Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1872/18.8T8LRS-B.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: HABILITAÇÃO
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
REPÚDIO DA HERANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A habilitação incidental, sem oposição pelos habilitados, apenas terá relevância demonstrativa de aceitação da herança se for acompanhada de outras atuações que revelem, com toda a probabilidade, a aceitação da herança.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
Carlos, inconformado com o despacho que recusou dar relevância à declaração de repúdio da herança do primitivo executado que o requerente apresentou a fim de ser absolvido da instância de execução por ilegitimidade, apelou dessa decisão, tendo rematado com as seguintes conclusões:
A. O despacho recorrido faz uma errónea aplicação do direito ao caso concreto, entendendo ter havido uma aceitação tácita da herança pelo fato, de por um lado, o apelante não ter deduzido oposição no incidente de habilitação de herdeiros, e por outro lado, pelo fato do repúdio da herança ter sido efetuado posteriormente ao trânsito em julgado da sentença aí proferida, e à escritura de habilitação de herdeiros outorgada por um dos seus irmãos;
B. Em matéria de aceitação da herança, o silêncio não vale como declaração negocial, pelo que só poderemos estar perante uma declaração tácita da herança se esta se deduzir de factos que com toda probabilidade a revelem (cfr artigo 217° n.° 1 do C.C.). A intenção de aceitar uma herança pelo sucessível terá de se caracterizar pela inequivocidade dos próprios atos nesse sentido.
C. Apenas haverá aceitação tácita quando os atos são praticados com a intenção de chamar a si a herança.
D. Como decorre dos autos na pendência da acção o executado Augusto (…), veio a falecer, tendo o seu filho, ora requerente, conjuntamente com outros, sido habilitado para prosseguir os termos da demanda;
E. Tratou-se portanto de uma habilitação incidental por sucessão, cujo carácter é indispensável e portanto obrigatório, porque, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 269.º e do artigo 276.º, n.º 1, alínea a) do CPCivil, a causa suspende-se desde o falecimento e só se reinicia com a habilitação do sucessor da parte falecida;
F. Ora, sendo a habilitação obrigatória e tendo por finalidade a necessidade de garantir o prosseguimento da acção suspensa, torna distinta esta questão da habilitação para substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio, da de saber se existe ou não aceitação da herança;
G. Como se refere no Ac. do STJ de 08/07/1975 (In BMJ, 248, pág. 434) no incidente de habilitação apenas se averigua se o habilitando tem as condições legalmente exigidas para substituir uma pessoa no processo e, para com ele, a causa poder prosseguir, ou seja, que os respectivos requerentes apenas têm que demonstrar é que os habilitandos possuem as qualidades que os legitima a substituir a parte falecida, sendo que, “a habilitação, tomada isoladamente, não é índice, por si só, seguro de aceitação tácita da herança”;
H. Portanto, na habilitação, não se exige a aceitação da herança do habilitando e também o facto de ele ser habilitado não determina o reconhecimento da aceitação tácita permitindo que mesmo depois da habilitação, o habilitado que a não contestou possa vir repudiar a herança;
I. “A habilitação judicial, só por si, não define a posição dos habilitados relativamente à herança; significa apenas que estes são investidos na qualidade de herdeiros – ainda que não sucessores – do falecido, assegurando a respetiva legitimidade processual para com eles prosseguir a ação em substituição daquele..”cf Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 24-02-2015 no processo nº 176/07.6TBVLF.C1;
J. “ A habilitação, tomada isoladamente, não é índice seguro, só por si, da aceitação tácita da herança, isto porque, tendo a aceitação tácita de traduzir-se por atos inequívocos, a habilitação significa apenas que o 5 indivíduo é investido na qualidade de herdeiro, não definindo a sua posição relativamente à herança.”cf Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Porto em 05-07-2006 com o nº 0633036;
K. Acresce ainda que, do fato de o repúdio de herança ter sido outorgado em data posterior quer, à escritura de habilitação de herdeiros outorgada por um dos seus irmãos, quer ao trânsito em julgado da sentença proferida no incidente de habilitação de herdeiros, não se pode concluir que o ora apelante aceitou a herança;
L. Em momento algum, nem em ato algum, o apelante manifestou quer expressa ou tacitamente aceitar a herança;
M. Consequentemente não pode o repúdio de herança ser considerado ineficaz.
N. A ilegitimidade configura uma excepção dilatória (cfr. art.º 577º, al. e) CPC), de conhecimento oficioso do tribunal (cfr. art.º 578º CPC), conducente à absolvição da instância (cfr. art.º 278º, n.º 1, al. d) CPC).
O. E como tal, a decisão de indeferimento da ilegitimidade do apelante por parte do tribunal a quo viola o disposto nos artigos 30º, 577º alínea e), 578º e 278º, n.º 1, al. d) todos do Código de Processo Civil.
O apelante terminou pedindo que o despacho recorrido fosse revogado e substituído por outro que deferisse o requerimento de ilegitimidade do apelante, com as legais consequências.
A exequente/apelada CRL contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões:
I) O Douto Despacho incidiu sobre o instrumento de repúdio da herança.
II) Declarando ineficaz os repúdios apresentados por entender ter ocorrido a aceitação da herança tacitamente.
III) Uma vez que, o repúdio fora outorgado após a outorga da escritura de habilitação de herdeiros, bem como o trânsito em julgado da sentença de habilitação de herdeiros.
IV) E, existindo a aceitação tácita da herança, não poderá a revogação operar, sendo os repúdios ineficazes.
V) Ora, não poderia apresentar conclusão diversa.
VI) Uma vez que, o habilitando foi citado da habilitação de herdeiros, nada fez.
VII) O que, consequentemente, determina a confissão.
VIII) Aquando da prolação da sentença de habilitação de herdeiros, e da notificação da mesma ao habilitando, uma vez mais, este não reagiu.
IX) Tendo a sentença transitado em julgado.
X) Criando tal comportamento na sociedade, e segundo os padrões do homem comum, colocado na posição do declaratário, a convicção da aceitação da herança.
XI) Sendo que, só posteriormente, vem o mesmo proceder à junção da escritura de repúdio da herança, anteriormente aceite.
XII) E, sendo a aceitação da herança irrevogável, o repúdio não poderá ser considerado, tornando-se o mesmo ineficaz.
XIII) Assim, bem decidiu o “tribunal a quo”.
A apelada terminou pedindo que o recurso improcedesse, mantendo-se o despacho recorrido.
Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Este recurso tem por objeto a relevância da declaração de repúdio de herança apresentada pelo apelante na execução sub judice.
2. Na decisão recorrida foi dada como provada a seguinte
Matéria de facto
1- Serve de base à execução uma escritura pública denominada “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, outorgada em 13 de dezembro de 2012.
2- Em 26/03/2018 foi suspensa a instância em virtude de o executado Augusto (…) ter falecido em 24/02/2018.
3- Por apenso aos autos de execução (apenso A) foi requerida a habilitação dos sucessores, do falecido Augusto (…), tendo os mesmos sido habilitados por sentença proferida em 20/03/2019, já transitada em julgado.
4- Foram habilitados como sucessores do falecido executado, Maria Helena (…), Gabriel (…), José (…) e Carlos (…).
5- Os requeridos foram citados no apenso A e não deduzirem oposição.
6- José (…) interveio na escritura de habilitação de herdeiros celebrada em 30 de maio de 2018, no Cartório Notarial de Loures, no âmbito da qual declarou ser sucessor do executado falecido, juntamente com os demais habilitados.
7- José (…) outorgou repúdio celebrado por documento particular com termo de autenticação, datado de 14/10/2019.
8- Carlos (…) outorgou escritura de repúdio celebrada em 29/10/2019.
3. O Direito
Nos termos do art.º 2024.º do Código Civil, diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.
O fenómeno jurídico da sucessão inicia-se com o falecimento do autor da sucessão (art.º 2031.º). Nesse momento “abre-se a sucessão”, sendo “chamados” à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (art.º 2032.º n.º 1 do CC).
Por força do princípio da liberdade individual, a aquisição da titularidade das relações jurídicas deixadas vagas pelo de cujus depende de um ato voluntário de aceitação, não operando por força da lei. Se os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar, serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente; a devolução a favor dos últimos retrotrai-se ao momento da abertura da sucessão (n.º 2 do art.º 2032.º do CC).
A voluntariedade da efetivação da sucessão expressa-se no art.º 2050.º n.º 1 do CC: “O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material”. Acrescentando-se, no n.º 2, que os efeitos da aceitação “retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão”.
A aceitação da herança é irrevogável (art.º 2061.º).
O legislador rodeia-se de cuidados quanto à forma da aceitação.
Sob a epígrafe “Formas de aceitação” o art.º 2056.º do CC dispõe o seguinte:
1. A aceitação pode ser expressa ou tácita.
2. A aceitação é havida como expressa quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir.
3. Os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança”.
A aceitação expressa é, pois, um negócio formal, um ato jurídico unilateral que deve assumir a forma escrita.
Quanto à aceitação tácita, é aplicável, à partida, a regra geral prevista no art.º 217.º do CC:
1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz”.
Sendo certo que o silêncio só vale como declaração negocial “quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”.
O n.º 3 do art.º 2056.º arreda que seja considerado ato tácito de aceitação da herança a simples prática de atos de administração da herança pelo sucessível. Esta explicitação harmoniza-se com o disposto no art.º 2047.º do CC, em cujo n.º 1 se estabelece que o sucessível chamado à herança, se ainda não tiver aceitado nem repudiado, não está inibido de providenciar acerca da administração dos bens, se do retardamento das providências puderem resultar prejuízos. A legitimação de tal atuação poderá acarretar a invocação do título de herdeiro (até no confronto com outros herdeiros - n.º 2 do art.º 2047.º) sem que ela seja acompanhada da intenção de aquisição da herança.
A lei prevê no art.º 2049.º n.º 2 do CC um mecanismo de formalização de aceitação tácita da herança:
Notificação dos herdeiros
1. Se o sucessível chamado à herança, sendo conhecido, a não aceitar nem a repudiar dentro dos quinze dias seguintes, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, mandá-lo notificar para, no prazo que lhe for fixado, declarar se a aceita ou repudia.
2. Na falta de declaração de aceitação, ou não sendo apresentado documento legal de repúdio dentro do prazo fixado, a herança tem-se por aceite.
(…)”.
A lei estabelece a presunção inilidível de que o silêncio do sucessível face à solene interpelação do tribunal para declarar se aceita ou não a herança constitui manifestação de aceitação da herança.
Note-se que tal presunção só poderá verdadeiramente assentar num manifesto sentido normal da atitude do interpelado se ele tiver sido notificado com a indicação da cominação legal do seu silêncio.
Que assim é indicia-o a solução contrária (à solução prevista no n.º 2 do art.º 2049.º do Código Civil português) prevista no Codice Civile italiano: Segundo o respetivo art.º 481.º, quem nisso tiver interesse pode fazer notificar judicialmente o chamado para este declarar, num determinado prazo, se aceita ou renuncia à herança. Se, decorrido o prazo, nada disser, “il chiamato perde il diritto di accettare”.
Exposto este quadro, haverá que verificar se o apelante adotou algum comportamento do qual se deva deduzir a aceitação da herança.
Tendo o executado Augusto (…) falecido na pendência da execução, a execução foi suspensa. A fim de que esta pudesse prosseguir, o exequente deduziu incidente de habilitação, identificando os herdeiros da parte falecida. Nestes termos os requeridos foram citados “para contestarem a habilitação” (n.º 1 do art.º 352.º do CPC). A falta de contestação não tem efeito cominatório: a lei estipula que se a habilitação tiver por base certidão de sentença ou escritura de habilitação, “verifica-se se o documento prova a qualidade de que depende a habilitação, decidindo-se em conformidade” (n.º 3 do art.º 353.º do CPC); se a habilitação não assentar em nenhum dos ditos documentos, o juiz decidirá o incidente após se produzir a “prova que no caso couber” (n.º 1 do art.º 354.º do CPC).
In casu, o ora apelante nada disse no âmbito do incidente de habilitação. E, tendo sido proferida sentença de habilitação, na qual foi julgado habilitado a prosseguir os termos da execução, juntamente com outros, no lugar do executado falecido, o ora apelante não interpôs recurso da decisão.
Significará isto que o habilitado aceitou a herança?
Afigura-se-nos que não.
Em parte alguma do processo o ora apelante foi interpelado para tomar posição acerca da aceitação da herança. Mais, não se vislumbra que o apelante tenha praticado qualquer ato no âmbito da execução, ou fora dela, do qual se possa inferir essa aceitação. O apelante não interveio na escritura de habilitação referida no n.º 6 da matéria de facto supra. O apelante não interveio na execução. A única atuação processual do apelante, após a decretação da sua habilitação, consistiu na junção aos autos, volvidos alguns meses, da escritura de repúdio da herança, acompanhada do pedido da sua absolvição da instância, por falta de legitimidade.
Conforme o STJ ajuizou no acórdão de 08.7.1975, processo 065465 (consultável, tal como os adiante citados, em www.dgsi.pt), “[a] habilitação, tomada isoladamente, não é índice, só por si, seguro da aceitação tácita da herança, isto porque, tendo a aceitação tácita de traduzir-se por actos inequívocos, a habilitação significa apenas que o indivíduo é investido na qualidade de herdeiro, não definindo a sua posição relativamente à herança”. Tal entendimento foi reiterado pelo STJ no acórdão de 19.3.2019, processo 384/17.1T8GMR-A.G1.S1, no qual se ponderou que “… a não oposição por parte das Recorrentes com a consequente procedência da habilitação judicial apensa à acção (…) não assume, por si só, relevância para inferir uma aceitação da herança por parte das mesmas (uma vez que o incidente visa tão só assegurar a legitimidade processual das partes)”.
A habilitação incidental, sem oposição pelos habilitados, apenas terá relevância demonstrativa de aceitação da herança se for acompanhada de outras atuações que revelem, com toda a probabilidade, a aceitação da herança. Foi o que ocorreu em alguns dos acórdãos citados na decisão recorrida e pela apelada: cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 13.3.2007, processo 993/2007-1 e acórdão da Relação do Porto, de 26.5.2009, processo 4593/03.2TBSTS-C.P1. - no primeiro caso o herdeiro habilitado interveio nessa qualidade na audiência de discussão e julgamento; no segundo caso o herdeiro habilitado interveio na execução como herdeiro e executado durante mais de três anos, até repudiar a herança.
No sentido do ora aqui propugnado cfr. também o acórdão da Relação de Coimbra, de 24.02.2015, processo 176/07.6TBVLF.C1; acórdão da Relação do Porto, de 05.7.2006, processo 0633036; acórdão da Relação de Guimarães, de 01.3.2018, processo 384/17.1T8GMR-A.G1; acórdão da Relação de Coimbra, de 11.5.2010, processo 2431/07.6TBVLS-B.C1; acórdão da Relação do Porto, de 19.12.2012, processo 9386/07.5TBMAI-C.P1; acórdão da Relação do Porto, de 15.12.2020, processo 3286/17.8T8MTS.P1.
Na doutrina, o Professor Castro Mendes entende que o sucessor habilitado em incidente de habilitação pode, posteriormente, repudiar a herança (cfr. Direito Processual Civil, II volume, Edição da Associação Académica da FDUL, 1978/79, pp. 252-253).
Esta posição é maioritária, mas não unânime.
Na doutrina, o Conselheiro Salvador da Costa considera que a sentença proferida no incidente de habilitação, declarativa de que certas pessoas são herdeiras da parte falecida, pressupõe que aceitaram a herança, apesar de não terem sido citadas com a cominação prevista nos artigos 2049.º n.º 1 do CC e 1039.º, n.º 1 (Os Incidentes da Instância, 2017, 9.ª edição, 2017, Almedina, p. 212).
Na mesma senda se seguiu no acórdão da Relação de Guimarães, de 04.10.2017, processo 1336/15.1T8VRL.G1 e no acórdão da Relação de Lisboa de 06.12.2005, processo 9068/2005, assim como na sentença recorrida.
Quanto a nós, adotamos a posição que se afigura ser maioritária.
Conforme fazem notar Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, volume VI, 1998, Coimbra Editora, pp. 78 e 79) a regra da voluntariedade da sucessão traduz a máxima romana de que a aquisição do domínio sobre os bens da herança dá-se ex voluntate accipientis et non ex vi legis (ou ipso iure) aut ope iudicis.
Ao dar o apelante como habilitado nestes autos o juiz não se lhe substituiu na aceitação da herança – não tinha poderes para tal.
O apelante não manifestou, no processo ou fora dele, a intenção de aceitar a herança do primitivo executado Augusto (…). Pelo contrário, outorgou escritura de repúdio da herança, nos termos previstos no art.º 2063.º do CC e com os efeitos previstos no art.º 2062.º do CC.
Conforme afirma o Professor Castro Mendes (ob. e local citados) “[o] repúdio da herança representa o desaparecimento – embora não físico, mas jurídico – dos sucessores habilitados”.
O apelante foi declarado processualmente legitimado para prosseguir na execução (ao lado de outros) no lugar do executado falecido. Porém, ocorreu ato superveniente, extintivo, com efeitos retroativos, da qualidade do apelante enquanto sucessível da parte falecida. Conforme se realçou no acórdão da Relação do Porto, de 19.12.2012, acima citado, “…tendo sido repudiado pelos oponentes o direito à herança, os bens que eventualmente pudessem constituir o seu acervo jamais serão transmitidos àqueles, frustrando-se desse modo, em relação aos bens que viessem a receber do autor da herança, o cumprimento dos encargos com a obrigação exequenda – artigos 2071º do CC e 827º, n.º 1, do CPC [art.º 744.º n.º 1 do CPC de 2013].”
Tal implica a extinção da instância quanto ao repudiante, por impossibilidade superveniente da lide (art.º 277.º / e) do CPC – cfr. acórdão da Relação do Porto, de 23.3.2020, processo 4307/16.7T8LOU-B.P1).

III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente:
1.º Revoga-se a decisão recorrida no que diz respeito ao apelante;
2.º Julga-se extinta a instância quanto ao apelante, por impossibilidade superveniente da lide quanto a ele.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo da apelada, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 02.12.2021
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva