Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3300/17.7T8LRS.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PERDA DE CHANCE
DANO INDEMNIZÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/05/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A figura da denominada perda de chance processual corresponde à verificação de uma situação de desvantagem patrimonial consubstanciada na privação da oportunidade de obter um resultado favorável em processo judicial, exclusivamente imputável à conduta ilícita do advogado mandatário do lesado, concretizada na falta de atenção, zelo e diligência que deveria ter sido empregue pelo causídico ao exercer tecnicamente os direitos que assistiam ao respectivo mandante.
II - Esta figura tem por objecto a frustração da obtenção de um resultado positivo futuro, mas susceptível de verificação actual, embora sem nunca se poder considerar como totalmente assegurada (e infalível) a sua efectiva ocorrência.
III – Tendo a Ré advogada que patrocinou a A. em acção especial de insolvência tido como premeditado escopo a obtenção do benefício da exoneração do passivo restante, a não apresentação atempada, por sua parte, do certificado do registo criminal da sua cliente, não obstante notificada pelo juiz para esse preciso efeito, e a não interposição de recurso contra a decisão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante com fundamento na falta da junção desse documento, são por si só suficientes para se poder concluir que a Ré, actuando no exercício da sua actividade profissional de advogada e como mandatária judicial constituída, não realizou, com a atenção, cuidado e diligência devidos, os actos processuais que lhe eram exigíveis e que poderiam conduzir ao hipotético e provável deferimento do almejado benefício da exoneração do passivo restante (tanto na fase liminar como posteriormente).
IV – De todo o modo, competia à ora demandante configurar, no plano dos factos por si alegados, os elementos conformadores do efectivo e real prejuízo que a conduta ilícita da demandada, sua advogada no processo de insolvência, lhe teria efectivamente causado, ainda que em termos de simples projecção futura.
V – Em especial, tendo em conta que o efeito extintivo de obrigações associado à concessão do benefício da exoneração do passivo restante só operaria no termo do período referido no artigo 237º, alínea b), do CIRE (cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência), cabia naturalmente à A. fornecer aos presentes autos todas as informações que permitiram, com um mínimo de rigor e justificação, aquilatar da existência do dano verificado pela privação da oportunidade de se atingir tal momento processual, tratando-se de um conjunto de elementos e informações que a A. certamente disporia ou facilmente poderia obter, sendo seu dever processual elencá-los discriminadamente, efectuando assim uma projecção fundamentada e reconstitutiva de todo o percurso hipotético resultante do (provável) deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, o que tornaria plausível e razoável o apuramento de uma verba correspondente ao prejuízo realmente sofrido em consequência da inépcia técnica da sua advogada.
VI – Havendo a A., na sua petição, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe “o valor de € 750.000,00, equivalente ao valor dos créditos reconhecidos”, é evidente e manifesta a absoluta inadequação desse pedido para determinar o valor do prejuízo conexionado com a dita perda de chance, uma vez que a eventual futura concessão do benefício da exoneração do passivo restante não libertaria a A, enquanto entidade insolvente, da responsabilidade geral pela satisfação da integralidade dos créditos de que são titulares os seus credores, nos limites da massa insolvente.
VII - Não compete, naturalmente, ao tribunal superior encontrar, oficiosamente e em sede de recurso, o valor (não alegado) correspondente a esse mesmo dano concreto, sem que a A. houvesse a este propósito trazido aos autos, como lhe competia, constituindo o seu especial ónus, os factos que lhe serviriam de suporte fundamental, sendo tal alegação e prova era absolutamente essencial para o integral preenchimento dos pressupostos de indemnizar derivadas da referida perda de chance.
VIII – Não é admissível a modificação do pedido em alegações de recurso, pedindo agora a A. que a Ré fosse condenada “no que se viesse a apurar em sede de liquidação”, na medida em que não tem o menor respaldo exigido pelo artigo 265º do Código de Processo Civil.
IX - Para que teoricamente tivesse lugar a condenação no que se viesse a liquidar futuramente, sempre seria necessário e absolutamente indispensável que, na acção declarativa respectiva, tivessem ficado perfeita e completamente definidos, por provados, os pressupostos da obrigação de indemnizar e, em particular, a verificação do dano concreto, ou o critério objectivo para a sua determinação - o que não sucedeu, desde logo, na medida em que a A., agora patrocinada por outra ilustre mandatária judicial, limitou-se inutilmente a peticionar, a este título, um valor clara e completamente desfasado da figura jurídica a que recorreu e que nunca poderia ser considerado para estes efeitos.
X - Ainda que se viesse a remeter para critérios de equidade a quantificação desse mesmo prejuízo – pedido que a ora A., podendo fazê-lo, não o deduziu em momento e a título algum – sempre seria indispensável a alegação das referências factuais objectivas que permitiram proceder então – e só então – ao pertinente juízo de equidade, sem o que o valor a atribuir constituiria apenas um valor sem sentido, disparado à sorte e no escuro.
XI – Aceitando, aliás, que no apuramento da indemnização por perda de chance deverá privilegiar-se o recurso à equidade, o certo é que tal operação nunca poderia ter lugar sem previamente o interessado fornecer aos autos, como constituía seu especial ónus (cfr. artigo 342º, nº 1, do Código Civil), os factos essenciais de referência que habilitariam o tribunal, de forma séria, objectiva e fundada, a encontrar o montante equilibrado e adequado à quantificação, pela equidade, da perda projectada.
XII – Pelo que a presente acção, fundada em perda de chance processual, terá que ser julgada improcedente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção).

I – RELATÓRIO.
Instaurou A [ Ana …], divorciada, residente na Rua João Villaret n° 9, em Lisboa, acção declarativa de condenação contra B [ Alice ….] , advogada, titular da cédula profissional n° 48172L, com domicílio profissional na Rua Teófilo Braga n° , …., em Torres Vedras.
Essencialmente alegou que:
A Ré patrocinou a A., no exercício da sua actividade profissional de advogada, na acção especial de insolvência que a mesma requereu.
A Ré tinha plena consciência de que era pretensão da A. requerer a exoneração do passivo restante no âmbito desse processo de insolvência, em virtude de este se apresentar como o único meio que a mesma tinha de poder eximir-se às avultadas dívidas que tinha e poder refazer a sua vida.
Tal exoneração do passivo restante foi requerida em sede de petição inicial pela Ré, conforme impõe o artigo 236º, nº 1, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (vulgo CIRE).
A insolvência foi declarada a 22 de Agosto de 2014.
Em 19 de Novembro de 2014, foi a Ré notificada para proceder à junção do certificado do registo criminal da requerente, ora A., no prazo de cinco dias, sob pena de indeferimento liminar do pedido de exoneração.
A A. disponibilizou tal documento no dia 24 de Novembro de 2104, via e-mail.
A Ré não deu resposta a tal e-mail enviado pela A.
Apesar de ter na sua posse, desde 24 de Novembro de 2014, o certificado do registo criminal da A., a Ré apenas procedeu ao seu envio para tribunal a 28 de Novembro de 2014, o que por si só constituía motivo de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
O envio do certificado foi feito através de correio electrónico que foi recusado a 1 de Dezembro de 2014.
Por não estar junto o documento solicitado (o certificado do registo criminal da A.) foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
A Ré deveria ter recorrido dessa decisão em fez de pedir a reapreciação do despacho.
O mandato outorgado à Ré foi pautado pelo total descuido, negligência, ineptidão, que causou danos irreparáveis para a Autora.
Conclui pedindo a condenação da Ré por danos patrimoniais no valor de € 750.000,00 e por danos não patrimoniais no valor de € 1.500,00.
Veio a Ré apresentar contestação.
Essencialmente alegou:
A Ré advertiu desde logo a A. de que não era linear que mesmo com a apresentação à insolvência lhe fosse deferido o pedido de exoneração do passivo restante, porquanto dependeria do entendimento do Tribunal se a A. preenchia os requisitos da alínea d) do artigo 238º do CIRE, uma vez que já deveria ter-se apresentado em momento muito anterior.
A Ré esteve impossibilitada de aceder ao sistema Citius pelo que não teve conhecimento do despacho de 19 de Novembro de 2014, no qual, veio depois a saber, fora solicitada a entrega ao Tribunal do certificado do registo criminal da insolvente.
Como a A. não havia entregue o original do registo criminal, a Ré pensou que a A. tinha constituído nova mandatária nos autos.
O silêncio só foi quebrado em 21 de Maio de 2015 quando a A. contactou a Ré para falar da exoneração do passivo restante e do seu indeferimento, tendo a Ré dito que pensava que a A. já teria constituído nova mandatária.
O indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante teve também por base a falta da declaração a que alude o artigo 236º, nº 3, do CIRE.
Não houve incúria, negligência ou falta de zelo da ora Ré.
Conclui pela improcedência da acção e requer a intervenção da Mapfre - Seguros Gerais, SA., para a qual fora transferida a responsabilidade da Ré, no exercício da sua profissão de advogada.
Foi admitida a intervenção principal de Mapfre - Seguros Gerais, SA.
Devidamente citada, veio a interveniente apresentar contestação.
Essencialmente alegou:
O presente sinistro encontra-se excluído da cobertura da apólice.
Impugnou, por desconhecimento, a matéria alegada pela A.
Concluiu pela sua absolvição.
Procedeu-se ao saneamento dos autos.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido (cfr. fls. 315 a 324).
Apresentou a A. recurso contra esta decisão, o qual foi admitido como de apelação.
Juntas as competentes alegações, formulou a apelante as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal a quo, antes de decidir como decidiu, considerou que mesmo que a Ré tivesse entregue nos autos de insolvência os dois documentos necessários para ser analisado e deferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, que mesmo assim, a pretensão da Recorrente estava votada ao insucesso.
2 - O Tribunal a quo deu como provado que foi por negligência da Ré que os dois documentos não foram entregues atempadamente nos autos de insolvência.
3 - Não pode concordar-se com a douta Sentença quando refere que não valeria a pena recorrer do despacho de indeferimento uma vez que esse despacho foi proferido antes de expirada o prazo de cinco dias para a Ré juntar aos autos o registo criminal da Autora.
4 - Motivo pelo qual esse despacho deveria ter sido revogado.
5 - O Tribunal a quo fundamentou que a Autora nunca beneficiaria do despacho inicial de exoneração do passivo restante porque não se apresentou à insolvência no prazo de seis meses, fazendo uma interpretação errada do art° 238°, n° 1 alínea d) do CIRE.
6 - Ora, o art° 238°, n° 1 alínea d) do CIRE consagra três requisitos cumulativos.
7 - São vastíssimas as decisões dos Tribunais Superiores que consideram que não basta estar preenchido o requisito do prazo dos 6 meses, também terá de se verificar o prejuízo para os credores.
8 - Como resulta da letra da lei e como tem sido entendido, de modo praticamente uniforme, pela nossa jurisprudência Cfr., entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 25/03/2010, 06/10/2009, 01/10/2009 e 20/11/2008, com os n°s convencionais JTRP00043744, JTRP00043002, JTRP00042985 e JTRP00041972, respectivamente, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 24/11/2009, processo n° 44/09.7TBPNI-C.L1.1, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt, os três requisitos enunciados no art° 238°, n° 1 alínea d) do CIRE são cumulativos, razão pela qual apenas será de indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo, ao abrigo da citada norma, se, cumulativamente:
a) o devedor não cumpriu o dever de apresentação à insolvência ou se, não estando obrigado a tal apresentação, não o tiver feito nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;
b) o atraso na apresentação à insolvência redundou em prejuízo para os credores;
c) o devedor sabia ou não podia ignorar, sem culpa grave, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
9 - No caso da insolvência da Autora não estavam verificados os três requisitos.
10 - Nenhuma prova foi produzida quanto à previsão dos arts°. 3°, 18° e 238°, n° 1, alínea d) do CIRE, nem tal foi requerido.
11 - Consequentemente competia aos credores a alegação e prova da verificação dos prejuízos, mormente, a comprovação efectiva do prejuízo sério causado aos credores.
12 - E quando pode considerar-se existir prejuízo para os credores ?
13 - “O conceito de prejuízo pressuposto no art° 238°, n° 1 alínea d) do CIRE consiste num prejuízo diverso do simples vencimento dos juros, que são consequência normal do incumprimento gerador da insolvência, tratando-se assim dum prejuízo de outra ordem, projectado na esfera jurídica do credor em consequência da inércia do insolvente (consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período que dispunha para se apresentar à insolvência) Cfr. Ac. R. Porto de 12/05/2009, no sítio www.dgsi.pt.”
14 - E, caso não fosse esta questão (o prazo de 6 meses), do art° 238°, n° 1 alínea d) do CIRE, o Tribunal a quo teria que ter dado como provado o dano e o nexo de causalidade adequada entre a conduta imputada à Ré e aquele dano invocado (o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante) uma vez que deu como provado que a Ré violou os seus deveres profissionais, porque não foi diligente, nem actuou de acordo com as leges artis, ao não ter entregue nos autos dois documentos imprescindíveis para deferir a exoneração do passivo restante da Autora, sua cliente, que para tanto a mandatara, no processo de insolvência.
15 - A conduta da Ré foi causa direta, determinante e necessária dos prejuízos sofridos pela Autora, a título de ilicitude (existiu omissão que constitui facto ilícito) e negligência, cuja responsabilidade emerge de actos e omissões da advogada, Ré, no desempenho da sua profissão.
16 - Os valores pedidos pela Autora a título de danos patrimoniais foram dados por não provados.
17 - A Autora pediu o valor de € 750.000,00 com base no valor dos créditos reconhecidos pelo sr. Administrador de Insolvência.
18 - O Tribunal a quo solicitou informação aos autos de insolvência e, à data de Agosto de 2019, o sr. Administrador ainda só tinha prestado contas e não tinha efeito a proposta de rateio.
19 - Tal facto não pode ser imputado à Recorrente.
20 - Assim e uma vez julgada procedente a acção, é remetido para a fase de liquidação do julgado o apuramento dos montantes dos danos patrimoniais da condenação, o que é legalmente permitido.
21 - O dano de “perda de chance” (ou de oportunidade) reporta-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado, e houve de facto uma oportunidade perdida da exclusiva responsabilidade da Ré.
22 - O advogado não está obrigado à produção de um resultado, mas está obrigado ao cumprimento da obrigação de meios a que está adstrito por via do contrato de mandato.
23 - O dano a considerar é o dano autónomo de perda de oportunidade de obter o resultado pretendido (o despacho inicial de exoneração do passivo restante), a avaliar de acordo com a probabilidade de obtenção do resultado, que no caso em apreço era altíssima.
24 - A advogada da Autora cumpriu defeituosamente o mandato forense.
25 - Porquanto, deve a Ré indemnizar a Autora pelos prejuízos causados, a apurar em execução de sentença.
26 - Pelo exposto, entende-se dever julgar o recurso totalmente procedente, condenando-se a Ré no pedido a liquidar em execução de sentença
27 - Pelas razões supra expostas, a douta Sentença recorrida encontra-se coarctada por erro na análise e consideração dos factos trazidos a juízo, motivo pelo qual a douta sentença, ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 1157°, 1161°, 562°, 563°, 564°, 566° e 762° n° 1 do Código Civil, e ainda o disposto nos artigos 607°, n° 5 do Código Processo Civil e art° 238°, n° 1 alínea d) do CIRE, e por isso deverá ser revogada por uma outra que julgue a ação totalmente procedente.
Termos em que, e sem prescindir do douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e provado, revogando-se, pelos vícios de que padece e que se enumerou, a douta Sentença a quo, e condenando-se a Ré no pedido a liquidar em execução de sentença, fazendo-se assim a costumada
Contra-alegaram ambas as RR, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, tendo ainda a Ré Mapfre – Seguros Gerais, S.A., procedido, a título subsidiário, à ampliação do objecto do recurso, nos termos do artigo 636º do Código de Processo Civil.
Apresentaram as seguintes conclusões:
A Ré B :
I. Inconformada a Autora interpôs o presente recurso, que, no entanto, não tem qualquer fundamento sólido em que se apoie, porquanto a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo é inimpugnável, não padecendo dos vícios apontados pela Recorrente.
II. Assim suficiente seria oferecer o merecimento dos autos e propugnar a manutenção da douta sentença recorrida.
III. Porém, não pode a Recorrida, deixar de vir à presença de V. Exas. sublinhar que a Recorrente não deveria ter instaurado a presente acção, tendo deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
IV. Desde e logo e como a Autora bem sabe, esta não ignorava, por um lado que a exoneração da concessão do passivo restante não era linear, até porque a mesma estava insolvente há vários anos e disso tinha conhecimento e por outro lado, sabia que tinha de entregar o original do registo criminal à Ré, o que não logrou provar que fez, mas, abusivamente vem instaurar a presente acção, reclamando valores a que sabe não ter direito e que agora em sede de Recurso até pretende alterar, quando na sua Petição Inicial, pede a condenação em 750.000,00€ a titulo de danos patrimoniais e agora requer que os alegados danos viessem a ser apurados em execução de sentença...
V. Todos os factos provados e não provados que constam da douta sentença encontram-se bem fundamentados pelo Tribunal a quo e resultaram de toda a prova produzida e analisada criteriosamente.
VI. A Autora aceita os factos provados, porem discorda da fundamentação de direito, ao que, salvo melhor entendimento, não lhe assiste razão, não se podendo esquecer que nos presentes autos está em causa a perda de chance e determinou a apreciação sobre se a Autora deveria ser indemnizada pela ré e/ou pela Interveniente por danos patrimoniais no valor de € 750.000,00 e por danos não patrimoniais no valor de € 1.500,00.
VII. No que à motivação da matéria de Facto diz respeito, sendo nosso entendimento que deverá ser feita referência à mesma, sempre se dirá que a prova produzida pela Autora não logrou demonstrar a sua pretensão e bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ao julgar a presente acção improcedente.
VIII. Além da prova testemunhal, também o Tribunal formou a sua convicção na prova documental junta aos autos e como bem se pode ler da sentença colocada em crise pela Autora "...acarreta a inevitável a conclusão de que há vários anos a A. adquirira o conhecimento da sua incapacidade económica para solver as suas múltiplas dívidas, as quais à data em que se apresentou à insolvência ascendiam, pelo menos os créditos reconhecidos, a € 779.966,00; montante avultadíssimo e certamente impossível de pagar pela A. que, como nos disse, foi funcionária de call center, técnica comercial da PT/Meo e, concluída a sua formação superior, era em 2014 técnica estagiária na Junta de freguesia do Areeiro.
E esse conhecimento adveio-lhe pelo menos em 2009-2010, pois, como a mesma disse, teve bens penhorados pela primeira vez no decurso do ano 2009 e em 2010 teve consciência de que não conseguia pagar as dívidas que tinha, tomada de consciência que também foi referida no depoimento da filha da A. Ana …..    .
IX. Discorda a Autora do entendimento da Meritíssima Juiz não só porque refere na Sentença que reconhece que a Ré não tratou dos requisitos essenciais por negligência, o que alegadamente suportaria a pretensão da Recorrente.
X. Como porque não recorreu da sentença de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante;
XI. E não se conforma ainda a ora Recorrente com o facto de o Tribunal a quo na sua "avaliação" entender se a A. poderia de modo sério e razoável esperar, mediante a intervenção da R., diverso desfecho daquele que se verificou ou seja se poderia afirmar-se que haveria uma viabilidade razoável e séria de a A. alcançar uma decisão liminar favorável à exoneração do passivo restante e, posteriormente, uma decisão definitiva dessa exoneração, concluindo que "esse insucesso da sua pretensão sempre se verificaria ainda que a R. tivesse praticado todos os actos cuja omissão lhe é apontada".
XII. Contudo e como se disse, bem andou o Tribunal a quo ao concluir como concluiu, não podendo afirmar-se que haveria uma viabilidade razoável e séria de a A. alcançar uma decisão liminar favorável à exoneração do passivo restante e, posteriormente, uma decisão definitiva dessa exoneração.
XIII. Aliás, para haver indemnização ter-se-ia de reconhecer que a apelante perdeu a chance de obter provimento no seu pedido i.e. que através de actos omitidos, designadamente o recurso, teria uma consistente e séria probabilidade de o ver deferido.
XIV. Esse reconhecimento pressupõe a realização do 'julgamento dentro do julgamento", ou seja, a probabilidade de sucesso razoável desse deferimento liminar, não se descortinando, como a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez, a existência de uma mínima probabilidade de a apelante obter a "exoneração do passivo restante".
XV. Insurge-se a ora Recorrente alegando que o despacho de indeferimento não fundamenta o mesmo com base no facto de a Insolvente (ora Recorrente), não se ter apresentado nos 6 meses que a Lei determina para o efeito.
XVI. No entanto, sabe e aceitou que já tinha conhecimento da sua situação de insolvência há mais de 6 meses, aliás tinha conhecimento há 9 anos...
XVII. Por outro lado, vem agora a Recorrente dizer que a R. deveria ter sido condenada a indemniza-la em valor a apurar em execução de sentença, tentado assim dar "a volta ao peticionado".
XVIII. Como bem se pode ler na Douta Sentença “No que concerne ao facto não provado C. teve-se necessariamente presente que de acordo com o art° 235° CIRE a exoneração do passivo respeita aos créditos que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. Pelo que o eventual reflexo negativo na esfera patrimonial da A. decorrente da não exoneração do passivo restante inevitavelmente não corresponde ao valor dos créditos reconhecidos no processo de insolvência, pois tal exoneração apenas contempla os créditos que não sejam integralmente pagos no processo de insolvência - nomeadamente com recurso a bens do devedor que passam a integrar a massa insolvente - ou nos cinco anos posteriores ao encerramento do processo, porquanto nesse prazo de cinco anos, que corresponde ao período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário para o pagamento de despesas mas também para pagamento rateado dos credores, integrando o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor (cfr. art°s 239° e 241° CIRE).
Esse circunstancialismo legalmente previsto logo revela que findo o período de cinco anos da cessão de rendimentos, altura em que é proferido o despacho final de exoneração, inevitavelmente algum valor é pago aos credores, e por conseguinte, o reflexo negativo na esfera patrimonial da A. decorrente da não exoneração do passivo restante nunca corresponderia, como a mesma parece entender, ao valor dos créditos reconhecidos na insolvência.
E não podemos olvidar que era à A. que, em termos cabais, incumbia calcular os danos patrimoniais pelos quais pretenderia ser indemnizada e alegar os factos susceptíveis de demonstrar os concretos danos invocados; e o certo é que o valor que a mesma indicou, equivalendo-se ao dos créditos reconhecidos, como se vê não pode seguramente corresponder ao seu eventual dano patrimonial, não podendo deixar de se dizer que no caso de a mesma não dispor à data da petição dos elementos necessários à apresentação de um valor líquido e certo dos invocados danos patrimoniais tinha à sua disposição o recurso à formulação de um pedido genérico"
XIX. Não se concebe o facto de vir agora a Autora, em desespero de causa, em sede de recurso, alterar o pedido deduzido na petição inicial, apelando para que seja apurado em execução de sentença, quando prova alguma foi feita dos alegados danos patrimoniais, ou não patrimoniais...
XX. No que concerne pois à matéria de Direito, bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, já que recaía sobre a Autora o ónus da prova não só do alegado incumprimento por parte da advogada R., da sua falta de diligência na execução da prestação a que estava obrigada, o que não logrou provar,
XXI. Mas também dos danos alegadamente sofridos, bem como da relação causal entre aquele incumprimento e esses alegados danos.
XXII. Ficou bem claro que o deferimento liminar da exoneração do passivo restante estaria votado ao insucesso, e não basta dizer que o Administrador de Insolvência não se opôs, certo é que como consta da Sentença, outros credores opuseram-se...
XXIII. Ninguém discorda de que os requisitos para o indeferimento terão de ser cumulativos, de acordo com o previsto no CIRE, porem a verdade é que a Autora não logrou provar que, com certeza lhe iria ser concedida a exoneração de passivo restante.
XXIV. Desde logo, dúvidas não subsistem que dois dos requisitos exigíveis, encontram-se preenchidos, ou seja que a devedora (aqui Recorrente) não cumpriu o dever de apresentação à insolvência ou se, não estando obrigado a tal apresentação, não o tiver feito nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, assim como a devedor sabia ou não podia ignorar, sem culpa grave, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
XXV. Fazendo a ora Recorrente uma "dissertação", acerca do outro requisito previsto, isto é que atraso na apresentação à insolvência redundou em prejuízo para os credores, citando vários acórdãos em justificação da sua tese;
XXVI. É nossa convicção, e tal entendimento também perfilhado pela Meritíssima Juiz que o fizessem, pois é notório o prejuízo que a Autora lhes causou, já que, tendo a Autora conhecimento do seu estado de insolvência, como se provou, pelo menos desde 2005, ou seja volvidos 9 anos, duvidas não podem restar de que causou prejuízos, quanto mais não seja a nível de juros...
XXVII. bem andou a Meritíssima Juiz ao concluir que não se pode imputar responsabilidade à Ré pois não se verifica a existência do nexo de causalidade adequado, não assistindo qualquer razão à Autora/Recorrente, pelo que a decisão recorrida deve manter-se na íntegra.
XXVIII. Foi este o juízo que a Meritíssima Juiz "a quo" fez, motivos que merecem a nossa inteira concordância, muito bem andou o Tribunal a quo em julgar totalmente improcedente a acção e em consequência, absolver a Ré dos pedidos deduzidos pela Autora.
A Ré Mapfre – Seguros Gerais, S.A.:
1ª – A decisão recorrida não é passível de qualquer censura devendo manter-se na íntegra.
2ª - Encontra-se definitivamente julgado como não provado “que a A. facultou à Ré o original do seu certificado do registo criminal no dia 24 de Novembro de 2014”.
3ª – A Ré advogada encontrava-se impedida de juntar aos autos de insolvência o certificado do registo criminal da ora apelante, pelo que dos autos não resulta a prática de qualquer facto ilícito por parte daquela.
4ª – Independentemente de qualquer conduta da sua advogada, a A. não sofreu qualquer dano de “perda de chance”, uma vez que resultou provado que “a A. não se apresentou à insolvência nos seis meses subsequentes ao conhecimento dessa situação” e que “(...) os credores (...) se opuseram à exoneração do passivo restante (...)”, sendo evidente que tal redundou no prejuízo sério para os seus credores, factos que a apelante não podia ignorar, sem culpa grave, além da inexistência de perspectiva séria de melhoria da sua condição económica.
5ª – A apelante não sofreu qualquer dano decorrente dos factos omissivos que imputa à Ré, advogada nos presentes autos.
“Da ampliação do objecto do recurso”.
6ª – Da aplicação do direito aos factos provados dos autos resulta que a responsabilidade pelos factos alegados na petição inicial encontra-se excluída das garantias acordadas através do contrato de seguro celebrado entre a apelada e a Ordem dos Advogados, único que constitui a causa de pedir do chamamento da ora apelada aos presentes autos.
7ª – Ainda que assim não fosse, a responsabilidade da ora apelada sempre estaria limitada à quantia de € 150.000,00 por sinistro e a apelada advogada sempre seria responsável pelo pagamento da quantia acordada a título de franquia, sob pena de violação do disposto nos artigos 405º, nº 1, do Código Civil, artigo 3º, 8º, nº 1, da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” do contrato de seguro dos autos e ponto 10 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” desse mesmo contrato.
II - FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado, em 1ª instância, que:
1- A ré B é advogada desde 4 de Dezembro de 2009.
2- A ré patrocinou a autora no processo de insolvência desta, que correu termos sob o n° 1333/14.4TJLSB da então instância local civil da Comarca de Lisboa, tendo apresentado a respectiva petição inicial em 5 de Agosto de 2014.
3- Na petição inicial a ré requereu a exoneração do passivo restante da insolvente autora, nos termos que se encontram a fls. 162 ss. dos autos cujo teor se dá por reproduzido.
4- Por despacho de 6 de Agosto de 2014 a ré foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, ao que a mesma correspondeu como consta dos documentos que se encontram a fls. 177 e verso e 178 verso e ss. destes autos, cujos teores se dão por reproduzidos.
5- Em 22 de Agosto de 2014 foi proferida sentença de declaração insolvência da ora autora conforme fls. 62 ss. destes autos, cujo teor se dá por reproduzido.
6- No seu relatório o Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se sobre a admissão liminar do pedido de exoneração do pedido restante, conforme documento de fls. 183 e seguintes destes autos (concretamente fls. 186), cujo teor se dá por reproduzido.
7- Em 17 de Novembro de 2014 teve lugar a Assembleia de Credores e Apreciação de Relatório, à qual a ré e a autora não compareceram, e na qual as credoras “Hefesto” e “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo” se opuseram à exoneração do passivo restante, e o Ministério Público em representação da Fazenda Nacional nada opôs por os créditos fiscais não estarem abrangidos.
8- (...) Nesse mesmo acto processual foi proferido despacho para que a ora autora ali insolvente juntasse em 5 dias o seu certificado do registo criminal sob pena de indeferimento imediato do pedido de exoneração do passivo restante (tudo conforme acta de fls.187 v° e ss. deste autos que se dá por reproduzida).
9- A ora ré foi notificada desse despacho por notificação datada de 19 de Novembro de 2014 (fls.189 destes autos).
10- A ora autora pediu e foi-lhe emitido certificado de registo criminal em 24 de Novembro de 2014 (cfr. documento de fls. 191 destes autos).
11- A ora ré enviou o certificado de registo criminal da autora aos autos de insolvência por e-mail de 28 de Novembro de 2014.
12- Em 3 de Dezembro de 2014 foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com os fundamentos que constam do documento de fls. 192 ss. destes autos e que se dá por reproduzido, entre os quais se conta a não apresentação do registo criminal e a instrução do pedido de exoneração sem a declaração a que alude o artigo 236 n° 3 do CIRE.
13- A ré não recorreu dessa decisão.
14- Em 22 de Maio de 2015 a ré requereu a reapreciação do despacho que havia indeferido liminarmente a exoneração do passivo restante da ora autora, o que foi indeferido por despacho de 8 de Junho de 2015 com os fundamentos que constam de fls. 202 e verso destes autos cujo teor se dá por reproduzido.
15- Em 25 de Agosto de 2015 a ora ré renunciou naqueles autos de insolvência ao mandato que a autora lhe conferira (cfr. documento de fls. 203 v° e 204).
16- Os créditos reconhecidos no processo de insolvência da ora autora ascendem a € 779.966,00.
17- Entre a Interveniente Seguradora e a Ordem dos Advogados foi celebrado contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n° 6001391100058, com o limite de €150.000,00 por sinistro e com a franquia de € 5.000,00 por sinistro.
18- A autora não compareceu à Assembleia de Credores e Apreciação de Relatório que teve lugar a 17 de Novembro de 2014 por a tanto ter sido aconselhada pela ré.
19- Aquando do início do processo de insolvência a ré deu a conhecer à ora autora que o deferimento da exoneração do passivo restante não seria uma situação linear.
20- A A. ficou angustiada quando tomou conhecimento de que não ficara desonerada do passivo restante e percebeu que permaneceria em situação de instabilidade financeira.
21 - A A. recorre à ajuda financeira de familiares.
22- A Interveniente Seguradora apenas no dia 8 de Maio de 2017 teve conhecimento do sinistro a que respeita a petição, na sequência de comunicação efectuada pela ré.
23- A autora não se apresentou à insolvência nos 6 meses subsequentes ao conhecimento dessa sua situação.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 – Natureza jurídica da figura denominada “perda de chance processual”. Considerações gerais e jurisprudência.
2 – Análise da conduta da Ré enquanto mandatária judicial da A. conducente à não obtenção de vantagem processual por parte da sua constituinte.
3 – Do dano invocado. Incumprimento do ónus da sua alegação pela demandante. Ausência de referenciais mínimos para a sua concreta determinação. Modificação do pedido em fase de recurso.
4 - Danos não patrimoniais. Falta de referência a tal matéria no âmbito das conclusões do recurso.
5 – Questões prejudicadas pela decisão antecedente.
Passemos à sua análise:
1 – Natureza jurídica da figura denominada “perda de chance processual”. Considerações gerais e jurisprudência.
Nos presentes autos discute-se essencialmente a responsabilidade da Ré, advogada, perante a A., sua cliente, tendo por base a denominada perda de chance processual que o seu descuidado e negligente desempenho profissional teria causalmente provocado.
Esta figura corresponde, no fundo, à verificação de uma situação de desvantagem patrimonial consubstanciada na privação da oportunidade de obter um resultado favorável em processo judicial, exclusivamente imputável à conduta ilícita do advogado mandatário do lesado, concretizada na falta de atenção, zelo e diligência que deveria ter sido empregue pelo causídico ao exercer tecnicamente os direitos que assistiam ao respectivo mandante.
Tem por objecto a frustração da obtenção de um resultado positivo futuro, mas susceptível de verificação actual, embora sem nunca se poder considerar como totalmente assegurada (e infalível) a sua efectiva ocorrência.
Sobre o tratamento doutrinário desta temática, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 2010 (relator Azevedo Ramos), publicado in www.dgsi.pt:
“(...) Armando Braga escreve (A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, pág. 125): “O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização”.
Também Carneiro da Frada ( Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, aborda esta temática, nos termos seguintes: “Um exemplo de dano é conhecido por “perda de chance”, praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: se o atraso de um diagnóstico diminui em 40 % as possibilidades de cura do doente, quid juris ? Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar? Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano (apenas hipotético, v. g. ausência de cura, perda de concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente. Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. Se, no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes ( que erigiram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar …Ainda assim surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados ( art. 563, nº3, do C.C.)” .
Rute Pedro afirma (A Responsabilidade Civil do Médico, pág. 179):“A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. Pode, porém, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem” ( pág. 232).
Júlio Gomes ( Direito e Justiça, Vol. XIX; 2002, II), refere, em jeito de conclusão: “Afigura-se, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória…Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito …
Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso ou de uma fase posterior de um concurso. Trata-se de situações em que a chance já se densificou o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de uma quase propriedade, de um bem”.
Finalmente Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual, I, 1103, nota de pé de página, também ensina:
“Não parece que exista para já, entre nós, base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chance. Antes parece mais fácil percorrer o caminho de inversão do ónus da prova, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494 do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da perda de chance como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios …”.
Conforme se enfatiza no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2018 (relatora Maria da Graça Trigo), publicado in www.dgsi.pt: “A perda de chance, no campo processual, pode traduzir-se num dano autónomo existente à data da lesão, qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, à luz de um desenvolvimento normal e típico, independentemente do resultado final frustrado”.
Pode ler-se ainda no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2020 (relator Pedro Lima Gonçalves), publicado in www.dgsi.pt: “A teoria da perda de chance ou da oportunidade, ao contrário da teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi o autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.
A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, de o facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
(...) É um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial, sendo contudo a perda de chance uma realidade actual e não futura, um bem digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado”.
Refira-se ainda, a este propósito, o que se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2020 (relator Olindo Geraldes), publicado im www.dgsi.pt: “O dano, na denominada perda de chance ou de oportunidade, pode traduzir-se na perda de oportunidade quer da participação na formação da decisão judicial quer da apreciação jurisdicional da pretensão jurídica. Na verdade, tanto o impedimento da oposição a uma pretensão jurídica como a impossibilidade de apreciação jurisdicional de dada pretensão jurisdicional representam uma desvantagem jurídica, que pode consubstanciar um dano ou prejuízo e, como tal indemnizável (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de dezembro de 2014, n.º 1378/11.6TVLSB.L1S1, acessível em www.dgsi.pt)”.
Para a indemnização deste tipo de dano, importa ainda a afirmação de que não fora a omissão do acto, o resultado do procedimento judicial seria muito provavelmente melhor, quer em termos totais quer em termos parciais. A probabilidade deve ainda ser séria, real e credível (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2018, n.º 1337/12.1TVPRT.P1.S1, e de 10 de Setembro de 2019, n.º 1052/16.7T8PVZ.P1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Em termos da quantificação do valor correspondente à perda de chance, escreve Patrícia Costa in “A perda de chance – dez anos depois”, publicado na Revista “Julgar”, nº 42, Setembro-Dezembro de 2020, a páginas 151 a 190:
Sendo o dano de perda de chance distinto do dano final, a indemnização a atribuir pela sua reparação deve reflectir essa diferença. Esse reflexo é dado pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado. A reparação dever ser medida, pois, com relação à chance perdida, não podendo ser igual à vantagem que se procurava. Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se afirmasse o nexo causal entre o facto e o dano final”.
Debruçando-nos agora sobre a situação sub judice:
2 – Análise da conduta da Ré enquanto mandatária judicial da A. conducente à não obtenção de vantagem processual por parte da sua constituinte.
A Ré, no exercício da sua actividade profissional de advogada, patrocinou a ora A., representando-a no processo especial de insolvência que fez entrar em juízo, pedindo ao tribunal que a mesma fosse declarada insolvente.
Esta iniciativa processual teve como especial intuito e escopo a formulação, no âmbito deste mesmo processo, de um pedido de exoneração do pedido restante que a viesse a libertar, no futuro (a meio prazo) da obrigação do pagamento de algumas das responsabilidades em que incorrera, proporcionando um recomeço (o denominado “fresh start”) da actividade económica, livrando-se da responsabilidade por várias das obrigações contraídas e não satisfeitas, as quais viriam, nesse especial contexto processual, a extinguir-se.
Conforme se prevê no artigo 245º do CIRE, relativo aos efeitos da exoneração: “A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no nº 4 do artigo 217º”.
Com este fito específico, a Ré deduziu, em representação da sua constituinte, aquando da apresentação à insolvência e em conformidade com o disposto nos artigos 235º a 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o mencionado pedido de exoneração do passivo restante.
Acontece que, atenta a exigência constante do artigo 238º, nº 1, alínea e), do CIRE – “o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se (...) o devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227º a 229º do Código Penal nos dez anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data” -, a Ré advogada foi notificada pelo juiz titular do processo, em 19 de Novembro de 2014, para juntar, em cinco dias, impreterivelmente, o certificado do registo criminal da ora A.
Tal certificado veio a ser emitido em 24 de Novembro de 2014, a solicitação da A., tendo sido enviado pela Ré, via e-mail, para o processo de insolvência em 28 de Novembro de 2014.
Em 3 de Dezembro de 2014, foi proferida decisão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Tal decisão de indeferimento assentou em que:
- o pedido não veio instruído com a declaração a que alude o artigo 236º, nº 3, do CIRE.
- não foi junto certificado o registo criminal, não obstante a notificação para esse efeito efectuada.
A Ré advogada não recorreu desta decisão desfavorável à sua constituinte, como poderia ter justificadamente feito, a qual, por esse motivo, tornou-se definitiva.
Ora, estes elementos são por si só suficientes para se poder concluir, com a necessária segurança, que a Ré, actuando no exercício da sua actividade profissional de advogada e como mandatária judicial constituída, não realizou, com a atenção, cuidado e diligência devidos, os actos processuais que lhe eram exigíveis e que poderiam conduzir ao hipotético e provável deferimento do almejado benefício da exoneração do passivo restante (tanto na fase liminar como posteriormente).
Desde logo, não se assegurou a Ré advogada que o certificado do registo criminal da ora A. entrasse em juízo no prazo fixado pelo juiz titular do processo de insolvência.
Indeferido o pedido de exoneração do passivo restante com esse fundamento, a Ré não recorreu, dentro do prazo legal, desse mesmo indeferimento, permitindo que se consolidasse definitivamente a decisão de indeferimento liminar em referência que, desse modo, transitou em julgado.
É assim evidente que a Ré, enquanto mandatária judicial, não actuou com a atenção, diligência e zelo exigíveis para que tal pedido de exoneração do passivo restante estivesse em condições mínimas para ser apreciado, em termos do conhecimento do seu mérito, evitando uma decisão drástica de indeferimento liminar que interrompesse definitivamente o seu curso.
Ao invés, este mesmo indeferimento do pedido aconteceu por razões de índole estritamente formal – não junção dos documentos necessários e fundamentais para a sua apreciação liminar – que lhe são naturalmente imputáveis.
Trata-se aqui, inequivocamente, de uma falha no cumprimento dos deveres associados ao cumprimento do mandato forense, a qual é absolutamente objectiva, inegável e indiscutível.
Na decisão recorrida afirmou-se:
“Quanto antecede revela que, na verdade, em vários passos da sua actuação a R. teve condutas omissivas reprováveis face às legis artis e avessas à diligência profissional exigível.
Contudo sobre a A. recai o ónus da prova não só do incumprimento por parte da advogada R., da sua falta de diligência na execução da prestação a que estava obrigada, mas também dos danos alegadamente sofridos, bem como da relação causal entre aquele incumprimento e esses danos.
No que toca à prova da causalidade, impõe-se, em casos como o presente, uma prognose póstuma, ou seja, um «juízo sobre o juízo» acerca das probabilidades de êxito da pretensão da A. naquela outra acção.
Não se trata, evidentemente, de um julgamento sobre as pretensões das partes naquele outro processo, mas apenas de uma análise da posição da ora A. como parte «prejudicada», para poder concluir-se (ou não) pela viabilidade, razoável e séria, da procedência da sua pretensão, como elemento imprescindível ao estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta omissiva da sua advogada, ora R., e os danos que, não fora essa conduta, a A. não teria sofrido.
Por isso importa averiguar se a A. poderia de modo sério e razoável esperar, mediante a intervenção da R., diverso desfecho daquele que se verificou, questionando-nos sobre se ele seria diverso se a R. tivesse praticado os actos que omitiu: isto é, poderá afirmar-se que haveria uma viabilidade razoável e séria de a A. alcançar uma decisão liminar favorável à exoneração do passivo restante e, posteriormente, uma decisão definitiva dessa exoneração?
Afigura-se-nos que não.
Na verdade a circunstância de a R. ter, nos termos acima explanados, violado, por omissão, regras de diligência que devia ter cumprido no exercício do seu munus, acaba por se mostrar inconsequente perante a necessidade, que nos norteia, de determinação do nexo de causalidade adequada (já que o instituto da responsabilidade civil rejeita a conditio sine qua non).
Isto porque os requisitos para que seja proferido despacho liminar favorável à futura exoneração do passivo restante - a que a lei chama despacho inicial - são múltiplos e entre eles conta-se um requisito negativo de relevo primordial, qual seja o de o devedor não se ter apresentado à insolvência nos seis meses seguintes à verificação dessa situação de insolvência, com prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica (cfr. art° 238° n° 1 al. d) CIRE).
E no caso a autora não se apresentou à insolvência nos 6 meses subsequentes ao conhecimento dessa sua situação (cfr. facto 23) e é patente que tal acarretou prejuízo, e sério, para os seus credores, e a A. não podia ignorar, sem culta grave, não haver uma perspectiva séria de melhoria da sua condição económica.
Isto porque pelo menos desde 2005, isto é 9 anos antes de se apresentar à insolvência, começou a ser executada por alguns dos seus credores, como se vê da identificação das execuções que ainda tinha pendentes aquando da apresentação do processo de insolvência: acções executivas n°s 3541/05.0TBTVD e 3542/05.8TBTVD, 3543/05.6TBTVD.
E o longo período de pendência dessas execuções (de 2005 a 2014) evidencia a incapacidade prolongada da A. em solver as dívidas contraídas, e portanto a falta de perspectiva séria de melhoria da sua condição económica, o que a mesma não podia desconhecer.
E tal incapacidade inevitavelmente se agravou com o decurso do tempo em função dos juros que se foram vencendo, e assim agravando a insolvabilidade da A. e concomitantemente os prejuízos dos seus credores.
Prejuízo esse bem revelado no montante a que ascendiam os créditos no início do processo de insolvência: € 779.966,00, não podendo a A. desconhecer, de há muito, a sua total incapacidade de pagar aos seus credores, tendo em conta que o seu percurso profissional foi sucessivamente de funcionária de call center, técnica comercial da PT/Meo e, concluída a sua formação superior, era em 2014 técnica estagiária na Junta de freguesia do Areeiro. E, como dito na fundamentação de facto, esse conhecimento adveio-lhe pelo menos em 2009-2010.
Ora, quanto antecede patenteia que a A. jamais lograria alcançar o objectivo de ver deferida liminarmente - e, posteriormente, deferida definitivamente - a exoneração do passivo restante, recordando-se que em Assembleia de Credores as suas credoras “Hefesto” e "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo” se opuseram à exoneração do passivo restante (facto 7), aspecto que não deixaria de vir a ser oportunamente considerado.
E esse insucesso da sua pretensão sempre se verificaria ainda que a R. tivesse praticado todos os actos cuja omissão lhe é apontada.
Aqui chegados, não é possível concluir pela existência do imprescindível nexo de causalidade adequada entre as condutas omissivas de natureza profissional imputadas à R., embora algumas delas verificadas, e os alegados danos, pelo que somos a concluir pela irresponsabilidade da R. e, consequentemente, pela irresponsabilidade da Seguradora Chamada, conduzindo à improcedência da acção. Em face do que fica prejudicada a apreciação das questões relativas à exclusão da cobertura do seguro profissional”.
Vejamos:
A interpretação assumida pelo juiz a quo relativamente ao sentido e alcance do artigo 238°, n° 1, al. d), do CIRE, - e que foi determinante para a improcedência da presente acção - é manifestamente minoritária no plano jurisprudencial, merecendo aliás a frontal rejeição da maioria das instâncias superiores que sobre ela se debruçaram repetidamente.
Ou seja, encontra-se absolutamente firmada a jurisprudência no sentido de que não basta o simples decurso do tempo após o momento em que o devedor deveria ter-se apresentado à insolvência (seis meses contados desde a verificação da situação de insolvência) para ter-se por verificado o consequente prejuízo para os credores que, por si só, habilita o juiz a indeferir liminarmente tal pedido de exoneração do passivo restante, sendo certo que é a estes e não à apresentante que incumbe o ónus de o provar em juízo, enquanto facto modificativo do direito daquela.
Com efeito, tal conceito jurídico de prejuízo supõe mais do que o simples avolumar das dívidas ou vencimento de juros, constituindo um prejuízo autónomo relativamente a estas realidades e devendo noutro plano de análise valorizar-se a conduta do devedor em conformidade com os ditames da honestidade, transparência, boa fé.
É este último o critério que, em termos substantivos e não obstante a oposição de um ou outro credor, definirá a admissão liminar ou rejeição do pedido de exoneração do passivo restante.
(Neste mesmo sentido vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2012 (relator Fonseca Ramos); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2011 (relatora Maria dos Prazeres Beleza); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2014 (relator Paulo Sá); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2013 (relator Hélder Roque); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Março de 2014 (relator Orlando Afonso); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Maio de 2012 (relatora Rosa Ribeiro Coelho); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Maio de 2019 (relator Nelson Borges Carneiro); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Maio de 2009 (relator Henrique Araújo); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Março de 2010 (relatora Maria do Carmo Domingues); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2009 (relatora Sílvia Pires); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Novembro de 2008 (relator Trajano Teles de Menezes); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Maio de 2009 (relator Henrique Araújo); acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de Setembro de 2015 (relator Jorge Teixeira), todos publicados in www.dgsi.pt).
Na situação sub judice, nada suporta objectivamente a afirmação peremptória de que, juntos os documentos que competia à Ré fazer chegar aos autos, tal pedido de exoneração do passivo restante estaria, mesmo assim, liminarmente condenado ao absoluto e inevitável insucesso.
Pelo que não pode sufragar-se a posição assumida pela 1ª instância no sentido que o atraso na apresentação à insolvência impossibilitaria a ora A., fatalmente ou com elevada probabilidade, em qualquer circunstância, de obter, em termos liminares, o benefício da exoneração do passivo restante.
O mesmo é dizer que, se a ora Ré tivesse procedido à junção atempada dos documentos que ficaram em falta e que foram, por isso mesmo, determinantes para o indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante - como especialmente lhe competia -, existiria de facto a probabilidade séria e real do mesmo vir a ser liminarmente concedido pelo juiz do processo de insolvência.
Nessa medida, existiu, indiscutivelmente, por essa concreta razão, uma perda de oportunidade de a A. vir a obter tal benefício no processo de insolvência, com efeitos vantajosos no futuro.
3 – Do dano invocado. Incumprimento do ónus da sua alegação pela demandante. Ausência de referenciais mínimos para a sua concreta determinação. Modificação do pedido em fase de recurso.
Competia à ora demandante configurar, no plano dos factos por si alegados, os elementos conformadores do efectivo e real prejuízo que a conduta ilícita da demandada, sua advogada no processo de insolvência, lhe teria efectivamente causado, ainda que em termos de simples projecção futura.
Em especial, tendo em conta que o efeito extintivo de obrigações associado à concessão do benefício da exoneração do passivo restante só operaria no termo do período referido no artigo 237º, alínea b), do CIRE (cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência), cabia naturalmente à A. fornecer aos presentes autos todas as informações que permitiram, com um mínimo de rigor e justificação, aquilatar da existência efectiva do dano verificado pela privação da oportunidade de se atingir tal momento processual.
Trata-se de um conjunto de elementos e informações que a A. certamente disporia ou poderia facilmente obter, sendo seu dever processual elencá-los discriminadamente, efectuando assim uma projecção fundamentada e reconstitutiva de todo o percurso hipotético resultante do (provável) deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, o que tornaria plausível e razoável o apuramento de uma verba correspondente ao prejuízo realmente sofrido em consequência da inépcia técnica da sua advogada.
Para este efeito e como bem se compreende, de nada servia ou valia à peticionante adiantar ou palpitar discricionariamente um valor pecuniário qualquer (“ao calha”), sem o mínimo de critério ou verossimilhança, à espera porventura que o tribunal eventualmente o viesse a corrigir ou suprir, cumprindo, oficiosa e abusivamente, o ónus de alegação e prova que exclusivamente lhe competia.
Ora, na sua petição, a A. concluiu pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe “o valor de € 750.000,00, equivalente ao valor dos créditos reconhecidos”.
Será então este, na sua singular perspectiva, o dano efectivamente provocado na sua esfera jurídica pela actuação ilícita da sua advogada, em termos da privação de vir a obter os benefícios associados à concessão da exoneração do passivo restante.
Ora, é evidente e manifesta a absoluta inadequação desse pedido para determinar o valor do prejuízo conexionado com a dita perda de chance.
É óbvio que a eventual futura concessão do benefício da exoneração do passivo restante não libertaria a A, enquanto entidade insolvente, da responsabilidade geral pela satisfação da integralidade dos créditos de que são titulares os seus credores, nos limites da massa insolvente.
Nem faz o menor sentido que a sua mandatária judicial venha surpreendentemente a tornar-se, por esta via, a única responsável pelo pagamento à sua constituinte dos créditos de que esta era exclusiva devedora perante terceiros, seus credores.
Seria uma forma enviesada de a insolvente recuperar imediatamente a sua solvabilidade, eliminando a situação deficitária em que se deixou cair, fazendo-o oportunisticamente à custa de quem nada contribuiu para que deixasse ao longo do tempo de satisfazer continuamente as suas diversas obrigações contratuais, o que não é minimamente concebível ou curial, em particular do ponto de vista jurídico.
Sobre esta matéria, a ora A. não forneceu qualquer outro tipo de critério ou valor susceptível de conduzir à quantificação do dito dano resultante da perda de chance.
Colocando de parte a invocação – despropositada – do total dos valor dos créditos de que a A. era exclusiva devedora e que deram azo à sua declaração de insolvente, a demandante não gastou uma linha para caracterizar a sua efectiva perda patrimonial causalmente ligada à actuação ilicita, por negligente, da sua advogada, ora Ré.
Não compete, naturalmente, a este Tribunal, encontrar agora, oficiosamente e em sede de recurso, o valor (não alegado) correspondente a esse mesmo dano concreto, sem que a A, houvesse a este propósito trazido aos autos, como lhe competia, constituindo o seu especial ónus, os factos que lhe serviriam de suporte fundamental.
Ora, tal alegação e prova era absolutamente essencial para o integral preenchimento dos pressupostos de indemnizar derivadas da referida perda de chance.
Sem ela fica por considerar um dos elementos constitutivos da responsabilidade da ora Ré: a existência de uma perda efectiva e concretizada.
Veio em sede de recurso de apelação, a A., plenamente consciente dessa sua rotunda falha e desse seu erro crasso, procurar modificar o seu pedido, solicitando agora que a Ré fosse condenada “no que se viesse a apurar em sede de liquidação”.
Acontece que tal modificação do pedido não é processualmente aceitável, uma vez que não tem o menor respaldo exigido pelo artigo 265º do Código de Processo Civil.
De resto, para que teoricamente tivesse lugar a condenação no que se viesse a liquidar futuramente, sempre seria necessário e absolutamente indispensável que, na acção declarativa respectiva, tivessem ficado perfeita e completamente definidos, por provados, os pressupostos da obrigação de indemnizar e, em particular, a verificação do dano concreto, ou o critério objectivo para a sua determinação - o que não sucedeu, desde logo, na medida em que a A., agora patrocinada por outra ilustre mandatária judicial, limitou-se inutilmente a peticionar, a este título, um valor clara e completamente desfasado da figura jurídica a que recorreu e que nunca poderia ser considerado para estes efeitos.
(neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2018 (relator Sousa Lameira); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2020 (relator Ferreira Lopes), ambos publicados in www.dgsi.pt).
Ainda que se viesse porventura a pretender o apuramento da indemnização com o recurso a critérios de equidade – pedido que a ora A., podendo fazê-lo, não o deduziu em momento e a título algum –, sempre seria indispensável a alegação das referência factuais objectivas que permitiram proceder então – e só então – ao pertinente juízo de equidade, sem o que o valor a atribuir constituiria apenas e só um valor sem sentido, disparado à sorte e no escuro.
Aceitando que no apuramento da indemnização por perda de chance deverá privilegiar-se o recurso à equidade (neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2012 (relator Oliveira Vasconcelos); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2013 (relator Hélder Roque); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2011 (relator Távora Victor), todos publicados in www.dgsi.pt), o certo é que tal operação nunca poderia ter lugar sem previamente o interessado fornecer aos autos, como constituía seu especial ónus (cfr. artigo 342º, nº 1, do Código Civil), os factos essenciais de referência que habilitariam o tribunal, de forma séria, objectiva e fundada, a encontrar o montante equilibrado e adequado à quantificação, pela equidade, da perda projectada.
A A. não o fez clara e manifestamente, incumprindo esse seu ónus de alegação.
Logo, cumpre concluir que não existe alegação alguma por parte da demandante que permita apurar ou concretizar o valor de que se terá visto privada em consequência da conduta ilícita da demandada.
Rigorosamente nada se sabe a esse propósito, sendo que tais factos deveriam ter sidos alegados no articulado próprio, não sendo processualmente concebível que a prova desses factos constitutivos do direito indemnizatório se venham a tentar, em primeira mão, quer na fase de recurso, quer no incidente de liquidação.
Pelo que a acção, por este motivo (não considerado em 1ª instância) terá que ser julgada improcedente.
4 - Danos não patrimoniais. Falta de referência a tal matéria no âmbito das conclusões do recurso.
Relativamente à indemnização por danos de natureza patrimonial em que a A. soçobrou em 1ª instância, nada é referido nas suas alegações/conclusões de recurso, pelo que não há sequer lugar ao respectivo conhecimento, sendo certo que a factualidade assente não seria, minimamente e em qualquer circunstância, suficiente para atingir o patamar de gravidade exigido e pressuposto pelo artigo 496º, nº 1, do Código Civil.
5 – Questões prejudicadas pela decisão antecedente.
As restantes questões que importaria, em princípio, conhecer – incluindo os limites da responsabilidade da demandada seguradora -, ficaram necessariamente prejudicadas pelo sentido da decisão tomada supra.
 IV - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta, confirmando-se, por razões diversas das perfilhadas em 1ª instância, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 5 de Janeiro de 2021.
Luís Espírito Santo.
Isabel Salgado.
Conceição Saavedra