente do tribunal junto do arguido, no sentido de o sensibilizar para a necessidade de respeitar as regras inerentes à presente medida de coacção e se prevenir que situações idênticas se voltem a repetir, sem prejuízo desta Equipa continuar a desenvolver acções sensibilizadoras e dissuasoras junto do mesmo.”
kkk) O que originou a que o tribunal tivesse que se pronunciar, nos termos que agora se juntam como Doc 2.
lll) Tal como descrito na douta sentença recorrida, a fls. 40, a necessidade de prevenção geral é elevada, face ao aumento do número de crimes de violência doméstica julgados na comarca de Lisboa.
mmm) A moldura penal do caso concreto é de 2 a 5 anos de prisão, cfr. artigo 152.º n.º 1, al. b) e n.º 2. al. a).
nnn) Pelo que, considera-se mais que justificada e adequada, ponderados os factos provados pelo douto tribunal a quo, a aplicação de 3 (três) anos de prisão.
ooo) Contudo, o ora Recorrente, pese embora diga, no artigo 52.º das motivações, que lhe devia ter sido aplicada a pena mínima de 2 (dois) anos, desconhece-se quais as razões de facto e de direito para entender a aplicação desta pena.
ppp) As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
qqq) “Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados”.
rrr) Valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, tendo em conta a natureza e gravidade dos factos integrantes dos ilícitos, o tempo em que ocorreram, a personalidade do arguido projetada nos factos e revelado por estes,
sss) que dá conta da propensão do arguido para delinquir,
ttt) as exigências de prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização, sem prejuízo do limite da culpa que é intensa, e tendo ainda em conta o efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido,
uuu) e os limites mínimo e máximo da pena que se situa entre os 2 e 5 anos, entende-se ser insuscetível de suspensão na sua execução, por tal se opor, precisamente, às exigências de prevenção geral e especial atenta a inexistência de juízo de prognose favorável que legitime a conclusão de que basta a simples censura do facto e a ameaça da pena para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
vvv) O douto tribunal a quo, justificou, e bem, os fundamentos para não suspender a execução da pena de prisão aplicada, designadamente, e em suma, o relatório social do arguido, no qual transcreve que o mesmo se manifestou muito reativo face à sua condição de arguido.
www) O seu percurso laboral irregular, comportamentos aditivos, a gravidade dos factos julgados e, ainda, a falta de arrependimento e assunção da prática dos factos.
xxx) Sendo que, não é fundamento aceitável, o facto da não suspensão implicar a perda de trabalho, o qual irregular, e a impossibilidade de continuar a pagar a pensão de alimentos ao menor, no valor de € 200,00 “como tem feito até à presente data”. Cfr. artigo 74.º das motivações.
yyy) Atente-se Venerandos Desembargadores, que até nesta parte o recorrente falta à verdade, uma vez que não paga pensão de alimentos desde outubro de 2019, inclusive, até julho de 2020, o que originou a entrada de incumprimento RRP – Cfr. Doc 3.
zzz) Não existe, assim, qualquer erro notório na apreciação da prova por parte do douto tribunal, pelo que terá também, nesta parte, o recurso que improceder.
aaaa) Finalmente, alega o Recorrente, nulidade da sentença por vicio da falta de fundamentação jurídica no que concerne ao PIC.
bbbb) Afirmando, tratar-se de um valor excessivo, e que o tribunal não logrou justificar a atribuição desse concreto valor a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
cccc) Termina, contudo, o Recorrente, alegando que “face ao evento de junho de 2019, deveria a mesma ser reduzida, para valor nunca superior a € 3000,00”. – Cfr. artigo 81.º das motivações.
dddd) O douto tribunal a quo, justificou, de facto e de direito, conforme fls. 44, 45 e 46 da sentença recorrida, a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais.
eeee) Remetendo para os factos provados, a justificação factual que leva à fixação e quantificação da indemnização no PIC peticionado pela Assistente.
ffff) Dos factos dados como provados e da fundamentação, relevam para esta matéria, as declarações das seguintes testemunhas:
gggg) 09:20m 20200106155257_19899640_2871127, MT ___: “A TP______ vi-a uns 5 ou 6 dias depois… assim muito nervosa, com o menino.”
hhhh) Questionado sobre o estado emocional da Assistente, aquando a abordagem policiar a 14 de junho, respondeu o Sr. Agente da PSP, o seguinte, CD 20200106160845_19899640_2871127, 08:13m:
“A TP______ estava alterada, nervosa, estava a chorar, (…) o discurso era uma voz trémula, devido à situação que tinha passado.
iiii)No mesmo sentido vai o depoimento de Fábio Rodrigues, Agente da PSP, 20200106162416_19899640_2871127, 06:18m “A vítima deixou o carro quase no meio da estrada e correu em passo acelerado pela Rua   , em direção À esquadra, são mais ou menos 100m/150m, do sítio onde a senhora deixou o carro, ela vinha a correr mesmo… atrapalhadíssima. (…) A chorar compulsivamente, a pedir por socorro, por clemencia, por ajuda, tava mesmo agoniada a senhora.”
jjjj) 21:20m- Assistente – 20200106145708_19899640_2871127 “Não fui trabalhar nos três dias seguintes, segunda, terça e quarta. E quando regressei no dia 24 de junho tinha um [email] para o profissional, com um link para o Youtube.
Não consigo abrir esse tipo de links. Só imprimi e juntei no processo. Não tinha nada no corpo do email. E o alcatrão da minha rua, apareceu também, mais ou menos nessa altura, escrito CUIDADO a pincel.”
kkkk) E, efetivamente, por toda a produzida em audiência de julgamento, outra não podia ser a conclusão senão a condenação do arguido na totalidade do pic peticionado pela Assistente, o que se mantém e reitera.
*
1.4. O MINSTÉRIO PÚBLICO exerceu o seu direito de resposta à interposição do recurso, pugnando pela sua improcedência.
*
1.5. Nesta instância, a Exmª. Procuradora-geral Adjunta, na intervenção a que se refere o art. 417º, n.º 1, do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, sufragando o entendimento expendido pelo MP da 1ª instância.
Mais acrescentou:
O Recorrente vem invocar o vício do erro notório, vício decisório, o qual, como vício da sentença, necessariamente teria de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Pela nossa parte, não descortinamos a existência de qualquer erro, menos ainda notório, no texto da decisão recorrida.
Como é jurisprudência pacífica do S.T.J. (cfr. por todos o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 02.03.2016 no processo 81/12.4GCBNV.Ll.Sl, disponível em www.dgsi.pt},
lI - ( ... ) Os vícios do n.2 2 do art. 4102 do CPP, todos eles relativos ao julgamento da matéria de facto, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
IlI - Quanto ao vício previsto pela ai. a) do n.2 2 do art. 4102 do CPP, o mesmo só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
IV - Quanto ao vício previsto pela al. b) do número 2 do art. 410º do CPP, verifica-se contradição insanável - a que não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – da fundamentação - quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão.
V - Quanto ao vício previsto pela al. c) do número 2 do art. 410º do CPP, o mesmo verificasse quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.
( ... )"
O vício do erro notório na apreciação da prova, apontado pelo Recorrente, como vício da sentença, necessariamente teria de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Ora, não se mostram apontados quaisquer erros concretos notórios na apreciação da prova.
E na realidade, nós também não os descortinamos.
O Recorrente mais não fez, a nosso ver, do que apresentar a sua interpretação da prova produzida, que é diversa da efectuada pelo Tribunal.
O Recorrente invoca falta de fundamentação, mas vem apenas questionar o valor da indemnização fixada, que a nosso ver se mostra perfeitamente adequada e equilibrada, sendo que nós não lográmos detectar qualquer falha na fundamentação, nem omissão ou excesso de pronúncia.
Na verdade, toda a fundamentação da douta sentença sob recurso é coerente e lógica e conforme às regras da experiência comum, sendo fruto de uma adequada e criteriosa apreciação da prova, apresentando de forma clara para qualquer cidadão médio as razões pelas quais se decidiu assim.
Assim e com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Recorrente vem apenas, a nosso ver, pretender pôr em causa a convicção do Tribunal através da sua própria interpretação da prova produzida.
Pretende, pois, impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Como se vê do Ac. TRL de 18/07 /2013, "III - ( ... ) Quando os recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art. 412º número 3 do Código de Processo Penal ( ... )".
Ora, o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova.
A sindicabilidade da matéria de facto dada como provada é algo bem diverso da questionabilidade da valoração da matéria de facto que o Tribunal entenda efectuar.
O regime legal estabelecido em matéria de recursos penais prevê que, para que possa ter lugar o reexame da prova, os Recorrentes cumpram o formalismo correspondente, designadamente o do n.º 3 do art. 412º do C.P.P., devendo as conclusões conter a menção aos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (alínea a), as provas que impõem decisão diversa da recorrida (alínea b) e as que devem ser renovadas (alínea c), com referência aos suportes técnicos (nº4).
O que o Recorrente em bom rigor não fez a nosso ver de forma consistente, pois veio apenas apresentar uma apreciação dos factos diversa da efectuada pelo Tribunal.
Com efeito, o Recorrente apresenta uma apreciação dos factos diferente da do Tribunal, designadamente questionando a decisão da matéria de facto no tocante aos factos constantes dos n.ºs 4, 5, 6, 7, 9, 11, 30, 40 e 44, mas fá-lo sem apontar quaisquer factos concludentes que permitam contraditar a apreciação efectuada pelo Tribunal e sem conseguir apresentar provas que imponham decisão diversa, como determina o art. 412º n.º 3 ai. b), do C. de Processo Penal.
Consequentemente, a matéria de facto ficou assente.
Manifestamente, o Recorrente pretende é pôr em causa a convicção do Tribunal a quo através da sua própria interpretação da prova produzida, pois que não há provas que imponham decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo.
Na verdade, a impugnação da decisão em matéria de facto "terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão" - cfr. o ACTC n.2 198/04, publicado no DR, li Série, de 2/06/2004.
A convicção do Tribunal só pode ser posta em causa em função das regras de experiência comum, ou seja, quando, pelo raciocínio lógico, da razão e do pensamento, baseado naquelas regras, se chega à conclusão de que a convicção do julgador está eivada de erro (erro de julgamento), que suscita dúvidas razoáveis que põem em causa a decisão - cfr., neste sentido, o Ac. Relação de Coimbra, de 25/11/2009, no processo 157/08.2GHCTB.Cl, acessível em www.dgsi.pt.
Não é o caso, posto que o Tribunal a quo explica com clareza e sem ambiguidades, num raciocínio claro e de acordo com as regras da experiência comum, as razões da credibilidade das declarações e dos documentos em que se fundou, cumprindo correcta e integralmente o requisito "exame crítico" exigido por lei.
Conforme bem se explicita no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/04/2003, proferido no processo 0310298, "Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável".
No mesmo sentido, cfr. ainda o Acórdão proferido pelo TRP de 06/03/2002, no Pº 0111381, "Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis, torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova."
Por outro lado, e ao invés do que pretende o Recorrente, a diversidade de versões não determina, só por si, a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Neste sentido, cfr. o Ac. da Relação de Coimbra de 14/07 /2010, Pº 77 /07.8GBACB.Cl, acessível em www.dgsi.pt,
"1 - A diversidade das versões expostas não faz, necessariamente, operar o princípio in dúbio pro reo. Este pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório."
Como se vê do Ac do STJ de 18/04/2012, no Pº 138/10.6GBTNV, relatado pelo Cons. Souto Moura, "a violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou em estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados".
No mesmo sentido, veja-se o Ac. da Relação de Lisboa proferido em 17 /06/2015 no Pº 54/12.7PARGR.Ll-3, desta 3ª Secção:
"( ... )
O princípio in dubio pro reo é, pois, uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal.
Pressupondo a violação deste princípio um estado de dúvida no espírito do legislador, deve a mesma ser tratada, nesta perspectiva, como erro notório na apreciação da prova.
Assim sendo, para que se possa afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dubio pro reo, terá de resultar de forma evidente do texto da sentença recorrida - por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou então dos juízos lógicos que possam ser efectuados sobre a factualidade em apreço, ou a prova documental plena que não haja sido atendida - que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
O que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável. ( ... )"
Dúvida esta em que manifestamente o Tribunal a quo não se encontrou.
Verificam-se todos os elementos do tipo legal do crime pelo qual o arguido foi condenado.
Inexiste a nosso ver qualquer motivo que possa conduzir à alteração da matéria de facto, à alteração da medida da pena e da sua execução.
A decisão recorrida mostra-se bem fundamentada, de forma lógica e conforme às regras da experiência comum, sendo fruto de uma adequada e criteriosa apreciação da prova, tendo feito correcta qualificação jurídica e aplicado pena justa e adequada, não merecendo qualquer censura.
Inexiste qualquer justificação para a pretendida suspensão da execução da pena, pois que e como se vê da douta sentença proferida,
"( ... )
Atendendo aos factos gravíssimos praticados pelo arguido, à ausência de auto-censura, à personalidade, às condições de vida, às condutas anteriores e posteriores ao crime e à idade, não se entende que a ameaça de aplicação de pena de prisão e a censura do facto constituem pena suficiente para o arguido.
( ... )"
Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a decisão recorrida.
*
1.6. No âmbito do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu a esse parecer.
*
1.7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. – Objeto do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso.[1]
Como bem é referido no Parecer da Srª Procuradora-geral Adjunta, as questões a apreciar na presente decisão circunscrevem-se às seguintes:
1. Erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto;
2. Violação do princípio in dubio pro reo
3. Erro notório 
4. Falta de fundamentação
5. Suspensão da execução da pena de prisão
6. Redução da quantia indemnizatória.
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2.1.1. Da decisão
Para bem decidir importa atentar na factualidade, no segmento que ora nos importa, em que assentou a condenação proferida, dando-se aqui por reproduzidos os factos que o tribunal deu por assentes e não assentes:
1-FACTOS PROVADOS
Resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão:
1 - O arguido e a assistente, TP______, iniciaram um relacionamento amoroso em 2004, em meados de 2006 começaram a viver em comunhão de cama, mesa e habitação, e viveram em união de facto, durante cerca de 15 (quinze) anos;
2 - A partir de 2013 o arguido e a assistente passaram a viver juntos na residência sita na Rua ______., na zona da Estrela, tendo-se separado em 19-03-2019, data em que o arguido saiu de casa;
3 - Dessa relação nasceu, B_____
4 - Desde o início que a relação era pautada por cenas de ciúmes do arguido para com a companheira, o que originava discussões;
5 - Em datas não concretamente apuradas, mas certamente entre 2013 e 19-03-2019, muitas vezes o arguido não deixava a assistente sair de casa para visitar familiares ou amigos, sendo que nessas ocasiões o arguido dizia-lhe que "se saíres parto isto tudo, mato-te a ti e ao menino, não tenho nada a perder";
6 - A situação agravou-se desde o nascimento do filho comum do casal, por o arguido não assumir as suas responsabilidades como pai e continuar a ter um comportamento possessivo para com a assistente, o que gerava discussões;
7 - No dia 19-03-2019 de madrugada, na sequência de uma discussão por causa de ciúmes do arguido, este começou a gritar com a assistente e agrediu-a com bofetadas na cara, levando a vizinha do lado a chamar a polícia;
8 - Nessa data, 19-03-2019, a assistente pôs um fim ao relacionamento com o arguido, que saiu de casa nessa mesma noite, ficando a assistente a viver na mesma casa com o filho bebé;
9 - Apesar dessa separação, entre Março e Junho de 2019 o arguido continuou a frequentar a casa da assistente cerca de duas vezes por semana, com o propósito de visitar o seu filho, e com o acordo da assistente;
10 - Contudo, durante essas visitas o arguido não se preocupava com o filho e passava a maior parte do tempo a discutir com a assistente, motivado por ciúmes, dizendo-lhe ''puta, mentirosa, andas metida com outros homens", o que gerava na assistente muita ansiedade e mal estar;
11 - Para além disso, entre Março e Junho de 2019 o arguido constantemente telefonava à assistente para saber onde ela estava, e andava a rondar os locais onde a mesma trabalhava e onde almoçava, controlando desta forma os seus movimentos;
12 - No dia 14-06-2019, pelas 20 horas, o arguido deslocou-se mais uma vez à residência da assistente, alegadamente para visitar o seu filho;
13 - A assistente foi deitar o seu filho bebé no quarto de dormir, permanecendo o arguido sozinho na sala de estar;
14 - Aproveitando a ausência temporária da ex-companheira, o arguido trancou a porta de casa com as chaves e apoderou-se das mesmas, para que a assistente não pudesse sair de casa e ninguém lá pudesse entrar;
15 - Quando a assistente voltou à sala de estar, o arguido, possuído pelo ciúme e pela desconfiança, disse-lhe num tom autoritário "dá-me o teu telemóvel para não poderes avisar os homens que lá estão em baixo, porque eu hoje não vou sair daqui, sua desavergonhada a receber homens em casa com o bebé lá dentro";
16 - Como a assistente se recusou a entregar-lhe o telemóvel, o arguido agarrou-a pelos pulsos, tirou-lhe o telemóvel à força (que estava no bolso do pijama), e desferiu-lhe uma pancada com o telemóvel no nariz, que provocou na assistente ferimentos na cara;
1 7 - Já com o telemóvel na sua posse, o arguido começou à procura de mensagens dos homens que alegadamente tinham encontro marcado com ela, mas não encontrou qualquer mensagem suspeita;
18 - Enquanto lhe inspeccionava o telemóvel, a assistente pedia-lhe para lhe devolver o telemóvel e sair, e o arguido insultava e ameaçava a ex-companheira dizendo "está calada puta, vou-te arrancar os olhos, os homens que estão lá em baixo querem entrar quando eu sair de casa";
19 - Quanto o arguido abriu a janela da sala para espreitar para a rua e procurar os homens que alegadamente estariam à espera para se encontrar com a excompanheira, esta aproveitou essa ocasião para pedir socorro gritando para a rua "socorro, ajudem-me, estou trancada em casa e não tenho telemóvel";
20 - Nessa altura a vizinha do lado, ouvindo os gritos de socorro que vinham daquela casa, toca à campainha e pergunta se a assistente precisa de ajuda;
21 - A assistente pediu à vizinha para chamar a polícia dizendo que estava presa, mas o arguido disse à vizinha que não era necessário, destrancou a porta, foi buscar a mala e depois saiu para a rua levando consigo as chaves de casa e o telemóvel da assistente, pelas 22 horas;
22 - Apercebendo-se que o arguido levara consigo as chaves de casa e o telemóvel, a assistente usou a cópia de segurança das chaves, que tem em casa, para trancar a porta por dentro e evitar ser de novo importunada;
23 - Horas depois, já a assistente estava deitada, cerca das 3 horas, o arguido voltou àquela residência, começou a chamar alto pela assistente e, causando um enorme estrondo, desferiu vários pontapés e encontrões na porta de entrada até a mesma se partir, e entrou de rompante dentro daquele apartamento;
24 - Enquanto ouvia a porta a ser arrombada, durante os cinco minutos em que o arguido persistentemente dava pontapés e encontrões na porta, a assistente escondeu-se em pânico por detrás da porta da cozinha, que fechou temendo o reencontro com o arguido naquele estado de raiva e exaltação;
25 - Uma vez no interior da residência, o arguido seguiu a assistente até à cozinha, arrombou a porta da cozinha e dirigiu-se à assistente aos gritos a perguntar "Onde é que eles estão? Onde é que eles estão?", referindo-se aos homens que julgava estarem a ter um encontro com a assistente;
26 - Da cozinha o arguido saiu para o quintal adjacente, que faz parte daquela casa, à procura desses tais homens, e voltou a entrar na cozinha munido de duas facas e foi até à sala onde estava a assistente em pânico sentada no sofá;
27 - Então o arguido disse à assistente aos berros enquanto lhe apontava as duas facas "Sai daí, arranco-te os olhos, vou-te matar, ele está debaixo do sofá, sai daí, estás a escondê-lo!";
28 - Com os gritos do arguido, o seu filho bebé que estava a dormir no quarto acordou e a assistente foi ter com o menino;
29 - Aproveitando a desorientação do arguido, que procurava homens em todos os cantos da casa munido das facas, a assistente, temendo pela sua vida, pegou no filho ao colo e saiu de casa a correr, passando pela porta arrombada e dirigindo-se à rua para fugir daquele ataque de ira do ex-companheiro;
30 - Enquanto passa a correr pelo arguido, ainda dentro de casa, este tenta desferir um golpe na assistente com a faca, só não a atingindo por pouco, porque a assistente se baixou e rapidamente saiu dali;
31 - Chegada à sua viatura, um "Fiat Punto" estacionada naquela rua, a assistente escondeu-se atrás da mesma com o seu filho, para evitar ser vista pelo arguido que a perseguira até à rua com uma faca;
32 - Contudo, ao accionar o fecho da viatura, emitindo o som de abertura, o arguido localizou o carro da assistente e foi a correr nessa direcção;
33 - Então a assistente entrou depressa dentro da sua viatura com o filho bebé e trancou-a por dentro, evitando assim ser agredida e atingida com a faca pelo arguido que vinha atrás de si;
34 - Vendo-se impedido de entrar no carro e agredir a assistente, por a viatura estar trancada, o arguido usou a faca que trazia para desferir um golpe no pneu dianteiro direito, furando-o;
35 - Apesar do furo, a assistente conseguiu pôr o carro em andamento e fugir daquele lugar em direcção à Esquadra da polícia, no cimo daquela rua, alertando então os agentes da PSP que logo a seguir detiveram o arguido em quase flagrante delito;
36 - Em consequência das agressões que lhe desferiu nessa noite de 14-06-2019, nomeadamente os apertos nos pulsos e a pancada com o telemóvel no nariz, a assistente sofreu as seguintes lesões:
a) na cara: tumefacção, de consistência duro elástica, à direita da linha média da região frontal, com cerca de 1 cm de diâmetro;
b) no braço direito: duas equimoses amareladas, na face posterior do punho, cada uma com 0,5 cm de diâmetro;
37 - O arguido nunca chegou a devolver as chaves de casa e o telemóvel da assistente de que se apoderou na noite de 14-06-2019;
38 - Na sequência da sua detenção em flagrante delito e do primeiro interrogatório judicial de detido a que foi submetido, foram aplicadas ao arguido em 15-06-2019 as medidas de coacção de proibição de contactar com a assistente e de proibição de se aproximar a uma distância inferior a 150 metros da sua residência;
39 - Apesar da imposição destas proibições, após a sua libertação e pelo menos até fins de Junho de 2019 o arguido continuou a tentar contactar a assistente por telefonema e por email, contudo esta bloqueou os números de telefone e não permitiu qualquer comunicação com o ex-companheiro;
40 - Todas as agressões que o arguido desferiu na assistente, designadamente as bofetadas, a pancada no nariz, e os arranhões nos braços, provocaram na ofendida dores e hematomas nas partes do corpo atingidas;
41 - Como consequência da conduta do arguido, a assistente sentiu um intenso receio pela sua vida e pela sua integridade física, bem como pela vida do seu filho, para além de se sentir vexada e humilhada;
42 - O arguido agiu com o intuito concretizado de causar dores e lesões corporais na assistente, ciente que ao agredi-la da forma descrita, tal meio era apto a provocar-lhe dores e lesões;
43 - Ao dirigir à assistente as expressões supra descritas, o arguido agiu com o propósito de amedrontar e humilhar a sua ex-companheira, bem sabendo que essas expressões, atento o seu estado de exaltação e as agressões que as acompanharam, eram aptas a provocar na assistente receio pela sua vida e integridade física e a ofender a sua honra e dignidade;
44 - Ao praticar os factos supra descritos, agredindo, ameaçando a assistente com facas, privando-a da liberdade, mantendo-a presa em casa, impedindo-a de comunicar com familiares durante vários anos, agredindo-a com chapadas e murros, perseguindo-a e furando-lhe o pneu do carro, arrombando-lhe a porta da rua, apoderando-se das chaves de casa, tudo actos praticados dentro da residência familiar e em frente ao filho menor do casal, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde física e psíquica da sua ex-companheira, mãe do seu filho, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu realizar;
45 - Em todas as condutas supra descritas, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei;
46 - O arguido levou consigo o telemóvel da assistente de marca "Samsung" modelo "Galaxy A5" (2016) preto e não o devolveu;
47 - O arguido causou danos à assistente no valor de €209,00 (duzentos e nove euros) do telemóvel;
48 - Consequência directa desta conduta, a assistente pediu um telemóvel emprestado a uma amiga, que ainda o utiliza, bem como a segunda via do cartão SIM;
49 - Para o efeito, pagou a quantia de €15,01 (quinze euros e um cêntimos) - documento nº l cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
50 - A substituição da porta de entrada da residência, arrombada pelo arguido, custou €719 ,5 5 (setecentos e dezanove euros e cinquenta e cinco cêntimos) -documento nº2 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
51 - A substituição do pneu, furado pelo arguido, custou €30,75 (trinta euros e setenta e cinco cêntimos) - documento nº3 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
52 - A assistente, na sequência dos factos ocorridos nos dias 14 e 15 de Junho e por não estar em condições psicológicas teve de faltar ao trabalho nos dias seguintes, 17, 18 e 19 de Junho - documento nº 4 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
53 - O que correspondeu a uma perda salarial no montante de €130,47 (cento e trinta euros e quarenta e sete cêntimos);
54 - A assistente vive com medo, receio e pânico do arguido;
55 - Todos os dias, receia que o arguido faça jus às ameaças de morte que proferia e, ainda, profere;
56 - Vive com medo de sair de casa pois o afastamento de 150 metros não é suficiente face aos factos relatados;
57 -A assistente sentiu-se e ainda se sente humilhada e envergonhada não só perante o seu filho, que embora não entenda o significado dos impropérios proferidos, sabe tratar-se de algo mau e grave;
58 - Mas também perante as suas vizinhas do prédio, as quais têm conhecimento de toda a situação pelo facto de assistirem ao ocorrido ou ouvirem os gritos do arguido, enquanto injuria a ex-companheira;
59 - Inclusive uma das vizinhas foi obrigada a intervir, chamando a polícia, uma vez que a assistente gritava por ajuda no interior da sua habitação e havia sido bofeteada pelo arguido;
60 - Toda esta situação causou mau estar, vexame, humilhação e vergonha à assistente, a qual, há muito, que não consegue encarar as vizinhas do prédio;
61 - Mesmo após a assistente ter terminado o relacionamento com o arguido e a ter agredido, este continuou a assediá-la e persegui-la, deslocando-se ao seu local de trabalho, ao sítio onde almoçava, à sua residência;
62 - Isto fez com que durante, pelo menos, três meses, a assistente vivesse em terror e tivesse que alterar as suas rotinas diárias, sempre com medo do comportamento do arguido ou que este concretizasse as ameaças feitas;
63 - A assistente não esquece o que aconteceu;
64 - Na presente data, continua com medo de sair à rua e de estar, sequer, na presença do arguido quando este visita o filho menor;
65 - O arguido é solteiro mas tem um filho de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de idade que depende economicamente dele;
66 - O arguido paga mensalmente cerca de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros) de pensão de alimentos ao filho;
67 - O arguido aufere mensalmente €600,00 (seiscentos euros) a €700,00 (setecentos euros) da sua actividade profissional de motorista de TVDE;
68 - O arguido tem o 12º (décimo segundo) ano de escolaridade;
69 - No relatório social de fls. 485 a 486 dos autos consta:
"( ... )H______e TP______ Cime, ofendida no presente processo, viveram em condições análogas à dos cônjuges durante quinze anos, tendo vivido anteriormente uma relação de namoro pelo período de dois anos. Da união, cuja rutura ocorreu na sequência dos factos que deram origem ao presente processo, nasceu um filho atualmente com dois anos de idade. Quer o arguido quer a ofendida consideraram o relacionamento como harmonioso e pautado por laços de amizade e companheirismo verbalizando ambos o período de gravidez e o nascimento do filho como fator determinante na alteração da dinâmica do casal.
De acordo com TP______ Cime, durante o período da gravidez o arguido começou por apresentar expressões ofensivas e de desconfiança relativamente à sua lealdade e fidelidade, assim como, o acentuar de consumos abusivos de álcool por parte daquele.
H______abandonou a casa de família em 19 de março de 2019 passando a residir com a progenitora num apartamento com condições de habitabilidade em Loures. Mantém contactos com o filho, estão regulamentados dois períodos de visita semanais com acompanhamento dos avós matemos, com quem refere manter uma relação de proximidade afetiva.
Iniciou o seu percurso escolar em idade normal tendo abandonado a escola após concluir o 9° ano de escolaridade para se iniciar laboralmente. Entre 2012 a 2014 frequentou por intermédio do Instituto de Emprego e Formação Profissional um curso profissional de técnico de informática de nível IV, com equivalência ao 12 º ano de escolaridade.
H______tem desenvolvido diversas atividades laborais ao longo do seu percurso de vida, registando também alguns períodos de inatividade. Das atividades exercidas salientam-se a de colaborador numa empresa de serviços de limpeza e a de motorista profissional. Presentemente, e desde o passado mês de outubro, exerce a atividade de motorista por conta de outrem na empresa prestadora de serviço de transportes privado urbano (UBER), auferindo um vencimento mensal na ordem dos €800. Em termos económicos o arguido refere uma situação estável contribuindo para as despesas domésticas.
H______não refere quaisquer hábitos aditivos ou problemáticas de saúde, no entanto, é referido pela vítima, os hábitos aditivos como uma das causas da alteração de comportamento do arguido.
Na sequência da eclosão do presente processo, H______encontra-se sujeito à medida de coação de afastamento e proibição de contactos com a vítima:fiscalizada por vigilância eletrónica, através do sistema de geo-localização (vulgo GPS) desde 16Nov2019 ( ... ) H______manifestou-se muito reativo face à sua condição de arguido e não se revê nos factos pelos quais se encontra acusado, ainda que reconheça a desadequação de algumas condutas por si adotadas.( ... )
Da avaliação das condições sociais e pessoais de H______salientam-se corno áreas de maior vulnerabilidade a sua postura face aos factos pelos quais se encontra acusado, o percurso laboral irregular e, pese embora a não assunção por parte do arguido de comportamentos aditivos, existe a referência pela ofendida do acentuar de consumos abusivos de álcool com consequências ao nível do seu comportamento.
Assim sendo, na eventualidade de vir a ser condenado e a medida concreta da pena permita a sua execução na comunidade, parece-nos fundamental que a mesma tivesse acompanhamento institucional, com supervisão por parte da DGRSP, que contemplasse a obrigatoriedade de se submeter:
- frequência do P A VD - Programa para Agressores de Violência Doméstica - que tem a duração mínima de 18 meses, de modo a trabalhar a falta de consciencialização que evidencia face à responsabilidade em condutas violentas, bem corno na aprendizagem de estratégias que permitam a não replicação das mesmas;
- manutenção da proibição de contactos com a ofendida;
-sujeição a urna avaliação no âmbito de consulta de comportamentos aditivos e eventual acompanhamento terapêutico ( ... )";
70 - Por sentença de 07.10.2011, transitada em julgado a 07.11.2011, proferida no âmbito do processo comum singular nº 140/05 .O PCLSB do 5° Juízo Criminal de Lisboa e 2ª Secção, foi o arguido condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €4,00 (quatro euros) pela prática em 25.02.2005 de um crime de consumo de estupefacientes - por despacho de 14.02.2014 foi declarada extinta a pena.
*
2-FACTOSNÃOPROVADOS
Não se provou que:
1 - No dia 14-06-2019, chegado a casa da assistente, o arguido começou de novo a discutir com ela, dizendo que estavam homens à porta do prédio à espera que ele saísse para se encontrar com ela, que ela tinha combinado com eles num site da internet de encontros sexuais, insultando-a, dizendo-lhe "puta, mentirosa, andas metida com outros homens";
2 - A assistente ignorou estes impropérios do ex-companheiro.
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2.1.2. O tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:
Para formar a convicção do Tribunal, quanto à matéria dada como provada, foram determinantes as declarações da assistente TP______ e das testemunhas __________ que explicaram os factos de forma que se afigurou credível.
O arguido explicou a sua relação com a assistente mas explicou que não lhe bateu nem nunca a agrediu com faca embora tenha dado dois encontrões na porta e partiu-a porque o filho estava a chorar compulsivamente dentro de casa assim como explicou que tentou imobilizar o carro da assistente porque o filho estava a chorar mas não chamou "nenhum nome" à assistente tal como ainda explicou que saiu de casa a 14 de Junho e a 19 de Março houve discussão e rebentou a porta como também explicou que pegou na faca que estava em cima da mesa na sala para se defender e foi atrás da assistente com a faca, a assistente entrou no carro e ele tentou paralisar o carro porque ela "amandou o menino para o banco da frente", confessou que furou o pneu do carro e agiu para defender o filho.
Mais explicou o arguido a sua situação económica e familiar.
A assistente, em declarações para memória futura, explicou a relação amorosa que teve com o arguido de quem tem um filho e de quem está separada desde 19 de Março de 2019 assim como explicou o que aconteceu neste dia com as palavras e descrição da actuação do arguido tal como o fez quanto ao que aconteceu no dia 14 de Junho de 2019 e como se sentiu.
A primeira testemunha explicou como, sendo vizinha da assistente-arguido, viu que era a vivência do casal com discussões e mau trato verbal que ela ouvia na casa "como se fosse dentro" da sua própria casa ouvindo o arguido "discutir" com a assistente mas não ouvia a assistente responder tendo ouvido o arguido dirigir à assistente as palavras "estúpida" e "burra" assim como explicou que ouviu a assistente pedir/chamar por socorro dentro de casa e ouviu-lhe vários gritos de socorro muito aflitos que a fizeram sair de imediato da cama e ir lá tendo o arguido, dentro de casa sem abrir a porta, lhe perguntado o que queria tendo ela perguntado à assistente e ela pediu-lhe para chamar a polícia porque o arguido a tinha presa lá dentro e ela foi a casa tendo a polícia aparecido cerca de quarenta minutos a uma hora mas percebeu que cerca de quinze minutos depois dela sair o arguido também saiu bem como ainda explicou que nessa madrugada ouviu pontapés e bastantes encontrões quando o arguido arrombou a porta de casa da assistente tendo ela própria visto a porta no dia seguinte e viu o pai da assistente a consertar a porta nesse dia.
A segunda testemunha explicou que tomou conta de um senhor vizinho da assistente no primeiro andar do prédio onde viviam arguido e assistente e ouvia discussões mas só ouvia o arguido a gritar sem ouvir a assistente tendo-o ouvido dizer as palavras "estúpida", "vai para o caralho", "porca", "não prestas para nada" tal como ouvia muito barulho com a porta a bater e ouviu o arguido dizer "onde é que ele está", e viu a porta toda partida no outro dia assim como acordou com os gritos da assistente e do arguido tendo ouvido o arguido chamar a assistente de "puta" e ela pedir "ajudem-me, ajudem-me", viu-a esconder-se atrás do carro dela com o menino e viu que o arguido trazia qualquer coisa na mão e ir atrás da assistente que andava, com o menino, tendo ouvido a sirene e viu chegar a polícia.
A terceira testemunha explicou como no exercício da sua actividade profissional de Agente da P.S.P. de patrulha auto na zona de Campo de Ourique cerca das 5 horas da manhã viu uma senhora conduzir em sentido contrário e estacionar em jeito acelerado e em passo acelerado com uma criança dizer-lhe que o companheiro com uma arma a tentava matar tal como explicou que a assistente estava alterada, nervosa, a chorar e com voz tremula.
Explicou que foi à Rua onde estava o arguido, que a passo acelerado, lhes disse que ia ter com eles explicando-lhes em discurso pouco coerente e contradizendo-se falando de vários relacionamentos e que haviam dois indivíduos dentro de casa mas depois já dizia que só havia um que não conseguia identificar e tendo visto os pneus cortados perguntou ao arguido se usava arma branca e qual a viatura que usava (porque o arguido lhe havia dito que vivia em Loures) tendo visto no carro do arguido uma faca de cozinha que o arguido lhe disse que usava para se defender e lhe disse também que furou os pneus com a faca.
Mais explicou a testemunha que estava com dois colegas que assistiram à conversa e que foi ele que elaborou o auto de notícia assim como explicou que ficou à porta de casa da assistente tendo visto a porta danificada.
A quarta testemunha explicou como no exercício da sua actividade profissional de Agente da P.S.P. no carro patrulha viu uma senhora a chorar compulsivamente a pedir socorro dirigindo-se em tom aflito à Esquadra de Campo de Ourique, deixou o carro, com pneus furados por arma branca, no meio da estrada e correu para a Esquadra com uma criança ao colo dizendo que o companheiro arrombou a porta com faca na mão pelo que esta testemunha se deslocou à Rua Possidónio Silva vendo o arguido sair da porta da residência e dirigiu-se a eles com discurso exaltado e desconexo tendo depois ido ver a porta que estava totalmente arrombada ouvindo ainda o arguido dizer que a senhora metia dois homens na cama com a criança mas depois já dizia que era só um homem e também dizia que lhe envenenava as salsichas.
Mais explicou esta testemunha que viu a faca (escondida mas visível) no carro do arguido e que o arguido lhe disse que a usou nos pneus em desespero mas também disse ao colega José Silva que era para defesa pessoal.
A quinta testemunha explicou como no exercício da sua actividade profissional de Agente da P.S.P. com os colegas viu aparecer uma senhora muito nervosa e a chorar que saiu do carro, que tinha os pneus da frente danificados por faca, com uma criança ao colo e disse que o marido a queria matar pelo que foram à morada indicada tendo-lhes aparecido o arguido que falou com o colega tendo esta testemunha ficado junto do carro assim como explicou que foi apreendida a faca que estava na viatura.
A testemunha _________ sendo mãe da assistente explicou a relação da filha com o arguido.
A testemunha _______ explicou que recebeu mensagem da assistente com fotocópia de notícia do jornal Correio da Manhã e perguntou-lhe, por escrito, tendo a assistente lhe respondido que estavam os dois bem e que o arguido não lhe tinha tocado assim como explicou que não está com a assistente há muito tempo.
Esta testemunha não mereceu qualquer credibilidade pois como disse que não estava com a assistente há muito tempo não presenciou os factos nem sequer falou com a assistente pois senão estava com ela a assistente não lhe ia falar por mensagem.
A testemunha ___________ sendo irmã do arguido explicou o relacionamento deste com a assistente tendo percebido que "as coisas entre ambos" não estavam bem tendo falado com a mãe para se preparar que "as coisas não iam durar mais tempo".
A testemunha ________ sendo amigo do arguido explicou como viu a relação entre este e a assistente sendo a última vez a 12 de Junho de 2019 que o viu
Sendo amigo do arguido e se como disse o viu na última vez no dia 12 de Junho de 2019 por altura dos santos populares, o Tribunal acredita que não seria nesta data festiva comemorativa dos santos populares que o arguido lhe ia contar como se dirigia à companheira e mãe do seu filho e lhe dissesse as palavras que lhe dirigia nem lhe iria contar que andava pela casa à procura de homens que companheira "metia em casa".
A testemunha _________ sendo mãe do arguido explicou que este vive com ela desde Junho de 2019 tendo levado mais coisas do que aquelas que levou em Março e como era o relacionamento dele com a assistente.
Ponderando as declarações do arguido e da assistente e os documentos que constam dos autos designadamente os assentos de nascimento e o relatório social, o Tribunal ficou convencido do inicio e fim da relação amorosa e nascimento do filho comum pelo que ficou assim convencido de que o arguido e a assistente, TP______, iniciaram um relacionamento amoroso em 2004, em meados de 2006 começaram a viver em comunhão de cama, mesa e habitação, e viveram em união de facto, durante cerca de 15 (quinze) anos.
A partir de 2013 o arguido e a assistente passaram a viver juntos na residência sita na Rua ______., na zona da Estrela, tendo-se separado em 19-03-2019, data em que o arguido saiu de casa - foi esta data da saída de casa que consta do relatório social elaborado com base nas declarações do arguido e da assistente bem como a que resulta das declarações da mãe do arguido em audiência de julgamento explicou a saída do arguido e como o arguido levou os seus bens faseadamente para a casa da progenitora e ficou aí a viver.
Dessa relação nasceu, B______.
Atentas as declarações da assistente claras e precisas e o que consta do relatório social, o Tribunal ficou convencido de que desde o início que a relação era pautada por cenas de ciúmes do arguido para com a companheira, o que originava discussões que de tal modo eram feitas em tom de voz do arguido alto que eram ouvidas pelas vizinhas como o explicaram as duas em audiência de julgamento tendo a testemunha GM ___ dito que ouvia as palavras do arguido em tom de voz tão alto que as ouvia na sua própria casa como se fosse dentro da própria casa e que em datas não concretamente apuradas, mas certamente entre 2013 e 19-03-2019, muitas vezes o arguido não deixava a assistente sair de casa para visitar familiares ou amigos, sendo que nessas ocasiões o arguido dizia-lhe que "se saíres parto isto tudo, mato-te a ti e ao menino, não tenho nada a perder".
A situação agravou-se desde o nascimento do filho comum do casal, por o arguido não assumir as suas responsabilidades como pai e continuar a ter um comportamento possessivo para com a assistente, o que gerava discussões.
Atentas as declarações da assistente e da testemunha GM ___, vizinha do casal, o Tribunal ficou convencido de que no dia 19-03-2019 de madrugada, na sequência de uma discussão por causa de ciúmes do arguido, este começou a gritar com a assistente e agrediu-a com bofetadas na cara, levando a vizinha do lado a chamar a polícia.
Nessa data, 19-03-2019, a assistente pôs um fim ao relacionamento com o arguido, que saiu de casa nessa mesma noite, ficando ela a viver na mesma casa com o filho bebé.
Apesar dessa separação, entre Março e Junho de 2019 o arguido continuou a frequentar a casa da assistente cerca de duas vezes por semana, com o propósito de visitar o seu filho, e com o acordo da assistente.
Contudo, durante essas visitas o arguido não se preocupava com o filho e passava a maior parte do tempo a discutir com a assistente, motivado por ciúmes, dizendo-lhe ''puta, mentirosa, andas metida com outros homens", o que gerava na assistente muita ansiedade e mal estar.
Para além disso, entre Março e Junho de 2019 o arguido constantemente telefonava à assistente para saber onde ela estava, e andava a rondar os locais onde a mesma trabalhava e onde almoçava, controlando desta forma os seus movimentos.
Atentas as declarações precisas e coerentes da assistente, o Tribunal ficou convencido de que no dia 14-06-2019, pelas 20 horas, o arguido deslocou-se mais uma vez à residência da assistente, alegadamente para visitar o seu filho.
A assistente foi deitar o seu filho bebé no quarto de dormir, permanecendo o arguido sozinho na sala de estar e aproveitando a ausência temporária da excompanheira, o arguido trancou a porta de casa com as chaves e apoderou-se das mesmas, para que a assistente não pudesse sair de casa e ninguém lá pudesse entrar.
Quando a assistente voltou à sala de estar, o arguido, possuído pelo ciúme e pela desconfiança, disse-lhe num tom autoritário "dá-me o teu telemóvel para não poderes avisar os homens que lá estão em baixo, porque eu hoje não vou sair daqui, sua desavergonhada a receber homens em casa com o bebé lá dentro".
Como a assistente se recusou a entregar-lhe o telemóvel, o arguido agarrou-a pelos pulsos, tirou-lhe o telemóvel à força (que estava no bolso do pijama), e desferiu-lhe uma pancada com o telemóvel no nariz, que provocou na assistente ferimentos na cara.
Já com o telemóvel na sua posse, o arguido começou à procura de mensagens dos homens que alegadamente tinham encontro marcado com ela, mas não encontrou qualquer mensagem suspeita.
Enquanto lhe inspeccionava o telemóvel, a assistente pedia-lhe para lhe devolver o telemóvel e sair, mas o arguido insultava e ameaçava a ex-companheira dizendo "está calada puta, vou-te arrancar os olhos, os homens que estão lá em baixo querem entrar quando eu sair de casa".
Quanto o arguido abriu a janela da sala para espreitar para a rua e procurar os homens que alegadamente estariam à espera para se encontrar com a excompanheira, esta aproveitou essa ocasião para pedir socorro gritando para a rua "socorro, ajudem-me, estou trancada em casa e não tenho telemóvel".
Nessa altura a vizinha do lado, ___, ouvindo os gritos de socorro que vinham daquela casa, toca à campainha e pergunta se a assistente precisa de ajuda.
A assistente pediu à vizinha para chamar a polícia dizendo que estava presa, mas o arguido disse à vizinha que não era necessário, destrancou a porta, foi buscar a mala e depois saiu para a rua levando consigo as chaves de casa e o telemóvel da assistente, pelas 22 horas.
Apercebendo-se que o arguido levara consigo as chaves de casa e o telemóvel, a assistente usou a cópia de segurança das chaves, que tem em casa, para trancar a porta por dentro e evitar ser de novo importunada.
Mas, horas depois, já a assistente estava deitada, cerca das 3 horas, o arguido voltou àquela residência, começou a chamar alto pela assistente e, causando um enorme estrondo, desferiu vários pontapés e encontrões na porta de entrada que foram ouvidos pela vizinha, até a mesma se partir, e entrou de rompante dentro daquele apartamento.
Enquanto ouvia a porta a ser arrombada, durante os cinco minutos em que o arguido persistentemente dava pontapés e encontrões na porta, a assistente escondeu-se em pânico por detrás da porta da cozinha, que fechou temendo o reencontro com o arguido naquele estado de raiva e exaltação.
Uma vez no interior da residência, o arguido seguiu a assistente até à cozinha, arrombou a porta da cozinha e dirigiu-se à assistente aos gritos a perguntar "Onde é que eles estão? Onde é que eles estão?", referindo-se aos homens que julgava estarem a ter um encontro com a assistente.
Da cozinha o arguido saiu para o quintal adjacente, que faz parte daquela casa, à procura desses tais homens, e voltou a entrar na cozinha munido de duas facas e foi até à sala onde estava a assistente em pânico sentada no sofá.
Então o arguido disse à assistente aos berros enquanto lhe apontava as duas facas "Sai daí, arranco-te os olhos, vou-te matar, ele está debaixo do sofá, sai daí, estás a escondê-lo!".
Com os gritos do arguido, o seu filho bebé que estava a dormir no quarto acordou e a assistente foi ter com o menino.
Conjugando as declarações precisas, claras e coerentes da assistente, da testemunha ____ e dos três Agentes da P.S.P., o Tribunal ficou convencido da actuação seguinte do arguido que desorientado procurava homens em todos os cantos da casa, munido das facas, e a assistente aproveitando-se dessa desorientação e temendo pela sua vida, pegou no filho ao colo e saiu de casa a correr, passando pela porta arrombada, dirigindo-se à rua para fugir daquele ataque de ira do ex-companheiro.
Enquanto passa a correr pelo arguido, ainda dentro de casa, ele tenta desferir um golpe na assistente com a faca, só não a atingindo por pouco, porque a assistente se baixou e rapidamente saiu dali.
Chegada à sua viatura, um " estacionada naquela rua, a assistente escondeu-se atrás da mesma com o seu filho, para evitar ser vista pelo arguido que a perseguira até à rua com uma faca.
Contudo, ao accionar o fecho da viatura, emitindo o som de abertura, o arguido localizou o carro da assistente e foi a correr nessa direcção.
Então a assistente entrou depressa dentro da sua viatura com o filho bebé e trancou-a por dentro, evitando assim ser agredida e atingida com a faca pelo arguido que vinha atrás de si.
Vendo-se impedido de entrar no carro e agredir a assistente, por a viatura estar trancada, o arguido usou a faca que trazia para desferir um golpe no pneu dianteiro direito, furando-o.
Apesar do furo, a assistente conseguiu pôr o carro em andamento e fugir daquele lugar em direcção à Esquadra da polícia, no cimo daquela rua, alertando então os agentes da PSP que logo a seguir detiveram o arguido em quase flagrante delito.
Em consequência das agressões que lhe desferiu nessa noite de 14-06-2019, nomeadamente os apertos nos pulsos e a pancada com o telemóvel no nariz, a assistente sofreu as seguintes lesões:
a) na cara: tumefacção, de consistência duro elástica, à direita da linha média da região frontal, com cerca de 1 cm de diâmetro;
b) no braço direito: duas equimoses amareladas, na face posterior do punho, cada uma com 0,5 cm de diâmetro.
O arguido nunca chegou a devolver as chaves de casa e o telemóvel da assistente de que se apoderou na noite de 14-06-2019.
Na sequência da sua detenção em flagrante delito e do primeiro interrogatório judicial de detido a que foi submetido, foram aplicadas ao arguido em 15-06-2019 as medidas de coacção de proibição de contactar com a assistente e de proibição de se aproximar a uma distância inferior a 150 metros da sua residência.
Mas, apesar da imposição destas proibições, após a sua libertação e pelo menos até fins de Junho de 2019 o arguido continuou a tentar contactar a assistente por telefonema e por email, mas ela bloqueou os números de telefone e não permitiu qualquer comunicação com o ex-companheiro.
Todas as agressões que o arguido desferiu na assistente, designadamente as bofetadas, a pancada no nariz, e os arranhões nos braços, provocaram na mesma dores e hematomas nas partes do corpo atingidas.
Como consequência da conduta do arguido, a assistente sentiu um intenso receio pela sua vida e pela sua integridade física, bem como pela vida do seu filho, que não abandonou levando-o sempre consigo, para além de se sentir vexada e humilhada.
O Tribunal ficou convencido de que o arguido agiu com o intuito, concretizado, de causar dores e lesões corporais na assistente, ciente que ao agredi-la da forma descrita, tal meio era apto a provocar-lhe dores e lesões.
O Tribunal não encontrou nenhuma agressão da assistente ao arguido que pudesse levar à defesa como o arguido alegou quando disse que agiu para se defender e que agiu porque ouviu a filho a chorar - ouviu a criança chorar mas esqueceu-se que o motivo de o menino chorar foi a sua actuação.
Ao dirigir à assistente as expressões supra descritas, o arguido agiu com o propósito de amedrontar e humilhar a sua ex-companheira, bem sabendo que essas expressões, atento o seu estado de exaltação e as agressões que as acompanharam, eram aptas a provocar na assistente receio pela sua vida e integridade física e a ofender a sua honra e dignidade.
Ao praticar os factos supra descritos, agredindo, ameaçando a assistente com facas, privando-a da liberdade, mantendo-a presa em casa, impedindo-a de comunicar com familiares durante vários anos, agredindo-a com chapadas e murros, perseguindo-a e furando-lhe o pneu do carro, arrombando-lhe a porta da rua, apoderando-se das chaves de casa, tudo actos praticados dentro da residência familiar e em frente ao filho menor do casal, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde física e psíquica da sua ex-companheira, mãe do seu filho, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu realizar.
Em todas as condutas supra descritas, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
Atentas as declarações da assistente e os documentos que constam dos autos, o Tribunal ficou convencido de que o arguido levou consigo o telemóvel da assistente de marca "Samsung" modelo "Galaxy AS" (2016) preto e não o devolveu causando assim danos à assistente no valor de €209,00 (duzentos e nove euros) do valor do telemóvel.
Consequência directa desta conduta, a assistente pediu um telemóvel emprestado a uma amiga, que ainda utiliza, bem como pediu a segunda via do cartão SIM tendo para o efeito pago a quantia de €15,01 (quinze euros e um cêntimos) como consta do documento nº l cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
A substituição da porta de entrada da residência, arrombada pelo arguido, custou €719 ,5 5 (setecentos e dezanove euros e cinquenta e cinco cêntimos) como consta do documento nº2 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
A substituição do pneu, furado pelo arguido, custou €30,75 (trinta euros e setenta e cinco cêntimos) - documento nº3 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
Mais ficou convencido o Tribunal que a assistente, na sequência dos factos ocorridos nos dias 14 e 15 de Junho e por não estar em condições psicológicas teve de faltar ao trabalho nos dias seguintes, 17, 18 e 19 de Junho - documento nº 4 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido - o que correspondeu a uma perda salarial no montante de €130,47 (cento e trinta euros e quarenta e sete cêntimos).
Atentas as declarações da assistente e analisando a conduta do arguido, o Tribunal ficou convencido de que a assistente vive com medo, receio e pânico do arguido e todos os dias, receia que ele faça jus às ameaças de morte que proferia e, ainda, profere, vivendo com medo de sair de casa.
A assistente sentiu-se (e ainda se sente) humilhada e envergonhada não só perante o seu filho, que embora não entenda o significado dos impropérios proferidos, sabe tratar-se de algo mau e grave mas também perante as suas vizinhas do prédio como as duas testemunhas que prestaram depoimento em audiência de julgamento, as quais têm conhecimento de toda a situação pelo facto de assistirem ao ocorrido ou ouvirem os gritos do arguido, enquanto injuria a ex-companheira - inclusive uma das vizinhas foi obrigada a intervir, chamando a polícia, uma vez que a assistente gritava por ajuda no interior da sua habitação e havia sido bofeteada pelo arguido - toda esta situação causou mau estar, vexame, humilhação e vergonha à assistente, a qual, há muito, que não consegue encarar as vizinhas do prédio.
Mesmo após a assistente ter terminado o relacionamento com o arguido e a ter agredido, este continuou a assediá-la e persegui-la, deslocando-se ao seu local de trabalho, ao sítio onde almoçava, à sua residência e isto fez com que durante, pelo menos, três meses, a assistente vivesse em terror e tivesse que alterar as suas rotinas diárias, sempre com medo do comportamento do arguido ou que este concretizasse as ameaças feitas pois não esquece o que aconteceu e na presente data, continua com medo de sair à rua e de estar, sequer, na presença do arguido quando este visita o filho menor pois a presença da criança de tenra idade não impediu o arguido de agir como agiu designadamente quando perseguiu a mãe que fugiu de casa com o menino nos braços e foi atacada com uma faca e perseguida pelo arguido que corria atrás com uma faca na mão e que utilizou para cortar os pneus do carro onde estavam mãe e filho e tentar impedir a fuga dos mesmos para lugar seguro.
Foram tidos em consideração os documentos de fls. 1 a 8 (auto de notícia), 30 (auto de apreensão), 32 a 34 (auto de exame e avaliação), 35 e 174 (guia), 36 a 40 e 148 a 156 (fotos), 68 a 71 (assentos de nascimento), 119 a 121 (declarações para memória futura), 128 a 129, 173, 175, 188, 283 e 440 (aditamentos), 140 a 142 328 de 1247 (factura), 243 a 244 (relatório de perícia), 485 a 486 (relatório social) e 518 a 519 (certificado de Registo Criminal do arguido quanto aos seus antecedentes criminais).
Quanto aos factos não provados tal deve-se à ausência de prova.
*
2.2. Do erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto
Como refere o arguido/recorrente o presente recurso tem como objecto a matéria de facto e direito da Sentença proferida nos presentes autos.
O recorrente argumenta que o Tribunal a quonão valorou, nem ponderou devidamente a prova produzida em julgamento, sendo que os factos n.º 4, 5 e 6 deveriam ter sido dados como não provados, por não terem suporte probatório e até por existir prova em contrário: Nem o arguido, nem a assistente, nem nenhuma testemunha atestou existirem cenas de ciúmes ou discussões no início da relação (2006), nem resulta da prova que, antes da data da separação indicada pela assistente (como o dia 19/03/2019), o arguido alguma vez tenha impedido a assistente de sair e conviver com amigos e familiares ou que a tenha controlado e ameaçado, também não existe nenhum suporte probatório para dar como provado que a partir do nascimento do filho o arguido tenha continuado com os seus comportamentos possessivos.
Em qualquer caso, o princípio in dubio pro reo impunha decisão diversa, pelo que deveria o facto n.º 7 ter sido dado como não provado e deveria ter sido eliminada a menção às bofetadas no facto n.º40.
Ao assim não o ter feito, violou o Tribunal a quo, o aludido princípio, do qual, em nenhum momento fez aplicação.
Nesse seguimento, também o facto n.º9 deveria ser alterado, uma vez que (…) o arguido visitava a casa de família com muita regularidade, não só para ver o filho…uma vez que tinham feito as pazes, com pernoitas do arguido (cfr. as declarações do mesmo). Por outro lado, atendendo ao tudo o quanto se referiu supra, não resulta da prova feita que o arguido tivesse rondado os locais onde a assistente trabalhava e almoçava (facto n.º11), pelo que tal deve ser eliminado dos factos provados.”
O arguido/recorrente enferma de vários lapsos interpretativos das normas processuais aplicáveis e elenca vícios que se confundem entre si o que denota uma leitura menos atenta dos preceitos processuais aplicáveis.
Na verdade, ao longo da motivação do seu recurso, o arguido/recorrente mistura duas questões bem distintas, como seja o erro de julgamento na matéria de facto e o vício previsto no artigo 410º, n. 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
É que o erro de julgamento existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ter sido considerado não provado, ou, então, o contrário.
O artº 363º do Código de Processo Penal determina a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência, para, precisamente, se permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre matéria de facto.
Já no que concerne aos vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, os mesmos têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas durante o inquérito, a instrução, ou até mesmo no julgamento.
Ou seja, neste campo não se trata de demonstrar que o tribunal errou no julgamento da matéria de facto, (neste caso a lei prevê o recurso a normas especificas[2] e que é uma questão distinta dos vícios do aludido artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Assim, caso o arguido/recorrente enverede pela invocação dos vícios constantes do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal, terá de indicar nas conclusões a norma jurídica violada sob pena de rejeição.[3]
Noutra perspetiva, e no caso do arguido/recorrente pretender impugnar a matéria de facto, como expressamente parece ser essa a sua vontade, também sob pena de rejeição, está obrigado a especificar, também nas conclusões, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas — artigo 412º, nº 3, alíneas a) e b). E, nos termos do nº 4 do mesmo artigo, quando as provas tenham sido gravadas (como foi o caso), as especificações fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. Neste sentido também se corroboram as razões invocadas no próprio parecer do MP junto a este Tribunal da Relação.
Da análise das conclusões formuladas pelo recorrente e apesar de também dizer que terá existido erro notório na apreciação da prova, alude à existência de um erro de julgamento que lhe permite impugnar a matéria de facto.
Mas, sendo assim, embora aluda aos factos concretos que foram incorretamente julgados - artigo 412º, nº 3, alínea a) – onde se encontram as passagens da gravação que impõem uma decisão da matéria de facto diferente da que foi acolhida pelo tribunal - artigo 412º, nº 3, alínea b)?
Portanto, o que se retira do recurso interposto é que o arguido/recorrente ao discutir o acerto dos factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, e conforme consta da ata de audiência de julgamento, foi realizada a gravação integral das declarações, acabou por não dar cumprimento às exigências enunciadas, visto não ter especificado nas conclusões os factos concretos incorretamente julgados, nem as provas que impõem decisão diversa da decisão recorrida, o que deveria ter feito por referência aos suportes técnicos respetivos.
Cotejando o teor da sentença a quo, o arguido/recorrente embora aludindo a declarações e depoimentos prestados não está dispensado do dever de indicar as provas (com referência aos suportes magnéticos respetivos) e as passagens da transcrição que esta Relação devia reapreciar.
Assim, constatamos que o arguido/recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos do artigo 412º, números 3 e 4, como o demonstram as conclusões da motivação do recurso, pelo que o recurso deveria ser, em princípio, rejeitado, o que só não acontece porque o recorrente também impugna matéria de direito.
Pelo exposto, embora o tribunal a quo tenha procedido à gravação das declarações e depoimentos prestados em audiência, esta Relação está objetivamente impedida de conhecer da matéria de facto, o que torna inevitável a improcedência do recurso nesta parte.
*
2.3. Violação do princípio do princípio in dubio pro reo
Alega a recorrente que “em qualquer caso, o principio in dubio pro reo impunha decisão diversa, pelo que deveria o facto n.º 7 ter sido dado como não provado e deveria ter sido eliminada a menção às bofetadas no facto n.º40.
Ao assim não o ter feito, violou o Tribunal a quo, o aludido princípio, do qual, em nenhum momento fez aplicação”.
Com o devido respeito, o arguido/recorrente parece desconhecer em que âmbito se coloca a apreciação de uma eventual violação ao princípio “in dubio pro reo” pelo Tribunal ad quem.[4]
Nos termos do Acórdão da RP de 10/05/2006, relatado por Paulo Valério, in www.gde.mj.pt, processo 0315948, do qual citamos: “… Como se diz no Ac. Rel. Coimbra de 6/12/2000 (www.dgsi.pt - Acórdãos da Relação de Coimbra) «o tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos (carácter; probidade moral) que só são verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1.ªinstância». Ac. Rel Coimbra de 3-11-2004 (recurso penal n.° 1417/04) «... é evidente que a valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha».
Diremos, desde já, cotejando o teor da sentença recorrida, que é manifesto a inexistência de qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”.
Na verdade, como se pode constatar na sentença recorrida o Tribunal a quo não manifestou quaisquer dúvidas relativamente aos factos, pelo que não estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação de um tal princípio.
O princípio “in dubio pro reo” que o arguido/recorrente invoca é, como refere Maia Gonçalves no seu" Código de Processo Penal Anotado, 2002, 13ª edição, pág. 338 “um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção não estabelece o contrário. Este princípio identifica-se com o da presunção de inocência do arguido, e impõe que o Julgador valore sempre em favor daquele um 'non liquet', e ainda que em processo penal não seja admitida a inversão do ónus da prova em seu detrimento”.
Quer dizer que o Julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência de julgamento, tiver dúvidas sobre qualquer facto, sendo certo que se trata de mero equívoco estender um princípio relativo à prova a matéria de interpretação.
O uso deste princípio só poderia ser censurado se da decisão recorrida resultasse que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ela, escolheu a tese desfavorável ao arguido.
Lendo a sentença recorrida não conseguimos descortinar, onde o arguido/recorrente se fundamenta para invocar que o tribunal a quo ficou na dúvida em determinado segmento da apreciação da motivação de facto. Aliás, nem se poderia ter fundamentado em tal porque essa dúvida não existe no texto do acórdão recorrido.
Constata-se, pelo contrário, não obstante o esforço argumentativo do arguido/recorrente por entendimento contrário, que tal dúvida nunca se colocou ao Tribunal a quo relativamente aos factos que teve como provados e que fundamentou com suficiente pertinência, valorando as provas produzidas em determinado sentido e considerando provada certa versão fáctica, em conformidade com o princípio de livre apreciação da prova que resulta do artº 127° do C.P.P..
Improcede, pois, a violação do princípio in dubio pro reo.
*
2.4.  Do erro notório na apreciação da prova
Argumenta o arguido/recorrentenão pode o Tribunal a quo penalizar desta forma um arguido, não lhe concedendo a execução suspensa da pena, apenas por este não ter reconhecido todos os factos (o que é natural, na medida em que alguns não ocorreram), até porque o arguido tem o direito de não se auto-incriminar, e no que respeita à censura, o arguido assumiu, segundo consta do relatório social, a desadequação de algumas condutas, portanto, não se pode acompanhar a conclusão deste Tribunal, existindo nesta sede, erro notório na apreciação da prova (al. c) do n.º1 do art.º 410 do CPP), o que se invoca para todos os efeitos legais.”.
Embora já tenhamos abordado do ponto de vista técnico o vicio do erro notório na apreciação da prova, vejamos mais em detalhe:
Preceitua o artigo 410.º, com a epígrafe “Fundamentos do recurso”:
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
É de verificação oficiosa os vícios constantes do art.º 410.º n.ºs 2 e 3 do C.P Penal, que, diga-se desde, já, no caso se não constatam, como se verá.
Recorde-se que a norma respeita aos vícios da decisão, sendo verificáveis pelo mero exame do próprio texto da decisão, ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum.
Quere-se com isto dizer que elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar esses vícios que, repete-se, têm de resultar do próprio texto, e apenas deste.
Da leitura da sentença recorrida resulta que o seu texto e sentido da decisão são claros, com observância das regras da lógica e clareza de raciocínio. Clareza essa que resulta desde logo da simplicidade factual e jurídica do caso, não se vislumbrando qualquer obscuridade ou contradição. Trata-se de um texto integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado.
O erro notório na apreciação da prova consiste num erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detetado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum.
É manifesta a ausência de tal erro.
É necessário que se diga: os vícios previstos no n.º 2 do art. 410º não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal a quo tomou sobre os factos. É uma questão que se coloca no âmbito da livre apreciação da prova.
Em suma, a decisão impugnada mostra-se corretamente fundamentada quer no aspeto de facto quer no direito aplicado, de forma a poder apreender-se plenamente os motivos e o processo lógico-formal que o julgador usou para, de acordo com as regras da experiência comum, formar a sua livre convicção - cfr. art. 127º do Código de Processo Penal.
Não se vislumbra, pois, que a decisão impugnada acolha conclusões incompatíveis ou contraditórias com a prova produzida e constante dos autos.
A sentença recorrida não enferma do vicio de erro notório da apreciação da prova, nem de qualquer dos restantes vícios do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
Assim, improcede o vicio de erro notório da apreciação da prova, invocado pelo arguido/recorrente.
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2.5. Da falta de fundamentação
Argumenta o arguido/recorrente que “no que ao pedido cível diz respeito, o Tribunal a quo condenou o recorrente ao pagamento de danos não patrimoniais no valor de €8.000,00, que correspondia ao pedido da assistente sem fundamentar juridicamente a quantificação da indemnização, padecendo a sentença de nulidade, por falta de fundamentação jurídica violando o disposto no art.º 615 n.º1 al b) do CPC.”.
O segmento da sentença que ora nos importa é do seguinte teor:
Nos termos do disposto no artigo 129º do Código Penal (em conjugação com o disposto nos artigos 483º, nºl, 496°, nºl e 562° e seguintes, todos do Código Civil): "a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil".
A reparação civil arbitrada em processo penal não é um efeito da condenação, o supra mencionado artigo apenas remete para a lei civil.
Para além das sanções penais que venha a sofrer, o agente de um delito encontra-se obrigado a reparar o dano do ofendido por via da restituição do produto do crime ou da equivalente indemnização no plano jurídico-civilístico.
A obrigação de indemnizar resultante da prática de factos ilícitos pressupõe a observância dos requisitos constantes do artigo 483°, nº l do Código Civil.
Preceitua o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil que:
"Aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente os direitos de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Importa, assim, apurar a existência de um comportamento do agente dominável pela vontade, ilícito enquanto violador do direito de outrem, culposo no sentido de o agente optar livremente por conduta diversa daquela exigível pela ordem jurídica, a verificação de um dano e o nexo causal entre a conduta do agente e os danos que lhe sobrevieram.
Só e apenas quando preenchidos cumulativamente os pressupostos acima indicados incorrerá o agente em responsabilidade civil por factos ilícitos e, eventualmente, no pagamento da respectiva indemnização.
Em relação aos danos não patrimoniais, ou seja, prejuízos que, insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização - vide Antunes Varela in "Das Obrigações em Geral", I, 10.ª, 2000, página 601.
Tal situação encontra-se salvaguardada pela lei civil uma vez que o artigo 496º, nº 1 do Código Civil dispõe que: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".
Atentos os factos provados e verificando-se que estão preenchidos os pressupostos legais, condena-se o arguido no pagamento da quantia de €1.104,78 (mil cento e quatro euros e setenta e oito cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais e no pagamento da quantia de €8.000,00 (oito mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas dos juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento nos termos dos artigos 21º, nº l e nº 2 da Lei nº l 12/2009, de 16.09, e 82º-A do Código de Processo Penal.
Vejamos:
O arguido/recorrente invoca a violação do disposto no artigo 615 n.º1 al b) do CPC “É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”.
Impõe a CRP que as decisões dos tribunais sejam fundamentadas na forma prevista na lei ordinária (artº. 205º, nº 1), cometendo a esta a concretização do grau de exigência que em cada caso o órgão jurisdicional deve satisfazer.
No campo específico do Direito Criminal, à semelhança do que sucede na jurisdição civil, o acto decisório final do processo (singular ou colegial) merece da lei, por razões evidentes, um grau de pormenorização dos requisitos de fundamentação elevado, cujo incumprimento determina a nulidade do acto (cf. artºs 97º2, 374º, 3 e 379º, nº1 a) do CPP).
Como é referido no acórdão proferido pelo TRG, processo nº 1716/17.8T8VNF.G1, sendo relatora a Srª Desembargadora Eugénia Cunha, datado de 4.10.2018, in www.dgsi.pt, “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação;”.
Ainda no texto do mesmo acórdão atente-se «relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”».
In casu, a sentença recorrida fundamenta juridicamente e suficientemente a fixação dos danos morais. Efetivamente estabelece o enquadramento jurídico que lhe permite fixar a quantia indemnizatória por danos não patrimoniais e remete para os factos apurados na sentença que lhe permitem graduar o montante a fixar.
Embora essa fundamentação pudesse ser mais assertiva e mais completa, que na verdade confirma-se que não foi, ainda assim, para este tribunal ad quem está suficientemente fundamentada.
Nestes termos improcede, também nesta parte, o recurso interposto.
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2.6.  Suspensão da execução da pena de prisão
Argumenta o arguido/recorrente “o Tribunal a quo condenou o arguido numa pena de prisão efectiva, de três anos, o que, atendendo à alteração da matéria de facto que se pugna no capitulo anterior, parece excessiva, pelo que ponderando os factos, deve a pena ser reduzida para o limite mínimo de dois anos, adiante, considerou o tribunal que a simples ameaça de prisão não realizava de forma suficiente as finalidades da punição, mais concretamente por o arguido não se ter auto-censurado e não ter admitido a prática dos factos, razão pela qual decidiu pela prisão efectiva (ao invés da suspensão).”.
Ora, desde já, podemos adiantar que um dos argumentos do recorrente para fazer valer a sua pretensão no sentido de se considerar excessiva a pena concreta aplicada, não tem a virtualidade de proceder considerando que não existe procedência quanto à alteração da matéria do facto.
Quanto ao mais, sempre diremos:
Face à factualidade dada por provada na sentença, o aqui recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível no artigo 152º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Penal.
O crime de violência doméstica, previsto no artigo 152º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Pena é punível com pena de 2 a 5 anos de prisão, tendo o Tribunal graduado a pena em 3 anos de prisão.
Vejamos a fundamentação expendida na sentença recorrida para não suspender a execução da pena:
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção tal como decorre do artigo 71º do Código Penal.
Verifica-se, ainda, que contra o arguido temos:
- o grau de ilicitude do facto que se considera médio,
- o dolo directo.
Mais se atende ao facto de que o arguido tem antecedentes criminais mas não pela prática de crime de violência doméstica.
Finalmente, não se pode deixar de ter em conta a necessidade de prevenção geral que é premente visto que crimes desta natureza vêm ocorrendo com frequência nesta comarca.
Ficou provado que o arguido agrediu a assistente com bofetadas, deu-lhe uma pancada no nariz e fez-lhe arranhões nos braços, provocando-lhe dores e hematomas nas partes do corpo atingidas.
O arguido agiu com o intuito, concretizado, de causar dores e lesões corporais na assistente, ciente que ao agredi-la da forma descrita, tal meio era apto a provocar-lhe dores e lesões.
Ao dirigir à assistente as expressões supra descritas, o arguido agiu com o propósito de amedrontar e humilhar a sua ex-companheira, bem sabendo que essas expressões, atento o seu estado de exaltação e as agressões que as acompanharam, eram aptas a provocar na assistente receio pela sua vida e integridade física e a ofender a sua honra e dignidade.
Ao praticar os factos supra descritos provados, agredindo, ameaçando a assistente com facas, privando-a da liberdade, mantendo-a presa em casa, impedindo-a de comunicar com familiares durante vários anos, agredindo-a com chapadas e murros, perseguindo-a e furando-lhe o pneu do carro, arrombando-lhe a porta da rua, apoderando-se das chaves de casa, tudo actos praticados dentro da residência familiar e em frente ao filho menor do casal, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde física e psíquica da sua ex-companheira, mãe do seu filho, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu realizar.
Em todas as condutas supra descritas, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
Ponderando os factos provados, entende-se ser adequada a pena de 3 (três) anos de prisão.
Não pode haver o cumprimento da pena em dias livres nem prestação de trabalho a favor da comunidade nem regime de permanência na habitação nem sequer regime de semidetenção assim como não pode a pena ser substituída por multa atentos pressupostos legais designadamente a pena é superior a um ano.
O artigo 50º do Código Penal dispõe que:
"1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (. . .)
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos. "
O Tribunal decreta a suspensão da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 (cinco) anos sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
"O carácter aparentemente facultativo que a lei atribui à aplicação desta espécie de pena não deve induzir em erro: não se trata aqui de mera «faculdade» em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção, de um poder-dever" - Figueiredo Dias in "Direito Penal Português", página 341.
Na base da decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do delinquente, entendendo-se que a censura do facto, acompanhada ou não da imposição de deveres ou regras de conduta, será suficiente para afastar o arguido da criminalidade, funcionando a condenação como uma advertência.
Neste juízo de prognose devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial, neste sentido vide Leal Henriques e Simas Santos in "Código Penal Anotado", 3ª edição, 1° volume, páginas 639 a 640.
No relatório social consta que: "( ... ) H______manifestou-se muito reativo face à sua condição de arguido e não se revê nos factos pelos quais se encontra acusado, ainda que reconheça a desadequação de algumas condutas por si adotadas.( ... )
Da avaliação das condições sociais e pessoais de H______ salientam-se como áreas de maior vulnerabilidade a sua postura face aos factos pelos quais se encontra acusado, o percurso laboral irregular e, pese embora a não assunção por parte do arguido de comportamentos aditivos, existe a referência pela ofendida do acentuar de consumos abusivos de álcool com consequências ao nível do seu comportamento.
Assim sendo, na eventualidade de vir a ser condenado e a medida concreta da pena permita a sua execução na comunidade, parece-nos fundamental que a mesma tivesse acompanhamento institucional, com supervisão por parte da DGRSP, ( ... )".
Atendendo aos factos gravíssimos praticados pelo arguido, à ausência de auto-censura, à personalidade, às condições de vida, às condutas anteriores e posteriores ao crime e à idade, não se entende que a ameaça de aplicação de pena de prisão e censura do facto constituem pena suficiente para o arguido.
Consequentemente e ponderando ainda o que consta no relatório social, a pena de 3 (três) anos de prisão em que o arguido é condenado não é suspensa na sua execução pois o arguido não teve auto-censura e não admitiu a pratica dos graves factos.
No nosso entendimento, é desnecessário tecer outras considerações para além das que ora se transcreveram, pois concordamos na íntegra com o seu teor e raciocínio lógico para não determinar a suspensão da execução da pena aplicada.
Improcede, pois, a requerida suspensão da execução da pena.
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2.7. Redução da quantia indemnizatória
Invoca o arguido recorrente que “sendo a indemnização por danos não patrimoniais excessiva, face ao evento de Junho de 2019, deveria a mesma ser reduzida, para valor nunca superior a €3.000,00.”.
Vejamos:
Diz a sentença recorrida:
Ficou provado que o arguido agrediu a assistente com bofetadas, deu-lhe uma pancada no nariz e fez-lhe arranhões nos braços, provocando-lhe dores e hematomas nas partes do corpo atingidas.
O arguido agiu com o intuito, concretizado, de causar dores e lesões corporais na assistente, ciente que ao agredi-la da forma descrita, tal meio era apto a provocar-lhe dores e lesões.
Ao dirigir à assistente as expressões supra descritas, o arguido agiu com o propósito de amedrontar e humilhar a sua ex-companheira, bem sabendo que essas expressões, atento o seu estado de exaltação e as agressões que as acompanharam, eram aptas a provocar na assistente receio pela sua vida e integridade física e a ofender a sua honra e dignidade.
Ao praticar os factos supra descritos provados, agredindo, ameaçando a assistente com facas, privando-a da liberdade, mantendo-a presa em casa, impedindo-a de comunicar com familiares durante vários anos, agredindo-a com chapadas e murros, perseguindo-a e furando-lhe o pneu do carro, arrombando-lhe a porta da rua, apoderando-se das chaves de casa, tudo actos praticados dentro da residência familiar e em frente ao filho menor do casal, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde física e psíquica da sua ex-companheira, mãe do seu filho, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu realizar.
Estes danos morais, pela gravidade e pelo tempo durante o qual se prolongaram é óbvio que merecem a tutela do direito.
Na sua fixação, ter-se-á ainda em atenção que o sofrimento da assistente foi agravado pelo facto de o filho também ter sido atingido pelas condutas do arguido/recorrente pois ficou demonstrado que parte das agressões foram praticadas à sua frente.
Tudo ponderado, tendo presentes o disposto no artº 77º do CPP, o artº  16º da Lei 130/2015, de 4 de Setembro, os artºs 483º, 487º, 486º e 496º do Código Civil, entendemos que a condenação do arguido/recorrente a pagar à demandante/assistente  a quantia de 8.000,00 (oito mil) euros a título de danos morais, se revela justa e adequada, considerando a globalidade dos danos morais a que se viu sujeita durante anos.
Termos em que se decide manter a decisão recorrida que pela sua correção nenhuma censura nos merece.
Improcede assim o recurso.
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3. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido H______ e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Comunique de imediato ao tribunal recorrido, independentemente do trânsito em julgado da presente decisão.
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Lisboa e Tribunal da Relação, aos 30 de setembro de 2020
Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP).
Alfredo Costa
Vasco Freitas
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995
[2] artº 363 do CPP
[3] artigo 412º, nº 2, alínea a) do CPP