Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12517/05.6TDLSB.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO
REPARAÇÃO DO PREJUÍZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I-A suspensão de execução de uma pena de prisão não representa um simples incidente ou mesmo só uma modalidade da execução de pena, mas constitui uma pena autónoma, e portanto na sua aceção mais restrita e exigente deve ser considerada como uma verdadeira pena de substituição no seu sentido próprio;

II-Não se encontra exorbitado no caso em apreciação o âmbito de aplicação no nº 2 do artº 51º do C.P. e os princípios inerentes a tal normativo, como seja o principio da razoabilidade, e ou da proporcionalidade, quando é o próprio arguido, que, ao longo dos anos, tão só invoca para o não cumprimento da condição a que ficou adstrito, a impossibilidade de contacto com a ofendida, depois de lhe ter sido prorrogado já, e por duas vezes, o prazo para o cumprimento da condição inerente á suspensão da pena de prisão em que foi condenado;

III- Não é inconstitucional, designadamente por violação do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efetiva reparação dos danos causados ao ofendido, pois não se trata aqui da impossibilidade de cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se a ela, suspensão da execução se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento de uma determinada quantia monetária, sendo que o seu não cumprimento pelo arguido, com a devida consequência, ou seja o cumprimento efetivo da pena de prisão, não pode espelhar de modo algum uma “prisão por dividas”.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO:

No então Processo Comum Colectivo com o nº 12517/05.6TDLSB.L1 agora, da Comarca de Lisboa-inst. Local-Secção criminal, juiz 2, o arguido, e ora recorrente foi condenado pela prática em concurso efectivo de um crime de burla qualificada, p.p. pelo artº 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 al. a), um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artº 256º nº 1 a) e nº 3 do CP, respectivamente nas penas de dois anos de prisão e de um ano de prisão, sendo que no devido e legal cumulo jurídico em 1ª instância através de acórdão proferido em 14 de Junho de 2010, foi o arguido condenado numa pena única de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução na condição de pagar no prazo de 3 meses á assistente, T...,Lda, a quantia de 15 000,00€ acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, á taxa legal ate integral pagamento.

Houve um primeiro recurso para o TRL desta decisão, o qual foi decidido através de Acórdão transitado em julgado em 9.12.2010, através do qual se concedeu parcial ao recurso, fixando-se a pena de dois anos e seis meses de prisão ficando suspensa na sua execução por dois anos e seis meses, como anteriormente decidido mas sob condição de o arguido A....M pagar á queixosa T...,Lda a quantia de 15 000,00€ (acrescida de juros de mora vencidos e vincendos á taxa legal até integral pagamento) no Prazo de DOIS ANOS, e confirmando-se no mais a decisão recorrida (…)

Através de decisão proferida em 28.11.2014, foi revogada a suspensão da pena de prisão anteriormente aplicada nos termos do disposto no artº 56º nº 1 al. a) do C.P., sendo determinado cumprimento pelo arguido da pena de prisão em que tinha sido condenado.

Inconformado com tal decisão, recorreu o arguido daquele despacho extraindo das suas motivações as seguintes conclusões.

CONCLUSÕES:

1ª – Foi o arguido notificado do despacho que estabeleceu a execução da pena de dois anos de dois anos e seis meses de prisão pela qual foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, e de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documentos, tendo a execução sido determinada pela revogação da suspensão que havia sido decretada, que se consubstanciava no pagamento da quantia de €15 000,00 á assistente T...,Lda;

2ª – No que respeita ao pagamento do supra mencionado montante, o arguido tentou por diversas vezes, entrar em contacto com a assistente algo que nunca mais foi alcançado, apesar dos seus esforços, sendo que a assistente é uma sociedade comercial sem qualquer actividade há mais de dois anos, nunca tendi indicado qualquer NIB que possibilitasse a transferência do montante supra mencionado;

3ª – Apesar das infrutíferas tentativas em proceder ao pagamento dos €15 000,00 á assistente, o arguido apenas não cumpriu por motivos alheios ao mesmo e pelos quais não deve sequer ser responsabilizado, atendendo ainda que o Tribunal não propôs meios alternativos para possibilitar o referido cumprimento, tendo inclusive indeferido o pedido de mais de 60 dias que o arguido requereu para tentativa de cumprimento;

4ª – Apesar das tentativas, tentou por todos os meios possíveis cumprir com o pagamento que consubstanciava a suspensão da pena e ao impor um comportamento que bem sabe ser impossível de cumprir, não atendendo aos motivos apresentados, pelo que a suspensão da pena seria uma mera ilusão criada ao arguido, adiando o inevitável, o cumprimento da pena efectiva pelos crimes supra mencionados;

5ª –Ao proceder desta forma, sem entender ás especificidades do arguido nem tão pouco ao facto da impossibilidade de entregar a quantia a uma empresa que já não tem qualquer actividade e que não se conhece o paradeiro dos seus sócios gerentes, o Tribunal a quo pretende violar o direito á liberdade previsto no artº 27º da CRP;

6ª- Entende aqui o arguido que o despacho que ordena a revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser revogado e substituído por novo despacho que proponha meio de pagamento alternativo de pagamento do montante de 15 000,00€.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, concluindo que o douto despacho recorrido não violou quaisquer disposições legais, designadamente as invocadas pelo recorrente ou outras, antes, tendo feita uma correcta interpretação dos factos, aplicando o direito em conformidade, pelo que se deve manter o decidido.

O recurso foi admitido na 1ª instância a folhas 947.

Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Senhor Procurador Geral Adjunto, emitiu douto parecer a folhas 862 a 864, através do qual e em suma, conclui concordar com o despacho recorrido, não merecendo desta forma provimento o recurso interposto pelo arguido.

Observou-se o disposto no nº 2 do art. 417 do Código de Processo Penal.

O arguido silenciou.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

II.FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

O objecto do recurso interposto pelo arguido, delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões: 
- Desadequação da condição imposta ao arguido;
- Ter sido violado o direito á liberdade do arguido previsto no artº 27 da CRP;
- O despacho recorrido deverá ser revogado por novo despacho que proponha meio alternativo do pagamento do montante de €15 000,00 (quinze mil euros).

É do seguinte teor o despacho recorrido, proferido em 28.11.2014 (transcrição integral):

“Por decisão transitada em 17 de Janeiro de 2011, foi aplicada ao arguido A....M, pela prática em autoria material e concurso efectivo de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217º nº 1 e 218º nº 1 e 2 a) de um crime de falsificação de documento p.p. pelo artº 256º nº 1 al. a) e s, todos do C. Penal, a pena de dois anos e seis meses de prisão, suspendendo-se a sua execução por igual período de tempo, na condição de o arguido pagará á assistente T...,Lda, a quantia de €15 000,00, no prazo de dois anos sob pena de lhe ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão.

No decurso do aludido prazo, o arguido não comprovou nos autos o cumprimento dessa condição, revelando a falência das finalidades que havia estado na base da supra- aludida suspensão.

 O arguido, embora por diversas vezes notificado para lhe serem tomadas declarações, nos termos do artº 495º nº 2 do CPP, nunca compareceu em Tribunal e nada veio dizer aos autos, não obstante notificado para o efeito, não tendo apresentado qualquer razão justificativa de tal incumprimento.

Assim ao abrigo do disposto no artigo 56º nº 1 a) do C.Penal, revogo a suspensão anteriormente decretada e determino que o arguido cumpra a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão fixada na sentença ( artº 56º nº 2 do C. Penal)

Notifique pessoalmente o arguido através da autoridade policial competente.

Notifique o seu advogado, mediante carta registada com A/R”

(…)

Conhecendo, diremos:

Da desadequação da condição/dever pecuniário imposto ao arguido na decisão recorrida para a suspensão da execução da pena de prisão de 2 anos e 6 meses em que o recorrente foi condenado e na sua falta de razoabilidade do seu cumprimento no período determinado, que foi fixado em 2 anos.

A pena suspensa como se sabe, é uma pena “qua tale” imposta originariamente, com a diferença apenas de que “ essa mesma pena” fica adiada na sua execução. Digamos que se trata de uma pena com execução adiada, sendo o modo e tempo de execução adiado pela suspensão.

O artigo 50.º, nº 1, do Código Penal, na redacção vigente à data da prática dos factos pelo recorrente, dispunha: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Assim actualmente tal normativo legal dispõe: artigo. 50º nº 1: “ O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do fato e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. (…) e no seu nº 5 : “ O período de suspensão tem duração igual à da pena determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.

 Ora, as finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, (actualmente, com a revisão do Código Penal operada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro), tem-se entendido de forma quase homogénea, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (com elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).

Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.

A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre claramente do artigo 50º do Código Penal.

Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza - assumida sem ausência de risco - de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.

Circunscrevendo-se estas, a partir de 1 de Outubro de 1995, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas - prevenção geral e especial - que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.

Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 518, pp. 342-343, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta - «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade».

E acrescentava: para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.

No seio da Comissão, o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, sustentou o seu carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.).O Prof. Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:«(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º), que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção adoptada no Código Penal, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).

O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329). Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).

A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima “ratio” da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».

A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias. Assim, do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

 Partindo do pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do Código de Processo Penal.

 Da análise do regime legal resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades, a suspensão simples, a suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta) e a suspensão acompanhada de regime de prova.

O n.º 3 do artigo 50º, do C.P., prevê apenas, a cumulação entre si dos deveres e regras de conduta. Porém, o artigo 54.º, relativo ao chamado «plano de reinserção social» em que assenta o regime de prova, admite a possibilidade de o tribunal impor deveres e regras de conduta. Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no artigo 51.º, n.º 1, do C. P., enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no artigo 52.º, do mesmo diploma.

Os deveres e as regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula “rebus sic stantibus” (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 4 do Código Penal).

 No que concerne ao incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências.

Quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação e finalmente prorrogar o período de suspensão.

Quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal). A revogação determina o cumprimento da pena de prisão (pena principal) fixada na sentença.

No entanto, nem mesmo o cometimento de crime desencadeia, de forma automática a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do nº1, do aludido artigo 56.º, mesmo a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (neste sentido já se pronunciava Figueiredo Dias, na altura “de jure condendo”, ob. cit., p. 357). Quando, decorrido o período da suspensão da execução da pena, não existam motivos que possam determinar a sua revogação, a pena é declarada extinta, artigo 57.º n.º 1, do C. Penal.
(vide AC Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2010, in
www.dgsi//pt ).

Feita uma breve resenha de tal instituto, debrucemo-nos agora e concretamente sobre o caso em apreço:

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal, os deveres impostos para a suspensão da pena não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. A tal exigência legal define-se como o princípio da razoabilidade e ou da proporcionalidade.

Este n.º 2 corresponde a uma inovação, que foi introduzida pela reforma de 1995 - cf. artigo 3.º, n.º 15), alínea e), da lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15 de Setembro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março (3.ª alteração ao Código Penal), muito embora, já na vigência do Código Penal de 1982, se entendesse que no n.º 2 do artigo 49.º já aquele principio ali estaria contido.

Consagra-se no n.º 2 o princípio da razoabilidade, a que tem de obedecer a imposição dos deveres, a que se condiciona a suspensão da execução da pena.

Comentando-o, dizia Maia Gonçalves no Código Penal Anotado, 13.ª ed., p. 209: «O texto tem um conteúdo algo vago, e nem poderia ser de outro modo, dada a amplitude dos deveres que podem ser impostos. Trata-se de exprimir um princípio de orientação para o tribunal, de modo a habilitá-lo a delimitar o domínio em que há-de mover-se na sua faculdade de determinação dos deveres a cumprir pelo condenado em vista da reparação do mal causado pelo crime.» (fazendo aplicação concreta deste princípio, vejam-se, i. a., os acórdãos do STJ de 11 de Fevereiro de 1999, CJSTJ 1999, t. 1, p. 212, de 1 de Março de 2001, processo n.º 3904/00, e de 30 de Abril de 2008, processo n.º 687/08-3.ª, CJSTJ 2008, t. 2, p. 217)

Ao impor a condição de pagamento de quantia ou outra, o juiz deve averiguar da  concreta e actual possibilidade de cumprimento dos deveres impostos pelo arguido, ainda que, posteriormente, no caso de incumprimento, possa apreciar da alteração das circunstâncias que determinaram a impossibilidade, para o efeito de decidir sobre a revogação da suspensão.

Não devem ser impostos ao arguido deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade concreta do cumprimento desses deveres. Como refere Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, p. 208, prática contrária significaria apenas adiar a execução da pena de prisão. Também Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 533, p. 350, antes da revisão de 1995, que introduziu o n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal, observava que a imposição de deveres e regras de conduta haveria forçosamente de sofrer uma dupla limitação: «de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto.» Acrescentava, a p. 351, § 535: «Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados.»

Quanto à obrigação do condenado de pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado enquanto condição de suspensão da execução da pena consagrada no artigo 49.º, n.º 2, alínea a), da versão originária [actual artigo 51.º, n.º 1, alínea a)] entendia o mesmo Professor, a p. 352, § 537, que «conexionando esta obrigação com a cláusula de exigibilidade contida no artigo 49.º, n.º 3, parece dever concluir-se que a suspensão é ainda compatível com um pagamento parcial, se o tribunal concluir que só este é concretamente exigível».

Da natureza jurídica da condição:

Em causa está a tomada de posição sobre a natureza jurídica da obrigação de pagamento de quantia certa ou determinável (ou de complexo obrigacional albergando a vertente de obrigação pecuniária), enquanto condicionante da suspensão de execução da pena.  

Não se está perante uma indemnização objecto de pedido formulado pelo lesado, um caso de responsabilidade civil conexa com a criminal, no âmbito de um processo de adesão da acção civil à acção penal, mas antes perante arbitramento de «reparação lato sensu», autónomo, fora daquele quadro, como complemento penal, mais especificamente, como componente de pena de substituição, evitando aplicação de pena privativa de liberdade, v. g., aposição de condição para que opere e se viabilize a suspensão da execução da pena de prisão( se bem que associada á reparação do mal operado pelas condutas criminosas).

No domínio do direito anterior, a par da acção civil conexa com a criminal, regulada nos artigos 29.º a 33.º do Código de Processo Penal de 1929, e do caso especial da responsabilidade rodoviária do artigo 67.º do Código da Estrada de 1954, em que estava em causa a indemnização por perdas e danos resultante de facto punível, por que fossem responsáveis os seus agentes, estabelecia o artigo 34.º, sob a epígrafe «Reparação por perdas e danos», que «O juiz, no caso de condenação, arbitrará aos ofendidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida».

Mais tarde, em 1975, o Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, estabeleceria no artigo 12.º, sob a epígrafe «Da reparação do dano civil», que: «Nos casos de absolvição da acusação crime, o juiz condenará o réu em indemnização civil, desde que fique provado o ilícito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco. Nestes casos, aplicar-se-á o disposto no artigo 34.º e seus parágrafos do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações.»

Figueiredo Dias, em «Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal», Almedina, reimpressão, 1972 (trabalho escrito em 1963 como contribuição para os Estudos «in memoriam» do Prof. Beleza dos Santos que, em 1966, formaram o volume XVI do suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra), debruçou-se sobre o tema a propósito do artigo 34.º do CPP de 1929, afirmando a distinção entre a indemnização civil de perdas e danos e a reparação arbitrada em processo penal, por se tratar de coisas diferentes, aquela ligada ao dano e esta ligada à culpa, o que de resto, como dá nota, era assinalado em jurisprudência do STJ.  

Quanto à natureza desta última, colocavam-se duas teses: não é nem pode ser coisa diferente da indemnização que o tribunal civil decretaria se o pedido surgisse perante ele, segundo uns, enquanto para outros tratava-se de efeito penal da condenação, que não tem de coincidir com a sanção de natureza civil.

Afirmava o citado Autor, na pág. 34, que sendo a reparação um efeito necessário, como que automático, da condenação penal, logo se exclui que o dano que a fundamenta tenha de ser exactamente aquele mesmo dano que fundamenta a responsabilidade civil.

Mais adiante - p. 56 - considera a reparação como parte integrante da própria sanção penal, tendo uma função adjuvante da pena - p. 57.

A propósito da caracterização da «indemnização» a cujo pagamento fica condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, o mesmo Autor, agora em Direito Penal Português, 1993, § 531, pp. 348-349, afirma que a imposição de deveres de natureza económica, situados como que a meio do caminho entre meios de reparação do dano e instrumentos adjuvantes da compensação da culpa, constitui sempre um poder-dever e no § 538, pp. 352-353, versando os deveres de conteúdo económico que podem condicionar a suspensão de execução da pena de prisão, focando as dúvidas que se podem colocar à correlacionação entre este dever e o pedido de indemnização civil, conclui: «Do que se trata, em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade da punição, não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime, que o artigo 128.º (actual 129.º) quis postergar.»

Para Mário Ferreira Monte, em «Da reparação penal como consequência jurídica autónoma do crime», in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pp. 129-155, trata-se de um instituto autónomo num duplo sentido: relativamente à indemnização de natureza civil, e como verdadeira consequência jurídico-penal, independente de outras como as penas ou as medidas de segurança. Assim concebida, à reparação penal é de conceder um estatuto de verdadeira consequência jurídica autónoma do crime, como terceira via ou terceiro degrau nas reacções criminais, a par com as penas e as medidas de segurança. Nestes termos a reparação penal não coincide com a indemnização civil nem com a pena, sendo autónoma, conclui.

O Supremo Tribunal de Justiça tem tomado posição sobre a natureza jurídica do dever económico imposto como condição da suspensão nos seguintes acórdãos:

Acórdão de 29 de Janeiro de 1997, em cujo sumário se pode ler: «I - A suspensão da pena pode ser condicionada ao dever de pagar em certo período uma indemnização ao ofendido.

II - Porém, não se trata de obrigação de pagamento, de realização de uma prestação, ou de efeito civil da condenação, mas apenas da própria pena de suspensão da execução.»

No Acórdão de 11 de Junho de 1997, recurso n.º 82/97, CJSTJ 1997, t. 2, p. 226, diz-se: «A quantia cujo pagamento ao lesado é imposto ao arguido como condição da suspensão da execução da pena não constitui uma verdadeira indemnização, mas apenas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, podendo assim ser fixada ainda que não tenha sido formulado pedido de indemnização [invocando aqui o Acórdão de 11 de Novembro de 1992, CJ 1992, t. 5, p. 10, e BMJ n.º 421, p. 305 (quanto a este segmento com voto de vencido)].

Por isso a modificabilidade do quantum arbitrado se tal vier a justificar-se - cf. Artigo 49º, 3, do CP de 1982 (artigo 51.º, 3, do CP de 1995).

E por isso também que o montante assim arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (artigos 483.º e segs. e 562.º e segs. do Código Civil).»

Acórdão de 29 de Outubro de 1997, processo n.º 551/97-3.ª, Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, vol. II, p. 165, onde se pode ler: «I - A suspensão da execução da pena com o dever económico de reparar o mal do crime não importa uma obrigação de indemnização em sentido restrito. Esse dever (ou obrigação em sentido lato) vale apenas no seio do referido instituto, sendo o sancionamento pelo não cumprimento apenas o que deriva das regras da própria suspensão da execução.

Para o Acórdão de 1 de Março de 2001, processo nº 3904/00-5.ª  - A imposição de deveres condicionantes da suspensão de execução da pena aplicada (mormente se consubstanciado em pagamentos pecuniários) representa, essencialmente, um reflexo da razão de ser da medida penalizadora, destinado a fazer sentir ao condenado, apesar da suspensão, a gravidade do ilícito que haja cometido, destarte funcionando como um complemento penal.

Segundo o Acórdão de 17 de Maio de 2001, processo n.º 683/01-5.ª, como resulta claramente do disposto nos artigos 128.º e 129.º do Código Penal, versões de 1982 e 1995, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergentes de crimes, deixou de constituir um efeito penal da condenação (como sucedia no CP/1886 - artigo 76.º, § 3.º) para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, nos termos do artigo 397.º do CC, com o seu regime específico.

Diferentemente, a «obrigação» de pagar essa indemnização, imposta nos termos do artigo 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro do qual o dever de indemnizar, destinado a reparar o mal do crime, assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição.

Sobre a questão de saber se a indemnização devida ao lesado a que se refere o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal tem diferente natureza da que é objecto do pedido de indemnização cível, debruçou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 305/2001, processo n.º 412/2000, de 27 de Junho de 2001, in Diário da República, 2.ª série, n.º 268, de 19 de Novembro de 2001, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º vol., p. 715, onde se analisa a jurisprudência do STJ sobre o tema e recorda o Acórdão do TC n.º 596/99, retirando-se que a «indemnização» ou «compensação» é tida - bem ou mal - como que um “tertium genus”, com uma natureza jurídica própria (cumprindo a «função adjuvante da realização da finalidade da punição»), onde desde logo avulta como traço diferenciador o facto de ela não ser exigível pelo lesado.(vide aqui Acórdão de fixação de Jurisprudência 8/2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Raul Borges, in DR, 206, série I de 24.10.2012)

Quanto ao caso dos autos haverá que expender as seguintes considerações:                                         

Nestes termos, entende-se que a razoabilidade da condição/dever imposta terá no nosso entendimento, de ser considerada como largamente ultrapassada, poi foi já objecto de recurso que foi decido por acórdão já transitado em julgado pelo TRL, e nada de novo nesta sede foi trazido á colação nestes autos.

 Quanto à situação do arguido, com um sentido de efectiva actualidade, tal argumento é pelo próprio rebatido pois em requerimentos juntos aos autos este propôs-se proceder ao pagamento á assistente da quantia arbitrada, alegando tão-só para o não pagamento, a impossibilidade de contacto com aquela por esta já não exercer qualquer actividade.

Ou seja, pode pagar só não o tendo feito por impossibilidade de contacto com a assistente.

Ora tal afirmação não parece curial.

De facto o arguido que é representado por advogado, se tivera efectivamente tal dificuldade, sempre poderia proceder a tal depósito (s) á ordem destes autos para cumprir tal obrigação, e que colmataria tal “dificuldade”.

A decisão recorrida impôs ao arguido, como condição da suspensão da pena única de prisão em que foi condenado, o pagamento no prazo de 2 anos do montante de €15 000,00 acrescido de juros á taxa legal, resulta já de uma alteração (em Tribunal de recurso/ Tribunal da Relação de Lisboa) tendo sido alargado o prazo de pagamento daquela condição, e tal no ano de 2010.

Não obstante até á presente data o arguido não esboçou qualquer intenção séria de proceder a tal pagamento, sendo que ao invés se “esquivou”, após devidamente notificado pelo Tribunal a ali comparecer, para esclarecer a situação ora “sub judice”.

Mais, até e conforme decorre do despacho de folhas 783, foi-lhe mais uma vez prorrogado o prazo para proceder a tal pagamento, sendo certo que a folhas 766 e 767 o arguido expressamente aduz em requerimento datado de 3.12.2013, que estará em condições de proceder ao pagamento da quantia que lhe foi arbitrada no prazo máximo de 60 dias. E dentro deste o arguido mais uma vez nada fez, tendo, ao invés, reincidiu em fazer outro pedido de prorrogação que lhe foi negado através de despacho judicial devidamente transitado em jugado.

O incumprimento, ou se quisermos a falta de cumprimento desse mesmo dever, surgirá inexoravelmente no final do período que lhe foi fixado, o qual já se encontra largamente ultrapassado.

Ao arguido foi-lhe proporcionado todos os meios de defesa, recorreu, pediu prorrogação do prazo, etc e com tal já decorreram cerca de mais de 3 anos, sem que a condição tivesse sido satisfeita, sendo certo que o arguido demonstrou até intenção de a pagar.

Nestes termos carece de qualquer fundamento legal ou fáctico o pretendido em primeira ratio com a dedução do presente recurso, e a sua finalidade, ou seja o desiderato de  propor meio alternativo de pagamento ao montante de €15 000,00.

 Ora a suspensão em si mesma não deixa de ser uma faculdade sendo inquestionável e incontornável que a escolha da pena de substituição é um “prius” em relação à imposição da condição/dever.

Ora, o recorrente entende também que a condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, peca por não ser razoável, por ter sido mal ajuizada uma vez que este não tem possibilidades económicas para proceder a tal pagamento (note-se 15000,00€/ sendo que tais argumentos já atrás se encontram tratados) no prazo de 2 anos e que tal fará diferir no “términos” daquele prazo a uma “prisão por dividas”( violando-se o art. 27º nº 1 da CRP) não permitida por lei, quando deveria ter sido unicamente orientada por razões ligadas às finalidades da punição e ás reais possibilidades do recorrente, referindo este na sua motivação não ser possível a prisão por dividas.

A propósito da aposição da condição de reparar o mal do crime através de uma indemnização ao lesado como pressuposto da suspensão da execução da pena (artigo 49.º CP/1982 e artigo 51.º CP/1995), colocou-se de facto, o problema de saber se o condicionamento da suspensão pelo pagamento da indemnização não configuraria, quando o pagamento não viesse a ser feito, uma situação de «prisão por dívidas», proibida pela Constituição. Quanto à alegada prisão por dívidas temos já que é pacífico que tal não se verifica nem se pode considerar seja no caso dos autos, em que se condicionou a suspensão da execução da pena única de prisão que foi fixada em 2 anos e 6 meses de pisão ao ter de pagar a quantia de 15 000,00€ á ofendida, nem diga-se também noutros casos, como por exemplo quanto à emissão de cheques sem provisão ou à aplicação do artigo 14º do RJIFNA, conforme muito bem sintetizado e explanado no AC. de do Supremo Tribunal de Justiça, Recurso de fixação de Jurisprudência, in DR, série I, 24.10.2012, e também in www.dgsi.pt relatado pelo Srº Juiz Conselheiro Raul Borges, como também no Acórdão do Tribunal Constitucional este mais conexionado com o caso em apreço nos autos, mormente o Acórdão de  2 de Novembro de 1999, relatado no processo n.º 162/97, e publicado no Diário da República, II.ª Série, de 22 de Fevereiro de 2000, os quais em síntese referem:

“I – A “obrigação” de pagar uma indemnização, imposta nos termos do art.º 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro da qual o dever de indemnizar destinado a reparar o mal do crime assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição. II – De forma que o montante da indemnização a arbitrar como integrando o conteúdo desse dever imposto como condição da suspensão de execução da pena, embora deva, naturalmente, ser fixado tendo em atenção os critérios regulados pela lei civil, por forma a corresponder o mais possível ao que resulta da consideração desse critérios e a não os exceder, deve obedecer em tudo o mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade do pagamento, á sua referida função no quadro do mencionado instituto.”

  O montante dessa indemnização deve ser fixado tendo em atenção os critérios que emanam da lei civil, sem excesso, obedecendo, no mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade de pagamento, à referida função, no quadro do instituto da suspensão da execução da pena. Distinguindo-se a indemnização pedida nos termos da lei civil dessa obrigação de indemnizar que tem por fundamento não apenas o dano mas a realização ou o fortalecimento das finalidades da pena, não existe qualquer contradição quando o tribunal desatende, por razões formais, os pedidos de indemnização civil, mas fixa, na decisão final, aquela obrigação.”

É, no entanto, manifestamente improcedente a alegação de que a norma que se extrai do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, traduz uma violação do princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e à segurança (artigo 27.º, n.º 1 da Constituição).

Na realidade, e mais uma vez, não se trata aqui da impossibilidade de cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela suspensão da execução se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.

Não é, por isso, inconstitucional, designadamente por violação do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido” ( Ac do TC atrás referido).

Tanto mais que, diremos nós também que, a revogação da suspensão da execução da pena também automática não pode ser considerada, pois existem como se sabe, várias possibilidades, se incumprido tal dever, o Tribunal poderá depois de ponderados os factores que estiveram na sua génese, e deles excluindo evidentemente o incumprimento culposo, optar caso a caso pelas soluções consagradas na lei nomeadamente nos artigos 55º e 56º do Código Penal.

A mesma questão de «prisão por dívidas» foi abordada noutro enquadramento, a propósito da específica questão da constitucionalidade da criminalização da emissão de cheque sem provisão.

Reportando-se ao artigo 49.º, n.º 1, alínea a), da versão originária do Código Penal de 1982, na parte em que permitia que a suspensão da execução da pena fosse subordinada à obrigação de o réu «pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado», em situação em que estava em causa um crime de emissão de cheque sem cobertura, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/87, de 4 de Novembro de 1987, proferido no processo n.º 188/86, da 2.ª Secção, publicado in Diário da República, 2.ª série, n.º 39, de 17 de Fevereiro de 1988, e no BMJ, n.º 371, p. 178, e ainda nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10.º vol., 1987, p. 521, no sentido de que o preceito em causa ao permitir que a suspensão da execução da pena seja condicionada ao pagamento da indemnização devida ao ofendido - conjugado com o artigo 50.º, alínea d), do mesmo diploma, que possibilita ao tribunal revogar a suspensão por falta de cumprimento, com culpa, dos deveres impostos - não configura uma prisão em resultado do não pagamento de uma dívida, pois a causa primeira da prisão é a prática de um facto punível (artigo 48.º do Código Penal), além de que a revogação da suspensão da pena é apenas uma das faculdades concedidas ao tribunal.

A solução do acórdão mereceu o aplauso de Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, 1993, pág. 353, que considerava o problema colocado absolutamente infundado.

Foi igualmente colocada a questão da inconstitucionalidade por violação do artigo 27.º, n.º 1, da CRP, da norma constante do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido, em situação em que do mesmo modo estava em causa crime de emissão de cheque sem provisão, tendo o Tribunal Constitucional emitido pronúncia pela negativa, afastando o entendimento de previsão de uma situação de prisão por dívidas, no Acórdão n.º 596/99, de 2 de Novembro de 1999, proferido no processo n.º 162/97, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 2000, e no BMJ, n.º 491, p. 5, e ainda na colectânea ATC, 45.º vol., p. 273.

Aí se ponderou: «[...] não se trata aqui da impossibilidade de cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela - suspensão da execução - se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.»

Fora do quadro da consideração da reparação como condição de suspensão da execução da pena, pronunciou-se o Tribunal Constitucional sobre a questão da prisão por dívidas no Acórdão n.º 663/98, de 25 de Novembro de 1998, processo n.º 235/98, da 3.ª Secção, publicado in Diário da República, 2.ª série, n.º 12, de 15 de Janeiro de 1999, e em ATC, 41.º vol., p. 457, tirado em plenário, em caso de apreciação de alegada inconstitucionalidade do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 316/97 (crime de emissão de cheque sem cobertura), por configurar um caso de prisão por dívidas, afirmando que «a privação da liberdade não é proibida se outros factos se vêm juntar à incapacidade de cumprir uma obrigação contratual»; o princípio só se aplica aos «devedores de boa fé», dele se excluindo os casos de provocação dolosa de incumprimento, acrescendo que as razões aduzidas para a proibição da prisão por dívidas não se aplicam quando a obrigação não deriva do contrato mas da lei, e concluindo «que as normas penais sobre os vários tipos de crime de emissão de cheque sem cobertura não violam o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e à segurança (artigo 27.º, n.º 1, da Constituição)».

(A jurisprudência deste acórdão foi reiterada no Acórdão n.º 596/99, supra referenciado, na parte em que vinha igualmente alegada a inconstitucionalidade da aludida norma do Decreto-Lei n.º 454/91.)

No Acórdão n.º 312/2000, de 20 de Junho de 2000, proferido no processo n.º 442/99, 1.ª Secção, publicado in Diário da República, 2.ª série, de 17 de Outubro de 2000, e no BMJ, n.º 498, pp. 16-21, em causa estava a norma penal incriminadora do crime de abuso de confiança fiscal.

A questão colocada era simplesmente esta: podendo os meros devedores fiscais ser sancionados criminalmente, tal situação implicaria prisão por dívidas, em violação do preceituado no artigo 1.º do Protocolo n.º 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (que estabelece que «Ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual», sendo que o que se proíbe no artigo 1.º é a «prisão por dívidas»).

O acórdão concluiu que «a norma constante do artigo 24.º do RJIFNA (versão de 1993) não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, princípio implicado no direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição, em consonância com o previsto no artigo 1.º do Protocolo n.º 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem».

O acórdão alude a, e acompanha de perto, os supra referidos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 663/98 e 440/87, no que respeita à prisão por dívidas e conclui que a obrigação em causa - o dever fundamental de pagar impostos - não é meramente contratual, mas antes deriva da lei fiscal - que estabelece a obrigação de pagamento dos impostos.

Foca o aspecto peculiar da posição dos responsáveis tributários, que não comporta uma pura obrigação contratual porque decorre da lei fiscal, pois no imposto sobre o valor acrescentado e no imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares, o devedor tributário encontra-se instituído em posição que se aproxima da figura do fiel depositário, pois os respectivos valores são deduzidos nos termos legais, devendo depois o respectivo montante ser entregue ao credor tributário, que é o Estado.

Releva finalmente que a impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança fiscal.

A decisão, e respectiva fundamentação, no sentido da não inconstitucionalidade do citado preceito, foi retomada no Acórdão n.º 389/2001, que confirmou decisão sumária do relator no mesmo sentido, e na decisão sumária de 24 de Maio de 2005, confirmada pelo Acórdão n.º 336/2005, de 22 de Junho de 2005, proferida no processo n.º 346/2005-2.ª Secção, in Diário da República, 2.ª série, n.º 199, de 17 de Outubro de 2005.

No caso da emissão dos cheques, há originariamente uma dívida, começando por estar presente uma obrigação contratual; na base está uma relação de direito privado, civil ou comercial, uma relação jurídica fundamental, o negócio executivo, como compra e venda, mútuo, locação (pagamento de rendas), prestação de serviços, etc., de que emerge a obrigação cartular, autónoma daquela relação subjacente, titulada pelo cheque, título de crédito, cuja indevida utilização pode conduzir a responsabilidade criminal.

Transpondo os fundamentos utilizados no supra citado Acórdão n.º 312/2000, por valerem as considerações feitas a propósito do abuso de confiança fiscal, por a obrigação em causa não ser meramente contratual, antes derivando da lei, invoca, para além daquele, o Acórdão n.º 663/98, para afastar a questão da prisão por dívidas, concluindo que «a norma constante do artigo 27.º-B do RJIFNA não viola o princípio segundo o qual ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27.º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa», e não julga inconstitucional a norma constante do artigo 27.º-B do RJIFNA.

No Acórdão n.º 54/2004, de 20 de Janeiro de 2004, proferido no processo n.º 640/03-2.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 58.º vol., p. 1170, apenas sumário), tal como no caso do Acórdão n.º 312/2000, em causa estava a norma penal incriminadora do crime de abuso de confiança fiscal, mas agora previsto no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, cabendo apreciar a conformidade constitucional de tal norma com a proibição da prisão por dívidas (a norma seria inconstitucional por consagrar um caso de prisão por dívidas). O acórdão reitera a fundamentação dos Acórdãos nºs 312/2000 (retomado no Acórdão n.º 389/2001) e 516/2000, defendendo que as considerações que se contêm na fundamentação dos dois arestos mantêm-se aplicáveis mesmo em face da norma do artigo 105.º, pese embora a diversa configuração do crime, por a obrigação tributária não ter por fonte qualquer contrato e antes deriva da lei, decidindo não julgar inconstitucional o referido artigo 105.º, n.º 1, do RGIT.

O Acórdão n.º 357/2004, de 19 de Maio de 2004, processo n.º 504/02 - 2.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 59.º vol., p. 887, apenas sumário), abordou duas questões: a da inconstitucionalidade da criminalização da emissão de cheque sem provisão e a questão da constitucionalidade do condicionamento da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da indemnização arbitrada ao ofendido, prevista no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Quanto à primeira, reiterando os fundamentos constantes dos Acórdãos nºs 663/98 e 596/99, não julga inconstitucionais as normas do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), e 2 do Decreto-Lei n.º 454/91, na redacção do Decreto-Lei n.º 316/97.

E quanto à segunda, julga improcedente a inconstitucionalidade, sufragando a fundamentação dos Acórdãos nºs 440/87, 596/99 e 305/01, essencialmente pelo segundo. Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, UCE, 2009, pp. 57 a 60, afasta a ideia de prisão por dívidas no crime de abuso de confiança fiscal, adiantando ser a infidelidade a razão da punição.

O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que é constitucional e legal a imposição de condições de suspensão da execução da pena, até independentemente de ter sido formulado pedido de indemnização.

Assim no Acórdão de 3 de Abril de 1991, processo n.º 41431, Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, 1991, t. 2, p. 14, e BMJ, n.º 406, p. 499, decidiu-se que «Pode suspender-se a execução da pena, sob a condição de pagar uma indemnização ao ofendido, de acordo com o que dispõe o artigo 49.º-1 do Código Penal, mesmo que não haja sido requerida por este no processo qualquer pedido de indemnização».

 No mesmo sentido, o Acórdão de 11 de Novembro de 1992, processo n.º 41820, Colectânea de Jurisprudência, 1992, t. 5, p. 10, e BMJ, n.º 421, p. 305, em que se defendia que «a fixação de uma compensação pecuniária pelo julgador, a favor do ofendido, como condicionante de uma suspensão da execução da pena, ainda que não pedida, aparece [...] ao arguido, como uma contrapartida económica da manutenção da sua liberdade, ameaçada por ter cometido um acto ilícito, e tem, nessa medida, um efeito dissuasor muito significativo, numa sociedade que defende, na medida do possível, a primazia das sanções não detentivas», o que foi reafirmado no Acórdão do STJ de 10 de Dezembro de 1996, processo n.º 48364-3.ª Secção. No Acórdão de 11 de Fevereiro de 1999, processo n.º 1339/98 - 3.ª, in CJSTJ, 1999, t. 1, p. 212, em caso de condenação (por crime de receptação), em pagamento de quantia ao lesado como condicionante de suspensão da execução da pena de 22 meses de prisão, pode ler-se:

«A condição de reparar o mal do crime através de uma indemnização ao lesado, como pressuposto da suspensão, não está dependente do pedido de indemnização referido no artigo 71.º C. P. Penal. Sempre foi esta a jurisprudência deste Supremo Tribunal, como pode ver-se dos seus Acórdãos de 9 de Abril de 1991, in CJ XVI, 2, 14, de 20 de Janeiro de 1993, no rec. n.º 43271 e de 15 de Setembro de 1994, no processo n.º 46587. E o próprio Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 49.º, n.º 1, c), do C. Penal/82, enquanto condiciona a suspensão da pena ao pagamento de uma indemnização (Ac. n.º 440/87, in Diário da República, 2.ª série, de 17 de Fevereiro de 1988).»

E por maioria de razão diremos nós tal também não é julgado inconstitucional, quando tal condições provém da condenação de pedido cível que, no processo penal foi deduzido, sendo certo também que a revogação da suspensão da pena não é automática e só é decretada nos precisos termos legais, sendo um dos requisitos essenciais uma actuação dolosa e/ou culposa por banda do arguido no não cumprimento dos deveres impostos.

Ou seja e no caso dos autos, foca o recorrente especialmente a questão da razoabilidade da condição imposta, ou seja, a exigência decorrente da própria lei (n.º 2 do referido art. 51.º do Código Penal) de o dever imposto não poder ultrapassar os limites traçados pelo quadro das possibilidades pessoais e patrimoniais do condenado, de modo a criar-se um equilíbrio que permita a "reintegração dos valores afectados com a recomposição da vida em liberdade e integração", asserção que encontra apoio na doutrina, por exemplo de Germano Marques da Silva (Direito Penal Português, III, p. 208), a qual postula que não devem ser fixados deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento dos mesmos.

Doutrina que, mais não faz mais do que exprimir aqui uma lógica claramente inscrita no senso comum e decorrente, com toda a clareza, do texto da própria lei, onde se põe o acento tónico nas finalidades preventivas da punição (prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial ou de socialização) como sendo aquelas que devem nortear o aplicador do direito no estabelecimento de deveres a que a suspensão da execução da pena pode ficar subordinada, nos termos do art. 51.º do Código Penal.

Improcede assim este segmento do recurso.

É certo também que a imposição de um dever de natureza pecuniária (nos termos do disposto no art. 51 do Código Penal) tem características próprias inerentes à aplicação das penas, e já atrás referidas e não visa em primeira linha servir de meio, se assim se poderá qualificar, para “executar” tal crédito com vista à satisfação do credor, o qual tem titulo executivo bastante, tendo por finalidade a aplicação das penas nomeadamente, nas suas vertentes pedagógicas e reeducativas, visando atingir o condenado e incutindo-lhe tais de modo a que este possa interiorizar o mal praticado, desiderato que não se lobriga, por desajustado e no caso concreto dos autos na imposição daquele dever ao arguido.

A sua génese (suspensão da execução da pena) enraíza-se em princípios bem diversos destes, tal é inquestionável, e tendo a sua “ratio” em conteúdos reeducativos e pedagógicos, subjacentes à aplicação em concreto das penas, havendo aqui que considerar por não ser despiciendo o tempo entretanto decorrido.

Mais cabe acrescentar que a imposição destes deveres/ condições de ordem pecuniária, para além de terem de obedecer em primeira linha ao estatuído no nº 2 do art. 51º do Código Penal, ou seja “não podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, estando aqui mais que evidenciado um juízo de razoabilidade na imposição deste dever.

No caso dos autos o arguido não compareceu no Tribunal, pese embora as notificações que lhe foram feitas para o efeito.

Foi-lhe prorrogado o prazo de cumprimento da condição por duas vezes e mesmo assim este não satisfez a condição.

Manifestou no processo expressamente através de requerimento o propósito de pagar a quantia fixada e não o fez depois de obtida anuência de expansão de prazo para o efeito.

Não colhe o argumento de incapacidade de contactar a assistente, pois mesmo que assim fora, sempre poderia proceder ao depósito dessa quantia á ordem destes autos.

Tudo visto, conclui-se:

Nestes termos e nada havendo a apontar ao despacho sob censura enfatiza-se que o arguido se alheou dos seus deveres, tendo violado de forma grosseira e repetidamente a condição á qual estava condicionada a suspensão da pena de prisão nos termos do disposto no nº 1, al. a ) do artº 56º do CP, pelo que improcede” in totum” o recurso interposto pelo arguido.

III. DECISÃO

Nestes termos, decide-se julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A....M, devidamente identificado nos autos, pelos motivos sobreditos, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.  

Custas a cargo do arguido fixando-se a taxa de Justiça em 3 UCS.

Boletins á DSIC.

D.N.

Lisboa, 21 de Maio de 2015 (Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal/ versos das folhas em branco)

      Filipa Costa Lourenço

      Margarida Vieira de Almeida