Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47/18.0JELSB.L1-3
Relator: RUI MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO AMPLA
PENA DE EXPULSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1 O Tribunal da Relação pode sindicar a matéria de facto apurada na 1ª instância;

2 Fá-lo seja por via da impugnação ampla da matéria de facto (artºs 412º nº 3, 4 e 6 do C.P.P.), seja por via da invocação dos vícios a que se refere o artº 410º do C.P.P.;

3 Em sede de impugnação ampla da matéria de facto o Tribunal da Relação não opera segundos julgamentos;

4 Compete ao recorrente, quando discute a prova gravada indicar as concretas passagens que discorda e aquelas que sustentam a sua posição;

5 Tal indicação não se basta com uma indicação genérica de depoimentos sendo obrigatória a indicação do concreto ponto de discórdia ou sustentação, sob pena de rejeição do recurso nesta parte;

6 A pena acessória de expulsão é de aplicar a alguém que não tem uma relação de pertença ou integração com Portugal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal da Relação
de Lisboa.


I–Relatório:

 
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa que o condenou em co-autoria e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente (previsto e punido pelo disposto no artigo 21.º, n.º 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01, e tabela I-B anexa ao citado diploma legal), na pena de 5 (cinco) anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos apresentou-se a recorrer a este Tribunal da Relação o arguido AP…, solteiro, desempregado, nascido a ….01.1978, filho de JP… e de SR…, natural de Espírito Santo, Brasil, e residente na Praceta … lote …, ….º dtº, no C..., actualmente em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, concluindo, após motivação que:
“1. Face à prova produzida e,/ou examinada em sede de audiência de julgamento, conjugada com a prova constantes dos autos e com as regras de experiência e de vida, os factos provados identificados sob os nºs 1, 4, 8, 9, 11, 13, 17, 19, 20, 22, 23, 25 e 26, deveriam ter sido considerados como não provados
2. Ponto 1 dos factos provados. Aqui se refere que o arguido S… chegou ao aeroporto de Lisboa, vindo do Brasil, às 11H00.Tal como resulta de fls 9 dos autos —auto elaborado pela AT e aduaneira do aeroporto de Lisboa, a chegada desse voo a Lisboa, deu-se às 09H20, sendo que o arguido S… compareceu na Alfândega, às 11H00, tendo a conclusão dos procedimentos aduaneiros se verificado às 11H30 — vd 5° parágrafo do documento indicado no artigo anterior.
3. Foi igualmente a partir dessa hora — 11H30, que o arguido S…, foi entregue à Polícia Judiciária, não obstante a mesma ter sido contactada, na pessoa do inspector, M…, vd o mesmo documento citado no artigo anterior.
4. Ponto 4 dos factos provados.  segundo as declarações do arguido S…, a pessoa a quem iria entregar o produto estupefaciente, também lhe iria pagar os 4 000 € prometidos pelo
transporte de cocaína que efectuou, do Brasil para Portugal, sendo que semelhante conclusão se retira dos art°s 28° e 34° da contestação por si apresentada.
5. A versão apresentada pelo recorrente — EM PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL, EM DECLARAÇÕES COMPLEMENTARES POR SI REQUERIDAS E EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, traduziu-se ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE, em fazer um favor a um seu conhecido, de nome LP…, cidadão de nacionalidade brasileira, cujas fotos e IN de contactos telefónicos foram entregues na PJ, pelo recorrente, o qual sabendo que o recorrente se encontrava momentaneamente desempregado, e que como tal tinha disponibilidade de tempo, lhe pediu, SEM QUALQUER COMPENSAÇÃO FINANCEIRA, o favor de se deslocar ao aeroporto de Lisboa, a fim de transportar para local a indicar por esse, um seu amigo vindo do Brasil, in casu, o co-arguido S….
6. Praticamente em cima da hora da chegada desse voo, no dia 7 de Fevereiro de 2018, já depois das 09H30, o recorrente falou com esse tal LP…, portador do telemóvel com o n° …, através da rede whatsapp, dizendo-lhe que, como não tinha dinheiro para custear o parqueamento da sua viatura no aeroporto de Lisboa, se poderia recolher o seu amigo num outro local, tendo sido indicado pelo primeiro, que o sítio onde iria recolher o S…, passaria a ser o Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa.
7. Esse mesmo L…, alegadamente o dono, de parte/todo o estupefaciente transportado pelo co-arguido S…, utilizou para o efeito o telemóvel com o n° …, perfeitamente identificado nas transcrições constantes dos autos a fls 63 e segts.
8. E isso resulta dessas mesmas transcrições, quando, às 09H51, já em Portugal, o arguido S…, fala com o portador do telemóvel …, a quem trata por " mano ", diz : " Shopping Vasco da Gama" , dizendo logo de seguida " Tabom ".
9. Ponto 8 dos factos provados - É verdade que o recorrente recebeu no seu telemóvel, uma fotografia do arguido S…, obviamente para o reconhecer e transportar a local que iria ser indicado pelo aludido LP…, o que nunca lhe foi comunicado, não tendo o mínimo conhecimento/desconfiança, que o arguido S… tinha trazido do Brasil, produto estupefaciente.
10. E tanto assim é, que quando o reconhece, pela foto enviada pelo LP…, ao passar pelo arguido S…, que já sabia que alguém o iria buscar, se limitou a fazer-lhe sinal para o seguir, sendo-lhe totalmente indiferente se esse trazia, ou não, uma mala, um troley, fosse o que fosse.
11. Se a investigação realmente quisesse ter a plena certeza do não envolvimento do recorrente nos actos criminosos deste processo, teria obtido a transcrição das mensagens trocadas com o mencionado LP…, onde, à saciedade, se demonstraria que o recorrente se limitou a fazer um favor que esse lhe solicitou, que desconhecia em absoluto qualquer transporte de estupefacientes e que esse favor não se iria traduzir em qualquer vantagem financeira ou outra, por parte do recorrente.
12. Quando o recorrente e o arguido S… estiveram juntos pela primeira vez — na esquina junto aos semáforos do Centro Comercial Vasco da Gama, encaminhando-se ambos para a viatura que o recorrente conduzia e que se encontrava parqueada a alguns metros desse local, segundo o depoimento do inspector da PJ, PO…, ambos terão mantido uma pequena conversa, mas, face às declarações prestadas pelo arguido S…, pelo recorrente e demais inspectores da PJ, que ali se encontravam presentes, todos eles disseram não ter mantido qualquer conversa, ou, quando muito, um simples, bom dia.
13. Segundo esse testemunho e do inspector da PJ, RM…, igualmente inquirido em audiência de julgamento, o recorrente seguia à frente do arguido S…, sem que este tivesse entregue ao primeiro, fosse o que fosse, tendo ambos sido interceptados e detidos pelos inspectores da PJ, em plena via pública, antes de terem chegado junto da viatura que o recorrente tinha conduzido, nada tendo sido entregue/recebido.
14. Acresce ainda que o arguido S…, já detido, mas antes de ter surgido o recorrente, ia recebendo várias indicações via whatsapp, através do telemóvel …, mensagens/ordens essas que se encontram transcritas junto aos autos, fls 63 e segts.
15. Esse " alguém " que usava o n° de telemóvel atrás mencionado, estava junto ao Centro Comercial Vasco da Gama, o que se conclui pelo facto de ter perguntado ao arguido S…, " ta vendo dois policia aí na porta ... ? ", respondendo este, " onde ? , sendo essa mesma pessoa, que pede ao arguido S… uma foto sua, que a reenvia ao recorrente, bem como dá as ordens concretas ao arguido S… sobre como deve proceder, " vai pegar sinal ", " só sai pra fora em sentido do semáforo mas não atravessa a rua ".
16. Se o recorrente tivesse tido a incumbência de recolher o arguido S… e o próprio produto estupefaciente, tais diálogos não fazem qualquer sentido, a não ser, provar de forma indesmentível, que o recorrente nada sabia do transporte de droga e muito menos  de a levar fosse onde fosse.
17. O recorrente foi usado por esse seu amigo LP…, que, sob o manto de um simples favor de recolher um conterrâneo, prática assaz normal numa comunidade estrangeira existente em qualquer país, lhe omitiu a verdade, ou seja, que esse seu amigo transportava droga, e, para ter a certeza que esse seu pedido corria bem, sem dizer nada ao recorrente, esse LP…, ou alguém a seu mando, controlavam a escassos metros do Centro Comercial Vasco da Gama, tudo o que se ia passando com os envolvidos, tendo perfeita visualização do arguido S… e dos seus actos.
18. Se por acaso o arguido S… não tivesse sido detido pela PJ e montada essa operação, que sucederia à tal personagem que dava ordens ao arguido S…, deixando na total ignorância o recorrente ?Iria surgir e receber a cocaína, procedendo ao pagamento ao arguido S… ? Iria levá-lo para algum local ? dispensaria desde logo o recorrente ?questões que sendo lícitas e mais que normais, não encontram resposta na prova efetuada.
19. Se, por mero acaso, os dois arguidos tivessem entrado nessa viatura e o arguido S… tivesse questionado o recorrente, sobre a entrega da droga, que teria sucedido ? será que o recorrente iria aceitar essa situação ? teria reagido e negado transportar o arguido S… a qualquer local ? sendo certo que o tribunal a quo não conseguiu provar qual seria o destino dos dois arguidos se por acaso tivessem entrado nessa viatura, tanto mais que o próprio recorrente desconhecia em absoluto para onde poderiam deslocar-se.
20. O recorrente desconhecia, EM ABOSLUTO, porque nada viu, se o arguido S…, tinha uma mala, um troley, fosse o que fosse.
21. E as declarações do recorrente são tão verdadeiras e coerentes, que, para além do já mencionado, acresce o facto de o voo em que veio para Portugal o arguido S…, deveria ter chegado por volta as 09H30, levando o recorrente a entrar em contacto com o LP…, quando se encontrava junto do Centro Comercial Vasco da Gama, dizendo-lhe que já ali estava à muito tempo, e que se iria embora.
22. Pouco tempo depois, o LP… liga ao recorrente, pedindo-lhe desculpa pelo atraso e informando o recorrente que o arguido S… já estaria a chegar ao local por si definido, ou seja, as declarações do recorrente, mais uma vez, encontraram eco na verdade dos factos, pelo, concomitantemente, se poderá concluir, não só pela sua veracidade, como igualmente pela sua coerência, quando conjugadas tais declarações com a restante prova.
23. As declarações do recorrente, sempre uniformes em todas as diligências judiciais em que participou, referiram que a sua conduta de ir recolher o arguido S…, ao Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, e mais nada, ignorando à saciedade que o esse arguido tinha transportado produto estupefaciente, favor esse que não tinha subjacente, qualquer contrapartida financeira, mas tão só uma promessa, futura, de trabalho, sempre subordinada à sua existência e disponibilidade, isto é, sem nada de concreto.
24. O "miticismo/acto criminoso " que a acusação pretende imputar ao recorrente, nomeadamente quando este recebe uma foto — proveniente de um número que ele sobejamente conhecia, vinda seu conhecido/amigo, LP…, justamente a pessoa que lhe fez esse pedido, com quem mantinha contactos regulares, e a forma como se dirige ao arguido S…, olhando para ele — atentas as alturas de ambos, o recorrente tem seguramente mais de 30/40 cms de altura, e fazendo-lhe um sinal normal quando duas pessoas não se conhecem mas que sabem ser contactadas por alguém, logo é interpretado como um acordo de natureza criminosa, estendendo-o a um conhecimento, que o recorrente nunca teve, que sabia que o arguido S… transportava produto estupefaciente.
25. Trata-se de um manifesto equívoco do Tribunal a quo, que tendo conhecimento de toda a prova produzida/examinada em audiência de julgamento, vem dar como provado um facto que, para além de não fazer qualquer sentido, não se verificou.
26. N° 9 dos factos provados - aqui consta do acórdão condenatório que o recorrente aceitou proceder a esse transporte, o do arguido S…, por lhe ter sido prometida uma vantagem, não apurada., sendo que todas as declarações prestadas pelo recorrente, 1° interrogatório judicial, complementares e em audiência de julgamento, o mesmo descreveu, com detalhe, onde e como conheceu esse tal LP…. Também mencionou que nas conversas tidas com essa personagem, lhe terá dito que atravessava alguns problemas económicos, por ausência de trabalho, tendo esse tal L…, " prometido " que iria tentar arranjar-lhe trabalho, a mais nada.
27. Aquilo que o dito LP… terá prometido ao recorrente, segundo as declarações do recorrente — ÚNICA PROVA PRODUZIDA/EXAMINADA A ESTE RESPEITO, traduziu-se numa PROMESSA, nada de concreto, de lhe arranjar trabalho, e não, como " aparenta " dos factos provados, que o recorrente iria receber isto ou aquilo por aquilo que fez, não havendo qualquer vantagem para o recorrente .
28. Felizmente o Tribunal a quo teve o condão de consignar que tal vantagem não foi apurada, MUITO MENOS VANTAGEM CRIMINOSA, o que, a nosso ver, impede que se verifique o preenchimento do elemento objectivo do tipo do crime em causa, não obstante ali se poderem dezasseis (16) condutas diferentes, onde, naturalmente, não cabe, uma mera e vã PROMESSSA de trabalho.
29. Ponto 11 dos factos provados - aqui se diz que os arguidos, dirigindo-se à Avª do Índico, " onde se preparavam para se introduzirem na viatura ....."
30. Foram quatro (4) os depoimentos colhidos em audiência de julgamento, sobre este ponto, ou seja, os dois arguidos e os inspectores da PJ, PO… e RM….
31. O arguido S…, questionado : " foi até ao carro do sr. A… ? respondeu : " não senhor, fomos abordados antes "
32. O inspector da PJ, PO…, declarou " ... o A… tinha o carro dele estacionado na artéria lateral junto ao passeio, encetaram (os arguidos) uma pequena conversa e quando se dirigiam ao carro, deu-se a abordagem ".
33. Inspetor da PJ, RM…, declarou : " ...após passar pelo S…, tendo feito um trejeito com a cabeça, o S… segue-o, andaram uns 30/40 metros, iam dirigir-se a uma viatura ..."
34. Para além disso, a não se ter verificado essa detenção/abordagem, ou pelo menos se a Polícia Judiciária tivesse tido um pouco mais de calma e procedesse à detenção do arguido A…, quando este já estivesse em contacto — físico, com o produto estupefaciente, e haveria sempre forma de não os deixar escapar, atenta a circunstância de " alguém ", que dava ordens em directo ao arguido S…, eventualmente o verdadeiro dono da droga, poder-se-ia dar o caso — E ATÉ FAZIA TODO O SENTIDO, JÁ QUE ESSE PERSONAGEM ESTAVA NESSE LOCAL, ASSISTINDO AO DESENROLAR DOS ACONTECIMENTOS, de aparecer junto dos arguidos, tanto mais que o arguido A…, nem sequer sabia para onde transportar o arguido S….
35. Esta mesma situação é de tal modo confusa e estranha, na medida em que, tendo sido permitido ao arguido S…, manter um diálogo com o portador do telm …, através do seu próprio telemóvel, a Policia Judiciária, apenas se preocupou em saber os passos que esse arguido iria dar e identificar e deter a pessoa que o iria contatar.
36. Se por acaso a Polícia Judiciária estivesse a ler, em simultâneo com o arguido S…, as indicações que o " mano " lhe ia transmitido, entre outras : sai, vira à direita, para junto dos semáforos, teria lido também a mensagem, via whatsapp, em que lhe foi perguntado, pelas 11:49 (fls 67) — Ta vendo dois policia aí na porta — Onde, ou seja, sem grande esforço os srs inspectores, caso tivesse lido, em tempo real, as ordens recebidas pelo arguido S…, e sobretudo se tivesse havido a preocupação de deter, alegadamente, o verdadeiro dono da droga, teriam decerto atuado de outro modo.
37. Desse modo, traduzia-se na detenção não de dois, mas de três suspeitos, sendo que a verificar-se essa realidade, sem qualquer sombra de dúvida se esclarecia a verdadeira intervenção do recorrente, os seus contornos e acima de tudo, que o mesmo se deslocou ao Centro Comercial Vasco da Gama, APENAS para recolher o arguido S…, a titulo meramente gracioso e no âmbito de um pedido que lhe foi dirigido, e não como parte de uma atividade criminosa como é aquela que o Tribunal a quo pretende a tudo custo fazer transparecer.
38. A má vontade contra o recorrente é tanta, que, logo após o mesmo ter sido detido pelos inspectores da PJ, o mesmo, logo nesse instante, se predispôs a colaborar com as autoridades, neste caso, levando-os junto do verdadeiro dono da droga — o LP…, mas ninguém foi capaz de explicar a razão porque não foi considerada essa disponibilidade - insp. chefe da PJ, MR… : "... foi do seu conhecimento que o arguido A… também referiu aos seus colegas, que estava disposto a colaborar com a PJ ? Por alto, ao pormenor não recordo, tenho ideia....", e Insp. da PJ PO… : " ... teve conhecimento que o arguido A…, na altura da sua detenção, ter dito que estaria disposto a colaborar com a PJ, no sentido de os levar ao destinatário ? Tive, mas não foi comigo, a decisão terá sido com um superior hierárquico.
39. E não se fica por aqui, a má vontade ou se quisermos, a inércia de investigação em prol do recorrente, ou seja, ignorou-se o alegado mandante dos factos criminosos deste processo, na medida em que ninguém leu os diálogos/ordens , mantidos entre este e o arguido S…, quando este se encontrava no Centro Comercial Vasco da Gama, ignorou-se a disponibilidade de colaboração com a PJ, manifestada pelo recorrente, e por ultimo, não se procedeu à transcrição das mensagens trocadas entre este e o tal LP…, com o argumento de que a PJ não dispõe de software que o permitisse.
40. A defesa do recorrente, arrolou como testemunha de defesa, o sr AT…, especialista adjunto da área de telecomunicações e informática da PJ, no sentido de procurar saber porque não terão sido transcritas as mensagens de chat, trocadas entre ele e o tal LP…, esclarecendo essa testemunha, não foi possível de concretizar esse intento, na medida em que o telemóvel do recorrente tem a particularidade de ter aditado ao seu modelo, as letras FN.
41. Para que fosse possível, segundo essa testemunha, proceder-se a tais transcrições, teria de ser feita uma leitura física a esse equipamento, o que não se conseguiu por sistemático erro de leitura, proveniente do tal modelo FN, acrescentando ainda a testemunha que foram usados os dois equipamentos forenses existentes na PJ, que permitem fazer a extracção dessas mensagens, mas que não deu !
42. Questionada a testemunha sobre a existência em Portugal de software que permita tais transcrições, a mesma declarou : " ....existe, mas a PJ não o dispõe !E a instância do sr Juiz Presidente a testemunha em causa, ainda disse mais : " ....no caso do whatsapp, há um meio que permite reenviar para um email, todas as conversas que estão no chat (que era o pretendido), mas que não é um meio forense ".
43. O recorrente tentou demonstrar junto do Tribunal Colectivo, a sua inocência nos factos em causa, e esbarra com uma colaboração que lhe é negada, ignora-se e nada se faz, para detectar e deter o alegado dono da cocaína, ou, pelo menos, o mandante que dava ordens em directo ao arguido S… e por último, não se procede à transcrição das conversas e mensagens trocadas entre ele e o tal LP…, com o argumento de que a PJ não dispõe de equipamento adequado, pese o facto dele já existir em Portugal, ou ainda, que não é um meio forense, e até conhece, logo no início da audiência de julgamento, um dos srs Juízes, dizer-lhe que as suas declarações consubstanciam uma história muito bem montada ....
44. Remete-se um inocente para a prisão, porque TUDO o que militava em prol da sua inocência, por esta ou aquela razão, ou não foi feito, ou podia mas...
45. No caso concreto que nos ocupa, quer o recorrente, quer o seu mandatário, estão perfeitamente conscientes de que o que vos pedem a VExas., é apenas JUSTIÇA, em todo o seu explendor e plenitude.
46. Ponto 13° dos factos provados - entende e dá como provado o Tribunal a quo, que por haver suspeitas de que o arguido S… possuía embalagens com produto estupefaciente no interior do seu organismo, veio a ser conduzido ao Hospital.
47. Com todo o respeito para com o Tribunal a quo, não se compreende como não foi dado como provado que foi graças à intervenção do recorrente, que isso sucedeu.
48. Os dois arguidos foram detidos pela PJ, no dia 7 de Fevereiro de 2018, e sujeitos a primeiro interrogatório judicial, no dia seguinte, sendo que no dia do interrogatório judicial, ambos permaneceram durante algum tempo, juntos numa cela existente no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
49. Durante esse tempo, uma vez que não se conheciam, e era a primeira vez que falavam um com o outro, trocaram breves palavras, sendo que a dada altura o arguido S…, confidenciou ao recorrente que detinha no interior do seu organismo uma determinada quantidade de estupefaciente.
50. Entretanto o primeiro interrogatório judicial terminou, e sendo-lhes aplicada a medida de coacção mais gravosa — prisão preventiva, foi determinado que aguardassem os ulteriores termos do processo, em estabelecimentos prisionais distintos, o recorrente foi colocado no EP Lisboa e o arguido S… no EPPJ de Lisboa.
51. O recorrente, ao chegar ao EP Lisboa, no final desse dia 8 de Fevereiro de 2018, pediu para falar com o graduado de serviço nesse estabelecimento prisional, o que foi deferido, não tendo fixado o nome desse graduado, atento o seu enorme nervosismo face à medida de coacção que lhe foi imposta.
52. Em audiência de julgamento, esteve presente o inspector-chefe da PJ, MR…, declarou :" .... Na 6ª feira (dia 9 de Fevereiro de 2019), recebi um telefonema de um colega dos serviços prisionais, a comunicar que o arguido S… tinha bolotas inseridas no seu organismo. Esse colega está no EP Lisboa, e é o arguido A… que terá informado o graduado, alguém dos serviços prisionais .... Fui eu que recebi essa informação ".
53. O recorrente apresentou contestação e rol de testemunhas, e como desconhecia a identidade do graduado de serviço no EP Lisboa, requereu e foi deferido, que se oficiasse a esse estabelecimento prisional, o nome desse funcionário a quem o recorrente forneceu tal informação.
54. A srª Diretora do EP Lisboa, indicou o nome de um elemento da guarda prisional, chefe, LF…, não tendo sido a defesa do recorrente a indicar o nome dessa testemunha.
55. Inquirida essa testemunha, a mesma, ainda antes de responder a quaisquer questões, lamentou-se de ser um dia arrasador para si, tendo estado 48H00 de serviço, sem dormir, e tendo sido colocada a questão de se saber ter sido ele o autor da chamada —que se presuma existir registo da mesma no EP Lisboa e na própria PJ, o mesmo respondeu não se recordar, admitindo a mesma testemunha, como possível, ter efectuado essa chamada para a PJ.
56. A fls 132 dos autos — auto de diligências elaborado pela PJ, diz-se : " ....no seguimento de informação recebida nesta Polícia ....", sendo que tais provas produzidas/examinadas em audiência de julgamento, são de tal modo evidentes e claras, que não se compreende como é o que o tribunal a quo, não tenha dado como provado que a ida ao Hospital do arguido S…, se tenha devido, ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE, à iniciativa do recorrente.
57. Poderá mesmo afirmar-se, que mercê do comportamento do recorrente, o arguido S… não tenha perdido a vida, na medida em que este, nada dizendo à Sra Juiz que procedeu ao 1° interrogatório judicial, nem a qualquer dos guardas prisionais com quem manteve contacto, incluindo o EPPJ de Lisboa, onde ficou colocado, poderia muito bem ter sofrido um acidente fatal, caso uma das bolotas de cocaína tivesse rebentado no seu organismo.
58. O tribunal a quo, ignorou, pura e simplesmente tão evidentes provas.
59. Ponto 17° dos factos provados — aqui se menciona que o recorrente conhecia a natureza e características do estupefaciente transportado pelo arguido S…, bem como que a mesma se destinava à cedência a terceiros, pelo que já anteriormente se referiram abundantes argumentos de que o recorrente desconhecia o facto do arguido S… ter consigo produto estupefaciente, tanto mais que apenas anuiu a um pedido que lhe foi feito pelo LP…, traduzido em ir recolher o arguido S… ao Centro Comercial Vasco da Gama.
60. O recorrente não procedeu a qualquer acto de execução criminosa, não teve o mínimo contacto com o produto estupefaciente, não recebeu por parte do arguido S…, fosse o que fosse.
61. A circunstância de nas transcrições (UNICAS) feitas ao chat do arguido S… com o tal mano ", detentor do telm …, constar, no dia 7 de Fevereiro de 2018, pelas 10:06:57, de fls 66, constar : Vou passar pro meu pessoal pra te conhecer, referindo-se à foto enviada pelo arguido a essa pessoa, que por sua vez a reenviou ao recorrente, não significa de modo algum, que o recorrente seja pessoal dessa pessoa.
62. O mencionado pessoal, ou seja, aquele/s com efectiva responsabilidade criminal, deveria referir-se sim, aquela pessoa — LP… ou outro, que dava ordens em directo ao arguido S…, ao ponto de o estar a ver, naturalmente que a escassos metros, e que inclusivamente lhe pergunta se via dois polícias junto à porta.
63. Valendo-nos das regras de vida e experiência neste tipo de situações, o " normal " é que o correio seja conduzido por "alguém" a um local determinado, por norma junto do dono/destinatário do produto estupefaciente, sendo este a efectuar o pagamento dos serviços prestados.
64. Para além do recorrente nada ter feito, ele desconhecia para onde iria transportar o arguido S…, tanto mais que o único contacto que ele detinha era o LP….
65. Se, o arguido S… tivesse entrado na viatura, com toda a certeza se iria entabular uma conversa entre ambos, ao saber que ele tinha transportado estupefaciente (cocaína) que iria fazer o recorrente ? Pactuar com esse ato criminoso ? Deixar o arguido S… sozinho e amarrado à sua sorte ? Falar ao LP…, dizendo o quê ? Abusaste da minha amizade, e não quero participar nisto ? Quanto vou ganhar com tudo isto ?
66. São múltiplas as interrogações que se poderão colocar, sendo certo que os actos de execução concretos assacados ao recorrente, não compaginam qualquer censura penal.
67. E quando se censura o facto de o recorrente ao ter passado perto do arguido S…, nas imediações da entrada do Centro Comercial Vasco da Gama, se ter limitado a fazer-lhe um gesto com a cabeça para o seguir, isto é crime ? não é uma prática normal, sobretudo naquele local e hora, é normalíssimo ali se encontrarem, a sair/entrar desse Centro Comercial — que até é considerado o mais movimentado de Portugal, centenas e centenas de pessoas ?
68. O recorrente disse, facto confirmado pelos srs inspetores da PJ, que tinha a sua viatura parqueada a poucos metros dos semáforos existentes à direita da saída do Centro Comercial Vasco da Gama, e, local proibido de paragem/estacionamento, com os piscas abertos, justamente para demorar o menos tempo possível, sendo-lhe exigido outro tipo de conduta ?
69. Ponto 19° dos factos provados - no ponto 9° dos factos provados, já foi tecida suficiente argumentação sobre o teor deste ponto, pelo que se remete para o mesmo.
70. Ponto 20° dos factos provados - Lamentavelmente, o telemóvel do recorrente, pelo facto de a PJ não dispor de software adequado, não obstante ele existir em Portugal, não foi alvo de perícia adequada, na medida em que para além das duas fotos que lhe foram reenviadas pelo telm. …, nada mais se apurou.
71. A propósito deste numero — …, importa reter que a fls 401 dos autos, diz-se que esse numero pertence a uma operadora de nome L…, mas a fls 429 dos mesmos autos, é a própria operadora a dizer que esse n° não se encontra registado, o que é manifestamente estranho, na medida em que, directamente ou via on line, essa operadora exige o registo do seu utilizador.
72. Uma vez mais uma vez, o recorrente viu a sua defesa obstruída, uma vez que a investigação não conseguiu entrar/decifrar, as mensagens trocadas entre o mesmo e o LP…, o que, a ter acontecido, levaria a que o recorrente, no mínimo, fosse absolvido, tout court, ou mesmo, deixar de ter tido o estatuto de arguido.
73. Ponto 22° dos factos provados - quando se diz que a viatura que naquele dia estava a ser utilizada pelo recorrente, iria ser utilizada para transportar o arguido S…, está correto, na medida em que o mesmo aceitou o pedido que lhe foi dirigido pelo LP…, mas o mesmo já não se poderá dizer que esse transporte, também serviria para transportar a droga que o arguido S… trouxe do Brasil, tanto mais que no art° 34° da contestação apresentada pelo arguido S…, ali se diz que uma tal R…, no Brasil, entregou a esse arguido um n° de contacto para ele falar, em Portugal, para combinar a entrega e posterior pagamento dos seus serviços. Só que a fls 63 dos autos, ali se verifica que o arguido, na véspera da sua chegada a Portugal, em pleno Brasil, já mantinha conversas com essa mesma pessoa e n° de contacto (…), de quem já vinha recebendo ordens .....
74. O recorrente, de BOA-FÉ, a apenas satisfazendo um pedido — que até é habitual em qualquer comunidade que se encontra fora do País de origem, que lhe foi dirigido pelo seu amigo/conhecido LP…, sem descortinar, porque não lhe foi dito, nem existir nada de suspeito, a fazer uma mero transporte de um cidadão acabado de chegar do Brasil, transportando-o a local que iria ser indicado pelo LP…, logo que o arguido S… tivesse entrado na viatura do recorrente, sendo provável transportá-lo à zona de Sintra, uma vez que o LP… vivia perto desse local.
75. Ponto 23° dos factos provados — o recorrente é detentor de autorização de residência, só que a sua validade se encontra expirada, logo, não se encontra em Portugal numa situação de ilegalidade, mas de irregularidade, tanto mais que face ao documento de fls 73 dos autos, O SEF NÃO TEM INSTAURADO CONTRA O RECORRENTE, QUALQUER PROCESSO DE EXPULSÃO.
76. Para o Tribunal a quo, os dois arguidos foram colocados no mesmo patamar, ou seja, o arguido S…, que apenas aqui se deslocou, para, de forma dolosa, fraudulenta e proveitosa sob o ponto de vista de vantagem patrimonial, transportar produto estupefaciente, para, alegadamente (não se provou que a droga fosse para ser transaccionada em Portugal) ser distribuído/consumido por terceiros, ao passo que o recorrente, que se encontra em Portugal há vários anos, que já teve autorização de residência, que tem registos de descontos para a segurança social, que aqui residiram durante alguns anos, a mulher e os filhos, que é tido na comunidade como uma pessoa de bem, leva com a mesma sanção acessória, sem que tenha tido qualquer intervenção concreta nos actos criminosos em causa, sem que tivesse tido conhecimento dos mesmos.
77. O Tribunal a quo, não teve na devida conta o conteúdo do relatório social do recorrente, não valorou minimamente os diversos testemunhos abonatórios, provenientes de testemunhas credíveis, ignorou o facto de ter tido autorização de residência, não teve em conta as diversas decisões dos nossos Tribunais superiores no que concerne à não aplicação directa do art° 151° da Lei 23/2007, de 4 de Julho.
78. O recorrente foi punido com TUDO, RIGOROSAMENTE TUDO, o que contra ele podia ser aplicado, não lhe tendo sido valorizadas devidamente, as diversas situações, traduzidas em prova testemunhal e documental, as circunstâncias que militam em prol da sua defesa, e que amplamente foram retratadas nos artigos anteriores.
79. Pontos 25° e 26° dos factos provados — o recorrente não acordou com o LP…, qualquer plano criminoso, muito menos o de colaborar com a vinda para Portugal de cocaína transportada pelo arguido S… vindo do Brasil, tendo perfeito conhecimento, até porque já esteve preso em cumprimento de pena de prisão, que o transporte/venda de produtos estupefacientes, é ilegal, motivo pelo qual prometeu a si próprio, à sua família e até aos amigos mais próximos, alguns deles que foram suas testemunhas de defesa, que nunca mais iria praticar qualquer ato criminoso.
80. A sua grande preocupação era/é, trabalhar em Portugal, o que praticamente sempre fez desde que aqui chegou, desenvolvendo diversas tarefas legais, desde a apanha de pera, a trabalhar numa empresa que produz objectos para museus, não fazendo qualquer sentido — até segundo as regras da experiência e de vida, que o recorrente se sujeitasse a troco de uns míseros euros, a ser detido e condenado por tráfico de estupefacientes.
81. Fundamentação (enunciação específica — art° 411° n° 1 do CPP)
Depoimento da testemunha de acusação, ER…, funcionário da AT e Aduaneira no Aeroporto de Lisboa, ; testemunha de acusação, Insp. Chefe da PJ, MR… testemunha de acusação, Insp da PJ, PO…, testemunha de acusação, Ins da PJ, RM…, testemunha de defesa, TL…, testemunha de defesa, AM…, Insp da PJ, testemunha de defesa, MJ…, testemunha RC…, testemunha de defesa, chefe dos serviços prisionais do EP de Lisboa, LP…, testemunha de defesa AT…, técnico de telecomincações e informática da PJ ,todas inquiridas no dia 10 de Outubro de 2018 e depoimento da testemunha de defesa, JS…, recluso no EP de Sintra, inquirida no dia 7 de Novembro de 2018.
82. Cumprimento do art°412° n° 3 al. a) do CPP os pontos de facto incorrectamente julgados são os factos provados identificados sob os Ws 1, 4, 8, 9, 11, 13, 17, 19, 20, 22, 23, 25 e 26.

83. Cumprimento do art° 412° n° 3 al. b) do CPP as provas que impõem decisão diversa da recorrida, consistem nos depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa, anteriormente mencionados, e que consistem, no essencial, no seguinte :
1.- Depoimento da testemunha de acusação, ER…, funcionário da AT e Aduaneira no aeroporto de Lisboa, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018-.1010 — 152415 às 14:34 — contida de 00.00 a 10.06;
2.- Depoimento da testemunha de acusação, Insp. Chefe da PJ, MR… inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 153424 às 14:41 —contida de 00.00 a 06.58;
3.- Depoimento da testemunha de acusação, Insp da PJ, PO…,  inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 154345 às 14:54 —contida de 00.00 a 11.02
4.- Depoimento da testemunha de acusação, Ins da PJ, RM…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 155833 ás 15:07 — contida de 00.32  a 08.34
5.- Depoimento da testemunha de defesa, TL…, inquirida no dia 10 de Outubro  de 2018, gravação 2018 — 1010 — 150713 ás 14:26 — contida de 00.00 a 14.26 ; 
6.- Depoimento da testemunha de defesa, AM…, Insp da PJ, inquirida no dia 10  de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 161153 às 15:18 — contida de 00.00 a 06.32
7.- Depoimento da testemunha de defesa, MJ…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 162645 às 15:39 — contida de 00.00 a 12,23 ;
8.- Depoimento da testemunha RC…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018,  gravação 2018 — 1010 — 163914 âs 15:46 — contida de 00.00 a 07.58 ;
9.- Depoimento da testemunha de defesa, chefe dos serviços prisionais do EP de Lisboa,  LP…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 —165415 às 15:57 — contida de 00.40 a 03.43 ;
10.-Depoimento da testemunha ÂT…, técnico de telecomunicações e  informática da PJ , inquirida no dia 10 de Outubro de 2018 — gravação 2018 — 1010 —170553 às 16:06 — contida de 00.00 a 07.52 ;
11.- Depoimento da testemunha, JS…, recluso no EP de Sintra, inquirida no dia 7 de Novembro de 2018, gravação 2018 — 1024 — 101727 às 09:21, contida de 00.00 a  04.06.

84. Não se trata portanto do recorrente " discordar " da opinião diferente que o tribunal a quo fez dos factos, mas antes de ter considerado provados diversos factos, que FACE A PROVA PRODUZIDA/EXAMINADA em audiência de julgamento, deveria ter merecido que tais factos fossem considerados não provados.
85. Vista a motivação do douto acórdão, entendemos que são vários os vícios de contradição insanável de fundamentação e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, ambos previstos no art° 410° do CPP, começando desde logo por considerar o arguido S… confessou em grande parte, os factos que lhe foram imputados, sendo o seu relato, em boa parte, convincente por claro, coerente e sem hesitações.

86. O tribunal a quo, omitiu diversas contradições/falsidades, referentes ao arguido S…, a saber :
a)- Em 1° interrogatório judicial, o arguido declarou que : " ...eles iam-me pagar as minhas despesas de estadia em Portugal, e quando regressasse ao Brasil, me iriam pagar uma determinada quantia ...."
b)- Na contestação apresentada pelo mesmo, pode ler-se no art° 30° que o pagamento pelo transporte de droga que efectuou, seria realizado em Portugal apenas de a mercadoria fosse entregue ao destinatário final
c)- Em audiência de julgamento, o arguido declarou que iria receber por esse transporte 4000 €, a serem pagos em Portugal,
ou seja, três versões diferentes sobre o mesmo facto, sendo que, mesmo assim, o tribunal a quo, considerou esse depoimento como convincente e claro !

87. Atentando na contestação do arguido S…, aceite como plausível pelo tribunal a quo, se tivermos em conta o teor do art° 7°, ali se diz que o arguido ficou sem trabalho desde Outubro de 2016, dizendo-se no art° 12° que há dois anos estaria desempregado, quando no art° 27° da mesma contestação, diz-nos que em Janeiro de 2018 — mês anterior ao transporte do estupefaciente, estava a trabalhar num snack-bar, do qual tinha sido/era, gerente.
88. Por outro lado, estando a trabalhar, foi contactado por alguém que não conhecia — R…, que até podia ser um agente infiltrado, que lhe propôs um transporte de estupefacientes para Portugal, LOGO ACEITE, sabendo-se que, mesmo no Brasil, esse tipo de ilícito penal é fortemente reprimido, além dessa mesma R…, lhe ter dito, que algo atípico, anormal, que o estupefaciente se destinava à venda a terceiros ....
89. Por ultimo, e no que tange à contestação escrita apresentada pelo arguido S…, atente-se no "molde" criado pelo mesmo : art° 28° ....e pela entrega dos estupefacientes a alguém que estaria no aeroporto de Lisboa a aguardar pela sua chegada ...., dizendo-se no art° 30° que ....o pagamento da compensação apenas seria realizado em Portugal, apenas se a mercadoria fosse entregue ao destinatário final.
90. Na motivação, e a propósito do recorrente, diz-se que, segundo este, ia recebendo indicações do LP…, mormente alterando o local onde deveria recolher o arguido S…, o que não foi dito pelo recorrente, mas sim, e está gravado, que como dispunha de muito pouco dinheiro, ele seria insuficiente para pagar o parqueamento no aeroporto de Lisboa, tendo sido esse LP…, quem sugeriu que a recolha do arguido S…, deveria ocorrer no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa.
91. Também não corresponde à verdade que em 1° interrogatório judicial o recorrente tenha declarado que iria receber qualquer contrapartida financeira por esse serviço, muito menos 2000 €, para transportar o arguido S… a um hotel de Lisboa, acrescentando-se que isso não consta dos factos provados, nem prova alguma foi produzida nesse sentido.
92. É verdade que em 1° interrogatório judicial, a instância da Sra Juiz, quando questionado sobre o que teria motivado a vinda a Portugal do arguido S…, nas várias hipóteses aventadas, o recorrente, de entre essas várias hipóteses, não descurou a possibilidade "de um transporte de droga", mas sempre no campo das hipóteses, sem nada de concreto, sem que ninguém lho tenha dito.
93. O recorrente é condenado, muitíssimo mais pela convicção do Tribunal a quo, do que face à prova produzida/examinada em sede de audiência de julgamento, na medida em que esta, é exígua ou mesmo inexistente.
94. É o caso do telemóvel do recorrente, em que apenas continha a foto do arguido S…, o que é perfeitamente " normal " quando se recolhe alguém, que não se conhece, junto à entrada do Centro Comercial Vasco da Gama, que não é de todo similiar à saída do aeroporto de Lisboa, onde, por norma, se escreve num cartaz o nome da pessoa que se procura.
95. O facto do recorrente ter reconhecido o arguido S…, pela foto que lhe terá sido enviada, alegadamente, pelo LP…, não corresponde a " um cuidado típico por parte do recorrente", nem a passar despercebido, tanto mais que se encontraram poucos metros à frente - junto ao semáforo, e após isso, juntos, se iriam dirigir à viatura que o recorrente conduzia, conclusão essa que até é contrária ao ponto 11 dos factos provados.
96. Diferente seria é verdade, se o arguido S… tivesse recebido indicações, para se dirigir à viatura de matricula...(aquela que era conduzida pelo recorrente), parqueada em determinado local, com o recorrente no seu interior. Mas não foi isso que sucedeu.
97. É um facto que as testemunhas de defesa arrolados pelo recorrente, não estiveram presentes no Vasco da Gama, mas pelo menos duas – TL… e MJ…, SABIAM, porque o recorrente lhes contou, que iria recolher ao aeroporto de Lisboa, um indivíduo que
ele não conhecia, amigo do tal LP…, que lhe dirigiu esse favor, bem como ele não iria receber qualquer vantagem, financeira ou outra, por esse transporte
98. Atente-se, por exemplo, no que consta na motivação sobre o insp da PJ, AM… :...nenhum elemento relevante trouxe para a apreciação em apreço. É caso para se questionar o tribunal a quo, sobre quem requereu a produção de prova suplementar durante o inquérito ? quem juntou fotos e n°s de contacto do tal LP… ? factos que só podem assacados à conduta do recorrente, mas que o tribunal a quo, simplesmente ignorou.
99. E dizer-se como se diz na motivação que, pelo menos, a testemunha de defesa, MJ…, não sabia da viagem do recorrente a Lisboa, para recolha do arguido S…, só revela que o tribunal a quo não atendeu, como se impunha, nas declarações dessa testemunha, e o mesmo se diga da testemunha TL…, que propositadamente travou conhecimento - após a detenção do recorrente, via whatsapp, com o LP…, sendo essa testemunha a obter as fotos desse L…, os seus contactos telefónicos e a tentar marcar um encontro pessoal de forma a poder permitir a sua detenção por parte da PJ.
100. Na motivação, onde as declarações da testemunha de defesa JS…, foram completamente arrasadas no acórdão, consideradas como INCREDIVEIS, com um discurso impreciso (nem sabe porquê), claramente parcial (por falar verdade), falso, em perfeita paridade com todas, rigorosamente todas, as provas produzidas/examinada em audiência de julgamento, que militem favoravelmente pro arguido, sendo caso para, por exemplo, se o tribunal a quo não acreditou nessa versão apresentada pela testemunha, porque não a sujeitou a acareação com o arguido S… (art° 146° n° 1 do CPP) ?
101. Essa testemunha, partilhou a cela no EPPJ, com o arguido S…, durante alguns meses, sendo uma prática "normal", os reclusos, quaisquer reclusos, pelo menos com os companheiros de cela, dizem porque estão presos, e também " por norma ", acabam por contar vários factos relacionados com o crime em causa.
102. Segundo esta testemunha, o arguido S… e o já mencionado LP…, eram amigos e da mesma cidade, facto esse comprovado nos autos, tendo-lhe sido dito pelo arguido que o produto estupefaciente por si transportado, era dele e do L…, sendo que quanto a este nos parece mais que óbvio, sobretudo sendo ele o possuidor do telem …, uma vez que foi desse aparelho que foram dadas as ordens ao arguido S…, foi ele a pedir ao recorrente que o fosse recolher ao Centro Comercial Vasco da Gama, e, eventualmente, seria ele quem estaria pessoalmente junto a esse local, não só dando indicações ao arguido S…, como o questionava, em directo, sobre situações concretas, tipo, " está vendo dois policias à porta ? ".
103. Já quanto ao produto estupefaciente ser igualmente pertença do arguido S…, também é possível, face à prova produzida/examinada em audiência de julgamento, chegar a semelhante conclusão, desde logo porque MENTIU, ou em 1° interrogatório judicial, ou em audiência de julgamento, quanto ao montante que iria receber — o que não sabia inicialmente, referindo depois 4 000 €, ao facto de ter declarado que esse pagamento seria efectuado no Brasil, quando em audiência de julgamento, disse que o mesmo seria efectuado em Portugal, com a nuance de ser feito, após a entrega ao destinatário final (contestação).
104. Um outro argumento, quiçá mais forte, se colhe da ocultação de deter no seu organismo produto estupefaciente, facto esse que apenas confidenciou ao recorrente, sendo assaz pertinente questionarmos porque o terá feito, pondo a sua própria vida em sério risco.
105. Para a defesa, e face à experiência de vida nestes casos, o que se admite como mais provável, era o arguido S… iria expelir, via fezes, esse estupefaciente, E FICAR COM O MESMO, porque é amplamente sabido que é um produto muito vendável no meio prisional, e a preços mais altos dos praticados na rua.
106. Por mero acaso, a testemunha J…, veio a ser colocada no EP Lisboa, onde sempre se manteve o recorrente, e igualmente por mero acaso, tanto mais que apenas ali permaneceu poe 2/3 meses, travou com o recorrente, pelo que, foi obra do acaso e mais nada, que os pôs a falar, voltando à baila a normalidade dos reclusos ao conversarem entre si, contarem os porquês da reclusão e alguns contornos da mesma.
107. Foi nesse âmbito — PORQUE OUTRO NÃO PODERIA SER, que a testemunha JS…, contou ao recorrente que tinha partilhado a mesma cela com o arguido S…, e que este, de forma voluntária, lhe tinha contado que o produto estupefaciente era dele e o do LP…, que este era mencionado nas conversas travadas, como o verdadeiro mandante, nunca tendo mencionado o nome do recorrente, a qualquer título
108. Essa versão, só veio a ser alterada, quando o arguido S… recebeu a acusação, ficando um dos seus companheiros de cela, in casu, a testemunha J…, a saber que o mencionado LP…, apenas era mencionado pelo recorrente, ficando essa testemunha admirada com essa situação, uma vez que o arguido S…, sempre a omitiu, nunca dizendo aos seus companheiros de cela, que havia um segundo detido — o recorrente, e as condições que determinaram essa detenção.
109. Face ao descrito, não se consegue entender como pode o Tribunal a quo ter desvalorizado tais declarações, tanto mais que se o arguido S…, fosse, como o tribunal a quo o considerou, um mero correio de droga, essa informação nunca seria passada ao recorrente, mas no aeroporto, quando lhe foi perguntado directamente se tinha droga no seu organismo, ou junto da PJ, com quem decidiu colaborar, ou no TIC ou no EPPJ.
110. Um terceiro e último argumento, retira-se pelo facto de face ao documento de fls 22, o print sobre o seu regresso ao Brasil, constata-se que só iria regressar no dia 21 de Fevereiro de 2018, ou seja, permanecendo em Portugal 14 dias, o que é perfeitamente anormal para um correio de droga, só se entendo tão longa permanência, numa situação do arguido ter um interesse directo, ou seja, fazendo todo o sentido que ele fosse, também, dono dessa cocaína, tendo um tempo suficiente, para que a mesma fosse vendida, sendo das regras da experiência comum, que essa venda a retalho, se traduziria em mais de 30/40% do que uma venda por inteiro.
111. E quem melhor que o LP… para concretizar tais vendas, na medida em que estando em Portugal há alguns anos, residente na zona de Sintra, sabendo-se que essa zona tem diversos locais de forte afluência de consumidores.
112. Entende o tribunal a quo, que a actuação do recorrente, consistia em conduzir o arguido S… á pessoa a quem se destinava o produto estupefaciente, tendo presente que, nenhuma prova foi feita nesse sentido, sendo indispensável ter presente que o que foi decidido e pela PJ, através do respectivo coordenador, foi: "acompanhar a entrega de produto estupefaciente, transportado pelo suspeito S… , ao seu destinatário (dls 5, 87 dos autos)
113. Mas não isso que sucedeu, na medida em que não houve entrega de estupefaciente por parte do arguido S… ao recorrente.
114. O recorrente foi detido pela PJ, sem sequer ter tido qualquer contacto com o produto estupefaciente transportado pelo arguido S…, não se compreendendo sequer, porque terá sido transportado esse produto e colocado numa mala que o arguido S… transportava junto ao Centro Comercial Vasco da Gama.
115. Se é certo que ambos os arguidos se dirigiam à viatura que era conduzida pelo recorrente, este, SEMPRE, negou ter qualquer envolvimento com esse transporte, limitando-se a anuir a um pedido que lhe foi feito pelo LP…, além do facto do mesmo desconhecer para onde iria conduzir o arguido S…, porque também desconhecia o local de destino.
116. O recorrente não praticou quaisquer actos concretos de execução criminosa, pelo que tendo presente o elemento objectivo do tipo do crime em causa — art° 21° do DL 15/93, de 22/01, onde se definem dezasseis (16) condutas diferentes, consideradas criminosas, salvo melhor entendimento, em nenhum delas comporta o comportamento do recorrente.
117. O recorrente tal como já se disse, não travou qualquer conversa com o arguido S…, nada recebeu deste, não manteve qualquer contacto com o estupefaciente, e a prova existente nos autos, produzida/examinada em audiência de julgamento, não permite concluir em sentido diverso, tudo se resumindo a uma " boleia " a titulo gracioso, que o recorrente iria proporcionar ao arguido S…, no âmbito de um favor pessoal que lhe foi dirigido pelo LP….
118. O certo é que a conduta do recorrente nestes autos, não encontra confirmação probatória, que constituísse um acto interessado ou interesseiro do mesmo, daqui resultando uma imagem global do facto significativamente atenuada na sua ilicitude e até na culpa.
119. Não concedendo, e apenas por mera hipótese académica, sempre se poderia admitir estarmos em presença de um acto isolado por parte do recorrente, não integrado em qualquer complexo de actuação criminosa. Como tal, não poderia inserir-se tal conduta, numa clara actividade de traficante, mas numa actividade desgarrada de qualquer outro facto censurável.
120. Tal entendimento, consignado em plúrimos Acórdãos dos nossos Tribunais Superiores, vem defendendo que, a verificar-se, deveria integrar a norma do art° 25° do DL 15/93, de 22/01 e não o art° 21° desse diploma — vd Ac STJ, de 23/03/2006, recurso do proc° 767/06, da Comarca de Silves, então 2° Juízo.
121. A defesa do recorrente, considera que o recorrente deve ser, face aos múltiplos argumentos de facto e de direito invocados, deve ser ABSOLVIDO.
122. No entanto, por dever de ofício, e sem conceder, poder-se-ia admitir estarmos em presença de um ato isolado por parte do recorrente, não integrado em qualquer complexo de actuação criminosa. Como tal, não poderia inserir-se tal conduta, numa clara actividade de traficante, mas numa actividade desgarrada de qualquer outro faco censurável, o que determinaria a aplicação do previsto no art° 25° do DL 15/93- tráfico de menor gravidade, e não o art° 21° desse diploma.
123. Militam a favor do recorrente , diversos factos, que implicam uma evidente acentuada diminuição da culpa e da ilicitude do recorrente, a saber : o de se ter disponibilizado para colaborar com a PJ e ter sido completamente ignorado, o ter requerido declarações complementares e ter junto vários documentos, relevantes para o presente processo e para o que está em curso, o ter sido o recorrente a dar conhecimento junto dum sr. guarda prisional do EPL, que o arguido S… detinha droga no seu organismo, o de ter permitido, logo após a sua detenção, que fosse efectuada busca domiciliária e acesso ao seu telemóvel, e ainda, o facto de se encontrar em Portugal há vários anos e estar devidamente inserido em termos sociais e até profissionais, ainda que conhecendo uma situação de desemprego, quando detido.
124. O Tribunal a quo, condenou o recorrente e o arguido S…, numa pena acessória de expulsão do território nacional, por cinco anos.
125.- A defesa do recorrente, desde logo considera como ilegal a aplicação dessa medida acessória, na medida em que o mesmo deve ser ABSOLVIDO dos factos que alegadamente teria praticado.
126. É um facto que o recorrente tem antecedentes criminais em Portugal, mas não é menos verdade que nesse processo, altura em que nem sequer detinha título de residência, não lhe foi aplicada tal sanção acessória, com toda a certeza porque teve em conta todas as circunstâncias que então militavam nesse sentido.
127. Já depois do trânsito em julgado desse processo, obteve por parte do SEF, um titulo de residência temporária, o que lhe permitiu legalizar a sua permanência em Portugal, e inclusivamente poder trazer para o nosso País, a esposa e os seus dois filhos.
128. Desde então, e de acordo com o seu relatório social, trabalhou em Portugal em diversas empresas, procedendo aos descontos para a segurança social e outros, ou seja, cumprindo as suas obrigações como qualquer outro cidadão, sendo ele o verdadeiro sustentáculo da sua família, traduzido no envio regular de dinheiro para ajuda dos mesmos, após os mesmos terem retornado ao Brasil.
129. A própria mulher e filhos aqui residiriam durante mais de dois anos, de forma legal, tendo regressado ao Brasil, na medida em que quando isso se verificou, os índices de desemprego em Portugal, superavam os 20%, registando-se uma enorme dificuldade em se obter trabalho.
130. É certo que na data em que foi detido à ordem dos presentes autos — Fevereiro de 2018, não era detentor de autorização de residência, nos termos consignados na Lei n° 23/2007, de 4 de Julho, mas, como bem refere o próprio tribunal a quo,encontrava-se numa situação IRREGULAR E NÃO ILEGAL !
131. O recorrente encontra-se em Portugal há vários anos — mais de 10, e tem efectivamente ligações profissionais com o nosso País, na medida em que aqui tem trabalhado, aqui tem procedido aos descontos obrigatórios, apenas aguardando que a ultima empresa em que trabalhou, E…, regresse a Portugal, uma vez que tem estado a laborar em França, sendo garantida a sua colocação nessa empresa.
132. As várias testemunhas de defesa que foram inquiridas em audiência de julgamento, TODAS elas foram UNANIMES em reconhecer diversos atributos pessoais e profissionais ao recorrente, todos eles declarando que o recorrente envia regularmente dinheiro para a sua família que se encontra no Brasil.
133. O recorrente errou e pagou o preço desse seu erro, mas desde 2011, data em que foi devolvido à liberdade, que sempre pautou os seus comportamentos pelo cumprimento da Lei, sempre foi trabalhando de forma honesta e sobretudo legal, não recorrendo a qualquer prática criminosa, ainda que conhecendo alguns períodos de tempo sem trabalho, vivendo de atividades sazonais, ligadas à agricultura.
134. O serviço publico que controla a permanência dos cidadãos estrangeiros - SEF, não conhece qualquer registo menos abonatório por parte do recorrente, que determine a sua expulsão do território nacional, conforme resulta de fls 73, o SEF informa o Tribunal aguo, que não existe qualquer processo de expulsão do território nacional do recorrente, não obstante saber que o seu titulo de residência se encontra vencido.
135. O tribunal a quo, dando seguimento aquilo que sempre fez — desvalorizando tudo o que de positivo se provou a favor do recorrente , que na dúvida sempre decidiu contra o mesmo, pelo facto de ser estrangeiro e já ter tido problemas com a Justiça, não entrando em linha de conta com aquilo que consta dos art°s 234° e segts deste recurso, não só lhe aplica a sanção acessória de expulsão do País, como o coloca exactamente no mesmo patamar do arguido S....
136. Este deslocou-se a Portugal, única e exclusivamente, com um único propósito, criminoso, não ignorando os efeitos nocivos dessa sua conduta, sem aqui pretender permanecer mais tempo do que o necessário ao recebimento desse seu serviço e quiçá da parte do estupefaciente de que seria proprietário.
137. O tribunal a quo, não se limitou a fazer uma interpretação restritiva do disposto no art° 151° da Lei 23/2007, de 4 de Julho, argumentando que o recorrente não tem ligações profissionais a Portugal, que tem uma situação irregular de permanência no nosso País, e que o seu comportamento, causa alarme social, acrescentando que a aplicação de tal medida acessória, não é de aplicação automática, devendo atentar-se em vários condicionalismos.
138. Não foi isso que se verificou, uma vez que o recorrente trabalhou em Portugal, vários anos, procedendo aos descontos legais, o que o desde logo o distingue de um qualquer estrangeiro que tenha permanecido em Portugal, sem nunca exercer qualquer função, pelo que se considera que o recorrente tem fortes ligações profissionais a Portugal, possui igualmente fortes ligações de natureza social, não só com a comunidade brasileira residente no Carregado, onde mora, como também com muitas outras pessoas, maioritariamente portuguesa, ali residente, incluindo as entidades patronais para quem trabalhou.
139. A al. c) do art° 151° n° 1 da Lei n° 23/2007, de 4 de Julho, diz-nos que se deve ter em conta, diversas circunstâncias: os factos praticados, a personalidade do arguido, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de permanência em Portugal.
140. Para além de defendermos até à exaustão que o recorrente deve ser considerado INOCENTE, a admitirmos que os nossos argumentos, de facto e de direito, não devem ser observados, sempre se deveria ter em conta o consignado nos artºs 227°, 228°, 229°, 230° e sobretudo 232°, deste recurso, ou seja, com um fortíssima diminuição da ilicitude e da culpa, atendendo a uma participação criminosa residual.
141. A personalidade do recorrente, bem expressa no relatório social junto aos autos, é claramente favorável ao mesmo, incluindo o tocante à perspectiva futura, não se verificando reincidência criminal.
142. De acordo com o conteúdo do relatório social, o grau de inserção na vida social é significativo, levando a autora desse documento, a formular um juízo de prognose muito favorável ao recorrente, uma vez que a exigência de uma prevenção"especial ", o douto acórdão recorrido, não só o não refere, como nem sequer das conclusões ali contidas o mesmo se pode retirar.
143. As exigências contidas na Lei, neste caso, na ala c) do n° 1 do art° 151° da Lei 23/2007, de 4 de Julho, não foram acolhidas no acórdão recorrido, pelo que, não deve ser aplicada ao recorrente a medida acessória de expulsão do território nacional, por insuficiente fundamentação de facto e de direito que o determine, violando portanto o disposto no normativo atrás indicado.
144. Por via dessa omissão, violam-se assim os princípios da proporcionalidade e da necessidade, princípios esses que se consideram em termos constitucionais, como estruturantes, o que a ser assim entendido pelo tribunal a quo, se gera uma inconstitucionalidade que se invoca e argui para todos os efeitos legais, face à forma como o tribunal a quo aplicou o disposto no n° 2 do art° 151° da Lei 23/2007, de 04/07.
145. Sempre com a salvaguarda do devido respeito, mormente por opinião contrária, se entende que o acórdão ora recorrido é ilegal, por violação do disposto nos art°s 127°, 146° n° 1, 343° n° 2, 355° e 410° n° 2 , todos do CPP, art° 71° do CP, art°s 21° n° 1 , 25° e 34° n° 1 do Dec Lei n° 15/93, de 22/01 o art° 151° n° 2 da Lei n° 23/2007, de 04/07, o art° 3° da Lei n° 53/2008, de 08 — princípio da necessidade e art° 18° n° 2 da CRP —princípio da proporcionalidade.

Admitido o recurso ao mesmo respondeu o Ministério Público junto da 1ª instância considerando que:
1– Carece de razão o recorrente, nos fundamentos de facto e de direito aduzidos na sua douta motivação e sendo que o Tribunal recorrido, não só não violou qualquer das diversas normas - substantivas e adjetivas - indicadas na douta motivação, como também fez uma criteriosa apreciação e valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e uma judiciosa aplicação do Direito;
2– Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, da leitura do Acórdão recorrido ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, não existindo a mais pequena obscuridade ou contradição, daí que o texto da decisão se mostre integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado, sendo que o mesmo não enferma de qualquer vício, nomeadamente, dos previstos no n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal;
3– O Acórdão recorrido fundamentou devidamente os factos que deu como assentes, nada resultando que tenha apreciado a prova produzida em julgamento de forma discricionária e subjectiva; nem está ferido de qualquer vício que o invalide; não colhendo assim a impugnação feita em sede de matéria de facto, que traduz apenas uma divergência subjectiva e genérica quanto à leitura das provas feita pelo Tribunal;
4– Da leitura do Acórdão recorrido constata-se que no exame crítico levado a efeito se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova e que esta foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre apreciação do Tribunal, nos termos do disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal;
5– O Acórdão recorrido de forma alguma pode ser tido como uma decisão arbitrária e contrária às regras da experiência, sendo que a prova foi correctamente apreciada e não ocorreu qualquer erro de julgamento, não colhendo a argumentaria apresentada, pelo recorrente, quer em sede de impugnação de matéria de facto, quer quanto à impugnação em sede de matéria de direito;
6– De igual modo, não se mostra violado o princípio da presunção da inocência, constitucionalmente estabelecido, porquanto inexistiu qualquer dúvida razoável quanto aos factos integradores do crime imputado ao arguido recorrente e encontrando-se mais do que suficientemente fundamentada a aplicação ao mesmo da pena acessória de afastamento do território nacional;
7– Consequentemente, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso interposto.

Subidos os autos a esta Relação a Srª Procuradora-Geral Adjunto limitou-se a concordar com a posição sustentada pelo seu colega da 1ª instância.

Os autos foram a vistos e à conferência cumprindo decidir.
***

II–Fundamentação.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artº 412º nº 1 do Código do Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Ante o teor das mesmas são as seguintes as questões a decidir:
a)- A incorrecção do julgamento dos pontos identificados sob os nºs 1, 4, 8, 9, 11, 13, 17, 19, 20, 22, 23, 25 e 26 dos factos provados;
b)-A existência de vícios de contradição insanável de fundamentação e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, ambos previstos no art° 410° do CPP (conclusão 85ª);
c)- A qualificação jurídica dos factos apurados;
d)- A correcção da aplicação da pena acessória de expulsão.

Para tal vejamos os factos provados e não provados e a fundamentação do Tribunal a quo para os mesmos (transcrição):
1.– No dia 7 de Fevereiro de 2018, pelas 11h00, o arguido SN… chegou ao aeroporto de Lisboa no voo … procedente de Manaus, Brasil, via Belém, transportando consigo uma mala tipo trolley.
2.– Tendo-se apresentado no Canal Verde foi seleccionado pelo funcionário alfandegário para revisão de bagagem e revista pessoal.
3.– No decurso desta última veio a ser encontrado na posse do arguido, junto ao corpo, dissimulado na roupa interior que vestia, dois balões de borracha contendo um produto suspeito de ser cocaína com o peso líquido de 740,900 gramas.
4.– O arguido prontificou-se a colaborar com a PJ no sentido de identificar o destinatário de tal produto dando conta de que estava incumbido de se encontrar com o mesmo no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, a fim de lhe entregar a cocaína que transportava.
5.– Por esse facto a PJ montou de imediato uma operação de vigilância, tendo o arguido, após a cocaína ser colocada na respectiva mala de viagem, sido autorizado a deslocar-se para o mencionado Centro Comercial, vigiado de perto pelos agentes da PJ.
6.–  Já no local, pelas 11h35, após entrar no C.C. Vasco da Gama, sentou-se nos bancos aí existentes colocando a mala à sua frente.
7.–  Após o que, pelas 11h40, veio a receber uma comunicação no seu telemóvel procedente de um indivíduo, cuja identidade se ignora, que utilizava o telemóvel …, através da qual lhe foram dadas as instruções para se deslocar para o exterior e remeter uma fotografia para o número de telemóvel antes indicado a fim de ser reconhecido pelo co-arguido.
8.– Indivíduo esse que, após receber a fotografia que lhe foi remetida pelo 1.º arguido, a veio a remeter ao 2.º arguido a quem, na sequência do previamente acordado entre ambos, incumbira de ir recolher a cocaína ao 1.º co-arguido.
9.– Proposta que o 2.º arguido aceitara por, para tanto, lhe ter sido prometida por tal indivíduo vantagem não apurada.
10.– Em execução do previamente acordado, o 1.º arguido deslocou-se para o exterior levando consigo a mala de viagem.
11.– À saída do Centro, pelas 11h54, foi abordado pelo co-arguido AP…, que, por gestos, lhe deu instruções para o seguir, dirigindo-se ambos para a Avenida do Índico, onde se preparavam para se introduzirem na viatura marca Seat, matricula …-…-PP, ali estacionada por este último, quando foram interceptados pelos agentes da PJ e apreendida a cocaína referida em 3.

12.–  Mais foi apreendido, ao arguido SL…,
- Uns boxeurs multicoloridos onde, na zona das nádegas, vinha dissimulada a cocaína;
- € 170,00 (cento e setenta euros);
- 41 (quarenta e um) Reais;
- Um telemóvel marca Iphone Apple, com o IMEI … cinzento;
- Uma etiqueta de bagagem de porão referente ao voo …;
- Um print de reserva dos voos efectuados Manaus/Belém, Lisboa;
- Um print de reserva efectuada com data de partida no voo de 21 de Fevereiro para o percurso Lisboa/ Amesterdão/ São Paulo, tudo em nome do arguido; e
-Uma fotocópia referente a um termo de responsabilidade subscrito por PJ… com vista a admissão em território nacional do arguido, junta a fls. 19, que aqui se dá por reproduzido.

13.–  Após os factos supra descritos, por haver suspeitas de que o arguido SL… possuía embalagens com produto estupefaciente no interior do organismo, veio o mesmo no dia 9 de Fevereiro de 2018 a ser conduzido ao Hospital de São José em Lisboa, onde, na sequência de exames efectuados com R/X, se confirmou deter no interior do organismo embalagens vulgarmente denominadas "bolotas" contendo tal produto.
14.– Vieram assim a serem-lhe apreendidas mais 35 embalagens contendo um produto suspeito de ser cocaína com o peso líquido global de 79,922 gramas.

15.–  E ao co-arguido AP… foi ainda apreendido:
- Um telemóvel marca Samsung modelo SM-J510FN de cor preta, Dual Sim contendo dois cartões da operadora NOS com o número de serie … e da MEO com o n.º …,
- O ligeiro de passageiros com a matrícula …-…-PP, marca Seat, modelo Toledo, no interior do qual foram ainda encontrados e apreendidos:
-Um certificado de matrícula em nome de JF…;
- Duas folhas A4 com o timbre da MEO referentes a duas facturas emitidas a 27.1.2018 relativos aos carregamentos dos telemóveis … e …;
 - Uma folha A4 da "L… Seguros" referente ao pagamento da apólice do veiculo …-…-JX;
- Duas folhas, com o timbre do IRN, relativas à venda do veículo automóvel Seat, matrícula …-…-PP, constando como vendedor JF… e como comprador RR…, datado de 22.8.2017;
- Uma folha A4 referente à factura 1/24664 emitida em nome de RR… referente ao pagamento da transferência de propriedade da viatura matricula …-…-PP;
- Uma folha A4 com o timbre do "Novo Banco" referente à transferência de €55,30 no dia 22.8.2017;
- Uma folha A4 referente à inspecção periódica da viatura matricula …-…-PP;
- Uma carta verde da "L… Seguros" referente à apólice da viatura matrícula …-…-PP, para o período 27.1.2018 a 26.4.2018 em nome do arguido AP…;
- Um talão multibanco datado de 27.1.2018 referente a um pagamento no montante de 52.14€
- Um recibo de requerimento de certificado de registo criminal em nome de RR… datado de 19.9.2017;
- Um talão da Brisa para o percurso A...-C... datado de 5.2.2018;
-Um talão da Brisa para o percurso C...-A...-datado de 7.2.2018;
-Uma factura do McDonalds C... datada de 13.1.2018 no montante de 13 €;
-Um talão de pagamento no MC Donalds C... datado de 13.1.2018 no montante de 13 €;
-Uma factura do Jumbo datada de 8.12.2017, referente à compra do Smartphone … no montante de 51.50;
-Um cartão do "Recheio" em nome de EM…;
-Um talão de estacionamento datado de 7.2.2018 válido até às 11h45;
-Talões de depósitos e cartões vários;
-Um smartphone marca Selecline; e
-Um Notebook marca Qilive.

16.–  Os produtos referidos nos pontos 3. e 14. foram submetidos a exame laboratorial e identificados como sendo cocaína (cloridrato) tendo as amostras cofre os pesos líquidos de 8,180 e 79,268 gramas e o remanescente o peso igualmente líquido de 732,300 gramas tal como resulta dos relatórios de exames laboratoriais constantes de fls. 428 e 436, que se dão por reproduzidos.
17.– Os arguidos conheciam perfeitamente a natureza e características de tal produto, bem sabendo que o mesmo se destinava à cedência a terceiros.
18.– Produto que o 1.º aceitou transportar pela forma antes descrita por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia monetária.
19.– O 2.° arguido aceitou transportar o co-arguido e a cocaína que ele consigo trazia por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia não apurada.
20.– Os telemóveis apreendidos permitiram-lhes contactar e serem contactados quer por quem forneceu a cocaína quer pelo ulterior destinatário da mesma.
21.–  As quantias apreendidas eram parte do lucro que iriam obter com o transporte e comercialização da cocaína através de terceiros.
22.– A viatura apreendida iria ser utilizada pelo 2.º arguido para transportar a cocaína do co-arguido.
23.– Os arguidos são naturais do Brasil e não possuem autorização de residência ou qualquer ligação familiar ou profissional no nosso país.
24.– Onde o 1.° apenas se deslocou para praticar os factos antes descritos qualificados pela lei como crime.
25.– Os arguidos agiram livre e voluntariamente na sequência do previamente acordado com indivíduo cuja identidade se ignora.
26.– Bem sabendo que tal conduta lhes estava legalmente vedada

Da contestação do arguido S…
(…)

50.–  Em meados de Janeiro de 2018, o arguido encontrava-se a trabalhar no "P…-T…" e foi abordado por uma senhora que lhe disse que se chamava R… e afirmou ter conhecimento das suas graves dificuldades financeiras.
51.– Propôs-lhe 4.000,00 € (quatro mil euros) a título de compensação pelo transporte de avião de uma determinada quantidade estupefacientes para Lisboa e pela entrega dos estupefacientes a alguém que estaria no aeroporto de Lisboa a aguardar pela sua chegada, em data a combinar.
52.– O arguido não conhecia a senhora que o abordou, nem a pessoa a quem se destinava o produto a transportar.
53.– A senhora informou-o que os estupefacientes se destinavam à venda a terceiros e que o pagamento da compensação apenas seria realizado em Portugal apenas se a mercadoria fosse entregue ao destinatário final.
(…)

56.– A senhora "R…" que o abordou entregou-lhe os produtos estupefacientes, os bilhetes de avião com os seus dados pessoais, entregou-lhe um documento com o título "Termo de Responsabilidade" e deu-lhe o contacto de uma pessoa para quem o arguido deveria contactar pela aplicação "Whatsapp" quando chegasse a Lisboa para combinar a entrega dos estupefacientes e, posteriormente, o pagamento da compensação.
57.– Por instruções da senhora "R…", o arguido engoliu algumas embalagens com produto estupefaciente, para facilitar o seu transporte na passagem nos sistemas de controlo.
58.– O arguido não conseguiu engolir a maior parte das embalagens, teve vómitos, náuseas e sensações de mal-estar.
59.–  O arguido informou a senhora que não ia conseguir engolir e reter dentro do seu organismo as embalagens de estupefacientes que lhe foram entregues, que estava a sofrer com muitas dores.
60.– No dia 07 de Fevereiro de 2018, quando chegou à zona de controlo do SEF do aeroporto de Lisboa, o arguido não foi confrontado por nenhum funcionário sobre o conteúdo do "Termo de Responsabilidade" apresentado.
61.– Desde o momento que foi abordado pelas autoridades judiciárias, o arguido prestou colaboração e auxiliou as autoridades na recolha de provas determinantes para a identificação e detenção de outros responsáveis.
(…)

Do circunstancialismo pessoal do arguido AP….
90.– AP…AB é natural do Estado do Espírito Santo, Brasil, tratando-se do único filho de um casal de modesta condição sacio-económica.
91.– O pai exercia a profissão de mestre-de-obras e a mãe era empregada de Lar, assegurando ambos as necessidades básicas do agregado.
92.– O processo de desenvolvimento do arguido decorreu num ambiente familiar funcional e equilibrado.
93.– A família residia em casa própria, com boas condições de habitabilidade, numa zona urbana sem conotações a práticas criminais.
94.– O seu percurso escolar teve início em idade regular, tendo completado o ensino básico, com registo de uma retenção.
95.– Após o abandono do sistema de ensino, aos dezasseis anos de idade, iniciou uma formação em que adquiriu conhecimentos teóricos e práticos na área de hotelaria.
96.– Após o final da formação, deu início ao seu percurso profissional, trabalhando durante o dia num restaurante e à noite num hotel como empregado de mesa.
97.–  Vendia gelados na rua desde os nove anos de idade, obtendo alguns proventos para a aquisição de brinquedos.
98.– Em 2006, para melhorar o seu nível de vida, emigrou para Portugal, tendo conseguido uma colocação como chefe de sala e posteriormente como cozinheiro num restaurante em Barcelos, onde permaneceu durante um ano.
99.– Após o restaurante ter encerrado, foi trabalhar numa empresa de aparelhos ortopédicos, onde permaneceu apenas alguns meses, por se ter deslocado para o Brasil de forma temporária.
100.– Voltou a Portugal, onde se integrou, durante três anos, numa empresa de fabrico de vitrinas para museus, com contrato de trabalho.
101.– Desvinculou-se da referida empresa para iniciar uma actividade por conta própria, o que não se concretizou, voltando a integrar o antigo posto de trabalho.
102.– Seguidamente desvinculou-se definitivamente da referida empresa, tendo obtido colocação na construção civil contrato de trabalho.
103.– Entretanto a sua autorização de residência caducou, só conseguindo obter colocações laborais irregulares e sem vínculos contratuais.
104.– Encetou uma relação afectiva significativa aos vinte e um anos de idade, da qual nasceram dois filhos, que contam dezassete e dez anos de idade.
105.– A companheira e filhos regressaram ao Brasil por inadaptação a Portugal, vindo a relação a extinguir-se devido à distância.
106.– Há quatro anos o arguido iniciou novo relacionamento, o qual, devido à sua actual situação jurídico-penal, se encontra desgastado, ponderando o arguido terminá-la.
107.– Socialmente confraternizava com compatriotas e cidadãos portugueses, sendo bem visto no meio sócio-residencial.
108.– Na data em que foi privado de liberdade, o arguido residia no C..., com um compatriota, com quem dividia as despesas da habitação, sendo considerado por aquele com um indivíduo responsável e cumpridor das suas obrigações.
109.– Mantinha um percurso laboral irregular e sem vínculos contratuais, devido à situação de indocumentado, que tentou sempre regularizar.
110.– AP… evidencia uma postura adequada e colaborante, com um temperamento equilibrado, revelando-se sociável e com boa capacidade de integração e adaptação.
111.– Revela ser portador de capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende como adequadas e vantajosas para si.
112.– A sua situação prisional tem-lhe provocado ansiedade, tendo o arguido mostrado preocupação pelo desfecho do processo.
113.– A nível institucional mantém um comportamento adequado e normativo/sem sanções disciplinares e com vontade de manter uma postura pró-activa no sentido da sua valorização.
114.– Mantém contacto telefónico com os filhos, tendo vindo a receber visitas de amigos, suporte por si valorizado.
115.– Futuramente perspectiva encetar novas diligências para regularizar a situação documental, visando uma inserção no mercado de trabalho de forma regular e com vínculos contratuais.
116.– Caso o Tribunal decida por uma medida a cumprir na comunidade o amigo WM… disponibiliza-lhe enquadramento habitacional.
117.– O amigo MP… referiu que tem vindo a contactar o SEF no sentido de apoiar AP… na regularização da situação documental, objectivando a inserção do arguido no mercado de trabalho.
118.– O arguido já foi condenado, por acórdão transitado em julgado a 15.07.2011, pela prática, em 10.12.2009, de um crime de roubo (previsto e punido pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal) e de um crime de detenção de arma proibida (previsto e punido pelos artigos 2.°, n.° 1, al. r), 3.°, n.° 6, al. a), e 86.°, n.° 1, al. c), todos da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na redacção dada pela Lei n.° 17/2009, de 6.05), respectivamente, nas penas de quatro anos de prisão e quinze meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena de quatro anos e quatro meses de prisão efectiva, já declarada extinta pelo cumprimento em 19.05.2015 (processo n.° …/…, do ….° Juízo Criminal de Vila Franca de Xira).

Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa e, designadamente, que:

Da acusação.
– AP… aceitou transportar SL… com o estupefaciente que transportava por, para tanto, lhe ter sido prometido por tal indivíduo € 2.000,00.
(…)

Motivação.
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
O arguido confessou, em grande parte, os factos que lhe são imputados. Reconheceu ter acordado em proceder ao transporte da cocaína que lhe foi apreendida, desde o Brasil até Portugal, a troco de dinheiro (mais concretamente de quatro mil euros), tendo realizado este transporte até ao aeroporto de Lisboa, onde as autoridades, no decurso de uma fiscalização a que foi sujeito, lhe detectaram a cocaína que transportava e o detiveram. Justificou a sua conduta com as necessidades económicas que vivenciava (encontrando-se desempregado há algum tempo, sem meios financeiros para pagar algumas dívidas que o oneram e para custear o seu sustento e o sustento do seu filho, sendo que a este último respeito vinha a mãe do seu filho a exercer grande pressão sobre o arguido para que o mesmo contribuísse com os alimentos necessários) e com a aparente ausência de soluções para satisfazer tais necessidades. O seu relato, nesta parte, foi convincente pela forma como foi prestado (de modo claro, coerente e sem hesitações) e por se coadunar com o percurso de vida deste arguido (nos termos dados como provados com fundamento não só nas suas declarações, que se encontram espelhadas no relatório social junto a fls. 597/601, mas também em toda a documentação junta a fls. 609/635, não impugnada e nem infirmada por quaisquer outros meios de prova), pessoa que até à data dos factos sob apreciação prosseguiu, tanto quanto se apurou, um caminho perfeitamente normal, de estudo, trabalho, constituição de família, sem notícia de comportamentos penalmente censuráveis, até se adensarem as suas dificuldades económicas, com a situação de desemprego e de ausência de quaisquer fontes de rendimento que lhe permitissem fazer face aos encargos que sobre si recaíam. O transporte de cocaína, realizado pelo arguido a mando de terceiros, sempre se comprovaria mediante os testemunhos de ER… (agente de autoridade que procedeu à fiscalização do arguido S…, quando este chegou ao aeroporto de Lisboa num voo proveniente do Brasil, detectando o produto que transportava na sua roupa interior), MM…, PR…, RS… (dando nota, com conhecimento directo, de que inspectores da Polícia Judiciária acorreram ao aeroporto depois de terem sido alertados pelas autoridades do aeroporto de Lisboa, prosseguindo as duas últimas testemunhas referidas as investigações a partir desse momento) e LP… (inspector da Polícia Judiciária que transportou o arguido S… do Estabelecimento Prisional em que se encontrava até ao Hospital, onde este expeliu a cocaína que tinha no interior do seu organismo) e dos elementos constantes de fls. 12 (auto de pesagem e teste rápido ao produto apreendido ao arguido SL…, confirmando preliminarmente tratar-se de cocaína), 15/16 e 18/22 (autos de apreensão de produto estupefaciente, objectos e documentos ao arguido SL…), 62/69 (documentação das conversas mantidas e imagens trocadas via whatsapp entre o arguido S… e o utilizador do número …, que comprovam ter o arguido agido sob a direcção de terceiros cuja identidade não foi apurada), 142 (auto de apreensão ao arguido SL… de bolotas que este arguido havia ingerido e que continham cocaína) e 428 e 436 (relatórios dos exames toxicológicos confirmando que os produtos apreendidos ao arguido SL… se tratavam de cocaína).

Todavia, nem todas as declarações do arguido SL… mereceram credibilidade.

Assim sucedeu com a alegação de que pretendera desistir de realizar o transporte de cocaína em que acordou, na sequência de não ter conseguido ingerir todo o produto estupefaciente que se comprometera a transportar, sendo coagido (através de ameaças à sua integridade física e vida e vida, bem como à integridade física e vida dos seus familiares mais próximos) a proceder a tal transporte ainda que fora do seu organismo. Opõem-se à veracidade de tais afirmações, que nenhum elemento de prova produzido indiciou, a motivação para a realização do transporte de cocaína (as necessidades económicas vivenciadas pelo arguido e que certamente não desapareceram com as alegadas dificuldades sentidas pelo arguido em ingerir a cocaína), a circunstância de ter efectivamente procedido ao transporte ultrapassando múltiplos controlos em que pôde dar nota às autoridades do transporte que realizava e dos alegados motivos pelos quais o realizava (sendo certo que nunca o fez, vindo a cocaína que transportava a ser-lhe apreendida sem qualquer contribuição da sua parte para que tal tivesse sucedido) e, bem assim, o facto de, mesmo após ter sido detido pelas autoridades em virtude da cocaína que transportava na sua roupa interior e de se encontrar já em situação de prisão preventiva, não ter revelado que tinha mais cocaína no interior do seu organismo (o que só mais tarde foi sabido, sem que se tenha apurado ter esta informação partido do arguido SL…, determinando a condução deste arguido a estabelecimento hospitalar para expulsão da cocaína que tinha dentro de si), revelando todo este circunstancialismo não só que o arguido pretendeu fazer o transporte em causa, mas também que persistiu na intenção de guardar, até lhe ter sido possível, parte do produto estupefaciente que transportara (mesmo no interior do estabelecimento prisional em que, por fim, já se encontrava).

Também não mereceu credibilidade a alegação do arguido no sentido de que o dinheiro que lhe foi apreendido era seu, contrariada que é pela situação económica do arguido (que, contraditoriamente, sustentou, e nesta parte comprovou com suportes documentais, não ter dinheiro para pagar as dívidas que o oneravam e nem suportar o seu próprio sustento) e pelos elementos documentais juntos a fls. 62/69 (conversas mantidas e imagens trocadas via whatsapp entre o arguido S… e um outro indivíduo de identidade não apurada que expressamente pergunta ao arguido S…, quando este se encontraria ainda no Brasil, se já havia trocado o dinheiro, tendo o arguido confirmado o câmbio já realizado, preocupação que não se compreenderia se o dinheiro pertencesse ao arguido e não ao mandante do transporte).

Por sua vez, o arguido AP… declarou que, no dia 7 de Fevereiro de 2018, veio do C..., onde reside, ao encontro de alguém que não conhecia e que lhe fora dito que chegaria ao aeroporto de Lisboa para o levar a local que também desconhecia, o que fez a pedido de uma terceira pessoa cujo nome seria LC…. Mais referiu que foi recebendo indicações do referido L… durante todo o percurso, acabando o dito L… por lhe comunicar que se deveria antes deslocar ao Centro Comercial Vasco da Gama para ir buscar a dita pessoa. Referiu este arguido que assim fez, deslocando-se até àquele Centro Comercial, estacionando a viatura e indo ao encontro da pessoa que deveria ir buscar, sendo que, após a encontrar e quando já se dirigiam para a viatura, foram detidos pelas autoridades policiais. Afirmou desconhecer que a pessoa a transportar por si tivesse cocaína, tendo confiado no dito L…, pessoa com quem havia encetado conhecimento num encontro de amigos e a quem havia dado nota das suas precárias condições económica, prometendo lhe o dito L… ajudá-lo quando pudesse. Estas declarações não se mostram consonantes com o que resulta da apreciação dos demais meios de prova, à luz das mais elementares regras de experiência. Desde logo, as declarações prestadas pelo mesmo arguido AP… em primeiro interrogatório judicial, que consubstanciaram indício, forte e claro, de que este sabia muito bem o que vinha fazer a Lisboa, já que naquela sede o arguido referiu ter-lhe sido oferecida a quantia de dois mil euros para transportar uma pessoa do aeroporto de Lisboa até um hotel que lhe seria indicado posteriormente e embora não o tenha admitido expressamente, quando confrontado com a elevada quantia que lhe fora oferecida para fazer o simples transporte de uma pessoa num percurso que não seria longo, acabou por afirmar ter admitido como possível que a pessoa a transportar tivesse estupefacientes consigo. Mas ainda que se desconsiderassem por completo tais declarações, a verdade é que a apreciação conjunta das declarações do co-arguido SL…, dos depoimentos prestados por PR… e RS… e ainda dos elementos documentais juntos a 9/10 (relato da diligência externa de identificação e detenção do destinatário ou do intermediário do destinatário do produto estupefaciente transportado pelo arguido SL…) e 62/69 (documentação das conversas mantidas e imagens trocadas via whatsapp entre o arguido S… e o utilizador do número …), não deixa dúvidas sobre a participação consciente e deliberada do arguido AP… no transporte de cocaína iniciado por SL… desde o Brasil. De acordo com o relato dos inspectores PR… e RS…, o arguido SL…, após ter sido interceptado pelas autoridades aeroportuárias na posse da cocaína que trazia na sua roupa interior, declarou estar disposto a colaborar na identificação dos destinatários daquele produto, através da entrega da cocaína ao seu destinatário em Portugal, vigiada pelos inspectores da Polícia Judiciária, no caso PR… e RS…, tendo este arguido informado que, de acordo com as instruções recebidas por telemóvel e enviadas por quem seria destinatário da cocaína, se deveria deslocar ao Centro Comercial Vasco da Gama, sito no Parque das Nações. Mais referiram estas testemunhas que diligenciaram pelo transporte de SL… ao Centro Comercial Vasco da Gama (sempre acompanhado à vista e a curta distância pelas testemunhas), no interior do qual aquele arguido permaneceu por algum tempo, à entrada da porta principal, com a mala de viagem contendo o produto estupefaciente, trocando mensagens pelo telemóvel. Relataram as mesmas testemunhas que, passado algum tempo, SL… dirigiu-se para o exterior do Centro Comercial, levando a mala de viagem consigo, e depois de sair da superfície comercial virou para o lado direito e imobilizou-se na esquina do edifício, junto dos semáforos, onde aguardou, sendo, pouco depois, abordado pelo arguido AP…, que passou por ele e lhe fez um gesto discreto para o seguir (relatando uma destas testemunhas, que melhor colocada se encontrava na visualização dos arguidos, que AP… já antes tinha passado por SL…, no sentido contrário àquele em que seguia quando lhe fez sinal para o seguir), o que SL… fez (sempre com a mala de viagem contendo a cocaína), deslocando-se ambos na direcção da viatura da marca SEAT, matrícula …-…-PP, que estava estacionada, sendo nessa altura ambos abordados pelas testemunhas que os detiveram. Estes depoimentos mostram-se em total consonância com a informação extraída dos telemóveis apreendidos aos arguidos (mediante prévio consentimento destes, devidamente documentado nos autos), sendo que tais apreensões se encontram documentadas a fls. 18/22 (SL…) e 30 (AP…) e a análise da respectiva informação foi realizada no âmbito dos exames periciais relatados a fls. 60/62 e 431. A informação extraída dos telemóveis apreendidos (sendo certo que nem toda a informação foi possível extrair, pelos motivos explicitados por ÂS…, inexistindo motivos para acreditar que a informação que não foi possível obter desvirtuasse o que resulta da informação obtida) consta de fls. 62/69 (documentação das conversas mantidas e imagens trocadas via whatsapp entre o arguido S… e o utilizador do número …) e 70/71 (documentação de uma imagem retirada do telemóvel apreendido a AP…), resultando da sua análise que os arguidos contactaram com alguém que utilizava o número …, que deu instruções ao arguido S… para se deslocar ao Centro Comercial Vasco da Gama e uma vez aqui chegado indica ao arguido S… onde se deve colocar (no exterior do Centro Comercial no sentido do semáforo, mas sem atravessar), correspondendo tais indicações ao que os inspectores da Polícia Judiciária relataram ter observado no local enquanto acompanhavam o arguido S…, mais se constatando que o mesmo indivíduo (cuja identidade não se apurou e utilizador do número …) pediu ainda a S… uma foto (que este enviou) para poder passar ao seu pessoal para o conseguirem reconhecer. Entre a informação extraída dos telemóveis dos arguidos constata-se a existência de uma outra fotografia enviada por S… para o utilizador do número … (que corresponde à entrada do Centro Comercial Vasco da Gama, servindo o propósito de indicar a esse indivíduo o local concreto onde S… se encontrava para que a pessoa que o ia recolher pudesse ir ao seu encontro), fotografia essa que se encontrava também no telemóvel apreendido a AP…, com o registo de que teria sido enviada pelo utilizador do número ….

A actuação do arguido AL…, deslocando-se do C... (onde reside), apesar da precariedade económica que afirmou vivenciar (e que foi confirmada pelas testemunhas que depuseram sobre as suas características e situação pessoal), para recolher alguém no aeroporto de Lisboa, sendo-lhe depois indicado um outro local de recolha da pessoa que deveria ir buscar e enviado uma fotografia do local em que essa pessoa estaria (sempre pela mesma pessoa que estava em contacto com o arguido S… e que o queria recolher, bem como à cocaína que transportava), a que se dirige, adoptando os cuidados típicos de quem não deseja qualquer tipo de atenção sobre si e pretende verificar se a pessoa que vai buscar não tem também qualquer tipo de atenção indesejável, procurando passar despercebido no contacto que brevemente dirige à pessoa que vai buscar, indicando-lhe apenas que o deve seguir, são elementos indesmentíveis sobre o comprometimento do arguido AP… com o transporte da cocaína.

Contra esta conclusão de nada valeram os depoimentos prestados por TL… (que deu boa nota do carácter do arguido A…, de quem é amigo, demonstrando conhecimento directo sobre a sua situação pessoal; afirmou que o arguido A…, depois de ter cumprido a pena de prisão que sofreu, lhe expressou que não voltaria a estar preso; e afirmou também que acredita na inocência do arguido A… e na sua versão de que foi iludido por LP…, a quem, porém, nunca viu pessoalmente e só conhece pelas redes sociais, tendo entabulado conversa com o mesmo esporadicamente), AM… (inspector da Polícia Judiciária que nenhum elemento relevante trouxe para a apreciação em apreço), MP… (que deu boa nota do carácter do arguido A…, de quem é amigo, demonstrando conhecimento directo sobre a sua situação pessoal; afirmou que o arguido A…, depois de ter cumprido a pena de prisão que sofreu, lhe expressou que não voltaria a estar preso; afirmou também que acredita na inocência do arguido A… e na sua versão de que foi iludido LP…, a quem, porém, nunca viu pessoalmente, tendo ouvido falar dele ao arguido; afirmou ainda que o veículo apreendido ao arguido pertence a RC…), WR… (que deu boa nota do carácter do arguido A…, de quem é amigo, demonstrando conhecimento directo sobre a sua situação pessoal; afirmou também que acredita na inocência do arguido A… e na sua versão de que foi iludido), RC… (que deu boa nota do carácter do arguido A…, de quem é amigo, demonstrando conhecimento directo sobre a sua situação pessoal; afirmou ainda que o veículo apreendido ao arguido lhe pertence, deixando que este o use quando está fora do país a trabalhar, sendo o arguido A… a suportar os custos com a manutenção, consumos e seguros, o que se mostra em consonância com a documentação apreendida no veículo nos termos que constam de fls. 31/47), simplesmente porque não demonstraram possuir qualquer concreto conhecimento directo sobre a viagem realizada pelo arguido no dia 7 de Fevereiro de 2018 a Lisboa e nem sobre as ligações entre o arguido e o LP… por quem o arguido afirma ter sido ludibriado.

A versão do arguido A… também não colheu sustento nos documentos que ofereceu e se encontram juntos a fls. 412/417, que dão nota da existência de uma determinada pessoa, mas nada permitem concluir sobre o envolvimento da mesma nos factos aqui apreciados.

Importará também aludir ao depoimento prestado por JS…, que não mereceu qualquer credibilidade. Esta testemunha, cidadão brasileiro em cumprimento de pena que lhe foi aplicada por ter praticado um crime de tráfico de estupefacientes (consubstanciado também no transporte de estupefacientes do Brasil, mais concretamente de São Paulo, para Portugal), em discurso impreciso e claramente parcial (em favor do arguido A… e contra o arguido S…), afirmou ter estado no Estabelecimento Prisional em que se encontra SL…, onde este, depois de inicialmente lhe ter afirmado que havia sido detido com o arguido A… no Centro Comercial Vasco da Gama, acabou por lhe contar que a cocaína que transportava era dele e do L… e que para não implicar o L… tinha imputado tudo ao A… (que veio a conhecer depois da sua transferência para o Estabelecimento Prisional em que ambos se encontram). Ora, se é enorme a improbabilidade de alguém admitir a outra pessoa, partilhando ambos um ambiente prisional em país estrangeiro, que prejudicou deliberadamente um outro compatriota, até pelos sentimentos negativos que tal possa despoletar contra si, mais improvável é ainda o relato que pode prejudicar o relatante e que é manifestamente falso (já que não se descortina como pôde SL… implicar AP… na situação dos autos, uma vez que nada permite concluir que se conheciam antes do encontro no Centro Comercial Vasco da Gama e a este encontro compareceu AP… por via de terceiro que, tanto quanto os elementos probatórios permitem concluir, nenhuma indicação recebeu de SL… – sendo antes este que recebia indicações do indivíduo cuja identidade não se apurou – relativamente à presença no local de AP…).

Quanto à alegação do arguido AP… de que teria sido quem participou às autoridades que o arguido SL… tinha dentro do seu organismo mais cocaína, nenhum elemento de prova se produziu que suficientemente firmasse uma convicção positiva sobre a verificação de tal facto. Mas ainda que tal tivesse sido apurado, restaria por apurar a razão pela qual teria AP… adquirido tal informação, não sendo crível, como pretendeu fazer crer, que a mesma tivesse sido livremente partilhada por SL…, com quem AP… não estaria propriamente satisfeito (dada a actuação decisiva daquele arguido para a intercepção pelas autoridades policiais deste último).

Os factos considerados provados e atinentes ao circunstancialismo pessoal do arguido SL… colheram sustento probatório na apreciação, crítica e conjunta, das declarações deste arguido (a este propósito claras e coerentes), do respectivo relatório social elaborado pelos serviços de reinserção social, que não colheu oposição por parte do arguido, e dos documentos juntos a fls. 609/635.

Os factos considerados provados e atinentes ao circunstancialismo pessoal do arguido AP… colheram sustento probatório na apreciação, crítica e conjunta, das declarações deste arguido (a este propósito claras e coerentes), do respectivo relatório social elaborado pelos serviços de reinserção social, que não colheu oposição por parte deste arguido, do documento junto a fls. 73/75 (informação do SEF sobre AP…, dando nota de que este arguido não tem autorização de residência legal em território nacional desde 19.08.2011 e da inexistência de processo de expulsão quanto ao mesmo) e ainda dos depoimentos prestados por TL…, MP…, WR… e RC…, que a respeito da factualidade provada nesta parte (e quanto aos factos a que foram ouvidos) demonstrou conhecimento directo e se mostrou credível.

Tiveram-se ainda em conta, quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, a certidão junta a fls. 341/398 e os certificados de registo criminal de fls. 563, 564/566 e 634/635.”
***

III–Do mérito do recurso.

Como é sabido, e resulta do disposto nos artº 368º e 369º ex-vi artº 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:

Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto, e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e depois dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do Código do Processo Penal.
Por fim, das questões relativas à matéria de Direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas pelo recorrente sendo a primeira dela a da impugnação alargada, designadamente a incorrecção de julgamento dos pontos identificados sob os nºs 1, 4, 8, 9, 11, 13, 17, 19, 20, 22, 23, 25 e 26 dos factos provados.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: uma, através dos vícios previstos no artigo 410.°, n.º 2, do Código do Processo Penal, que aqui foram invocados mas que por razões lógicas apenas infra, e se disso for caso, curaremos; a outra através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.°, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No segundo caso a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do artº. 412.° do Código do Processo Penal.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto "não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas".(cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. 06P763, www.dgsi.pt ).
De facto, "o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si "
Assim a impugnação ampla da matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.°, n.3, do Código do Processo Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a)Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)         As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ªinstância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.° do C.P.P.).

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412° do C.P.P.). É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.°, n.º4. do C.P.P.” ( Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28).
Ora, no caso destes autos, o recorrente diz quais são os pontos de facto que julga incorrectamente julgados.

Nas suas conclusões diz até, ponto por ponto, porque entende – ele recorrente – que a prova deveria ser num sentido (o seu) e não noutro (o do Tribunal).

Acontece que quando chega o momento de sustentar o porquê de se alterar a factualidade no sentido por si proposto o recorrente claudica já que se limita a tentar sobrepor a sua visão e valoração dos factos sobre aquela que foi aceite pelo Tribunal, o que não é legalmente aceitável.

Mas mais: o recorrente embora se refira aos depoimentos e à sua localização fá-lo por atacado, referindo todas as declarações das testemunhas e não indicando ao Tribunal ad quem os concretos pontos de facto que determinariam decisão diversa. Repare-se nas indicações feitas (conclusão 83ª):
1.- Depoimento da testemunha de acusação, ER…, funcionário da AT e Aduaneira no aeroporto de Lisboa, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018-.1010 — 152415 às 14:34 — contida de 00.00 a 10.06;
2.- Depoimento da testemunha de acusação, Insp. Chefe da PJ, MR… inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 153424 às 14:41 —contida de 00.00 a 06.58;
3.- Depoimento da testemunha de acusação, Insp da PJ, PO…,  inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 154345 às 14:54 —contida de 00.00 a 11.02
4.- Depoimento da testemunha de acusação, Ins da PJ, RM…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 155833 ás 15:07 — contida de 00.32  a 08.34
5.- Depoimento da testemunha de defesa, TL…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 150713 ás 14:26 — contida de 00.00 a 14.26 ; 
6.- Depoimento da testemunha de defesa, AM…, Insp da PJ, inquirida no dia 10  de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 161153 às 15:18 — contida de 00.00 a 06.32
7.- Depoimento da testemunha de defesa, MJ…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 — 162645 às 15:39 — contida de 00.00 a 12,23 ;
8.- Depoimento da testemunha RC…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018,  gravação 2018 — 1010 — 163914 âs 15:46 — contida de 00.00 a 07.58 ;
9.- Depoimento da testemunha de defesa, chefe dos serviços prisionais do EP de Lisboa, LP…, inquirida no dia 10 de Outubro de 2018, gravação 2018 — 1010 —165415 às 15:57 — contida de 00.40 a 03.43 ;
10.-Depoimento da testemunha ÂT…, técnico de telecomunicações e  informática da PJ , inquirida no dia 10 de Outubro de 2018 — gravação 2018 — 1010 —170553 às 16:06 — contida de 00.00 a 07.52 ;
11.- Depoimento da testemunha, JS…, recluso no EP de Sintra, inquirida no dia 7 de Novembro de 2018, gravação 2018 — 1024 — 101727 às 09:21, contida de 00.00 a  04.06 “
Vamos ao media studio do citius referente a este processo e ali encontramos o depoimento da testemunha ER… no ficheiro áudio 2018 — 1010 — 153424.wmv e que vai do minuto 0.00 ao minuto 10.06, encontramos o depoimento da testemunha MR… no ficheiro áudio 2018 — 1010 — 153424.wmv e que vai do minuto 00.00 ao minuto 11.06 e assim por diante quanto a todas as demais testemunhas indicadas.

Constata-se que aquilo que o recorrente fez foi aceder à raiz do ficheiro informático e colocar no recurso o nome do mesmo e a sua duração sem curar indicar quais os pontos do depoimento que interessariam para efeitos de recurso da matéria de facto.

E nem sequer se diga que a questão é despicienda por, por exemplo, os primeiros 50 segundos da gravação da testemunha ER… não contém qualquer matéria probatória sendo a gravação de um mero desfolhar de folhas e palavras em surdina trocadas, presume-se, entre os membros do colectivo e os 40 segundos seguintes um pedido de desculpas do Srº Juiz Presidente pelo atraso da diligência e agradecimento à testemunha pela paciência.
Ora, como referido quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: (…) c) [a]s concretas provas que devem ser renovadas, sendo que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, (…) devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Analisando quer as motivações, quer as conclusões de recurso, constatamos que o recorrente não cuidou de indicar as concretas passagens das declarações que apontou como fundamentação recursória.

Pelo contrário, nas motivações de recurso que apresentou, em termos puramente genéricos, limitou-se à indicação dos minutos que compõem a totalidade da gravação onde, porventura, estarão as ditas passagens, deixando na responsabilidade deste Tribunal o ónus de encontrar entre o tempo da prova testemunhal gravada que indica aquilo que, em abstracto, poderá ir ao encontro da ideia genérica apresentada em recurso;
Por outro lado, nas suas conclusões de recurso, nem minutos, nem passagens, nem nada. Só um “pacote” de declarações.

Efectivamente, o modo com que o recorrente pretende evidenciar o cumprimento do dever de especificação legalmente fixado é, na verdade, sinónimo da atribuição de um exercício de adivinhação, quer para o recorrido, quer para este Tribunal.

No essencial, o recorrente realiza algo como o seguinte: “A passagem que considero colocar em causa o juízo de provado do facto X pode ser encontrada ao longo dos minutos todos da gravação do depoimento da Pessoa A, e agora, V. Exas., adivinhem qual a frase em concreto a que me refiro.”

Não pode ser.

Neste sentido, o Tribunal da Relação de Guimarães, sufragou, o seguinte entendimento: «Com a imposição legal dos referidos ónus de especificação quis-se evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade.

Em suma, ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto exige-se que indique expressamente os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, mencionando também a prova que confirme ou demonstre a sua posição, na medida em que a delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal ad quem. O que se compreende pelo facto, já referido, de o recurso não ser um novo julgamento mas um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada, sendo certo que a apreciação da prova no julgamento realizado em primeira instância beneficiou de claras vantagens de que o tribunal de recurso não dispõe (a imediação e a oralidade), constituindo uma manifesta impossibilidade que a segunda instância se substitua, por inteiro, ao tribunal recorrido, através de um novo julgamento.

Note-se que, o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afecta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.

Daí a necessidade e importância da impugnação especificada, por permitir a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, devendo tais especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (art. 417º, n.º 3)» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo 44/14.5TACRZ.G1, de 20/03/2017, disponível em www.dgsi.pt .

Em face do exposto, e por não ter cumprido o ónus que se lhe impunha de especificação, improcede o recurso nesta parte.

No que tange aos vícios de contradição insanável de fundamentação e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, ambos previstos no art° 410° do CPP (conclusão 85ª), temos que dizer que estes vícios são, como resulta do próprio texto do artº 410º nº 2 do C.P.P., vícios decorrentes do próprio texto da decisão (“2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum …).

No caso concreto destes autos, o recorrente fundamenta a existência dos vícios nas “diversas contradições/falsidades, referentes ao arguido S… (…)” (conclusão 86ª), na contradição entre o alegado pelo co-arguido e o por este afirmado em sede de contestação (conclusão 87ª e 89ª), na aceitação feita pelo Tribunal do depoimento do co-arguido no que respeita à aceitação do transporte (conclusão 88ª), na não aceitação por parte do Tribunal da versão do arguido (conclusões 90ª e 91ª,).

Todas estas conclusões respeitam a matéria não contempladas unicamente no texto da decisão pelo que e desse logo não respeitam a questões do texto decisório não podem existir os vícios apontados porque, repete-se, os vícios em causa são sempre (quando existem) vícios do texto da decisão.

É certo que, conforme transcrito, poder-se-á conhecer de um dos apontados vícios se existir uma discrepância entre o texto da decisão e as regras da experiência. Será assim se, por exemplo, se der como assente que atirada uma pedra de uma janela do quinto andar a mesma “caiu” e entrou pela janela do nono andar do mesmo prédio.

As regras da experiência “são noções da experiência comum, aquele conjunto de noções, informações, regras, máximas, apreciações, que representam o património da cultura média que habitualmente se designa como “senso-comum” (Taruffo, La motivazione della sentenza civile, Padua, 1975, p. 242). O juiz deve formular as regras sem se basear em critérios pessoais arbitrários, escolhendo de modo correcto qual, de entre as diversas regras da experiência, é aplicável ao caso concreto, tendo em conta as particularidades deste. Deve aplicar a regra que melhor se adapte ao caso em questão, e decidir segundo a sua consciência, o bom senso e a sua experiência da vida. Como lhe prescreve o artigo 127º (livre apreciação da prova) do CPP: salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Ora, lido e relido o acórdão recorrido, não existe no texto do mesmo qualquer segmento que se possa classificar como atentatório das regras da experiência comum de molde a considerar que qualquer uma das ilações retiradas da prova são desconformes a uma sã apreciação da mesma.

Improcede, assim, e também aqui, o segmento recursal.

O recorrente, seguidamente, depois de reiterar a sua inocência, coloca em crise a qualificação jurídica operada pelo tribunal a quo para referir que com os factos em presença sempre se estaria perante a comissão de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artº 25º da Lei 15/93 não um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º do mesmo diploma.

Não assiste, diga-se, qualquer razão ao recorrente.

Em primeiro lugar, o arguido recorrente parece querer escamotear que a sua condenação foi por co-autoria e não como autor singular. Na co-autoria, como resulta do artº 26º do Código Penal.

Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta. O co-autor executa o facto, toma parte directa na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou determina outrem à prática do mesmo. A co-autoria é a execução colectiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com recurso a forças conjugadas.

A comparticipação criminosa exige um elemento subjectivo e um outro objectivo. O primeiro reclama uma decisão conjunta – que pode consistir num acordo, expresso ou tácito, ou, pelo menos, numa consciência de colaboração com carácter bilateral e uma participação na execução do facto criminoso, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto, ou numa contribuição objectiva para a consumação do tipo legal visado, isto é, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.

A componente subjectiva «basta-se com o simples acordo tácito, com a simples consciência bilateral, reputado ao facto global, com o conhecimento pelos agentes da recíproca cooperação», não se exigindo que os co-autores se conheçam entre si, na medida em que cada um esteja consciente de que junto a ele vai estar outro (ou outros) e estes se achem imbuídos da mesma ideia (cf. Ac. do STJ de 11-03-1998, Proc. n.º 1133/97 - 3.ª, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 220.).

Ora, no caso vertente, está provado que o arguido recorrente sabia que, a mando de terceiro, ia buscar e transportar alguém que sabia ser, ele próprio, transportador de droga.

De nada releva que o arguido recorrente venha agora dizer que não tocou na droga, que não a manuseou. O que interessa para efeitos de co-autoria, é que o arguido sabia que era parte de um plano mais abrangente e que, com a sua conduta, iria dar cumprimento ao mesmo, facto que aceitou e executou.

Vale o que ficou expresso para afirmar que, no que ao tráfico de estupefacientes diz respeito, a conduta dos arguidos mencionados é subsumível ao disposto no artº 21º do D.L. 15/93, ainda que nem todos os arguidos hajam levado a cabo todos os actos de tráfico.

Em segundo lugar de forma alguma, mesmo que se tratasse de um episódio único (e em parte alguma se diz que este não foi para o arguido um episódio único), nunca a qualificação dos facto seria a do artº 25º do D.L. 15/93 de 22.01..

Na verdade, o preceito referido pressupõe uma ilicitude consideravelmente diminuída (nem sequer apenas diminuída).

Ora, transportar estupefaciente, designadamente cocaína, de um hemisfério para outro, por via aérea, chamando diversos indivíduos a intervir na operação não é, nem pode ser considerada uma acção em que a ilicitude é consideravelmente diminuída.

Improcede, também aqui, o recurso.

Assente que os factos permanecem imutáveis e que a qualificação jurídica se mostra correcta e não questionando o arguido o quantum da pena, resta conhecer da questão da pena acessória de expulsão.

Dispõe o artº 151º da Lei 23/2007 de 04.07. “ 1 — A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses. 2 — A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal. 3 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente, quando a sua conduta constitua perigo ou ameaça graves para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional.”

A pena de expulsão radica no cidadão.

A cidadania é um compromisso entre a pessoa e o Estado. É um sentimento de pertença. Por via da cidadania o Estado confere direitos àqueles que lhe pertencem e por via da cidadania o cidadão é responsável perante o Estado com um conjunto de deveres e obrigações para o bem comum.

Ora, o arguido é cidadão brasileiro e os sentimentos de pertença que a sua cidadania acarreta são para com a República Federativa do Brasil.

Isto serve para dizer que para o Estado Português, quando um cidadão de outro país comete um crime grave em Portugal (crime doloso com pena superior a 6 meses de prisão ou um ano, consoante os casos), o Estado Português declara não desejar no seu território tal indivíduo.

Contudo, existem diversos níveis (em situações em que os estrangeiros não são nacionais de qualquer país da União Europeia).

Um primeiro nível em que o agente não é residente em Portugal. Neste caso apenas é necessário que o agente cometa crime doloso cuja pena seja superior a seis meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses para que seja expulso.

Num segundo nível o agente é estrangeiro mas é residente em Portugal. Nesta situação o agente tem de ser condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão mas aqui dever-se-á ter em conta, na sua aplicação:
a)- a gravidade dos factos praticados pelo arguido;
b)- a sua personalidade;
c)- a eventual reincidência;
d)- o grau de inserção na vida social;
e)- a prevenção especial; e
f)- o tempo de residência em Portugal.

Vejamos, pois ….

No que respeita à “gravidade dos factos” estamos perante um quadro de assinalável gravidade pautado pela comissão de um crime contra a saúde pública e com efeitos nefastos no tecido social.

Quanto à personalidade do arguido retiramos da matéria assente que estamos perante alguém que tem capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende como adequadas e vantajosas para si mas que é incapaz de se nortear de acordo com as regras sociais antes valorizando a satisfação imediata das suas necessidades.

Quanto à eventual reincidência a mesma mostra-se provável já que o arguido já tem um passado criminal pela comissão de crimes de roubo e detenção de arma proibida, tendo cumprido pena de prisão até 2015.

Quanto ao grau de inserção na vida social o arguido dá-se com membros da sua comunidade, onde a imagem social é boa, mas não tem ligações ou laços com Portugal já que não tem família neste País e o seu relacionamento com a companheira não tem consistência.

Não tem autorização de residência em Portugal e não tem uma situação laboral estável.

O facto de a ter tido em tempos não garante que a venha a ter tanto mais que as condições hoje não são aquelas que eram quando inicialmente obteve a autorização de residência.

Ou seja, não existe, uma inserção social adequada.

Quanto ao tempo de residência em Portugal o arguido está em Portugal desde 2006, sendo que 4 anos e 4 meses desse período foram passados na cadeia.

Tudo visto, não se pode deixar de apreciar negativamente a permanência em Portugal do arguido e concordar, ante o exposto, com a expulsão do mesmo.

A expulsão mostra-se correcta quanto ao período de 5 anos atenta a gravidade dos factos e o alarme social que geram.
***

IV–Dispositivo.
Por todo o exposto, acorda-se nesta 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provido o recurso apresentado pelo arguido AP… mantendo, na íntegra, o mui douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente que se fixam em 5 (cinco) U.C.
Notifique.

Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pela Veneranda. Juíza Adjunta.



Lisboa e Tribunal da Relação, 13 de Fevereiro de 2019


Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
-Relator -

Maria Teresa Féria de Almeida
-1ª Adjunta -