Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1002/12.0TBOER.L2-8
Relator: OCTÁVIA VIEGAS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - No âmbito do regime do contrato de seguro regulado pelo DL 176/95, de 26.07, o silêncio, omissão de declaração da seguradora na sequência da recepção da proposta de seguro, só produz efeitos relativamente a seguros “individuais”.
- Nos “seguros de grupo” o silêncio da seguradora não vale como declaração negocial susceptível de a vincular.
- Não se mostrando concluído o contrato, a indemnização pelo interesse contratual positivo só se verifica em casos excepcionais, quando as negociações estavam já concluídas faltando apenas a formalização do negócio.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



Relatório:


A, B, C, D, propuseram contra Banco E,  SA, e  H Companhia de Seguros de Vida, SA, acção declarativa de condenação, com forma ordinária,  pedindo:

1) a condenação da  Ré H Companhia de Seguros de Vida, SA., a emitir a declaração de aceitação do contrato de seguro celebrado pelo A. marido e a falecida esposa, com data e efeitos retroagidos a 31 de Agosto de 2006;
2) a condenação de Banco E, SA a restituir aos AA. a quantia correspondente à bonificação de 35% do indexante dos juros do empréstimo desde que detectada a incapacidade de 70% até à data da incapacidade de 80%, acrescido dos juros legais até integral cumprimento;
3) A  condenação da Ré H Companhia de Seguros de Vida, SA a liquidar ao primeiro R. os contratos de mútuo celebrado entre o A. marido e a falecida esposa e  R. Banco E, SA, desde a incapacidade de 80% da falecida I ou na pior das hipóteses desde o falecimento desta, restituindo tudo o que os AA. têm pago indevidamente desde essa data, acrescido dos juros legais até integral  pagamento;
4) a condenação do Banco E, SA a dar quitação aos AA da quantia em divida desde a incapacidade de 80% da falecida I , ou desde o falecimento desta, restituindo tudo o que os AA têm pago indevidamente desde essa data, acrescido de juros legais até integral pagamento.

Alegaram que em Julho de 2006 o 1º A. (marido) e a sua falecida esposa iniciaram uma relação comercial com o primeiro R. destinada a contrair um empréstimo para habitação e, bem assim, um seguro de vida associado ao mesmo, sendo que, por culpa in contraendo dos RR., nomeadamente, por violação dos deveres de informação e de fornecimento de todos os elementos necessários à conclusão das negociações o contrato de seguro de vida não chegou a ser celebrado pelas partes – conduta causadora, para os AA., dos danos peticionados.

Os Réus contestaram deduzindo defesa por excepção, invocando a prescrição do direito dos Autores e impugnaram, alegando que cumpriram com todos os seus deveres contratuais e pré contratuais, admitindo contudo o 1ºR. ter extraviado um documento que lhe foi remetido pelo 2º R., referente a um questionário clinico adicional que deveria ser entregue, preenchido e devolvido pela falecida esposa do 1º A., e que por via de tal omissão disponibilizaram-se a celebrar novo contrato de seguro de vida com o 1ºA e mulher, mediante a realização de novos exames médicos, e segundo condições a definir mediante o resultado desses exames, tendo o 1º A. declarado aceitar tal proposta desde que tivesse efeitos retroactivos à data da celebração da escritura publica do contrato de mútuo bancário, a 31-8-06, e desde que as condições do seguro fossem fixadas com base no estado de saúde da sua falecida mulher nessa data, recusando-se a fazer novos exames médicos, bem como a assinar novos boletins de adesão ao seguro Vida, ao que acresce que, tendo sido diagnosticada à falecida esposa do 1º A doença oncológica- cancro mamário- em 13-10-06, esta e o Autor omitiram tal informação essencial à Ré Seguradora.

Mais esclarecem os RR que por força do não preenchimento do referido questionário adicional, o 2º R. não aceitou o contrato de seguro vida, e o boletim de adesão a esse seguro, assinado pelo 1ºA e esposa a 22-8-06 perdeu a sua validade ao fim de 6 meses, motivo pelo qual, e em face da recusa do 1º A e mulher em celebrar novo contrato de seguro Vida, não chegou a ser celebrado qualquer contrato de seguro entre as partes.

Concluem pela improcedência da acção.

Os AA deduziram réplica, alegando que o prazo prescricional corre desde a produção dos danos, e não desde o facto ilícito e culposo, e os danos foram-se produzindo no tempo, com a declaração de incapacidade de 70% da mulher do 1º A declarada em 5-3-07; incapacidade de 80% declarada a 26-1-2009, e com o seu falecimento a 12-8-2010, pelo que não se mostra prescrito o seu direito.

Foi proferida decisão que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e  absolveu os RR. Banco E, SA, e H Companhia de Seguros de Vida, SA, dos pedidos que contra si foram formulados pelos AA. A, B , C, e D, na presente acção.

Inconformados, A e outros, recorreram, apresentando as seguintes conclusões das alegações:

a) O presente recurso tem por objecto a , douta decisão, com a referência electrónica 13702159, que absolveu as RR. - Banco E S.A. e H - Companhia de Seguros S.A., do pedido de celebração do contrato de seguro com data retroactiva a 31 de Agosto de 2006 e a condenação nos pedidos subsequentes, como se tivesse sido celebrado contrato de seguro válido naquela data.
b) Os recorrentes dão como integralmente reproduzida a matéria de facto dada como assente.
c) A causa de pedir dos recorrentes assenta no facto de terem celebrado um contrato de mútuo bancário, na modalidade de crédito à habitação, sem que tivesse sido precedido da aprovação do seguro de vida.
d) Do mesmo passo, alegam e demonstraram que a não celebração desse seguro, se deveu a extravio do questionário clínico, por parte das RR.
e) Enquadraram juridicamente a responsabilidade das RR., como responsabilidade civil pré-contratual, nos termos do art.º 227º do Código Civil - culpa in contraendo.
f) Para grande espanto dos AA. ora recorrentes, a douta sentença recorrida, mesmo com os factos dados como provados, veio a absolver as RR., arreigando-se no facto de haver nexo de causalidade (aparentemente reconhecendo a ilicitude e culpa na conduta das RR.).
g) Ou seja, entendeu a douta decisão que o contrato de seguro não foi celebrado porque os AA. (à data o autora marido e falecida esposa) se recusaram a celebrar nova proposta.
h) De facto os AA. recusaram-se a celebrar nova proposta, mas pelos factos que resultam provados, e cuja conclusão se impunha diversa, assim como o enquadramento de direito.

Senão vejamos:

i) Resultou provado (ainda que inexplicavelmente como facto coadjuvante, quando entendemos ser de total relevo para as questões a decidir) que á data era prática do primeiro R. e das demais instituições bancárias só fazer o crédito à habitação com a aprovação do seguro de vida associado (facto atestado pelas testemunhas dos AA. e dos RR., cfr. motivação).
j) Foram as RR. que assumiram tal risco e fizeram os AA. incorrer nele, ou seja, se não houvesse aprovação do seguro, quer por recusa dos AA. quer pela situação clínica da falecida, não teria sido celebrado o contrato de mútuo.
k) A não existência do contrato de seguro na data em que foi diagnosticada a doença de que veio a falecer a esposa e mãe dos AA. deveu-se apenas ao extravio dos questionário clínico pelo RR.
1) Portanto, por culpa exclusiva dos RR.
m) Em Março de 2007, quando passam os 6 meses sobre a validade da proposta e a mesma caduca, a recusa de fazer nova proposta e novos exames, por parte do A. marido e falecida esposa, deve-se ao facto destes estarem na posse dos elementos que iriam levar a uma recusa do seguro. (como de resto confirmou a testemunha J a instâncias do mandatário dos AA, respondeu "muito provavalmente sim").
n) Mas tal não se pode traduzir num facto culposo dos AA.
o) Antes pelo contrário foram colocados nesta situação pelo infortúnio da vida -a doença de que veio falecer a malograda - os factos, estes sim culposos - a que os RR. deram causa: extravio do questionário clínico e celebração do contrato de mútuo sem prévia aprovação do seguro.
p) Estes riscos fazem parte da actividade dos RR. , sobretudo da segunda R.
q) A decisão recorrida coloca na falecida a "culpa" de ter contraído a doença, que á data desconhecia ser portadora.
r) Na verdade a recusa de celebração de nova proposta e consequentemente novos exames, deveu-se exactamente a não querer prestar falsas declarações, mas também em não querer perder o direito à celebração de um contrato cuja a não aprovação não lhe era (aquela data) imputável.
s) Não nos podemos esquecer que a A. não estava segurada por facto imputável aos RR. e esse é o facto relevante neste momento e aquele que faz sustentar que tinha direito à celebração do contrato.
t) Tanto mais que os esclarecimentos clínicos nada tinha a ver com a doença de que veio a falecer.
u) Colocar o ónus da prova de que o contrato seria celebrado é um abuso de direito.
v) Quem perdeu com a culpa dos RR. foi a falecida.
w) Quem beneficio foram os RR.
x) Pelo que, cingindo à questão dos tema a decidir, a culpa na não celebração do seguro e da celebração do contrato de mútuo sem prévia aprovação daquele, é da exclusiva responsabilidade dos RR.
y) A recusa dos AA. é determinada pela conjugação de factores que lhe são alheios, sendo por isso legítima.
z) Estão verificados os pressupostos para a responsabilidade pré-contratual de contéudo positivo, por remissão para a responsabilidade civil extra-contratual.
aa) Os RR. praticaram actos ilícitos e culposos que foram causa directa dos danos causados aos AA.
bb) A sua actuação - alegada recusa a fazer novos exames e proposta é legitima, pelo que não existe culpa.
cc) A douta sentença violou os arts. 227º e 483º nº 1 do Código Civil.
Termina dizendo dizendo que deve ser julgado procedente o recurso e revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que condene os RR como pedido.

Banco E, SA, e H Companhia de Seguros de Vida, SA, contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão  recorrida.

Em primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

1º- Na sequência de pedido de crédito à habitação o 1º A. e sua mulher assinaram, em 22 de Agosto de 2006, proposta de seguro designada “Seguro de Vida Grupo – Crédito à Habitação Boletim de Adesão”.
2º- Da proposta de seguro designada “Seguro de Vida Grupo – Crédito à  Habitação Boletim de Adesão” consta que:

“A recepção deste Boletim de Adesão não constitui direito ao contrato de  seguro, este só existirá com a comunicação da companhia de seguros ao  subscritor (…).”

3º- Da referida proposta mais consta que:
“A aceitação do presente pedido de adesão depende da efectiva e expressa  declaração da Seguradora, após a eventual realização de exames médicos.”
4º- Em 28 de Agosto de 2006 o autor marido e sua mulher celebraram, por  escritura pública, com o 1º R. um denominado contrato de crédito multifunções com hipoteca, mediante o qual aqueles solicitaram e obtiveram junto deste um empréstimo no valor de €30.000,00.
5º- Em 31 de Agosto de 2006 o autor marido e sua mulher celebraram, por escritura pública, com o 1º R. um denominado contrato de crédito à habitação com hipoteca, mediante o qual aqueles solicitaram e obtiveram junto deste um empréstimo no valor de 162.099,00 para aquisição de habitação própria  permanente.
6º- Em 31 de Agosto de 2006 a 2ª R. recebeu do 1º R. a referida proposta “Seguro de Vida Grupo – Crédito à Habitação Boletim de Adesão”, tendo sido  solicitada a realização de exames clínicos a I.
7º- Em 20 de Setembro de 2006, I  fez exames Clínicos, na clínica Medicil, a pedido da 2ª R., os quais foram enviados  directamente por esta clínica à 2ª R. no dia 21 de Setembro de 2006.
8º- Em 22 de Setembro de 2006 o resultado dos aludidos exames foi recebido pela 2ª R.
9º-. Em 03 de Outubro de 2006 a 2ª R. enviou ao 1ª R. um questionário clínico a fim de o mesmo ser entregue em mão a I e por ela preenchido.
10º- Em Outubro de 2006 foi diagnosticada a I  neoplasia do seio esquerdo, tendo iniciado tratamentos em Janeiro de 2007.
11º- Por atestado médico de incapacidade, de 05 de Março de 2007, foi atribuída a I uma incapacidade permanente global de 70%.
12º- Em 06 de Março de 2007, o 1º A. e sua mulher receberam da 2ª R. carta com o seguinte teor: “No âmbito do processo de crédito à Habitação n.º  ------------------ foi recepcionada na H Seguros uma  proposta, constante no Boletim de Adesão ao Seguro de Vida n.º -----------, a  qual não foi aceite por esta Seguradora, uma vez que não registámos a  recepção de todos os elementos necessários pelo que, face ao período de tempo decorrido desde a subscrição da referida proposta, a mesma perdeu  validade.
Assim sendo e porque o Seguro de Vida associado ao Crédito Habitação é uma garantia adicional (…) sugerimos que se dirija ao seu balcão a fim de  preencher nova proposta (…) [sublinhados nossos]” .
13º- Nessa sequência, o 1º A. contactou a 2ª R. no dia 06 de Março de 2007, a fim de esclarecer o teor da aludida carta, ao que uma das funcionárias da 2ª R. respondeu que a mesma estaria a aguardar esclarecimentos adicionais  solicitados ao 1º R. em 03 de Outubro de 2006.
14º- Em 09 de Abril de 2007 o 1º A. recebeu uma carta da 2ª R. datada de 15 de Março de 2007 com o seguinte teor: “No seguimento do pedido efectuado,  junto enviamos uma cópia da carta sobre o esclarecimento à questão enviada  no passado dia 29 de Setembro de 2006. (…)”
15º- A referida carta servia de subscrito a uma outra, datada de 29 de Setembro de 2006, com o seguinte teor: “No seguimento da avaliação efectuada ao boletim de adesão do Seguro de Vida Grupo Crédito Habitação (…) vimos à presença de V. Exa. no sentido de comunicar que o mesmo ainda não se encontra aceite por serem necessários mais elementos. Assim, vimos solicitar (…) o preenchimento de questionário enviado em anexo.
16º- Após várias interpelações do 1º A. junto das RR. a fim de saber se seria dada continuidade ao processo iniciado em 22 de Agosto de 2006 ou se seria iniciado um outro para vigorar a partir de então, em 11 de Abril de 2007, a 1ªR. informa o 1º A. que nunca tiveram o referido questionário na sua posse.
17º- Em 30 de Abril de 2007, o 1º A. entregou em mão na sede da 2ª R. carta (constante de fls. 55 e 56, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), relatando o sucedido e questionando qual o procedimento a adoptar pelos RR.
18º- Em 12 de Junho de 2007 o 1º A. envia à 2ª R. carta registada com aviso de recepção informando que seria sua intenção queixar-se às entidades de supervisão e à defesa do consumidor.

19º- Em 28 de Junho de 2007 a 2ª R. enviou ao 1º A. carta com o seguinte teor:
(…) No seguimento de reanálise a todo o processo verificamos, conforme já era do seu conhecimento que o seguro em nome da Sra. I  não foi aceite por ser necessário o preenchimento de um questionário clínico.
Concluímos que este não lhe chegou por extravio de documentação, facto que lamentamos. (…)
Em virtude dos elementos clínicos em nosso poder já se encontrarem  desactualizados, agradecemos o preenchimento de novo boletim de adesão por ambos os titulares. Solicitamos também a disponibilidade da Sra. I  para a realização de novo check-up clínico, assim como o preenchimento do questionário, que anexamos.
Mais informamos que será com base na situação clínica actual de ambos os Titulares que será tomada a decisão da Companhia sobre as condições a atribuir à adesão do seguro de vida grupo. Estas condições poderão ser aplicadas desde a data de recepção do Check-Up clínico da Sr.ª I em 22-09-2006(…)[sublinhados nossos].”
20º- Em 04 de Fevereiro de 2008 o 1º A. e mulher enviaram à 2ª R. carta com resposta ao questionário clínico.
21º- Em Junho de 2008 foi diagnosticada a I  metástase hepática única.
22º-Por atestado médico de incapacidade de 26 de Janeiro de 2009 foi atribuída a I  uma incapacidade permanente global de 80%.
23º- Está registado na Conservatória do Registo Civil da -------- o óbito de I no dia 12 de Agosto de 2010.

Mais se provou, com relevância para a boa decisão da causa:

24º-A neoplasia do seio esquerdo diagnosticada à mulher do 1ºA. foi detectada pela primeira vez através de exames médicos realizados por aquela em data posterior a 13-10-2006.
25º-Nesse seguimento, I foi submetida a intervenção cirúrgica no dia 29-11-2006, onde lhe foi efectuada mastectomia total esquerda com esvaziamento axilar esquerdo.
26º-O 1º A. e sua falecida esposa nunca pagaram qualquer montante referente ao Seguro Vida.
27º-Por extravio, o questionário clinico referido em 9º e 15º nunca chegou a ser entregue por nenhum dos RR ao 1º A. e/ou a sua falecida mulher.
28º-Perante a proposta da 2ª Ré de celebrar com o 1ºA. e sua mulher novo contrato de seguro Vida, nos termos constantes da carta mencionada em 19º, aqueles recusaram-se a assinar os novos boletins de adesão, bem como comunicaram a indisponibilidade de I para esta efectuar novos exames médicos, tendo-se disponibilizado apenas a preencher o questionário de fls. 63 dos autos.
29º-Nesse contexto, o A. marido e sua falecida esposa comunicaram aos RR que o estado de saúde de  I se havia alterado e agravado desde os exames clínicos mencionados em 7º, mas omitiram ter a mesma sofrido neoplasia do seio esquerdo, e o diagnóstico da «metástase hepática única».
30º-Perante a proposta de celebração de novo contrato de Seguro Vida, o 1º A. transmitiu à 2ª Ré que aceitava o proposto desde que o seguro tivesse efeitos retroactivos à data da outorga da escritura pública realizada a 31-8-2006, e com base nas condições de saúde da sua falecida mulher, fixadas nos exames clínicos de 20-9-2006.
31º-A 2ª R transmitiu ao 1º A. que as condições do novo seguro poderiam ser aplicadas desde a data de recepção do Check-Up clínico da Sr.ª I  em 22-09-2006, mas teriam sempre que ser fixadas de acordo com o estado de saúde daquela, apurado à data da celebração do novo contrato, sendo essencial à celebração do contrato de seguro a assinatura dos novos boletins de adesão, e a realização de novos exames clínicos à esposa do 1º A.

Factos Não Provados: Com relevância para a causa, não se apuraram factos não provados.

Cumpre decidir:

Atendendo à data a que se reportam os factos, a proposta de seguro designada “Seguro de Vida Grupo- Crédito à Habitação Boletim de Adesão”, foi assinada em 22.08.2006, o regime legal aplicável é o do DL 176/95, de 26.07, pois não estava ainda em vigor  o DL 72/2008, de 16.04.

Trata-se de um contrato de seguro de grupo que cobre determinados riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao Tomador de Seguro, isto é, riscos de morte ou invalidez das pessoas seguras, que pagam o montante correspodente ao prémo devido pelo tomador de seguro.

Atento o disposto no art. 1º do DL 72/2008, de 16.04, a validade do silêncio da seguradora que nada disse na sequência da recepção da proposta do seguro, não se verifica, uma vez que se trata de seguro de grupo em que o silêncio da seguradora não vale como declaração negocial, susceptível de a vincular. A validade do silêncio da seguradora perante a proposta  só acontece no seguros individuais.

Nos termos do art. 218 do C.Civil, o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção. Na proposta de seguro subscrita pelo Autor e mulher consta que : “ A recepção deste Boletim de Adesão não constitui direito ao contrato de seguro, este só existirá com a comunicação da companhia de seguros ao subscritor(...); A aceitação do presente pedido de adesão depende da fectiva e expressa declaração da Seguradora, após a eventual realização de exames médicos”. Do exposto resulta que a aceitação seguro de grupo em causa nos autos resultava de uma declaração efectiva e expressa  da seguradora. O que não chegou a acontecer no caso.   

O ordenamento jurídico consagra o princípio da liberdade contratual no art. 405 do C.Civil. Tal não permite qualquer conduta das partes durante as negociações, embora ninguém seja obrigado a contratar mesmo estando já em negociações, se as mesmas já estiverem muito avançadas, de tal modo que existam já expectativas legitimas na consumação do negócio, a parte que as romper sem fundamento, viola deveres de boa-fé e de confiança.

Nos termos do art. 227 do C.Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte (nº1). A responsabilidade prescreve nos termos do art. 498 (nº2).

Tem em vista proteger a confiança depositada por cada uma da partes na boa-fé da outra e quanto às expectativas que as partes têm quanto à celebração do contrato ou à sua validade e eficácia.

Batista Machado na Revista de RLJ-117 diz : “O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrém” (pág. 232).

“Toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente” e “todo o agir comunicativo implica uma auto-vinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura. Mas esta auto-vinculação não tem que ter em todos os casos a mesma força.” /pág. 233

Almeida e Costa em RLJ- 116, diz que o dano indemnizável é o interesse negativo, o que resulta da violação da confiança de uma das partes na probidade e lisura do procedimento da outra por ocasião dos preliminares e da formação do contrato (pág. 206)

Antunes Varela, em Direito das Obrigações, Vol.II, pág. 14, diz referido o conceito de Diez Picado que é “um arquétipo de conduta social: a lealdade nas relações, o proceder honesto, esmerado, diligente”.

Professor Menezes Cordeiro, em “Da Boa-Fé no Código Civil”, Colecção Teses, pags. 583-584 : “ A culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção , de informação  e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu conteúdo substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam”

A culpa in contrahendo pressupõe a violação culposa de deveres acessórios de conduta que, muitas vezes, se inscreve no âmbito de condutas abusivas do direito – art. 334 do Código Civil.

Batista Machado em “Obra Dispersa” Vol.I, pag. 351 diz : “Desta “auto vinculação” inerente à nossa conduta comunicativa derivam ao mesmo tempo regras de conduta básicas, também postuladas pelas exigências elementares de uma ordem de convivência e de interacção, que o próprio direito não pode deixar de tutelar, já que sem a sua observância nem essa ordem de convivência nem o direito seriam possíveis.

Donde poderíamos já concluir que as próprias “declarações de ciência” ou o simples dictum (que não chega a ser um promissum) podem vincular, quer porque envolvem uma responsabilização pela pretensão de verdade que lhes é inerente, quer pelos efeitos que podem ter sobre a conduta dos outros que acreditam em tais declarações (...)

Do exposto podemos também concluir que o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.
Assim tem de ser, pois, como vimos, poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens”

A reponsabilidade contratual pressupõe que a parte que rompe as negociações traia as expectativas que legitimamente incutiu na parte com quem negociava, de modo a que frustração do negócio exprima uma indesculpável violação da ética negocial, nomeadamente da protecção da confiança e da prevenção do insucesso.

Nas negociações para conclusão do negócio em perspectiva as partes estão sujeitas aos ditames da boa-fé, e a deveres acessórios de conduta, com respeito pelas justificadas expectativas das outras partes que se mostram razoavelmente adquiridas, para que contribuíram com a sua conduta.

Há que atender se dos factos apurados resulta que as negociações estabelecidas entre as partes, numa perspectiva de razoabilidade e experiência comum, caminhavam em boa direcção à conclusão do negócio previsto, estando ultrapassados já, e acordados, pontos cruciais da negociação, não tendo qualquer das partes informado as restantes de qualquer risco de não concretização do negócio.

Menezes Cordeiro no estudo “Do contrato de Mediação”, em Revista “O Direito”, ano 139, 2007, III, págs. 516 a 554 diz que a responsabilidade em causa na culpa in contrahendo é uma responsabilidade obrigacional, por violação de deveres específicos de comportamento baseados na boa fé. O que, em termos de Direito substantivo, releva, no essencial, em que, demonstrada a violação, presume-se a culpa da parte faltosa, nos termos do art. 799/1.

O Professor Paulo Mota Pinto em “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol.II, págs. 1191 e 1192 diz: “Afigura-se assim, mais útil para os nossos propósitos adoptar uma classificação das hipóteses de responsabilidade pré-contratual que atenta ao evento danoso - ou, na expressão do art. 562º ao definir o princípio geral em matéria de obrigação de indemnização, ao “evento que obriga à reparação”.

Ora, nos casos de responsabilidade pré-contratual, este evento é a violação de um dever pré-contratual, ou a criação de confiança e/ou a sua frustração (alternativa, esta última, cuja exacta dilucidação se afigura cheia de consequências para a distinção entre a indemnização pelo interesse positivo ou pelo interesse negativo). Correspondentemente, o lesado deve ser colocado, nos termos do art. 562º, na situação em que estaria se não tivesse sido violado o dever pré- contratual ou não tivesse sido violado o dever pré-contratual ou não tivesse sido criada (e/ou frustrada) a sua confiança, sendo, pois, hipotizável, segundo as regras gerais e consoante o curso hipotético dos acontecimentos, que a indemnização se refira quer ao interesse negativo quer ao interesse positivo.
Tudo depende da configuração da hipótese de responsabilidade”

Carlos Ferreira de Almeida, in “Contratos-Conceito, Fontes, Formação”, 2ª edição, Almedina, pág. 189, diz: “... Com a doutrina e a jurisprudência, neste ponto dominantes quase sem discrepância, inclinamo-nos para a solução de presunção de culpa, porque a valoração das insuficiências ou dos excessos de comunicação na relação pré-contratual têm com o incumprimento, pleno ou defeituoso, de obrigações a semelhança bastante para justificar a aplicação analógica”

A maioria da jurisprudência e da doutrina entendem que na responsabilidade pré-contratual já se está verdadeiramente no âmbito da responsabilidade obrigacional, uma vez que os direitos subjectivos violados são os deveres de actuação de boa-fé pelo que, ao invés do que sucede com a responsabilidade extracontratual, é aos demandados em acção indemnizatória baseada no art. 227, nº1, do Código Civil que incumbe ilidir a presunção de culpa que sobre si impende- art. 799, nº1, do Código Civil.

A jurisprudência maioritária considera que o dano indemnizável é apenas o do interesse contratual negativo ou dano de confiança – cfr. Acs. do STJ de 04.05.06, P.06A222, , de 18.11.04, P.04B2992, de 28.02.02, P.02B056, de 21.12.2005, P. 05B2354, em wwwdgsi.pt.

O Ac.STJ de 28.04.2009, P. 09A0457, em www.dgsi.pt, considerou que em casos concretos a indemnização deve contemplar o interesse contratual positivo, dizendo:

“ Na falta de uma disposição legal especial que regule a indemnização devida pela responsabilidade contratual é de aplicar a regra geral do art.562 do C.Civil. Nos casos de ruptura ilícita de negociações, a indemnização será, em regra, pelo interesse contratual negativo.

Contudo, há situações em que a indemnização será pelo interesse contratual positivo, quando as negociações tiverem atingido um desenvolvimento tal que justifique a confiança na celebração do negócio. Será o caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões e apenas faltar a concretização/celebração do acordo através da forma legal”.

O lesado deve ser colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, pelo que tem direito a haver aquilo que despendeu na expectativa da consumação das negociações.

No caso dos autos não ficou apurado que as negociações estivessem de tal forma adiantadas que só faltasse a concretização do acordo formalmente.

Resulta dos autos  que faltou o preenchimento de um questionário clínico, dependendo do conteúdo deste a posição da seguradora quanto ao risco a assumir no âmbito do contrato.

A prova, que competia aos AA, de que a Ré Seguradora com o preenchimento e assinatura do questionário clinico adicional por parte da mulher do A. teria celebrado o contrato, não foi feita.

Como referido na sentença recorrida, os pedidos formulados pelos Autores base iam-se no interesse contratual positivo, isto é, como se o contrato tivesse sido celebrado em 31.08.06 ( - 1) a condenação da  Ré ... Companhia de Seguros de Vida, SA., a emitir a declaração de aceitação do contrato de seguro celebrado pelo A. marido e a falecida esposa, com data e efeitos retroagidos a 31 de Agosto de 2006; 2) a condenação de Banco ... a restituir aos AA. a quantia correspondente à bonificação de 35% do indexante dos juros do empréstimo desde que detectada a incapacidade de 70% até à data da incapacidade de 80%, acrescido dos juros legais até integral cumprimento;  3) A  condenação da Ré ... Companhia de Seguros de Vida, SA a liquidar ao primeiro R. os contratos de mútuo celebrado entre o A. marido e a falecida esposa e  R. Banco ..., desde a incapacidade de 80% da falecida Maria Madalena, ou na pior das hipóteses desde o falecimento desta, restituindo tudo o que os AA. têm pago indevidamente desde essa data, acrescido dos juros legais até integral  pagamento; 4) a condenação do Banco ... a dar quitação aos AA da quantia em divida desde a incapacidade de 80% da falecida Maria Madalena, ou desde o falecimento desta, restituindo tudo o que os AA têm pago indevidamente desde essa data, acrescido de juros legais até integral pagamento.)

Assim, não tendo sido expressamente aceite o contrato de seguro, nem estando as negociações tão avançadas que só faltasse formalizar o acordo, não se verificam os requisitos da obrigação de indemnizar, invocada pelos AA

Conclusões:

No âmbito do regime do contrato de seguro regulado pelo DL 176/95, de 26.07, o silêncio, omissão de declaração da seguradora na sequência da recepção da proposta de seguro, só produz efeitos relativamente a seguros “individuais”. Nos “seguros de grupo” o silêncio da seguradora não vale como declaração negocial susceptível de a vincular. O art. 218 do CC diz que o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuido por lei uso ou convenção. A proposta de adesão ao seguro de grupo diz que : “ A recepção deste Boletim de Adesão não constitui direito ao contrato de seguro, este só existirá com a comunicação da companhia de seguros ao subscritor (...); A aceitação do presente pedido de adesão depende da efectiva e expressa declaração da Seguradora, após a eventual realização de exames médicos”.

Não se mostrando concluído o contrato, a indemnização pelo interesse contratual positivo só se verifica em casos excepcionais, quando as negociações estavam já concluídas faltando apenas a formalização do negócio.


Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 11/06/2015

Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça