Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23191/17.7T8LSB.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: DOCUMENTOS ELETRÓNICOS
FORÇA PROBATÓRIA
CONTABILISTA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Não tendo a ré impugnado os documentos juntos aos autos e alusivos a comunicações eletrónicas trocadas entre as partes (emails), no que concerne à sua origem (autenticação) – nunca questionou que os emails sejam da autoria do representante legal da autora e da ré – e integralidade – nunca questionou que os dados constantes da comunicação foram entretanto alterados –, estamos perante documentos eletrónicos com a força probatória conferida pelo art. 376º, do Cód. Civil, ex vi do disposto no art. 3º, nº5 do regime alusivo aos “[d]ocumentos e actos jurídicos electrónicos” instituído pelo Dec. Lei 290-D/99, de 2 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 62/2003 de 3 de abril, Dec. Lei 165/2004 de 6 de julho, Dec. Lei 116-A/2006 de 16 de junho e por último pelo Dec. Lei 88/2009 de 09-04, sendo republicado em anexo (anexo I) a este último diploma;
2. O contrato de prestação de serviços celebrado por contabilista certificado com vista ao exercício da sua profissão deve revestir a forma escrita, conforme resulta do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados (EOCC ) – art. 70º, nº5 – e do  Código Deontológico dos Contabilistas Certificados (CDCC) – art. 9º –, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro e republicados em anexo à mesma lei e da qual fazem parte integrante, conforme dispõe o art. 3º – anexo I e II, respetivamente.
3. Nas hipóteses em que o contrato está sujeito a forma escrita, quer a proposta quer a aceitação têm que revestir essa forma, só assim se podendo concluir que os atos são formalmente adequados à conclusão do negócio. Os contratos formados por correspondência, aqui se incluindo os casos de utilização de meios de comunicação informática – correio eletrónico/emails – satisfazem o apontado requisito de forma; ainda assim, não é juridicamente irrelevante a perceção da conduta das partes contratantes, mormente quando os atos praticados são concludentes no sentido da afirmação do negócio
4. Aplicando-se ao contrato de prestação de serviços aludido as regras do contrato de mandato, ex vi do art. 1156º do Cód. Civil, qualquer das partes pode fazer cessar o contrato, não obstante convenção em contrário – art. 1170º, nº1, do Cód. Civil –, mas estando em causa prestação de serviço no interesse comum das partes é exigível, na falta de acordo do interessado, a verificação de justa causa de cessação (art. 1170, nº 2 do mesmo diploma).
5. A indemnização devida pela cessação antecipada do contrato por parte da ré – sem justa causa –, gera o correspondente dever desta indemnizar a autora pelos prejuízos daí decorrentes e que lhe sejam imputáveis, nos termos do art. 1172º do Cód. Civil; relevando, no caso em apreço, o disposto na alínea c), impõe-se à autora, credora, o ónus de alegação e prova dos respetivos pressupostos (arts. 562º e seguintes do Cód. Civil).
6. Não tendo sido estabelecida ente as partes qualquer cláusula penal, o valor da indemnização deve ter como parâmetros, necessariamente, de um lado o valor das prestações que a autora receberia caso o contrato fosse pontualmente cumprido até ao seu termo e, do outro, o valor dos custos que a autora suportaria com a execução desse mesmo contrato: a indemnização deve colocar a autora na situação patrimonial que teria se o contrato de prestação de serviço não tivesse sido resolvido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
I.RELATÓRIO
Ação
Declarativa comum.

Autora/apelada
I… – Contabilidade e Consultoria de Gestão Lda.

Ré/apelante
M… – Mecatrónica Lda.

Pedido
Que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 38.412,22, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Causa de pedir
A autora celebrou com a ré um contrato de prestação de serviços, no dia 3 de janeiro de 2010, mediante o qual a autora prestaria à ré serviços de contabilidade, fiscalidade e apoio administrativo, designadamente, em sede de Departamento de Recursos Humanos.
No 17 de dezembro de 2015, na sequência de solicitação da ré, a autora enviou-lhe uma proposta de contrato de prestação de serviços, que duraria desde 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2017, cuja diferença em relação ao contrato em vigor entre as partes há seis anos, consistia no facto da autora passar a prestar os seus serviços nas instalações da ré, disponibilizando para o efeito, uma técnica sua nas instalações da ré, a tempo inteiro, todos os dias da semana. Esta proposta foi aceite pela ré, após a discussão do respetivo preço e no dia 4 de janeiro de 2016, as partes iniciaram a execução desse contrato.
No dia 13 de março de 2017, a ré contratou uma nova funcionária para passar a executar os trabalhos prestados pela técnica da autora que trabalhava nas instalações da ré e pelo Departamento de Recursos Humanos. E, por carta datada de 7 de abril de 2017, a ré comunicou à autora que pretendia cessar de forma permanente o contrato e que tal denúncia unilateral produzisse efeitos no dia 31/03/2017.
A denúncia unilateral do contrato pela ré não tem qualquer fundamento legal e que nem sequer foi cumprido o aviso prévio de 90 dias previsto no contrato.
A ré está obrigada a pagar à autora a quantia que deveria pagar até ao termo do contrato, no valor de €20.700,00, acrescida do valor de €16.785,32 que a autora pagou à funcionária que destacou para as instalações da ré, pela extinção do seu posto de trabalho.

Oposição com reconvenção
A ré defendeu-se por impugnação e por exceção; invoca a ineptidão da petição inicial, a litispendência e a nulidade do contrato de prestação de serviços invocado por falta de forma. Mais invoca o incumprimento pela autora, por via da funcionária que destacou para as instalações da ré, das obrigações contratuais assumidas no contrato, o que levou a que a ré resolvesse o contrato com justa causa. A ré deduziu ainda pedido reconvencional, peticionando que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.549,80, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais provocados à ré pelo incumprimento das obrigações contratuais pela autora.

Réplica
A autora apresentou réplica, pronunciando-se sobre as exceções deduzidas e sobre o pedido reconvencional, impugnando a respetiva matéria de facto e pugnando pela sua improcedência.

Audiência prévia
Procedeu-se à realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, no qual foi admitida a reconvenção deduzida e julgadas improcedentes as exceções de ineptidão da petição inicial e litispendência.

Julgamento
Procedeu-se a julgamento após o que, em 09-08-2017 foi proferida sentença que concluiu como segue:
“Nesta conformidade decido:
1. Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a. Condenar a ré M… – Mecatrónica, Lda.a pagar à autora I… – Contabilidade e Consultoria de Gestão, Lda. a quantia de €20.700,00 (vinte mil e setecentos euros), acrescida dos respetivos juros de mora, calculados à taxa legal, desde abril de 2017 até efetivo e integral pagamento.
b. Absolver a ré do demais peticionado contra si pela autora.
2. Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido pela ré M… – Mecatrónica, Lda. e absolver a autora I… – Contabilidade e Consultoria de Gestão, Lda. do mesmo.
Custas a cargo da autora e da ré, nas proporções de 37% e 63% respetivamente – artigo 527.º do CPC.
Registe e notifique”.

Recurso
Não se conformando a ré apelou formulando as seguintes conclusões:
“A) A decisão recorrida não se revela totalmente consentânea com a Justiça e com o Direito positivo, falecendo de uma correcta análise da prova apresentada nos autos e daquela produzida em sede de audiência de julgamento.
B) Designadamente, no que versa sobre a matéria de facto erradamente provada, vimos em sede de Alegações (supra A1, artigos 3 a 12) que antes se deveria ter considerado provado que: a) A Ré não aceitou a proposta de contrato de prestação de serviços, como formulada no email que em 17 de Dezembro de 2015, o gerente da Autora, AS…, dirigiu ao gerente da Ré, JC…. Antes aceitou apenas o resultante da negociação relativa à inserção da Dra. PF… nas instalações da própria Ré, o qual resulta verdadeiramente das declarações de parte dos legais representantes, bem como da base documental efectivamente analisada e negociada, maxime tabela comparativa de Excel.
C) Bem como: b) No âmbito das negociações estabelecidas entre os gerentes da Autora e da Ré, a sociedade representada pelo primeiro obrigou-se a disponibilizar a sua colaboradora PF… para o exercício de funções na sede da ré, a tempo inteiro, todos os dias da semana, sem prejuízo dos direitos laborais conferidos à referida colaboradora, nomeadamente descanso, férias, doença, para aí desenvolver a direcção de actividades de contabilidade e fiscalidade para a Ré. Uma vez mais, ocorreu uma convergência quanto vontade real das partes negociadoras do acordo.
D) De igual forma: c) As partes acordaram que o ingresso da trabalhadora da Autora – Dra. PF… – nas instalações da Ré deveria ocorrer em Janeiro de 2016, sem que contudo se tivesse alterado a dinâmica temporal das anteriores relações comerciais, inexistindo qualquer prazo para o seu términus. Na realidade, a toponímia contratual não se alterou desde 2010, inexistindo qualquer alteração, para além do facto de a Autora passar a disponibilizar uma sua funcionária de forma permanente e respectivos valores.
E) Outro sim: d) Não contratualizaram as partes, especificamente, nenhum modo ou forma a observar para a cessação do acordo executado a partir de 5 de Janeiro de 2016.
F) Bem como: e) Nesse circunstancialismo, por uma questão de organização, foi solicitado a PF… que passasse e ensinasse parte das tarefas acessórias e auxiliares que vinha desempenhando, como o lançamento de facturas no PHC, a AH…, tendo a primeira nesse dia 13/03/2017 incumprido tal diretriz e ausentando-se para a sua entidade empregadora, a qual lhe ordenou que regressasse à sede da Ré. Tal resulta transversal aos depoimentos e declarações prestadas, assim como do acervo documental quanto à matéria em causa.
G) De igual forma: f) No dia 19 de Abril de 2017, pelas 18h38, o gerente da Ré remeteu ao gerente da Autora, o email que se mostra junto aos autos a fls. 66 verso e cujo teor se deixa integralmente reproduzido.
H) Como releva: g) A Autora e Ré acordaram entre si que a trabalhadora da Autora, PF…, teria de cumprir o mesmo horário de trabalho dos demais trabalhadores da Ré. Tal facto resulta tanto da essencialidade das negociações tidas nesse aspecto e das próprias necessidades da Ré, corroborado pelo conhecimento e consciência demonstrada pela Dra. PF…, a qual após se ausentar daí em 13/03/2017, aí regressou nesse dia, após instruída pela sua Empregadora, para estar até às 17h.30min.
I) Bem como: h) A Autora, por intermédio do seu gerente, impossibilitou que Ré submetesse dentro do prazo legal a declaração periódica de IVA 201704, o que determinou a sua notificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira para audiência prévia, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e, posteriormente, a notificação pela mesma entidade para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima de € 300,00, acrescida de custas no valor de € 38,25. São patentes e altamente lesivas as contradições evidenciadas pelo gerente da Autora, conforme supra verificado, bem sabendo ele que a sua renúncia às funções junto da A.T., ocorre após o termo do prazo para cumprimento da referida obrigação declarativa.
J) Ocorreu igualmente um erro na apreciação da prova nos termos supra alegados, atinente à matéria de facto não provada. Conforme vimos, antes se deveria ter considerado provado que,
K) I) A trabalhadora da Autora, PF…, não cumpria os horários de trabalho acordados entre as Autora e Ré, nem o número de horas de trabalho semanal acordado. Conforme sindicado, as testemunhas DF… e FS… deram objectivamente conta disso, revelando tanto a Dra. PF… como o Dr. AS… uma completa ligeireza e desrespeito por tal matéria.
L) Bem como: II) A trabalhadora da Autora bastas vezes ausentava-se do seu local de trabalho para ir fumar, tanto no interior da casa de banho das instalações da Ré, como no exterior, infringindo grosseiramente as regras da empresa; III) Durante o período de prestação de serviços, a trabalhadora da Autora mantinha demoradas conversas com terceiros, sem conexão com os trabalhos em curso na empresa, prejudicando a possibilidade de contactos profissionais e solicitações externas; IV) PF… ausentava-se das instalações da Ré, sem qualquer justificação, deixando serviço por fazer.
M) Tudo conforme narrado de forma precisa e espontânea pelas testemunhas DF… e FS….
N) Assim como a referida prestadora de serviços: V) Não prestava alguns dos serviços que lhe eram solicitados ou não os executava prontamente. Como exemplo narrado pelo gerente da Ré, no que toca aos balanços e balancetes. E a falta da prestação solicitada, de auxílio e explicação à Sra. AH….
O) De igual forma: VI) A Dra. PF… recusou-se a fazer a contabilização das horas de trabalho efectivamente prestadas. Quando instada para tanto por FS…, a mesma ignorou tal diretriz.
P) Igualmente importante, no que toca a: VII) PF… não efectuou devidamente a conciliação bancária da Ré, o que implicou que a Ré não detectasse, em tempo, o desvio de mais de € 53.000,00, por parte da secretária do gerente da Ré. Ressalta a falta de competência técnica e a negligência empenhada na tarefa de conciliação bancária, não controlando nem informando devidamente a Ré, ocasionando-lhe danos consideráveis.
Q) Bem como igualmente provado, deverá resultar que: VIII) PF… saiu das instalações da Ré, com documentação e pastas pertencentes à Ré.
Não merecendo qualquer crédito o invocado pela referida testemunha quanto a folhas de rascunho ou no segmento da responsabilidade própria aquando de inspeções em anos vindouros.
R) Assim como: IX) Antes do email datado de 5 de abril de 2017, a Ré já havia reclamado junto da Autora, da execução dos serviços pela funcionária desta, PF….
S) Quanto à comunicação da baixa médica, vale o seguinte: X) A Autora comunicou, em 4/04/2017,verbalmente ao Director da Ré a impossibilidade de PF… comparecer nas instalações da Ré em virtude de se encontrar em situação de baixa médica, quebrando a continuidade da prestação de serviços, já que nem se ofereceu a substituir a referida prestadora. Como resulta tanto das declarações de parte dos legais representantes das partes e do depoimento da testemunha DF….
T) Igualmente: XI) A falta do pedido de reembolso do IVA referente à declaração periódica 201703, afectou o estado de tesouraria da Ré, impossibilitando-a de honrar pontualmente os seus compromissos, sendo a Ré amplamente conhecedora dessa necessidade. Tudo conforme demonstrado pelo depoimento da própria Dra. PF….
U) Ora, resulta amplamente claro que tanto a Ré não aceitou a proposta contratual que lhe dirigiu o legal representante da Autora, como a ela nunca se vinculou; ao passo que a os incumprimentos imputados à Autora foram mais que muitos, desde a deficiente conciliação bancária, aos reiterados incumprimentos horários e desrespeito de regras de disciplina e organização, bem como às entrega defeituosa da obrigação declarativa de IVA (março de 2017), asfixiando a tesouraria da Ré e à obstaculização da do mês de Abril de 2017, gerando prejuízos patrimoniais na esfera da Ré.
V) Por outro lado, obriga o diploma normativo que regula a actividade dos contabilistas certificados que os contratos estabelecidos por estes profissionais, ou sociedades, carecem de forma escrita (Cfr. art. 9.º do C.D.O.C. anexo à Lei n.º 139/2015, de 7 de Setembro);
W) Com efeito, atenta a omissão da forma legalmente prescrita, deve ter-se por verificada a respectiva nulidade, conforme arts. 220.º, 286.º, 289.º, do Código Civil, já que se está diante um requisito formal ad substantium.
X) Ignorando, igualmente, o Tribunal a quo o disposto no art. 373.º do Código Civil.
Y) Nem tão pouco se atentou como devia o disposto nos arts. 24.º e 26.º do D.L. n.º 7/2004, de 7 de Janeiro, relativo à regulação do comércio electrónico, conforme tanto apregoado pelo legal representante da Autora.
Z) A própria cláusula constante da proposta contratual sob a epígrafe “B.Cessação” é em si nula e de nenhum efeito, reveladora da violação dos arts. 227.º, 405.º, 432.º e sgs. e 286.º, ambos do Código Civil.
AA)Seja como for, sempre a Ré teve motivos suficientemente fundados para resolver o acordo estabelecido com a Autora, referente à Dra. PF….
BB)Pelo que o pedido reconvencional formulado contra a Reconvinda, aqui Recorrida, deve ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser esta condenada a pagar à Reconvinte a quantia de 6.549,80 € (seis mil quinhentos e quarenta e nove euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde a sua notificação até efectivo e integral pagamento.
CC)Mesmo a não se entender assim, o que por hipótese e dever de patrocínio se admite, entendendo-se antes que a Ré não teve bastante motivo para cessar a respectiva relação, como explicar a condenação da Ré, na quantia de 20.700,00 €, acrescida de juros?
DD) Tanto quanto se extrai, nenhum fundamento jurídico é invocado para o efeito.
EE) Nem sequer a referida proposta contratual continha qualquer cláusula penal.
FF) Pelo que se afigura desproporcional e ilegal.
GG) À luz da melhor interpretação, como exposto na Jurisprudência supra citada em Alegações, fenece de sentido obrigar a parte que revogou o contrato, a ter de pagar todas as prestações que seriam devidas até ao prazo contratual ficar esgotado. A indemnização tem que ter como medida a diferença entre as retribuições que o contraente não faltoso teria recebido se o contrato atingisse o seu termo normal e os ganhos que obteve por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado, designadamente as despesas que faria na execução do mesmo.
HH) Com efeito, resulta minimamente dos autos que o ordenado da Dra. PF… importava um custo para a Autora de 1.260,00 € (mil duzentos e sessenta euros).
II) Logo, mesmo que o Tribunal a quo entendesse como entendeu – ainda que sem explicação cabal no plano jurídico – deveria levar a efeito esta operação de liquidação, sob pena de um enriquecimento ilegítimo da Autora, que não executou serviço nenhum.
JJ) O que nunca daria uma indemnização superior a 9.360,00 € (nove mil trezentos e sessenta euros).
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Exas. Venerandos Desembargadores, suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser Revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a Recorrente da condenação de 20.700,00 € (vinte mil e setecentos euros) acrescida de juros, tanto por via da falta da aceitação da proposta contratual e subsequente nulidade de forma do vínculo, como pela procedência da resolução operada, a qual determinará a procedência do pedido reconvencional formulado, condenando-se a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de 6.549,80 € (seis mil quinhentos e quarenta e nove euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde a sua notificação até efectivo e integral pagamento, ou caso assim se não entenda, sempre a quantia de 20.700,00 € (vinte mil e setecentos euros) seja reduzida nos termos e fundamentos supra invocados.
Assim se fazendo a necessária e habitual Justiça!”

A autora apresentou contra-alegações, concluindo como segue:
“C) A recorrente vem no seu Recurso de Apelação impugnar a decisão relativa à matéria de facto, uma vez que consideram existir um erro na apreciação e julgamento desta face à prova produzida.
D) Ora, nos termos do Art.º 640 do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.), o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; bem como os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e, por conseguinte, qual a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida.
E) Sucede que, no presente Recurso de Apelação, apesar da Recorrente nas suas alegações especificar os concretos pontos da matéria de facto, não observam o ónus imposto pelo citado artigo.
F) Toda a alusão concernente à decisão da matéria de facto é feita exclusivamente em sede de Alegações, isto é, os Recorrentes ao formularem as suas conclusões não mencionam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e, por último, nem a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida.
G) Note-se que a lei não exige à Recorrente que nas conclusões do recurso proceda à indicação dos concretos minutos e passagens da prova gravada, mas exige que seja feita menção à decisão da matéria de facto que se impugna, o que não sucedeu.
H) Tal omissão voluntária não pode ter outro sentido que não seja o de excluir tal matéria do objeto do recurso, uma vez que impendendo sobre a Recorrente tal ónus, esta assim não diligenciou.
I) Pelo que, verificando-se o incumprimento do ónus a que alude o disposto no Art.º 640 do C.P.C., a lei determina assim a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, entendimento sufragado pelo Acórdão da Relação de Coimbra, de 19.12.2012, proferido no âmbito do Proc.2312/11, o qual dispõe que “I. Quando se impugna a matéria de facto, pelo menos a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente pretende ver alterados deve constar das conclusões da alegação, por o objeto de recurso ser delimitado pelas respetivas conclusões. II. A omissão desse ónus de especificação imposto pelo (anterior) Art.º 685-B do C.P.C. implica a rejeição do recurso”.
J) Face ao exposto, deve o presente recurso interposto pela Recorrente ser liminarmente rejeitado quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, por violação do disposto no Art.º 640, nº 1, alíneas a), b) e c) e, nº 2 alínea a) e b) e, pelo facto de o âmbito do recurso não se encontrar balizado pelas conclusões apresentadas.
K) No entanto e apesar disso faz a Recorrente referência a alguns pontos em concreto que considera que não deveriam ter sido dado como provados, nomeadamente os pontos 3, 4, 5, 6, 10, 25, 32 e 33, apelando para uma decisão diversa sobre estes factos que entendem deveriam ter sido dados como provados.
L) E, apesar da Recorrente apelar para uma decisão diversa sobre estes concretos pontos de facto, a verdade é que não fundamenta o porquê, em sede de conclusões, sendo que nunca é demais referir que estas delimitam o objeto do recurso.
M) Limita-se a recorrente a indicar algumas respostas dadas pelo seu representante legal, em declarações de parte, usando-as no contexto que entende ser o mais correto para si, sem indicar em concreto o contexto em que essa frase foi proferida ou qual a pergunta que precedeu essa resposta.
N) Ou seja, o alegado pela Recorrente não permite descortinar que meio probatório entende que foi descorado ou não foi tido em conta pelo julgador, uma vez que não indicam a análise da prova e de que prova – testemunhal? documental? que não tendo sido tida em conta pelo julgador levará a uma conclusão diferente da que foi tomada em sentença.
O) Pelo que, também o presente recurso de apelação deverá ser rejeitado por inobservância de requisitos legais à impugnação da decisão relativa da matéria de facto, por violação expressa do Art.º 640, nº 1 alínea b) sendo que quando não se preveja esse requisito legal a cominação é a da rejeição imediata.
P) Presume-se que os ora Recorridos foram notificados da douta sentença em 13.08.2018, atenta a presunção dos 3 dias, conforme Art.º 248 do Código de Processo Civil.
Q) Desde o dia 01.09.2018 atento o fim das férias judiciais a 31.08.2018 começou a correr prazo para interposição de recurso, o qual, face à delimitação do objeto da sentença proferida, é de 30 dias, nos termos a que dispõe o Art.º 638, nº 1 do C.P.C.
R) Ao prazo de 30 dias, in casu, e tendo em conta que decorre do teor do Recurso de Apelação a intenção de pretenderem reapreciar a prova gravada, muito embora, não o tenham feito, acresceria o prazo a que alude o Art.º 638, nº 7 do C.P.C., isto é, 10 dias, para que as partes possam reapreciar a prova gravada, caso tivessem cumprido os requisitos, o que não sucedeu.
S) Pelo que, não tendo os Recorrentes observado o cumprimento dos requisitos atinentes à reapreciação da prova gravada, não poderão por esse motivo beneficiar do prazo de 10 dias.
T) Assim, considerando-se as partes notificadas em 13.08.2018, as mesmas dispunham até ao dia 01.10.2018 de prazo para interpor recurso da douta sentença, isto caso tivessem observado os trâmites legais para tal efeito, conforme supra indicado.
U) A Ré, apresentou as suas alegações apenas a 10.10.2018 pelo que, não obstante a lei lhes facultar a possibilidade de praticar o ato fora do prazo, a verdade é que não se vislumbra o pagamento previsto nos termos do disposto na alínea c) do nº 5 do Art.º 139 do C.P.C.
V) Pelo que, o Recurso de Apelação da Recorrente deve ser rejeitado liminarmente por extemporaneidade e, por conseguinte, deverá ser determinado o seu desentranhamento.
W) Decorre da matéria dada como provada e da convicção do tribunal formada na analise critica e conjugada da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida em audiência que, antes de mais, existe uma relação contratual entre as partes. Esta é a primeira conclusão que o tribunal retira a montante, porque a jusante temos de concluir que há um contrato de prestação de serviços, escrito, entre as partes e que é aceite por ambas, com as condições descritas no mesmo e que ambas lhe estão vinculadas desde o seu inicio e até ao seu termo.
X) Ademais e da prova produzida é concludente que a contratação da AH… foi para que a trabalhadora da autora, a PF…, deslocada nas suas instalações, lhe passa-se o trabalho e começasse a exercer as suas funções. Tanto mais que ocupou o seu lugar e o seu computador, isto é, ocupou o seu posto de trabalho impossibilitando-a de exercer as suas funções. E só, no dia seguinte, foi colocada em outra secretaria e com outro computador.
Y) Todas as desculpas carreadas para o processo e que apontam a trabalhadora da Autora como má funcionária, veja-se, não cumpria o horário, fumava, faltava ao trabalho, fazia mal o trabalho, etc., não passaram disso mesmo, desculpas forjadas par atentar justificar a cessação da prestação de serviços.
Z) Na verdade não houve nenhuma reclamação do desempenho da trabalhadora da autora até à revogação da prestação de serviços, pois até essa data, nenhuma reclamação, verbal ou escrita foi apresentada. Veja-se que o próprio gerente da Ré lhe fez uma proposta de trabalho, abalando completamente o argumento de que não era uma funcionária exemplar.
AA) E, nem se poderá argumentar, como a recorrente tenta, com o facto de a trabalhadora ter efetuado a conciliação bancária com erros, pois quando da descoberta, feita pela própria, o gerente da Recorrente assume o prejuízo em seu nome pessoal e não imputou qualquer responsabilidade a quemquer que fosse. Não tolhe assim o argumento.
BB) E, prova contundente é o email datado de 19 abril de 2017 em que a Ré admite a falta de capacidade económica para manter a prestação.
CC) Pelo que andou bem o Tribunal quando considerou não haver motivo justificativo para a cessação antecipada do contrato de prestação de serviços em vigor, entre as partes.
DD) Não restam duvidas de que o contrato escrito foi apresentado, via electrónica à Ré e que esta o aceitou pela mesma via.
EE) E, contrariamente ao alegado pela Recorrente, o correio electrónico de ambas, não foi por si impugnado, tendo aliás, em sede de audiência, o gerente da Ré, admitido que enviou e recebeu os emales juntos aos autos.
FF) Está correto o entendimento do Tribunal quando ao contrato de prestação de serviços e da sua validade, assim como quando à inexistência de motivos para o rescindir antes do prazo.
GG) Não podemos deixar de referir que é desprovido de lógica o que a Recorrente tenta provar em sede de pedido reconvencional que é responsabilizar a autora por uma ato, num momento em que já não é sua prestadora de serviços – recorde-se que foi a Recorrente que prescindiu dos seus serviços.
HH) Na data de 31 de março de 2017 a Autora, por decisão da Ré, deixa de lhe prestar serviços. Na data de 01 de abril de 2017 a Autora recebe uma comunicação de um contabilista certificado alegando que exerce as funções de contabilista para a Ré e quer que o Tribunal considere que a Autora é responsável pela entrega de uma declaração de IVA em 15 de junho de 2017.
II) Pelo que a posição da douta sentença recorrida andou bem quando decidiu condenar a Ré ao pagamento de indemnização pela cessação antecipada do contrato e correspondente às mensalidades de vidas até ao términus do mesmo, desde abril de 2017 a dezembro de 2017, no valor de 20.700€, acrescida de juros vencidos e vincendos desde abril de 2017.
JJ) No mais e quanto ao pedido reconvencional deduzido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos pelo incumprimento contratual da Autora e por tudo o já exposto e, conforme decidido em sentença, não há qualquer prova de quaisquer incumprimentos contratuais perpetrados pela Autora, pelo que não deverá ser considerado
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão deverá o presente Recurso de Apelação interposto pela Recorrente ser julgado improcedente por não provado, mantendo-se assim a douta Sentença Recorrida nos seus precisos termos”.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o seguinte circunstancialismo, que a 1ª instância deu por assente:
1. Desde janeiro de 2010, a autora prestou à ré serviços de contabilidade, fiscalidade e apoio administrativo na área de recursos humanos.
2. Na sequência de pedido formulado pela ré, no dia 17 de dezembro de 2015, o gerente da autora, AS…, remeteu ao gerente da ré JC…, o email datado de 17 de dezembro de 2015, que se encontra junto aos autos a fls. 7 verso e 8, cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, enviando em anexo ao mesmo, uma proposta de contrato de prestação de serviços de contabilidade, fiscalidade, impostos, processamento de salários e recursos humanos, que se mostra junta aos autos a fls. 9 e seguintes.
3. Após ter confirmado a receção da proposta supra referida, por email datado de 22 de dezembro de 2015, que se mostra junto aos autos a fls. 51, e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido e após negociação com a autora do respetivo preço, através dos emails datados de 22 de dezembro de 2015 (fls.51) e 29 de dezembro de 2015, que se mostra junto aos autos a fls. 52 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, a ré aceitou a proposta de contrato de prestação de serviços supra identificada, através do email datado de 4 de janeiro de 2016, que se mostra junto aos autos a fls. 55 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
4. No âmbito desse contrato, na cláusula 1.01, a autora obrigou-se a disponibilizar a sua colaboradora PF… para o exercício de funções na sede da ré, a tempo inteiro, todos os dias da semana, ao abrigo da legislação de trabalho, em especial, no que diz respeito aos direitos associados a folgas, férias e situação de doença, para aí desenvolver a direção de atividades de contabilidade e fiscalidade para a ré.
5. As partes acordaram que o contrato supra referido entraria em vigor no dia 1 de janeiro de 2016 e produziria os seus efeitos até ao dia 31 de dezembro de 2017.
6. Na cláusula “B. cessação”, fls. 45 verso destes autos, as partes acordaram que “[o] término do contrato será apenas válido por meio de carta registada com aviso de receção, invocando motivo bastante. Única e exclusivamente a violação por parte de qualquer uma das partes do presente contrato conferirá à outra o direito de rescisão, à qual deverá anteceder um aviso prévio de pelo menos 90 dias”.
7. PF… só iniciou as suas funções nas instalações da ré no dia 5 de janeiro de 2016.
8. Em data concretamente não apurada, a ré contratou AH… para executar parte dos trabalhos que eram executados pela autora, através da sua funcionária PF… e do Departamento de Recursos Humanos, a qual iniciou funções na ré no dia 13 de março de 2017.
9. No dia 13 de março de 2017, quando a trabalhadora da autora, PF…, chegou às instalações da ré, a trabalhadora da ré, AH…, estava sentada na secretária destinada a PF… e a utilizar o computador que lhe estava destinado.
10. Nesse circunstancialismo, foi comunicado a PF… que deveria “passar” todo o trabalho que vinha fazendo para a AH….
11. Na sequência disso, PF… ausentou-se das instalações da ré e dirigiu-se à sede da autora.
12. Nesse mesmo dia, a Diretora de Recursos Humanos da autora, IC…, remeteu ao gerente da autora o email, que se mostra junto aos autos a fls. 55 verso e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
13. No dia 14 de março de 2017, PF… dirigiu ao gerente da autora o email que se mostra junto aos autos a fls. 56 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
14. No dia 14 de março de 2017, pelas 14h53, a Diretora de Recursos Humanos da autora, remeteu a FS…, o email que se mostra junto aos autos a fls. 57 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, o que fez, enviando cópia para conhecimento à gerência da ré, informando a senha da segurança social da ré, na sequência de solicitação da ré, por contacto telefónico.
15. Nesse mesmo dia, pelas 14h59, FS… remeteu à Diretora de Recursos Humanos da autora, o email que se mostra junto aos autos a fls. 57 verso e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
16. Nesse mesmo dia, pelas 15h45, AH… remeteu à Diretora de Recursos Humanos da autora, o email que se mostra junto aos autos a fls. 58 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
17. No dia 15 de março de 2017, o gerente da autora informou o gerente da ré do seu conhecimento sobre a substituição de PF… e pediu explicações, por email que se mostra junto aos autos a fls. 59 verso e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
18. Nesse mesmo dia, em resposta, o gerente da ré, através do email que se mostra junto aos autos a fls. 60 verso e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, informou o gerente da autora que estava em viagem e que explicaria brevemente.
19. No dia 17 de março de 2017, depois de ter sido disponibilizado a PF… outro computador, foi solicitado à ré a instalação nesse computador de todos os programas de software necessários para PF… executar o seu trabalho.
20. Nesse mesmo dia, PF…, a pedido da ré, entregou à AH…, o ficheiro da Caixa e o dinheiro da ré que estava à guarda de PF….
21. No dia 20 de março de 2017, a autora entregou à ré todas as Demonstrações Financeiras Anexo ao Balanço e Relatório de Gestão relativos ao exercício de 2016, assinados pelo gerente da autora, contabilista certificado da ré, através do email que se mostra junto aos autos a fls. 63 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
22. No dia 5 de abril de 2017, DF…, trabalhador da ré, remeteu ao gerente da autora o email que se mostra junto aos autos a fls. 112 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido.
23. Por carta datada de 7 de abril de 2017, que se mostra junta aos autos a fls. 63 verso e 64 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, a ré comunicou à autora que pretendia cessar de forma permanente a avença mensal acordada com a autora, querendo considerar como data de término do referido acordo o dia 31/03/2017.
24. No dia 18 de abril de 2017, PF… remeteu ao gerente da autora, o email que se mostra junto aos autos a fls. 65 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, informando que vai ser contabilista da ré a partir do dia 1 de abril de 2017.
25. No dia 19 de abril de 2017, pelas 18h38, o gerente da ré remeteu ao gerente da autora, o email que se mostra junto aos autos a fls. 66 verso e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, no qual anexa um contrato que admite ter sido negociado e aceite pela ré, em 2016, mas que agora não tem capacidade financeira para o suportar.
26. A autora remeteu à ré, a carta datada de 24 de abril que se mostra junta aos autos a fls. 70 e 71 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, declarando que não aceita a resolução unilateral do contrato, nem as justificações apresentadas, por não corresponderem à verdade e informando que não prescinde do valor de €6.281,53 em dívida em conta corrente e do valor de €25.461,00 (20.700,00+IVA) relativo à avença mensal até data final do contrato, 31 de dezembro de 2017.
27. A autora remeteu a PF…, carta datada de 26 de abril de 2017, que se mostra junta aos autos a fls. 72 e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzido, informando, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 16.º, n.º 4 do Código Deontológico dos CC que a ré tem honorários em dívida para com o gerente da autora, alertando para o dever de lealdade a que faz apelo o dito artigo 16.º e para o disposto no artigo 74.º, n.º 2 do Estatuto da ordem dos Contabilistas Certificados.
28. No dia 22 de maio de 2017, a autora procedeu à extinção do posto de trabalho de PF…, com efeitos a partir de 6 de agosto de 2017.
29. Na sequência da extinção desse posto de trabalho, a autora pagou a PF…, a título de indemnização, a quantia de €14.754,00.
30. A autora pagou ainda a esta trabalhadora, por força da extinção do posto de trabalho, a quantia de €243,87 de retribuição, €52,77 por dias de férias não gozadas, €752,55, a título de subsídio de Natal, €752,55 a título de subsídio de férias e €752,55 a título de proporcionais de subsídio de férias.
31. PF… foi trabalhadora da autora durante cerca de 14 anos.
32. A autora e ré não acordaram entre si que a trabalhadora da autora, PF…, teria de cumprir o mesmo horário de trabalho dos demais trabalhadores da ré.
33. A ré não submeteu dentro do prazo legal a declaração periódica de IVA 201704, o que determinou a sua notificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira para audiência prévia, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e, posteriormente, a notificação pela mesma entidade para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima de €300,00, acrescida de custas no valor de €38,25.
34. A ré procedeu ao pagamento dessa coima.
35. A autora, não efetuou o pedido de reembolso dos valores de IVA em nome da ré, aquando da apresentação da declaração periódica de IVA 201703.
36. No dia 20 de junho de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou à ré que o seu contabilista certificado, gerente da autora, tinha comunicado que deixou de ser Técnico Oficial de Contas da ré.
*
O tribunal de primeira instância considerou ainda como segue:
“Os Factos Não Provados
Não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a causa:
1. A trabalhadora da autora, PF…, não cumpria os horários de trabalho acordados entre a autora e ré, nem o número de horas de trabalho semanal acordado.
2. Essa trabalhadora passava mais tempo em pausas para café e cigarros do que a executar o serviço que lhe era destinado.
3. Essa trabalhadora fumava dentro das instalações da ré.
4. Ao mesmo tempo que executava o serviço, falava ao telefone com terceiros estranhos ao serviço, acerca de assuntos pessoais sem qualquer conexão com as tarefas que prestava.
5. Dessa forma, consumia e retirava qualquer hipótese da ré ser contactada pelos seus fornecedores ou clientes.
6. PF… ausentava-se das instalações da ré, sem qualquer justificação, deixando serviço por fazer.
7. Não prestava alguns dos serviços que lhe eram solicitados ou não os executava logo que lhe eram solicitados.
8. Recusou-se a fazer a contabilização das horas de trabalho efetivamente prestadas.
9. PF… não efetuou a conciliação bancária da ré o que determinou que a ré não detetasse, atempadamente, o desvio de €37.000,00, por parte da secretária do gerente da ré.
10. A ré advertiu PF… para alterar os seus comportamentos ou algum deles.
11. PF… saiu das instalações da ré, com documentação e pastas de caráter confidencial pertencentes á ré.
12. Antes do email datado de 5 de abril de 2017, a ré já havia reclamado junto da autora da execução dos serviços pela funcionária desta, PF….
13. A autora não comunicou à ré a impossibilidade de PF… comparecer ao trabalho nas instalações da ré em virtude de se encontrar em situação de baixa médica.
14. A falta do pedido de reembolso do IVA referente a declaração periódica 201703 prejudicou o cumprimento dos compromissos que a ré tinha assumido com os seus fornecedores.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do NCPC  – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- Da rejeição do recurso quanto à matéria de facto interposto pela autora;
- Da rejeição do recurso por intempestividade;
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Do contrato celebrado entre o contabilista certificado e o cliente: a forma escrita;
- Da cessão do contrato: a resolução com justa causa;
- Da indemnização devida pela resolução do contrato;
- Do pedido reconvencional.

2. A autora/apelada entende que deve ser rejeitado o recurso dos autores invocando que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 640º do NCPC.
Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas –art. 640º, nº 1, que tem correspondência com o que anteriormente dispunha o art. 685º-B, nº1 da lei processual civil. 
Dispondo o nº 2 do mesmo preceito que “[n]o caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
 a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
 b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Dispensamo-nos de historiar a evolução que o legislador imprimiu à regulação destas matérias, no âmbito da lei processual civil [ [1] ]; o STJ tem-se pronunciado inúmeras vezes sobre estas questões, conformando o citado preceito, assinalando-se a extrema benevolência daquele tribunal quando se trata, nomeadamente, de aferir do cumprimento da exigência a que alude o nº2, considerando-se, por exemplo, como suficiente ou bastante, por contraposição à expressa indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso, a alegação que possa reconduzir-se a uma espécie de súmula, síntese ou resenha do depoimento da testemunha [ [2] ]
No caso, ao contrário do que os apelados indicam, é evidente qual a matéria de facto impugnada pela ré e qual o sentido da alteração que propõe, bem como os elementos probatórios em que suporta a pretensão recursiva. Saliente-se que os articulados/requerimentos das partes, enquanto atos jurídicos, devem ser objeto de interpretação (art.295º do Cód. Civil), o que significa, por um lado, que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº1 do Cód. Civil) e, por outro, que essa declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº1 do mesmo diploma).
Como se disse, não é legítima qualquer dúvida sobre a pretensão de alteração. Assim, a ré apelante impugna o julgamento quanto à matéria de facto, nos seguintes termos:
- Considera “incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 3, 4, 5, 6, 10, 25, 32 33” – cfr. A1), art. 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º do corpo das alegações – devendo, ao invés, considerar-se provada a matéria que indica nas conclusões B), C) D), E) F) G) H), e I);
- Considera que ocorreu igualmente “erro na apreciação da prova” (conclusão J) quanto aos factos dados como não provados sob os números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13 e 14 – cfr. os arts. 16 a 27 do corpo das alegações – pretendendo que, em sua substituição, se dê como provada a matéria indicada nas conclusões K), L), N), O), P), Q), R) S) e T).
Quanto aos elementos de prova e respetivo raciocínio valorativo, vislumbram-se os mesmos quer no corpo das alegações quer nas conclusões, aqui de forma sucinta, como adiante melhor se verá.
Improcede a questão suscitada pela autora/apelada, nada obstando ao conhecimento da impugnação do julgamento de facto formulada pela ré apelante.

3. Consequentemente, não se justificando a rejeição do recurso quanto à impugnação do julgamento de facto, não tem cabimento a invocada intempestividade do recurso por uso indevido do prazo acrescido a que alude o art. 638º, nº7 do NCPC. Saliente-se, aliás, que mesmo que assim não fosse sempre seria de afastar a tese da autora, seguindo-se o entendimento plasmado no ac. STJ de 28-04-2016, no sentido de que a “extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação”, pelo que “[t]endo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC” [ [3]  ].
Improcede, pois, a questão suscitada pela autora apelada.

4. Passa, pois, a apreciar-se da impugnação do julgamento de facto, sendo que a ré se insurge, essencialmente, quanto aos factos provados, relativamente à matéria alusiva à celebração do contrato, conforme o mesmo é configurado na sentença e, quanto aos factos não provados, quanto à matéria alusiva ao comportamento da pessoa que a autora colocou nas instalações da ré, para aí trabalhar, PF….
Vejamos, então, a factualidade dada por assente, de forma indevida segundo a apelante, a saber, os números 3, 4, 5, 6, 10, 25, 32 33.
Na ponderação que cumpre fazer releva regime alusivo aos “[d]ocumentos e actos jurídicos electrónicos” instituído pelo Dec. Lei 290-D/99, de 2 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 62/2003 de 3 de abril, Dec. Lei 165/2004 de 6 de julho, Dec. Lei 116-A/2006 de 16 de junho e por último pelo Dec. Lei 88/2009 de 09-04, sendo republicado em anexo (anexo I) a este último diploma; aí se define como “[d] ocumento electrónico” o “documento elaborado mediante processamento electrónico de dados” – art. 2º, alínea a) –, sendo-o, necessariamente, “pelo homem, com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto” - art. 362.º do Cód. Civil.
“Assim, a primeira questão que se coloca no âmbito da contratação electrónica é a da certeza quanto à identidade das partes – a autenticidade enquanto correspondência entre o autor aparente e real da declaração electrónica. Na verdade (sobretudo se pensarmos na utilização de documentos electrónicos na celebração de negócios jurídicos através da internet, mas também nos casos de transmissão de declarações negociais através de meios telemáticos(…)), esta é, as mais das vezes, francamente impessoal, mormente quando se prescinde da transmissão de voz ou imagem. Nessa medida, será mais fácil a alguém passar-se por outra pessoa.
O segundo problema que o comércio electrónico coloca é o da integridade do conteúdo do documento a que o sujeito se vinculou. Com efeito, diferentemente do que sucede com as formalidades assentes em papel, se a informação constante de um documento electrónico for adulterada, a corrupção do seu conteúdo pode ser indetectável ou, pelo menos, de revelação difícil e falível” [ [4] ].
O art. 3º do referido diploma estabelece sobre a forma e força probatória dos documentos eletrónicos, como segue:
“1 - O documento electrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja susceptível de representação como declaração escrita.
2 - Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, o documento electrónico com o conteúdo referido no número anterior tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil.
3 - Quando lhe seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora credenciada, o documento electrónico cujo conteúdo não seja susceptível de representação como declaração escrita tem a força probatória prevista nos artigos 368.º do Código Civil e 167.º do Código de Processo Penal.
4 - O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos electrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura electrónica, desde que tal meio seja adoptado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por entidade certificadora credenciada é apreciado nos termos gerais de direito”.
Como acentuou a senhora Juiz, a ré não impugnou que as partes trocaram entre si as comunicações eletrónicas que o processo documenta e que são expressamente indicadas na sentença; não tendo a ré impugnado a autenticidade desses documentos nem o seu teor, estamos perante documentos eletrónicos relativamente aos quais não se colocam questões nem de autenticidade, nem de integralidade. O que significa que está provado, relativamente às comunicações reportadas nos números 3 e 25, que tais emails foram enviados e recebidos, pelas pessoas aí identificadas – nomeadamente, os representantes legais das partes –, tendo o teor que se mostra documentado.
É evidente que cada uma das partes retira dessas comunicações o sentido que muito bem entende, mas o conteúdo do documento não foi impugnado, pelo que o resto é questão interpretativa. Assim, não é correta a afirmação constante das apelações de recurso da ré, de que “ao contrário do afirmado pelo tribunal a quo, todos os documentos juntos nos respectivos articulados da Recorrida foram impugnados pela Ré”; lendo a contestação verifica-se que a ré não impugnou os documentos em causa, no que concerne à sua origem (autenticação) – nunca questionou que os emails sejam da autoria do representante legal da autora e da ré – e integralidade – nunca questionou que os dados constantes da comunicação foram entretanto alterados –, pelo que estamos perante documentos eletrónicos com a forma probatória conferida pelo art. 376º, do Cód. Civil, ex vi do disposto no art. 3º, nº5 daquele diploma; acrescente-se que no art. 85º da contestação – referido nas alegações de recurso – a ré alega, com referência ao “articulado da Autora”, ou seja, à petição inicial, como segue: “[i]mpugnando-se expressamente tudo quanto nele vem narrado bem como o efeito jurídico que deles pretende a Autora retirar e seus documentos”. A mera leitura das alegações de recurso basta para concluir em sentido diferente do apontado pela apelante, porquanto é a própria ré que se socorre desses documentos para elaborar o seu raciocínio valorativo, concluindo em sentido diferente do tribunal.
Ora, da prova documental apresentada retiram-se inequivocamente alguns dos factos dados como provados pelo tribunal, o que acontece, relativamente às cláusulas aludidas nos números 5 e 6 dos factos provados – cfr. as cláusulas do documento junto a fls. 29 a 48-v (tradução), mais precisamente a fls. 35-v e 45 v; questão diferente é a de saber se tal contrato foi ultimado entre as partes, matéria a que adiante se aludirá.
Idem para a factualidade indicada no número 25 dos factos provados, que resulta do documento junto aos autos, atento o teor do mesmo, indicando expressamente o representante legal da ré, JC…, ao representante legal da autora, que este invoca dificuldades financeiras da ré e a necessidade de reduzir custos da empresa indicando, nomeadamente, como segue:
“In 2016 we were discussing the attached proposal from I… and accepted the principle but now is not anymore possible to have this cost load as I`m looking to reduce costs to ensure that we come to (…)”.
Refira-se que essa comunicação é posterior à declaração de cessação do contrato efetuada pela ré e consignada no número 23 dos factos provados – não impugnado – em que fundamenta a cessação do contrato em factos alusivos ao comportamento da trabalhadora PF…, sendo essa a matéria a que aludem os números 1 a 9 e 11 dos factos não provados.
Para além da prova documental, em sede de prova pessoal procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados pelos representantes legais da autora e ré e pelas testemunhas inquiridas e a seguir indicadoas.
Quanto aos depoimentos prestados pelos legais representantes das empresas, nenhum deles impressionou, sendo que, em bom rigor, se limitaram a fazer valer a posição já manifestada no processo, tratando-se de depoimentos que, relativamente às matérias mais relevantes, não são compatíveis entre si, ao contrário do que a apelante invoca, não se retirando, por exemplo, do depoimento prestado pelo representante da autora que este tenha admitido que o contrato celebrado se reconduzisse, exclusivamente, ao acordo alusivo à pessoa da trabalhadora (da autora) PF…; aliás, nem sequer as declarações do representante da ré suportam essa valoração porquanto para além dessa trabalhadora JC… referiu contar também com o apoio do Dr. S…, sempre que necessário, com pagamento acrescido.
O legal representante da autora, AG…, economista e contabilista certificado, afirmou ser empresário desde há 32 anos – “sou gerente único da companhia (reportando-se à autora) há trinta e dois aninhos” – prestou um depoimento que, por vezes, pecou por falta de precisão, dando azo a intervenções da senhora Juiz, com vista, nomeadamente, a que o depoente se centrasse na resposta às perguntas formuladas; em todo o caso, o depoimento é coadjuvado, em inúmeros aspetos, não só pela prova documental junta aos autos como, fundamentalmente, pelo depoimento das testemunhas IM… e PA….
Quanto ao representante legal da ré, JC…, e gerente único da mesma, trata-se de depoimento inconsistente e com inúmeras incongruências, para além de que não é consentâneo com os documentos juntos aos autos; quanto à matéria alusiva ao comportamento da PA…, foi flagrantemente contrariado pela testemunha, cujo depoimento foi particularmente impressivo, como adiante melhor se verá.
Assim, o representante legal da ré – que domina bem a língua portuguesa, como ressalta da inquirição –, referiu que recebeu a proposta por email, aludindo ao email de 17-12-2015, enviado pelo representante legal da autora e aludido no número 2 dos factos provados e não respondeu ao mesmo; recebeu uma outra proposta para alocação da PF… “com uma tabela Exel” e que foi esta que aceitou, por 2.300,00€ de avença mensal, acrescida de 350,00€ mensais se fosse necessário o apoio do Dr. S…. Ora, essa visão não tem sentido em face da sequência e do teor das comunicações juntas aos autos e aludidas na factualidade dada por assente. Assim:
- Recebido o email de 17-12-2015, de AS…, o representante legal da ré, JC…, remete-lhe o email de 22-12-2015, pelas 09:19,constante de fls. 51, indicando como segue:
“Many thank for your proposal of services, I noted you have put that Km will be invoiced 0,36cts/Km so far the KM of P… was included in the price split you presented to me.
Please confirm” [ [5]  ].
- AS… responde enviando a JC… o email de 29-12-2015, pelas 20:52, constante de fls. 52, indicando como segue:
“Dear Mr. JC…
As you can see attached, in our meeting i presented you the Map here included.
In this Map, I agree with you, the total P… Price is €2.300,00, the same price of FS… and NF… (the KM of P… was included in this price, OK).
(…)
I think i have explained all your doubts.
Best Regards”.
O que daqui resulta é que enviada a proposta da autora – proposta que foi enviada, saliente-se, na sequência de solicitação da ré –, a ré respondeu suscitando uma dúvida, que foi objeto de esclarecimento, dando-se início em janeiro de 2016 e na sequência de outras comunicações de janeiro de 2016, à execução do contrato, sendo este, necessariamente, aquele alusivo à proposta da autora, enviada em anexo ao email e constante de fls. 29-48.v (tradução); não se vislumbra qualquer razão para a limitação pretendida pela ré, embora se perceba que essa limitação é conveniente à posição que defende no processo, porquanto a única proposta feita pela autora foi a aludida na comunicação de 17-12-2015. Tanto assim que, como referiu o representante legal da ré no seu depoimento, quando em janeiro de 2016 encontra a referida PF… a trabalhar numa outra empresa, também da ré, sita em Lisboa, em vez de estar nas instalações da ré M…, o representante legal da ré inquire a autora a esse propósito, mostrando a sua estranheza. Assim, JC… envia ao AS… o email de 04-01-2016, pelas 12:43, constante de fls. 55, com o seguinte teor:
“Dear Dr. S…
We agree the amount to be invoiced for P… and my understanding wast that Mrs. P… will start work at M… office by the first of January 2016, today I cross my way with Mrs. P… in the KEC office who informed me she do not have any instruction to work for and with M….
Please confirm that Mrs. P… will start at M… latest by tomorrow or I will need to fine and organize an alternative to her and our agreement.
Best Regards”.
Abra-se um parêntesis para referir que o legal representante da autora, quando prestou declarações, indicou que o contrato foi celebrado “de boa fé” e a instâncias do mandatário da ré aludiu à outorga de “contratos por aproximações sucessivas”, tendo sido negociado o preço e a ida da P… para as instalações da ré.    
Quanto à conduta da PF… na ré – durante mais de um ano de execução do contrato –não só o representante legal não presenciou qualquer dos comportamentos descritos, nem indicou quantas vezes os mesmos aconteceram, limitando-se a referir o que lhe foi transmitido pelo DF…, como a imputação dessas condutas nem sequer é credível; basta pensar que o gerente da ré fez à PF… uma proposta de trabalho decorrido cerca de um ano de execução do contrato em causa, com vista a que aquela passasse a ser trabalhadora da ré – ao invés de ser trabalhadora da autora alocada ao cliente ré, como acontecia –, sendo que essa proposta de trabalho foi confirmada pelo depoente e pela PF…, resultando ainda dos documentos cuja junção aos autos foi ordenada pela senhora Juiz, documentos que constam de fls. 147-152. Causam perplexidade as declarações do legal representante da ré, quando afirma que em janeiro de 2017 estava interessado no trabalho da PF…, mas em março de 2017 já não estava, tendo aliás a senhora Juiz confrontado o depoente com essa singularidade; aliás, o depoente, que sempre tinha apreciado o trabalho da PF…, já depois de ter comunicado à autora a cessação do contrato, sugere à autora, em maio de 2017, em reunião tida com o Dr. S…, voltar a contratar os serviços da autora mas sem a referida PF…. Refira-se que o depoente admitiu, expressamente, que nunca foi combinado com a autora qualquer horário de trabalho da PF… – “não, não falei expressamente sobre o horário” –, entendendo, no entanto, que a mesma devia seguir o mesmo horário dos trabalhadores da ré. Também não foi credível o relato feito pelo depoente quanto ao episódio alusivo à descoberta da conduta tida pela secretária do depoente – em síntese, uma secretária do depoente efetuava transferências de dinheiro da empresa ré para a sua conta bancária, camuflando-as como sendo pagamentos a fornecedores – porquanto do depoimento da PF… decorre que foi esta a alertar o depoente para a singularidade da situação – pagamento a um fornecedor americano por via de uma transferência para conta da CGD – e não uma “descoberta” do gerente da ré, pese embora este tenha referido que “descobri por acaso” e que “fui eu que descobri” e “em dezembro descobri o desfalque”; acrescente-se que o depoente assumiu não ter feito qualquer queixa contra a referida funcionária, o que foi confirmado pelo representante legal da autora, que indicou ter recebido um email daquele indicando que assumia a responsabilidade pelo sucedido, o que o representante legal da autora não podia aceitar “como contabilista certificado” da empresa ré. Como também não é credível a referência que fez à contratação pela ré de uma trabalhadora – AH… – que, segundo o depoente foi contratada “para dar apoio” à PF…”, respondendo o depoente, à pergunta sobre se a contratação foi feita tendo em vista “substituir” a PF… que “não, nunca foi o caso”, perante as vicissitudes relatadas pela PF… e de acordo com elementares padrões de comportamento.
Em suma, não podemos relevar as declarações prestadas pelo representante legal da ré no sentido que a apelante propugna.
IM… é diretora de recursos humanos da autora desde há cerca de 30 anos; confirmou os termos em que a PF… deixou de estar alocada à ré e o que se passou, confirmando que o representante legal da ré sempre apreciou o trabalho da PF…, recusando que qualquer outro trabalhador da autora estivesse afeto ao serviço da ré; confirmou ainda algumas matérias aludidas pelo legal representante da autora.
PA… é economista e foi a pessoa que trabalhou para a autora, durante 14 anos, até 6 de agosto de 2017, altura em que o seu contrato de trabalho cessou por extinção do posto de trabalho, sendo a pessoa cujos serviços foram alocados à ré. Não tem qualquer ligação às partes e atualmente trabalha noutro gabinete de contabilidade.
A senhora Juiz referiu, a propósito deste depoimento, como segue:
O circunstancialismo fáctico atinente à contratação de AH… e ao facto da mesma ter passado a utilizar a secretária e computador utilizados pela funcionária da autora foi descrito pela própria PF… que depôs de forma calma, objetiva e muito segura. Ademais, o seu depoimento foi coerente com o email que remeteu à entidade patronal, no dia 14 de março de 2017, junto aos autos a fls. 56, onde já tinha descrito esta situação e com os depoimentos das testemunhas da ré, DF…, FS… e AH… que também presenciaram e intervieram nos factos. De facto, embora não tenham conseguido explicar minimamente a razão do sucedido, todas as testemunhas da ré admitiram que AH… passou a utilizar a secretária e o computador que estavam afetos a PF… e que só no dia seguinte disponibilizaram uma secretária e um computador, tendo esta de esperar que fossem instalados no computador os programas necessários para exercer as suas funções. Aliás, DF… admitiu expressamente ter dado instruções a PF… para passar todo o seu trabalho a AH…, o que contraria expressamente o declarado por esta mesma testemunha, no sentido da AH… ter sido contratada para auxiliar FS….
Por outro lado, todas as testemunhas da ré, confirmaram que AH… foi contratada para executar os serviços de recursos humanos, que eram prestados pela autora, através do Departamento de Recursos Humanos, o que também contraria a versão trazida por FS… no sentido de que AH… foi contratada para fazer o serviço que PF… não queria fazer, o que, por sua vez, conforme vimos, também é contraditório com a versão de DF….
Mas para além de tudo o mais, perante este quadro torna-se inevitável questionar: se AH… foi contratada para auxiliar PF… porque razão ocupou o lugar desta e passou a utilizar o seu computador, impossibilitando-a de trabalhar? Não seria muito mais sensato, que fosse a trabalhadora nova a aguardar por uma secretária e computador?
De facto, não se nos afigura minimamente crível que a ré tenha contratado uma nova funcionária e que tenha decidido que a mesma passaria a ocupar o posto de trabalho da funcionária da autora e a utilizar os instrumentos de trabalho desta, impossibilitando-a totalmente de continuar a executar o seu trabalho e que o tenha feito sem a intenção de prescindir dos serviços da autora. Aliás, só assim se compreende que a nova funcionária tenha assumido também as funções de recursos humanos que eram prestados pela autora, mas não através de PF….
Pelas incoerências e contradições enunciadas e por não se afigurar minimamente crível, não se convenceu o Tribunal da versão apresentada pelo legal representante da ré no sentido de que AH… foi contratada para auxiliar PF… e não para a substitui. Antes pelo contrário, a conjugação de todo o circunstancialismo que envolveu essa contratação, com o teor dos emails de fls. 147 a 152 e o depoimento de PF…, sustentaram de forma segura a convicção do Tribunal, no sentido de que essa contratação foi feita com o objetivo de mais tarde, da nova funcionária assumir parte das tarefas executadas pela autora”.
É uma apreciação correta, assinalando-se que impressiona o rigor e pormenor com que a testemunha PF… aludiu ao seu relacionamento profissional com a ré, ao serviço da autora e enquanto sua trabalhadora, ao longo do tempo, a segurança com que depôs e a serenidade e o distanciamento manifestado relativamente às partes, pese embora o sucedido em 13 de março de 2017 e daí em diante – a testemunha continuou nas instalações da ré, por ordem do representante legal da autora, aí ficando até 30 de março de 2017, tendo em 31 de março entrado em situação de “baixa psicológica”. Salientam-se os seguintes pontos do depoimento:
- Relacionamento profissional da testemunha com o representante legal da ré antes e depois de 17-01-2017, data em que se gorou a proposta de trabalho feita pela ré à testemunha, que deu azo às comunicações juntas a fls. 147 a 152, afirmando a testemunha que “a partir daí a P… passou a ser a melhor profissional, isto está escrito em emails se puder anexar, para ser a pior profissional”; refira-se que a testemunha, no exercício da sua profissão e ao longo do tempo, tem por hábito documentar acontecimentos e vicissitudes, como explicitou – “eu só funciono por escrito, infelizmente as palavras, para mim, já começam a ter pouco valor”;
- O que sucedeu no dia 13 de março de 2017 – a testemunha confirmou ser sua a comunicação de fls. 56, de 14-03-2017 –, referindo, sem dar azo a qualquer dúvida quanto à veracidade do relato, que quando chegou às instalações da ré encontrou a AH… sentada à sua secretária, utilizando o computador que lhe estava destinado e os seus arquivos – “não tive onde me sentar “ – e que foi “apanhada de surpresa”; perante isso perguntou ao DF…, responsável pela ré na ausência de JC… e a FS…, pessoa com quem a testemunha partilhava o gabinete, o que é que a senhora estava a fazer e onde se ia sentar a testemunha, tendo-lhe sido respondido pelo DF… que “ficas aqui ao lado da A… e vais ter que passar o trabalho e vais ter que ensinar”; inquirindo a testemunha sobre se o Dr. S… sabia da situação foi –lhe respondido que “o Dr. S… não é para aqui chamado”, após o que a testemunha indicou que “então eu vou-me ausentar, vou à I…”, o que fez, tendo estado nesse dia com a testemunha IC…, a quem relatou o sucedido, elaborando esta uma “ata”; ainda nesse dia, por ordem do representante legal da autora, a testemunha regressou às instalações da ré, para continuar o trabalho – “posso dizer que fui e estive sentada o resto da tarde num corredor, não fiz nada”, “até chegar às 5 e meia e depois vim-me embora”; a partir dai a testemunha referiu que lhe “arranjaram” uma secretária colocada entre o FS… e o DF…, continuando a exercer as suas funções, até ao dia 30 de março porquanto em 31-03-2017 “entrei de baixa psicológica”, sendo que nesse dia o representante legal da autora indicou-lhe imediatamente que “não dava para manter o meu posto de trabalho”.
- A testemunha negou perentoriamente que algum trabalho ficasse por fazer, indicando que fez o fecho de toda a contabilidade da ré e organizou os documentos fiscais, como negou que alguma vez tivesse saído das instalações da ré com documentação e pastas da empresa – “o que eu tirei foi mapas de apoio ao nosso trabalho, não tirei mais nada”, explicitando o tipo de documentação em causa.
- A testemunha aludiu com pormenor ao episódio relacionado com as transferências indevidas feitas pela secretária do representante legal da ré e termos em que a situação foi conhecida, mormente quando inquirida pelo mandatário da ré – “esse furto ocorre quando, em que contexto, o que é que tem a dizer sobre isso?”; começou por esclarecer que a testemunha, no exercício da sua profissão, não analisava os contratos com os fornecedores – “nunca vi contratos”, “eu faço a reconciliação bancária” – e, aludindo ao dia em que, em finais de dezembro de 2016, a situação foi descoberta, num dia em que o representante legal da ré se encontrava nas instalações da ré: “questionei-o num dia”, “em que o apanhei lá, ele estava a consultar o banco”, “Sr. JC…, o que é que se passa com esta conta, que não para de crescer?”.
Em suma, como a primeira instância, temos o depoimento desta testemunha como credível, ao contrário do que considera a apelante, sendo que a testemunha negou perentoriamente a factualidade aludida nos números 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e 11 dos factos não provados.
Por outro lado, não só a versão do representante legal da ré não foi plausível, como também os depoimentos das testemunhas a que a apelante alude, não convenceram no sentido indicado.
Assim:
DA… trabalha para a ré “faz em dezembro 10 anos”, como diretor técnico, lidando diretamente com a PF…, designadamente na ausência do representante legal da ré que, segundo a testemunha, não está em permanência em Portugal. Temos o depoimento como pouco relevante. Assim, quanto ao contrato celebrado entre as partes, referiu nada saber – “não, não tenho conhecimento desse contrato”, “normalmente a administração é que tem essas deliberações” – e, quanto à prestação da PF…, revelou os aspetos negativos da mesma mas depondo genericamente e sem concretizar as situações; aliás, sempre que instado a concretizar as respostas respondia vagamente, evidenciando desconhecimento; a título exemplificativo, depois de responder ao mandatário da ré que “os horários de trabalho eram os que ela muito bem entedia”, inquirido pela senhora Juiz sobre “sabe o que estava acordado em termos de horas?”, respondeu “não sei o que estava acordado”, acrescentando depois ao mandatário da ré que “a dona P… negou-se e nunca picou o ponto”. Inquirido pelo mandatário sobre se “a falta de algumas horas tiveram influência na qualidade do trabalho” respondeu como segue: “é assim, se a falta de horas, ou não, se implica com o trabalho, sinceramente não sei, mas sei é que o trabalho já não era bom antes, tentou-se melhorar com a vinda da P… para a empresa mas as coisas não melhoraram”. Novamente, é uma versão que não é credível: a PF…, como trabalhadora da autora, durante vários anos, foi quem tratou dos assuntos da ré, depois, desde janeiro de 2016 e durante mais de um ano, por vontade da ré, passou a estar nas instalações da própria empresa e as queixas quanto ao seu trabalho só são verbalizadas – e por escrito – já no fim da relação contratual; aliás, a mandatária da autora confrontou a testemunha com essa incongruência, tendo a testemunha referido “não sei, senhora doutora, não fui eu que a contratei”. Refira-se que a testemunha, inquirido pelo mandatário da ré sobre o “furto” e quem o apurou, respondeu que “foi a PF… que começou a perceber” “que os valores não batiam certos”, por recurso à conciliação bancária, referindo então que o “furto” foi cometido por uma senhora que nem era funcionária da ré mas secretária pessoal do Sr. JC…; ou seja, o depoimento da testemunha não é de molde a confirmar a factualidade que a apelante pretende seja dada por provada e aludida no número 23 dos factos não provados, não indicando a testemunha nenhum elemento que permita concluir que foi em virtude dos termos em que a PF… exerceu as suas funções que não se detetou “atempadamente” o referido “desvio de €37.000,00”. Por último, foi evidente o constrangimento da testemunha às perguntas da mandatária da autora, dando aliás azo a uma intervenção da senhora Juiz, nomeadamente quando respondeu sobre as vicissitudes ocorridas com a entrada da trabalhadora AH…, resultando desse depoimento a veracidade do relato feito pela testemunha PF….
FN… trabalha para a ré desde o início da sua constituição, em 2010, sendo “o responsável de compras e aprovisionamento”. A testemunha, no início do depoimento, pega na palavra e discorre livremente sobre as matérias em causa, com incidência no seu relacionamento com a PF… – que, referiu, passou a ter um relacionamento pessoal com a testemunha diferente e menos amistoso a partir do momento em que esta recusou a proposta de trabalho feita pelo “patrão” – , dispersando – se completamente no discurso, eivado de juízos valorativos, sendo que esse tipo de intervenção foi uma constante ao logo da inquirição; esclareceu o horário praticado na empresa – das 8 horas às 17: 30, com uma hora de almoço – e que a PF… “raramente chegava antes das nove horas” e que “fazia duas horas de almoço”, mas afirmou desconhecer o que os gerentes das empresas acordaram a esse propósito.
Ao contrário do que a apelante refere, a testemunha não confirmou a matéria indicada no número 11 dos factos não provados, referindo apenas que:
- Uma das razões pelas quais a ré quis que a trabalhadora da autora fosse para as instalações da ré foi a de evitar o envio de documentos para a autora, a fim de serem processados em termos de contabilidade;
- Por vezes, quando já se encontrava a trabalhar nas instalações da ré, a P… levava pastas que depois trazia, mas referindo a testemunha que o fazia para trabalhar, acrescentando que não a estava a “acusar de nada”.
Ou seja, temos por acertada a valoração do tribunal de primeira instância, tendo a senhora Juiz explicitado o seu percurso de avaliação, como resulta, nomeadamente, da seguinte passagem constante da motivação expressa na sentença:
“Mas o que mais abalou, neste segmento, os depoimentos de DF… e FS… e as declarações do próprio gerente da ré, foram os emails de fls. 147 a 152, de onde ressalta à saciedade que, em janeiro de 2017, JC… fez uma proposta de trabalho a PF… para esta passar a trabalhar diretamente para a ré. Importa referir que apesar de JC… ter negado ter feito uma proposta de trabalho a PF…, a justificação e interpretação que fez do email de fls. 149, não tem qualquer sentido lógico, razão pela qual não convenceu o Tribunal.
Ora, afigura-se-nos por demais evidente que se esta trabalhadora não estivesse a cumprir as obrigações contratuais assumidas pela autora e se estivesse a atuar da forma descrita por DF… e FS…, assim como, pelo próprio JC…, este último não teria qualquer interesse em contratá-la para trabalhar diretamente para a ré. Na verdade, é manifestamente inverosímil que a mesma trabalhadora a quem foi apresentada uma proposta de trabalho pela própria ré, em janeiro de 2017, tenha tido um comportamento tão abusivo e violador das obrigações contratuais que determine e justifique a cessação da relação contratual mantida com a autora em abril de 2017, muito menos quando esse comportamento lhe é imputado desde o início da sua prestação nas instalações da ré (janeiro de 2016).
Mas se dúvidas ainda existissem quanto a esta matéria, temos o email datado de 19 de abril de 2017, do gerente da ré, na qual este admite que a razão pela qual pretende prescindir dos serviços da autora é a falta de capacidade financeira para suportar o respetivo preço.
De igual forma, também se não se nos apresenta crível que se tivesse existido alguma negligência ou falha grave de PF… na conciliação bancária, que tivesse impedido a ré de detetar a apropriação ilícita do seu dinheiro por parte de terceiro, o gerente da ré jamais lhe faria uma proposta de trabalho, muito menos, na mesma altura em que foi detetado esse desvio. Aliás, não podemos deixar de salientar que o próprio gerente da ré, admitiu que assumiu ele próprio a responsabilidade, repondo a quantia subtraída, sem ter imputado responsabilidade civil ou criminal a ninguém, o que não deixa de ser incompatível com a versão ora trazida para os autos.
Mais se dirá, neste segmento fático, que o depoimento de PF… e as declarações do gerente da ré foram manifestamente contraditórios entre si, suscitando-senos sérias dúvidas relativamente a diversos aspetos fundamentais para a apreciação da existência de alguma falha por parte da autora. Desde logo quanto ao facto de ter sido PF… a alertar o gerente da ré para a situação e da mesma não ter acesso aos extratos bancários, o que foi afirmado pela própria, contrariando as declarações do gerente da ré. Por outro lado, PF… referiu que solicitou por diversas vezes, à secretária do gerente da ré que lhe facultasse a documentação atinente às transferências bancárias em causa e que esta nunca lhas facultou.
Por todas estas razões, entendeu o Tribunal que não logrou a ré a prova desses factos como lhe competia”.
Por último, importa assinalar que, relativamente à matéria considerada não provada e impugnada, estamos perante alegação que se reconduz a conclusões e juízos valorativos que nunca podiam ser atendidos pelo tribunal sem qualquer concretização ou explicitação, nunca tendo a ré cuidado de concretizar factualmente as imputações que faz à trabalhadora em causa, como acontece com a matéria indicada sob os números 2, 4, 5, 6, 7, 8, e 11 da matéria dada como não provada; impressiona a circunstância da ré, tendo a trabalhadora da autora prestado serviço nas instalações da ré durante mais de um ano – janeiro de 2016 a março de 2017 –, não tenha logrado individualizar qualquer ocorrência ou episódio alusivo às condutas imputadas à PF….
Do exposto decorre que deve manter-se o juízo valorativo feito pelo tribunal de primeira instância, quer quanto aos factos dados por provados, quer quanto à matéria dada como não provada, improcedendo a impugnação do julgamento feita pela apelante.

5. Do contrato celebrado entre o contabilista certificado e o cliente: a forma escrita
Da factualidade assente resulta que foi celebrado entre as duas sociedades um contrato de prestação de serviços pelo qual a autora se obrigou a prestar à ré serviços de contabilidade.
Considera a ré que o contrato é nulo porquanto não revestiu a forma escrita, insistindo em sede de recurso nessa tese, sendo que a mesma fica obviamente comprometida pela improcedência da impugnação do julgamento de facto.
A este propósito, o tribunal de primeira instância considerou como segue:
“Como é sabido, vigora na nossa ordem jurídica o princípio da liberdade contratual, que permite que, dentro dos limites da lei, as partes possam fixar livremente o conteúdo dos contratos, possam celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil, possam, incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, podendo ainda, por último, reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (artigo 405.º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Ao contrato de prestação de serviços que a lei não regule especialmente são aplicáveis as disposições relativas ao contrato de mandato, por força do disposto no art. 1157º do C. Civil.
Nos termos dessas disposições, o contrato de prestação de serviços tem como efeitos essenciais a obrigação de praticar os atos compreendidos no contrato, por parte de quem presta os serviços, e a obrigação de pagar a retribuição acordada, por parte de quem os recebe (artigos 1161º e 1167º C. Civil).
Trata-se, pois, assim, de contrato bilateral, sinalagmático, oneroso e tendencialmente consensual.
Sucede que, no caso concreto, prescreve o artigo 9.º do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados na redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro que o contrato entre os contabilistas certificados e as entidades a quem prestam serviços deve ser sempre reduzido a escrito.
Ou seja, nos contratos de prestação de serviços de contabilidade celebrados entre os contabilistas certificados e as entidades a quem prestam serviços, a lei prescreve a forma escrita para a declaração negocial, excecionando a forma consensual dos contratos de prestação de serviços.
Por sua vez, dispõe o artigo 220.º do Código Civil que quando a declaração negocial careça de forma legalmente prescrita, a mesma é nula se não for observada essa forma.
Apreciemos, então, se no caso vertente foi ou não observada a forma legalmente prescrita.
Calcorreado o acervo fático recolhido nos autos, extrai-se do mesmo que, na sequência de pedido da própria ré, a autora remeteu-lhe, por correio eletrónico, no dia 17 de dezembro de 2015, uma proposta de contrato de prestação de serviços, a qual foi expressamente aceite pela ré, por declaração escrita emitida pela ré remetida à autora por correio eletrónico, no dia 4 de janeiro de 2016. Ou seja, estamos perante, um contrato que foi apresentado à ré, na forma escrita, ainda que em suporte digital e que foi por esta aceite, por declaração escrita transmitida à autora através de correio eletrónico.
Pese embora não tenha sido junto aos autos o documento assinado por ambas as partes, a verdade é que os correios eletrónicos através dos quais foram emitidas as declarações negociais não foram impugnados por nenhuma das partes, assim como não foi posta em causa a sua autenticidade. Na verdade, a própria ré admitiu, expressamente, nos articulados e nas declarações prestadas em audiência, ter recebido essa proposta do contrato e ter negociado o preço dos serviços, assim como admitiu, ter remetido o email datado de 4 de janeiro de 2016. Ademais, ambas as partes admitem expressamente que o contrato se iniciou e produziu efeitos.
Em face do exposto, entendemos que foi observada a forma legalmente prescrita para o contrato em apreço, não padecendo o mesmo de qualquer nulidade por inobservância da forma legal”.
Acompanha-se a fundamentação assim expressa, cumprindo precisar alguns aspetos, atenta a especificidade dos serviços contratados e a respetiva regulação.
O contrato de prestação de serviços de contabilidade por um contabilista certificado, por algum dos modos de exercício da atividade aludidos no art. 11º do Estatuto respetivo [ [6] ], deve revestir a forma escrita, conforme resulta do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados (EOCC ) e do  Código Deontológico dos Contabilistas Certificados (CDCC), ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro, republicados em anexo à mesma lei e da qual fazem parte integrante, conforme dispõe o art. 3º – anexo I e II, respetivamente.
Assim, o art. 70º, nº5 do EOCC [ [7]  ], sob a epígrafe “[d]everes gerais” – insere-se, aliás, no Capítulo IX, alusivo aos “[d]ireitos e deveres” – preceitua que “[s]em prejuízo do disposto na legislação laboral aplicável, os contabilistas certificados, devem celebrar, por escrito, um contrato de prestação de serviços” – nº5.
Paralelamente, o art. 9º do (CDCC) sob a epígrafe “[c]ontrato escrito”, estabelece:
1 - O contrato entre os contabilistas certificados e as entidades a quem prestam serviços deve ser sempre reduzido a escrito.
2 - Quando os contabilistas certificados exerçam as suas funções em regime de trabalho independente, o contrato referido no número anterior deve ter a duração mínima de um exercício económico, salvo rescisão por justa causa ou mútuo acordo.
3 - Entre outras cláusulas, o contrato deve referir explicitamente a sua duração, a data de entrada em vigor, a forma de prestação de serviços a desempenhar, o modo, o local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento.
Nos termos do art. 17º (“[i]nfração deontológica”) “[q]ualquer conduta dos contabilistas certificados contrária às regras deontológicas constitui infração disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no Estatuto dos Contabilistas Certificados”, sendo que tais normativos são aplicáveis às sociedades nos termos do art. 18º [ [8] ] do Código [ [9]  ].
Conclui-se, como a primeira instância e como a apelante, que o contrato de prestação de serviços celebrado por um contabilista certificado com vista ao exercício da sua profissão deve revestir a forma escrita. Mas, ao contrário do que sugere a apelante, no caso, não releva discutir se estamos perante uma formalidade ad substantiam ou ad probationem, porquanto, considerando o disposto no regime alusivo à declaração negocial – cfr. os arts. 217 a 235º do Cód. Civil – e a factualidade assente, se conclui resulta que o contrato foi reduzido a escrito.
Assim, feita a proposta contratual, sem fixação pelo proponente de prazo para aceitação, chegada a proposta ao destinatário, que dela toma conhecimento, o contrato fica concluído com a declaração de aceitação e/ou “quando a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta” – arts. 228º, 232º e 234º do Cód. Civil.
Nas hipóteses em que o contrato está sujeito a forma escrita, quer a proposta quer a aceitação têm que revestir essa forma, só assim se podendo concluir que os atos são formalmente adequados à conclusão do negócio. Os contratos formados por correspondência, aqui se incluindo os casos de utilização de meios de comunicação informática – correio eletrónico/emails – satisfazem o apontado requisito de forma; ainda assim, não é juridicamente irrelevante a perceção da conduta das partes contratantes, mormente quando os atos praticados são concludentes no sentido da afirmação do negócio [ [10] ].
No caso, o contrato de prestação de serviços de contabilidade celebrado entre a autora e a ré existe e é valido, mostrando-se consubstanciado na proposta formulada pelo representante legal da autora em 17-12-2016, enviada por email ao representante legal da ré e aceite por esta por via das comunicações eletrónicas subsequentemente remetidas pela ré, em 22-12-2015 (com resposta da autora em 29-12-2915) e 04-01-2016 – cfr. a factualidade dada por assente sob os números 2 e 3 –, a par e em simultâneo com o envio da trabalhadora da autora (proponente), PF…, para as instalações da ré (aceitante), aí tendo iniciado o exercício das suas funções em 05-01-2016, prestando a sua atividade durante mais de um ano até à data em que a ré, por escrito, deu como cessado o contrato – cfr. a factualidade dada por assente sob os números 7, 23 e 25.
Tudo num contexto em que a relação entre as partes, a partir de janeiro de 2016, se iniciou e desenvolveu tendo por base a proposta contratual formulada pela autora em fins de dezembro de 2015, nunca tendo a ré alegado e provado que apresentou à autora alguma contra proposta escrita, em que termos, respetivo conteúdo e que esta tenha sido aceite. Assim, o exercício de funções pela PF… só tem explicação no contexto negocial apontado e provado pela autora.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

6. Da cessão do contrato: a resolução com justa causa
O princípio da liberdade contratual (art. 405º do Cód. Civil) significa que as partes têm o poder de livremente celebrarem contratos, fixando o respetivo conteúdo, incluindo a modelação dos termos em que pode operar-se a cessação do contrato.
Sabendo-se que a resolução do contrato só é válida quando fundada na lei ou no negócio, devendo, pois, ser motivada (art. 432º nº 1 do Código Civil) temos que, no caso, as partes convencionaram expressamente essa possibilidade, estipulando na cláusula “B. cessação”, que o termo do contrato “será apenas válido por meio de carta registada com aviso de receção, invocando motivo bastante. Única e exclusivamente a violação por parte de qualquer uma das partes do presente contrato conferirá à outra o direito de rescisão, à qual deverá anteceder um aviso prévio de pelo menos 90 dias” – cfr. o número 6 dos factos assentes.
No caso e ao contrário do que a ré invoca não se vislumbra qualquer fundamento para excluir esta cláusula fixada entre as partes, alusiva à cessação do contrato, que a ré concluiu ser “em si nula e de nenhum efeito, reveladora da violação dos arts. 227.º, 405.º, 432.º e sgs. e 286.º, ambos do Código Civil”.
Aplicando-se ao contrato de prestação de serviços em causa as regras do contrato de mandato, ex vi do art. 1156º do Cód. Civil, temos que qualquer das partes pode fazer cessar o contrato, não obstante convenção em contrário – art. 1170º, nº1, do Cód. Civil –, mas estando em causa prestação de serviço no interesse comum das partes, como aqui acontece, é exigível, na falta de acordo do interessado, a verificação de justa causa de cessação (art. 1170, nº 2). Aliás, esse regime também resulta da cláusula de cessação.
Como resulta da factualidade assente, a ré comunicou à autora a decisão de cessação do contrato de prestação de serviços “de forma permanente e definitiva” por carta datada de 7 de abril de 2017, mais indicando “considerar como data de término do referido acordo o dia 31.03.2017” – cfr. o número 23 dos factos provados, com referência ao documento junto a fls. 63-v e 64.
Trata-se de uma forma de cessação do contrato que se reconduz à figura da resolução com invocação de justa causa, competindo à ré o ónus de alegar e provar os factos que fundamentam a mesma, ónus que, no caso em apreço, como é líquido, não logrou satisfazer, porquanto permaneceu inalterado o juízo feito pela primeira instância quanto aos factos.
Assim, ao contrário do que a apelante sustenta em sede de recurso, não se vislumbram quaisquer motivos “suficientemente fundados” para a resolução do negócio – cfr. conclusões AA) e BB); não se coloca, pois, sequer, a questão de saber se eventual comportamento da autora assumiu gravidade suficiente para fundar a resolução, sabendo-se, como se sabe, que o inadimplemento só possibilita a resolução do contrato se for suficientemente grave para pôr em crise o programa contratual, submetendo-se aos ditames da boa-fé [ [11] ].
Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

7. Da indemnização devida pela resolução do contrato.
Insurge-se ainda a ré apelante contra a decisão, na parte em que o tribunal emitiu juízo de condenação da ré no pagamento à autora da quantia de 29.700,00€ acrescida de juros, concluindo que nunca podia ser condenada a pagar valor superior a 9.360,00€, quantia que, “a título subsidiário” peticiona que seja fixada – cfr. fl.s 191 e 191-v das alegações –, ponderando que “o salário base da Drª PF… importava um custo para a Autora de 1260,00€”, conforme documento junto pela própria autora, o doc. 26 junto com a petição inicial, a fls. 77-v.
Que dizer?
Lendo a sentença recorrida claramente se infere que o tribunal entendeu computar o valor da indemnização como correspondendo, linearmente, às prestações fixadas contratualmente e que seriam devidas até ao termo do contrato, não tendo sido pagas pela ré por virtude da cessação antecipada do mesmo. Assim, lê-se na sentença:
“Assim sendo, é manifesto que inexistiu qualquer fundamento para a resolução antecipada do contrato, pelo que, não assistia à ré o direito de fazer cessar esse contrato antes da data do término acordado entre as partes – 31 de dezembro de 2017.
Consequentemente, assiste à autora o direito de exigir da ré o pagamento de indemnização pela cessação antecipada do contrato, correspondente às mensalidades devidas até ao término do mesmo, desde abril de 217 a dezembro de 2017, que ascende ao valor de €20.700,00.
Em face da inexistência de motivo justificado para a cessação antecipada do contrato fica, necessariamente, prejudicada a apreciação da validade da cláusula que prevê o aviso prévio de 90 dias para essa cessação.
A autora reclama ainda a ré o pagamento das quantias que pagou à sua funcionária, por força da extinção do posto de trabalho. Sucede que, os factos assentes não permitem concluir que a extinção do posto de trabalho dessa funcionária foi determinada pela cessação do contrato pela ré, desde logo, porque se extrai desses factos, com elevada clareza que a mesma não foi contratada pela autora por causa do contrato celebrado com a ré, não foi contratada para executar exclusivamente os trabalhos da ré, nem sequer resultou demonstrado ou foi alegado que a autora teve necessidade de contratar mais algum funcionário, na sequência e por força do contrato celebrado com a ré. Antes pelo contrário, resulta dos autos com elevada clareza que PF… já era trabalhadora da autora, ainda antes do início da relação contratual com a ré.
 Em face do exposto, é manifesto que não se consegue estabelecer um nexo de causalidade entre a extinção do posto de trabalho de PF… e a cessação do contrato pela ré, naufragando nesta parte, a pretensão da autora”.
Afigura-se-nos que não pode manter-se esse raciocínio.
Efetivamente, não foi estipulada pelas partes qualquer cláusula penal que reconduza o valor da indemnização, em casos de cessação antecipada do contrato, ao valor das prestações que seriam devidas até ao termo do respetivo período de execução.
Assim, a cessação antecipada do contrato por parte da ré – sem justa causa, como se viu –, gera apenas o correspondente dever desta indemnizar a autora pelos prejuízos daí decorrentes e que lhe sejam imputáveis, nos termos do art. 1172º do Cód. Civil, relevando, no caso em apreço, o disposto na alínea c), impondo-se à autora, credora, o ónus de alegação e prova dos respetivos pressupostos (arts. 562º e seguintes do Cód. Civil).
O valor da indemnização deve ter como parâmetros, necessariamente, de um lado o valor das prestações que a autora receberia caso o contrato fosse pontualmente cumprido até ao seu termo, no fim do mês de dezembro de 2017 e, do outro, o valor dos custos que a autora suportaria com a execução desse mesmo contrato: a indemnização deve colocar a autora na situação patrimonial que teria se o contrato de prestação de serviço não tivesse sido revogado. A não ser assim, estaríamos perante um enriquecimento injustificado da autora, que veria o seu património aumentado com o valor das mensalidades em causa, sem suportar os inerentes custos de execução do contrato, pela sua parte [ [12] ] [[13] ].
A apelante considera que essa medida indemnizatória deve ser fixada no aludido valor de 9.360,00€, valor que reputamos por equilibrado. Sabe-se que a execução do contrato em causa acarretava para a autora, basicamente, o custo com o pagamento do salário da sua trabalhadora PF…, sendo que do documento aludido pela ré e junto pela autora a fls. 77-v – doc. 26 junto com a petição inicial – é reportado um “vencimento base” de 1260,00€ com referência a agosto de 2017, data de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho; por outro lado, as partes fixaram o valor mensal de 2.300,00€ a pagar pela ré à autora, como contrapartida dos serviços prestados.
Assim, o valor indemnizatório aludido corresponde à diferença entre a remuneração mensal convencionada entre as partes e o salário da referida PF…, tendo como referência os meses em falta para o termo do contrato (2.300,00€ - 1260,00€ x 9 = 9.360,00€).
Saliente-se que está já excluída a ponderação do valor alusivo à quantia paga pela autora à referida PF…, correspondente à indemnização devida pela extinção do posto de trabalho, nos termos que decorrem da sentença, nessa parte transitada em julgado.
Procede, pois, parcialmente, o recurso, impondo-se fixar a indemnização devida pela ré à autora no aludido valor, acrescida dos juros de mora conforme determinado na sentença recorrida; especifique-se que os juros de mora são devidos desde 27 de abril de 2017, data em que se presume o recebimento, pela ré, da carta a que alude o número 26 dos factos provados, comunicação esta que funciona como interpelação ao pagamento.

8. Da reconvenção
A ré insiste em sede de recurso na condenação da autora no pagamento da “quantia de 6.549,80 € (seis mil quinhentos e quarenta e nove euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde a sua notificação até efectivo e integral pagamento”.
O art. 10º do Estatuto dispõe sobre a atividade profissional dos contabilistas certificados, preceituando que lhes compete, o exercício, em exclusivo, das seguintes atividades (nº1):
“a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades, públicas ou privadas, que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística;
b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior;
c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respetivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respetivos órgãos”.
Estipulando o nº3 que se entende por “regularidade técnica, para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, a execução da contabilidade nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, tendo por suporte os documentos e as informações fornecidos pelo órgão de gestão ou pelo empresário, e as decisões do profissional no âmbito contabilístico, com vista à obtenção de uma imagem fiel e verdadeira da realidade patrimonial da empresa, bem como o envio para as entidades públicas competentes, nos termos legalmente definidos, da informação contabilística e fiscal definida na legislação em vigor”.
O art. 72º do Estatuto identifica os deveres que impendem sobre os contabilistas certificados para com as entidades a que prestem serviços. Assim:
“1 - Nas suas relações com as entidades a que prestem serviços, constituem deveres dos contabilistas certificados:
a) Desempenhar, conscienciosa e diligentemente as suas funções;
b) Abster-se de qualquer procedimento que ponha em causa tais entidades;
c) Prestar informações e esclarecimentos, nos termos previstos no Código Deontológico;
d) Guardar segredo profissional sobre os factos e documentos de que tomem conhecimento no exercício das suas funções, dele só podendo ser dispensados por tais entidades, por decisão judicial ou pelo conselho diretivo da Ordem;
e) Não se servir, em proveito próprio ou de terceiros, de factos de que tomem conhecimento em razão do exercício das suas funções;
f) Não abandonar, sem justificação ponderosa, os trabalhos que lhes estejam confiados.
2 - Os contabilistas certificados não podem, sem motivo justificado e devidamente reconhecido pela Ordem, recusar-se a assinar as declarações fiscais, as demonstrações financeiras e seus anexos, das entidades a que prestem serviços, quando faltarem menos de três meses para o fim do exercício a que as mesmas se reportem.
No caso, não resulta da factualidade assente que a autora tenha, durante o período de execução do contrato e até à sua cessação, em março de 2017, por iniciativa da ré, assumido qualquer comportamento, por ação ou omissão, violador dos apontados deveres.
Assim, a autora não logrou provar os factos que alegou e que invocou consubstanciarem justa causa de rescisão e, quanto à quantia de 300,00€ alusiva à coima paga pela ré, acrescida do valor de 38,25€ a título de custas – cfr. os arts. 150º a 153º da contestação –, provou-se apenas a factualidade enunciada nos números 33 e 34, factualidade que,  desacompanhada de qualquer outro elemento, não é suficiente para fundar o juízo de condenação no pagamento dessas quantias; tanto mais que, em abril de 2017, já a autora não exercia funções para a ré ou seja, não há elementos que suportem a afirmação de responsabilidade da autora pela falta ou atraso de quaisquer declarações que devessem ser apresentadas no período do respetivo exercício de funções.
                                                        *  
Pelo exposto, julgando parcialmente procedente o recurso, altera-se a sentença recorrida e condena-se a ré a pagar à autora a indemnização de 9.360,00€ (nove mil trezentos e sessenta euros), acrescida dos respetivos juros de mora, calculados à taxa legal, desde 27-04-2017 até efetivo e integral pagamento.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 07/05/2019

Isabel Fonseca
Maria Adelaide Domingos
Ana Isabel Pessoa

[1] Desde o art. 690ºA, com a redação que lhe foi dada pelo Dec. lei 183/2000 de 10-08, ao art. 685º-B, nº1, alínea b) e nº2. -b) (com o Dec. lei 303/2007 de 24/08), até ao atual art. 640º.
[2] Cfr., a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ de 01-07-2014, processo 1825/09.7TBSTS.P1.S1 (Relator: Gabriel Catarino), e de 19-02-2015 , processo 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Relator: Tomé Gomes), acessíveis in www.dgsi.pt., como todos os demais arestos aqui citados; em sentido diferente, cfr. o acórdão do TRC, processo: 145/12.4TBPBL.C1 (Relator: Falcão de Magalhães).
[3] Proferido no processo 1006/12.2TBPRD.P1.S1 (Relator: Abrantes Geraldes).
[4] Afonso Patrão, Assinaturas Electrónicas, Documentos Electrónicos e Garantias Reais, Reflexões sobre a viabilidade de constituição de garantias imobiliárias por meios electrónicos á luz da lei portuguesa, REVcedoua, 1.2012, acessível in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/20713/1/RevCEDOUA.pdf   
[5] Há documentos desacompanhados de tradução; nem o tribunal de primeira instância, nem as partes suscitaram qualquer questão a esse respeito (cfr. o art. 134º do NCPC), pelo que temos a mesma como ultrapassada.
[6] “Artigo 11.º
Modos de exercício da actividade
1 - Os contabilistas certificados podem exercer a sua atividade: 
a) Como profissionais independentes;
b) Como sócios, administradores ou gerentes de uma sociedade profissional de contabilistas certificados ou de uma sociedade de contabilidade;
c) No âmbito de uma relação jurídica de emprego público, como trabalhadores que exercem funções públicas, desde que exerçam a profissão de contabilista certificado na administração direta e indireta do Estado ou na administração regional ou local;
d) No âmbito de uma relação contratual celebrada com outro contabilista certificado, com uma sociedade de profissionais, com uma sociedade de contabilidade, com outra pessoa coletiva ou com um empresário em nome individual.
2 - Com exceção da prestação de serviços no âmbito de sociedades de contabilidade como sócios ou membros da gerência ou da administração, os contabilistas certificados celebram, obrigatoriamente, por escrito, com as entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o contrato de prestação de serviços referido no n.º 5 do artigo 70.º, devendo assumir, nesse documento, pessoal e diretamente, a responsabilidade pela contabilidade a seu cargo”.
[7] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de novembro e alterado pela referida Lei 139/2015 de 7 de setembro.
[8] Artigo 18.º
Sociedades profissionais de contabilistas certificados e sociedades de contabilidade
O disposto no presente Código Deontológico relativamente aos contabilistas certificados é aplicável, com as necessárias adaptações, aos profissionais integrados em sociedades profissionais de contabilistas certificados ou em sociedades de contabilidade
[9] No acórdão do TRP de 14-02-2008, processo: 0830325 (Relator: Manuel Capelo), proferido em momento anterior à citada Lei, considerou-se que “[o] Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Conta, (elaborado e aprovado pela própria classe) aplicável segundo o seu art.1º “…a todos os Técnicos Oficiais de Contas com inscrição em vigor quer exerçam a sua actividade em regime de trabalho dependente ou independente, integrados ou não em sociedades de profissionais ou empresas de contabilidade.” determina no seu art.9º nº1 que “O contrato entre os Técnicos Oficiais de Contas e as entidades a quem prestam serviços deve ser sempre reduzido a escrito.”.
Porém, este Código Deontológico não é um diploma legal no sentido de haver sido produzido pelas entidades públicas com poder legislativo e por isso esta prescrição de forma, que o próprio código deontológico apenas sanciona como infracção disciplinar (art. 18), não fere de nulidade o negócio que se faça em contradição com ela porque, para que a nulidade ocorresse, seria necessária que fosse uma disposição legal a determinar essa exigência”.
[10] Sobre a autonomia quanto ao modelo de formação nos contratos celebrados com a contribuição, exclusiva ou parcelar, de meios informáticos e eletrónicos, cfr. Carlos Ferreira de Almeida (2017), Contratos I conceito, fontes, formação. Coimbra: Almedina , p. 170-171 e doutrina citada na nota 277. 
[11] Cfr. o ac. TRL de 08-10-2019, processo: 761/08.9TJLSB.L1-8 (Relator: Ilídio Sacarrão Martins).
[12] Como se concluiu no acórdão do TRC de 10-02-2009, Processo: 4300/07.0TJCBR.C1 (Relator: Jaime Ferreira), acessível in www.dgsi.pt, “(…) a parte que revogar um contrato de prestação de serviços bilateral, oneroso e de execução continuada, sem o acordo da outra e sem a antecedência acordada (dita conveniente), deve indemnizar esta do prejuízo causado, nos termos do artº 1172º, als. c) e d), do C. Civ..
V - Esta indemnização visa apenas reparar o dano resultante da dita revogação extemporânea, nos termos dos artºs 562º, 563º e 564º, do C. Civ., o que não passa por obrigar a parte que revogou o contrato, em tais circunstâncias, a ter de pagar todas as prestações que seriam devidas até ao prazo contratual ficar esgotado”.
[13]  Cfr. ainda os acórdãos do STJ de 07-07-2010, processo: 4865/07.7TVLSB.L1.S1 (Relator: Barreto Nunes), do TRE de 14.07.2011, Processo: 181113/10.6YIPRT.E1 (Relator: Bernardo Domingos) e do TRL de 03-03-2016, processo: 137606/14.6YIPRT.L1-2 (Relator: Ondina Carmo Alves).