Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7503/10.7YYLSB-A.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: CONHECIMENTO DE MÉRITO NO SANEADOR
TÍTULO EXECUTIVO
LIVRANÇA
NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1–A antecipação do conhecimento de mérito ao momento da prolação do despacho saneador pressupõe que o estado do processo possibilite essa decisão, o que sucederá, para além do caso em que toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento, designadamente, quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que restam controvertidos ou os factos alegados pelo autor sejam inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido.

2O título executivo define o fim e os limites da execução, devendo a obrigação exequenda estar consubstanciada no próprio título, daí que, por regra, seja irrelevante tudo o que o exequente alegue no requerimento executivo e que extravase o âmbito daquele, pois que o título deve constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, sem prejuízo da possibilidade de o executado provar que apesar do título a dívida não existe.

3O negócio cambiário tem por base uma causa, mas que é separada daquele, decorrendo não dele próprio, mas de uma convenção subjacente, extracartular, sendo que os vícios de que esta padeça apenas poderão ser opostos ao portador imediato.

4Nessas circunstâncias, recai sobre o executado o ónus de alegar e de provar factos concretos e objectivos que sejam susceptíveis de colocar em crise a validade, eficácia ou existência da relação fundamental subjacente à livrança.

5Para tanto, não basta ao executado invocar um desconhecimento genérico quanto aos créditos subjacentes à emissão das livranças, uma sucessão de letras de reforma, sem qualquer descrição ou concretização, a inexistência de pacto de preenchimento e, simultaneamente, a sua violação, num arrazoado destituído de factos concretos e objectivos passíveis de serem sujeitos a produção de prova, pelo que tal alegação é insuficiente para afastar a sua responsabilidade quanto ao pagamento das livranças exequendas.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


IRELATÓRIO


B, com domicílio à Praça ... ... ..., nº... - ... apresentou, em 20 de Abril de 2010, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra C ( .... Sucursal Portugal ) e A ( EMANUEL ...), com domicílio à Avª. ... de ..., nº..., - .... -....-... - L____ com base em título executivo constituído por duas livranças subscritas pela sociedade executada e avalizada pelo co-executado, com os valores inscritos de 11 500,00 € e 17 218,00 €, correspondendo a quantia exequenda ao montante global de 29 639,84 €, onde se incluem juros de mora sobre o capital e imposto de selo (cf. Ref. Elect. 3666292 dos autos de execução).

Após a realização da penhora que incidiu sobre depósitos bancários da titularidade da sociedade executada e do executado (cf. Ref. Elect. 10172488 dos autos de execução), uma vez citado (cf. Ref. Elect. 17560387 dos autos de execução), em 19 de Março de 2018 deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, com a seguinte ordem de fundamentos (cf. Ref. Elect. 18336048):

Inexistência de título executivo
O exequente deu à execução duas livranças, mas o executado deu o seu aval numa livrança com vista à garantia de crédito contraído pela executada, não tendo sido entregue quaisquer cópias dos respectivos contratos de crédito e/ou fichas de abertura de conta, pelo que não pode precisar qual o crédito que a livrança visava garantir, sabendo que não garantiu as suas obrigações com a subscrição de duas livranças, nem existe pacto de preenchimento nesse sentido;
Ao longo da sua relação contratual, exequente e executada iam procedendo à reforma da livrança emitida anteriormente à medida que se procedia ao pagamento do crédito em dívida, dando o executado o respectivo aval, como resulta da livrança com o valor de 11 500,00 €;
A livrança subscrita e avalizada em branco carece de pacto de preenchimento, pelo que é nulo o aval, dado que a obrigação e a sua data de vencimento é indeterminável;

Falta de interpelação do avalista
O executado, enquanto avalista, jamais foi interpelado para proceder ao pagamento;

Falta de protesto
Não se procedeu ao protesto;
A livrança com o valor de 17 218,00 € surge como se de nova livrança se tratasse, sem que tenha por base a reforma de livrança anteriormente preenchida, sendo que nunca serviu de garantia ao contrato de crédito emergente da conta corrente 45.......11, conforme consta do seu preenchimento;
A subscrição e aval dado em mais de uma livrança destinava-se apenas à reforma de livrança anteriormente preenchida, pelo que não se compreende como pode o exequente apresentar à execução duas livranças, pelo que existiu preenchimento abusivo;
A considerar-se válida uma das livranças, a única que poderia ser apresentada à execução seria a livrança emitida a 09-06-2008, no valor de 11 500,00 €;

Inexistência dos créditos titulados nas livranças
A relação contratual entre a exequente e o executado cessou em Agosto de 2008, data em que, segundo a exequente, para além da livrança dada à execução com o valor de 11 500,00 €, encontrar-se-ia em dívida o valor de 3 975,00 €, conforme extracto combinado emitido por aquela;
A executada tinha uma conta corrente junto da exequente a qual se encontrava caucionada por conta de depósito a prazo no valor de 150 000,00 € e cujos juros vencidos serviriam para amortizar os créditos contraídos;
À data da cessação da relação contratual, a executada requereu a liquidação das suas obrigações, o que ocorreu com a emissão do extracto que junta, estando em dívida, quanto à conta corrente n.º 45.......11, o valor de 278,58 €;
Os restantes valores diriam respeito a impostos e a um crédito emergente da utilização de cartão de crédito no valor de 2 344,97 €, não se especificando se aqueles valores dizem respeito a capital ou a juros;
Em Agosto de 2008, foi solicitado o encerramento de contas e liquidação de todas as obrigações emergentes dos contratos de crédito celebrados, não havendo qualquer movimentação da conta corrente, não tendo sido geradas quaisquer novas obrigações do executado perante a exequente;
A 12 de Novembro de 2008 o executado procedeu ao pagamento do valor de 500,00 € por conta dos créditos dos quais era devedor perante a exequente, valor esse que deverá ser imputado ao valor constante da livrança de 11 500,00 €, caso se considere validamente dada à execução;
A considerar-se a existência de título estaria, no máximo, em dívida o valor total de 14 975,34 €, acrescidos de eventuais juros de mora vencidos o que jamais poderá perfazer o valor peticionado de 29 639,84 €.

Oposição à penhora
No âmbito dos presentes autos foi penhorada uma conta bancária alegadamente titulada pelo executado junto da CGD,S.A., mas tal conta é titulada pela mãe deste, Ilda ....., tendo aquele apenas autorização para a sua movimentação, tratando-se de saldos que não lhe pertencem, pelo que deve ser ordenado o levantamento da penhora que incide sobre a verba n.º 2;
Concluiu requerendo a suspensão da execução sem prestação de caução, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 733.º do Código de Processo Civil[1], pela procedência dos embargos e pela sua absolvição da instância, por falta de título executivo ou, assim não se entendendo, pela junção de todos os contratos que titulam os créditos, com especificação e liquidação dos montantes devidos a título de capital e juros, e que seja ordenado o levantamento da penhora.

Em 16 de Abril de 2018 foi proferido despacho liminar de recebimento dos embargos e foi ordenada a notificação do exequente para contestar (cf. Ref. Elect. 375523528 dos autos de execução).

Em 20 de Junho de 2018, o exequente/embargado deduziu contestação alegando, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 19402786):
O embargante assinou as livranças enquanto representante legal da sociedade executada, pelo que tinha conhecimento do que estava assinar, tanto mais que não impugna a veracidade da assinatura;
O embargante teve conhecimento do contrato e pacto de preenchimento e das cláusulas e condições de ambos os contratos que deram origem às livranças em causa;
A livrança foi preenchida nos termos legais e contratuais, tendo sido acordado entre as partes a subscrição de uma livrança em branco, para titulação do capital emprestado e juros, ficando o banco autorizado a preenchê-la;
As livranças foram preenchidas após se ter verificado o incumprimento do pagamento de acordo com as cláusulas previstas no pacto de preenchimento;
A conta bancária penhorada é titulada pelo embargante, pelo que a embargada pode penhorar o crédito aí existente.
Pugna pela improcedência dos embargos de executado e pelo não levantamento da penhora e ainda pelo indeferimento da visada suspensão da execução.

Por requerimento de 10 de Setembro de 2018, o embargante pronunciou-se sobre o conteúdo da contestação e documentos juntos, que impugna, pugnando pelo desentranhamento da primeira por ter sido junta com procuração não subscrita pela embargada ou por ineptidão, devendo esta ser notificada para identificar os factos que pretende provar com os documentos juntos e juntar os dois pactos de preenchimento relativos às livranças (cf. Ref. Elect. 20138804).

Em 8 de Novembro de 2019 foi proferido despacho que indeferiu a pretendida suspensão da execução e ordenou a notificação da exequente para juntar os pactos de preenchimento (cf. Ref. Elect. 391495144).

Em 6 de Dezembro de 2019 a embargada juntou aos autos documento comprovativo da facilidade de crédito concedida à sociedade executada, sob a forma de conta corrente e respectivas condições, subscrito também pelo executado (cf. Ref. Elect. 24869013).

Por requerimento de 15 de Dezembro de 2019 o executado sustenta que nesse documento não consta qualquer pacto de preenchimento, e, ainda que assim se entendesse, sempre estaria em falta um pacto, pois foram apresentadas à execução duas livranças (cf. Ref. Elect. 24952461).

Em 4 de Fevereiro de 2020, a exequente esclarece que a livrança com o valor de 11 500,00 €, conforme dela consta, resulta de uma reforma de livrança com o valor de 14 000,00 €, pelo que não tem subjacente qualquer pacto de preenchimento, sendo preenchida no mesmo acto do empréstimo, com o consentimento de subscritor e avalista, sendo destruída a livrança anterior; a livrança com o valor de 17 218,00 € é uma livrança autónoma, de um empréstimo diferente, conforme referido na contestação, estando junto aos autos o contrato (cf. Ref. Elect. 25420152).

Em 29 de Janeiro de 2021 foi proferido despacho onde se entendeu que os autos forneciam os elementos necessários para a apreciação do mérito da causa e se ordenou a notificação das partes para dizerem se pretendiam a realização de audiência prévia, tendo o embargante requerido que esta tivesse lugar (cf. Ref. Elect. 402327130 e 28473305).

Em 18 de Junho de 2021 realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual foi concedida às partes a oportunidade de se pronunciarem quanto à matéria de facto e de direito, tendo sido proferido despacho a consignar que o despacho-saneador seria proferido por escrito (cf. Ref. Elect. 406515081).

Em 11 de Julho de 2021 foi proferido despacho saneador-sentença que julgou os presentes embargos de executado improcedentes e, bem assim, a oposição à penhora, com o consequente prosseguimento da execução (cf. Ref. Elect. 406674732).

É desta sentença que o executado/embargante Emanuel ... recorre, concluindo assim as respectivas alegações (cf. Ref. Elect. 30413300):
1–A sentença proferida violou o princípio do direito ao contraditório do recorrente atendo que era essencial proceder à realização de audiência de julgamento, mormente por forma a proceder à tomada das declarações de parte do executado, as quais eram fundamentais para a descoberta da verdade material.
2–Havendo matéria controvertida nos autos, cuja prova não se bastava com os documentos juntos aos autos, não poderá o Juiz dispensar a realização da audiência de julgamento.
3–Fazendo ambas as livranças menção ao mesmo contrato de crédito em conta-corrente n.º 45.......21, e não havendo prova de que teria sido subscrito qualquer outro crédito e havendo confissão da exequente de que livrança reformada “não tem qualquer contrato associado ou pacto de preenchimento”, não poderá o Tribunal a quo considerar que “não resultam em concreto as circunstâncias da reforma (ou o negócio causal que originou a livrança inicial)”.
4–Da prova documental carreada nos autos apenas se poderá concluir que as livranças dadas à execução dizem respeito ao mesmo negócio causal, a conta-corrente n.º 45........21.
5–Resulta do contrato de crédito junto aos autos que aquele contrato tinha por garantia uma única livrança.
6–Livrança essa que foi objecto de reforma.
7–Por motivo alheio ao executado, a executada não procedeu à destruição da livrança inicial.
8–Tratando-se do mesmo negócio causal, não pode o exequente preencher a livrança inicial e a respectiva reforma que se encontre na sua posse.
9–Entendimento contrário levaria a que o credor, tendo na sua posse a livrança inicial e as suas reformas, pudesse executá-las como se todas elas dissessem respeito ao mesmo negócio causal e à mesma obrigação.
Pugna pela procedência do recurso e substituição da decisão por outra que julgue os embargos procedentes.
A exequente/recorrida contra-alegou sustentando a manutenção a decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 30572914).

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II–OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, pág. 95.

Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, n.º 3, do CPC), contudo o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre questões novas - cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 97.

A decisão recorrida apreciou a existência de título executivo; a existência de pacto de preenchimento de livrança em branco e violação desse pacto; o pagamento parcial da quantia exequenda; a falta de interpelação do embargante para pagar; a ausência de protesto por falta de pagamento; o pagamento parcial da quantia exequenda; a oposição à penhora.

Nas suas alegações de recurso o recorrente cingiu o respectivo âmbito à alegada violação do princípio do contraditório por não realização da audiência final, a falta de título executivo, com fundamento em preenchimento abusivo das livranças e pagamento parcial da quantia, pelo que as demais questões suscitadas em sede de embargos se mostram definitivamente resolvidas (cf. art.º 635º, n.º 4 do CPC).

Assim, perante as conclusões da alegação do embargante/recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a)-Da putativa impugnação da matéria de facto;
b)-Da violação do princípio do contraditório;
c)-Da existência de título executivo/preenchimento abusivo das livranças;
d)-Do pagamento parcial da quantia exequenda.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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IIIFUNDAMENTAÇÃO

3.1.– FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1. A exequente intentou ação executiva para pagamento de quantia certa, munida de:
a.-Documento cuja cópia consta a de fls. 5 dos autos de execução, no qual se inscreve a frase: “no seu vencimento pagarei(emo)s por esta única via de livrança ao A ou à sua ordem a quantia de onze mil e quinhentos euros”, com data de “emissão”em 9-06-2008 e de “vencimento” em 10-08-2008, em cujo “Valor” se encontra manuscrito “Reforma da Livrança de 14 000,00€”;
b.-Documento cuja cópia consta a de fls. 6 dos autos de execução, no qual se inscreve a frase: “no seu vencimento pagarei(emo)s por esta única via de livrança ao A ou à sua ordem a quantia de dezassete mil, duzentos e dezoito euros”, com data de “emissão” em 30-11-2006 e de “vencimento” em 22-02-2010, em cujo “Valor” se encontra manuscrito “Titulação do contrato de crédito conta corrente nº. 45.......11”.
2. Nos documentos referidos em 1., no local destinado a “nome e morada do(s) subscritor(es)”, está identificada a co-executada C e, no local destinado a “assinatura(s) do(s) subscritor(es)”, consta um carimbo identificativo desta sociedade e uma assinatura sobre o mesmo.
3.No verso de cada um dos documentos referidos em 1. encontra-se aposta, transversalmente, a assinatura do embargante, sob a expressão manuscrita “Bom Por aval à firma subscritora”.
4.O exequente e a co-executada C celebraram em 30-11-2006, o acordo pelo qual aquele concedeu a esta “uma facilidade de crédito sob a forma de conta corrente”, no montante de 150 000,00€ (documento de fls. 52 e 53, que se considera reproduzido).

5.No acordo referido em 4., consta nas denominadas “condições específicas:

“9. CAUÇÃO
V. Exªs. comprometem-se desde já a entregar a este Banco:
9.1.- Uma livrança subscrita por V. Exª(s) e avalizada por Emanuel ....., ficando o banco expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a preenchê-la, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exª(s) perante o banco, acrescido de todos os encargos com a selagem, caso se verifique o incumprimento por parte de V. Exª(s) de qualquer das obrigações que lhe competem e que aqui são referidas”.

6.O embargante assinou o acordo referido em 4., após a menção O(s) Avalista(s)”.
7.Foi penhorado o saldo bancário do executado na Caixa Geral de Depósitos, no valor de 2 301,21 € (verba 2 do auto de penhora de fls. 23 e 24 da execução).
8.A fls. 11 está junto o documento “cópia para o cliente”, de que consta o “depósito normal” de 500,00 € em “numerário”,em 12-11-2008, na conta nº. 45.......21 da co-executada C.

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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1.- Da putativa impugnação da matéria de facto

Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

À luz do normativo transcrito, afere-se que em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escritos – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que contende com o ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
A necessidade de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 142, nota 228.

Abrantes Geraldes pugna no sentido de que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a)-Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. b));
b)-Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c)-Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d)-Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e)-Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.” – cf. op. cit., 2016, 3ª edição, pág. 142.

Tem-se entendido que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, sendo que a especificação dos meios de prova e a indicação das passagens das gravações não têm de constar necessariamente da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 e de 31-5-2016, processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1[2] – “[] do art. 640º nº 1 al. b) não resulta que a descriminação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões. Tem sim, essa especificação de ser efectuada nas alegações. Nas conclusões deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorrectamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações.”

Neste caso, o recorrente, não obstante, no corpo das suas alegações, ter colocado em crise a valoração da prova documental efectuada pelo Tribunal a quo, transcrevendo todos os factos provados para depois tecer considerandos sobre aqueles que se encontram vertidos nos pontos 4. e 8., prossegue apenas retirando ilações diversas daquelas que o Tribunal recorrido sustentou na sua decisão sobre a matéria de direito, pelo que, em rigor, nenhum pedido formula quanto à decisão da matéria de facto, não indicando sequer que tais factos sejam dados como não provados ou provados com redacção distinta.

De igual modo, nas conclusões do seu recurso supra transcrita não foi indicado qualquer ponto da matéria de facto que o recorrente pretenda ver alterado, pelo que, não obstante mencionar uma errada valoração da prova produzida, fá-lo para infirmar a apreciação jurídica efectuada pela 1ª instância, pelo que, em rigor, o apelante não impugna qualquer ponto da matéria de facto, não havendo que proceder ao conhecimento de qualquer questão do recurso, nessa sede.

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3.2.2.Da violação do princípio do contraditório
Um dos fundamentos do recurso interposto pelo embargante/recorrente é o de que ocorreu violação do direito a contraditório por a decisão recorrida ter sido proferida antes da realização da audiência de julgamento, no âmbito da qual aquele pretendia prestar declarações, prova que se revela essencial para o apuramento da verdade material, tanto mais que o exequente não consegue identificar correctamente quais os contratos de crédito subjacentes às livranças dadas à execução.

A embargada/apelada argumenta que tal violação do princípio do contraditório não se verifica, porquanto o executado teve a possibilidade de deduzir oposição e, bem assim, de se pronunciar no decurso da audiência prévia.

O art. 3º, n.º 3 do CPC consagra de modo amplo o princípio do contraditório, enquanto princípio geral enformador do processo civil, que se impõe em todas as fases processuais, impedindo que sejam tomadas decisões à revelia de algum dos interessados ou que as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objecto de qualquer discussão.

Assim, “antes de decidir, o juiz deve facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria, o que poderá evitar decisões precipitadas ou, no mínimo, decisões que surjam contra a corrente do processo ou contra as expectativas que legitimamente foram criadas pelas partes quanto à sua evolução no sentido da prolação de uma decisão de mérito […] Confrontado com uma decisão que tenha sido proferida com desrespeito pelo princípio do contraditório (v. g. quando se trate de uma verdadeira decisão-surpresa[3]), a sua impugnação deve ser feita através da interposição de recurso, se e quando este for admissível, ou mediante a arguição da nulidade da decisão, nos demais casos” – cf. A. Abrantes Geraldes et al, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Feral e Processo de Declaração, 2018., pp. 20-21.

A argumentação da recorrente assenta na falta de observância do princípio do contraditório por via da não realização da audiência final, onde pretendia prestar declarações de parte, invocando ainda que lhe foi vedado o direito à produção de prova.

Ora, conforme decorre do relatório supra, por despacho de 29 de Janeiro de 2021 a senhora juíza a quo entendeu que os autos forneciam os elementos necessários para a apreciação do mérito da causa e ordenou a notificação das partes para dizerem se pretendiam a realização de audiência prévia.

Por requerimento de 11 de Fevereiro de 2021, o embargante informou que pretendia a realização da audiência prévia, onde visava discutir a matéria de facto e de direito, sendo que, na sua perspectiva, os autos não permitiam a prolação de decisão de mérito, devendo ter lugar audiência final.

A audiência prévia foi realizada em 17 de Junho de 2021, no decurso da qual foi dada oportunidade às partes, logo, também ao recorrente, para dizerem o que tivessem por conveniente sobre a matéria de facto e de direito, discussão que teve lugar, conforme se consignou na respectiva acta (cf. Ref. Elect. 406515081), que não foi colocada em crise, pelo que se mostra observada a tramitação que decorre do previsto nos art.ºs 591º, n.º 1, b) e 595º, n.º 1, b) do CPC, ou seja, tendo o tribunal entendido que dispunha de condições para apreciar o mérito da causa no despacho saneador, procedeu à realização da audiência prévia, onde facultou às partes a discussão sobre as vertentes do mérito do litígio que haveria de resolver, sendo certo que no âmbito da decisão proferida não foram apreciadas questões que não tivessem sido suscitadas na petição inicial dos embargos de executado.

Como referem A. Abrantes Geraldes et al, op. cit., pág. 687:
“É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspetos materiais do litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa. Estas alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre eventuais exceções perentórias não discutidas nos articulados e que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente, prevenindo decisões-surpresa. […]
Em todas estas situações está em jogo o respeito pelo princípio do contraditório, garantido às partes pronúncia sobre questões que o juiz irá decidir na fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa (art.º 3, n.º 3)”.
Foi o que se passou neste caso.
Após a oportunidade concedida às partes para discutirem os termos da causa, de facto e de direito, a senhora juíza a quo, conforme tinha já anunciado anteriormente, entendeu estar em condições de proferir decisão de mérito, sem necessidade de produção de mais prova, conforme lho permite o disposto nos art.ºs 591º, n.º 1, b) e 595º, n.º 1, b) do CPC, pelo que proferiu decisão.
Como tal, não se vislumbra de que modo o direito de audição da parte tenha sido afectado, podendo apenas discutir-se se os autos reuniam, efectivamente, todos os elementos para a prolação de uma decisão segura e conscienciosa sobre o mérito da causa, o que infra se analisará.
Por tal razão. não ocorreu violação do princípio do contraditório, pelo que a decisão proferida não está afectada de nulidade, sob tal perspectiva.
Acresce que, no âmbito da ponderação da existência dos elementos necessários para decidir a causa em sede de despacho saneador, será então de aferir se tais elementos, à face dos factos alegados e que incumbia ao embargante provar, eram insuficientes, carecendo ainda de ser produzida prova sobre factos controvertidos e relevantes para a apreciação do mérito dos embargos de executado.
Com efeito, nos termos do art.º 341º do Código Civil, “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”.
A proposição e a produção da prova em juízo têm por fim demonstrar a realidade de factos relevantes para o processo.
A demonstração da realidade dos factos que se pretende com a prova não visa alcançar uma certeza absoluta de tal realidade, mas sim, um grau de convicção suficiente para as exigências da vida. Conforme referem A. Abrantes e t al, op. cit., pág. 487 – “Um standarde prova consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese de facto para que tal hipótese possa considerar-se provada, ou seja, para que possa ser aceite como verdadeira”.
Certo é que o direito de acesso à justiça comporta o direito à produção de prova e o direito à cooperação na obtenção da prova, enquanto vertente da exigência de um processo equitativo, no cumprimento do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (cf. artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), o que, contudo, não significa a necessária admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ainda que o Tribunal não possa recusar qualquer meio de prova de modo discricionário, apenas podendo fazê-lo de modo fundamentado, com base na lei ou em princípio jurídico.
De todo o modo, o direito à produção de prova apenas terá de ser garantido, in casu, se se apurar a existência de factos controvertidos, ainda carecidos de demonstração e que tenham a virtualidade de interferir com o desfecho da causa.

***

3.2.3.–Da existência de título executivo
O art. 595º, n.º 1, b) do CPC permite que no despacho saneador se conheça imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permita, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
O conhecimento do mérito da causa no despacho saneador depende de estarem adquiridas para o processo provas bastantes para tal apreciação e só deve ter lugar quando este contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo presente aquele que é o entendimento do juiz da causa – cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,Código de Processo Civil Anotado, Volume 2ª, 3ª Edição, pág. 659.

A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe, assim, que, independentemente de estar em causa matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite essa decisão, o que sucederá, designadamente, quando:
a)-Toda a matéria de facto relevante esteja provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documento;
b)-Quando seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que restam controvertidos (por exemplo, se os factos alegados pelo autor não preenchem as condições de procedência da acção, é indiferente a sua prova);
c)-Quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental;
d)-Quando os factos alegados pelo autor sejam inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência);
e)-Quando todos os factos integradores de uma excepção peremptória se encontrem já provados, com força probatória plena, por confissão, admissão ou documento.

O juiz deve guiar-se, na sua opção entre a prolação de decisão de mérito da causa ou o prosseguimento desta com a realização de audiência final, por um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos – cf. A. Abrantes Geraldes et al, op. cit. pág. 697; Francisco Ferreira de Almeida, op. cit., pág. 204.

Neste enquadramento, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito, ou seja, não há que antecipar qualquer solução jurídica e desconsiderar factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção (a dificuldade será maior face à perspectiva de a questão de direito poder ter mais do que uma solução, caso em que a relevância dos factos alegados, ainda que controvertidos, variará em função desta ou daquela solução jurídica) – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-07-2017, processo n.º 114815/16.8YIPRT.G1.

Todavia, existem outros entendimentos nesta matéria que cumpre ter presentes.

Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-02-2020, processo n.º 814/18.5T8PTL.G1 dá-se conta da posição de Paulo Ramos Faria, que a propósito da relevância da existência de várias soluções com aquelas características na decisão de julgar antecipadamente a acção, critica as decisões jurisprudenciais que as têm relevado, nos seguintes termos:
““é questionável a adesão desta corrente jurisprudencial à letra e ao espírito da lei, bem como às diferentes realidades processuais concretas”. Segundo o referido autor, “trata-se de uma posição que, por um lado, parece ignorar a natureza da decisão de antecipação do julgamento do mérito da causa − de gestão processual – e que, por outro lado, transforma um critério que deve operar no esclarecimento ou na delimitação do objeto da instrução, quando esta deve ter lugar, num pressuposto geral da sua realização, invertendo a ordem lógica das questões a enfrentar na fase intermédia do processo, não reconhecendo a existência de casos nos quais, inquestionavelmente, se impõe uma decisão imediata da causa, embora subsista a controvérsia sobre matéria de facto relevante, de acordo com uma solução plausível para a questão de direito que é recusada pelo tribunal”, assim defendendo que, pelo contrário, “quando a decisão da causa é suscetível de impugnação através de recurso, pode ela ser antecipada, ainda que subsista controvérsia sobre factos relevantes à luz de uma (outra) solução plausível, isto é, ainda que subsista controvérsia sobre alguns dos factos que integram a fundamentação de facto da ação” […]

Isto sem esquecer, no entanto, que “à economia de recursos do tribunal de primeira instância, obtida em todos os casos em que a solução adotada pelo juiz é a apropriada, contrapõe-se a (evitável) intervenção do tribunal superior, nos casos (menos frequentes) em que o juiz a quo falha na escolha do direito aplicado – e a decisão é impugnada, e os factos essenciais à luz do direito pertinente continuam controvertidos”, pelo que “a decisão sobre a antecipação do julgamento, a ponderação dos ganhos de eficiência obtidos – orientadora da decisão gestionária – deve ser isenta, não se podendo aceitar que nela se adote uma perspetiva enviesada, apenas sensível às dificuldades da atividade jurisdicional do tribunal decisor e ao propósito de evitar o seu desenvolvimento desnecessário”.

Ali se conclui, por isso, que “quando o saneador-sentença admite recurso, a existência de diferentes soluções plausíveis não é irrelevante para a decisão de julgar imediatamente a causa na fase intermédia da ação, mas também não é determinante. É um fator a considerar numa decisão gestionária e pragmática, podendo justificar o sacrifício da economia processual e da celeridade na decisão da causa (isto é, podendo justificar a não antecipação da decisão de mérito), quando existem razões para admitir que a posição do tribunal superior sobre o regime legal adequado ao julgamento de mérito não é concordante” (pág. 34).”

Aquilo que importa, pois, como conclui o referido autor, é que em sede de interposição de recurso do saneador-sentença, e “estando efectivamente assentes todos os factos essenciais relevantes respeitantes à solução de direito adoptada na decisão impugnada, o processo só deve prosseguir no tribunal a quo quando o tribunal da Relação, depois de afirmar (à luz dos factos alegados) que o direito aplicável ao caso não é o definido pelo tribunal recorrido, conclui que permanece controvertida a factualidade alegada idónea para constituir a base da decisão que aplica o direito adequado”, prosseguindo o processo “para as fases de instrução e discussão da causa”.

Daqui decorre, na perspectiva em referência, que a existência de outras soluções plausíveis, continuando controvertida a factualidade respectiva, não é um critério suficiente de procedência do recurso, sendo que o fundamento decisivo da cassação é a adopção errada pelo tribunal a quo de um certo enquadramento jurídico sobre o mérito da causa, erro que obriga à instrução da causa.

No caso em apreço, face aos factos alegados pelo embargante/apelante na petição inicial, no confronto com a prova documental carreada para os autos, não se afigura possível conceder razão ao recorrente, porquanto os factos/alegações fáctico-conclusivas por ele invocados se revelam insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido, como se passa a explicar.

Recorde-se aquela que é a alegação factual do embargante perante a apresentação à execução de duas livranças por si avalizadas, uma, no valor de 11 500,00 €, com data de emissão de 9-06-2008 e vencimento em 10-08-2008 e outra, no valor de 17 218,00 €, com data de emissão de 30-11-2006 e vencimento em 22-02-2010 (sendo certo que não impugnou a assinatura nelas apostas e que lhe são imputadas):
O executado deu o aval numa livrança para garantia de um crédito, que não sabe precisar porque não lhe foram entregues cópias dos contratos de crédito(artigo 2º);
O executado nunca garantiu as suas obrigações com a subscrição de duas livranças e não existe pacto de preenchimento nesse sentido (artigo 3º);
Ao longo da sua relação contratual, exequente e executada iam procedendo à reforma da livrança emitida anteriormente à medida que se procedia ao pagamento do crédito em dívida, dando o executado o respectivo aval (artigo 4º);
A livrança em branco carece de pacto de preenchimento para o portador a poder preencher e esse pacto não foi por si subscrito;
A livrança com o valor de 17 218,00 € não podia ter sido preenchida, pois é uma livrança nova, não tendo por base a reforma de livrança antes preenchida (artigo 10º);
Jamais essa livrança serviu de garantia ao contrato de crédito emergente da conta corrente 45.......11 (artigo 11º);
A subscrição e aval dado em mais do que uma livrança destinavam-se, apenas e tão só, à reforma de livrança anteriormente preenchida (artigo 13º);
O executado não subscreveu qualquer livrança que visasse a garantia dos créditos emergentes de conta corrente n.º 45.......11, nem tão pouco anuiu no seu preenchimento (artigo 17º);
Todas e quaisquer livranças que estivessem ou estejam na posse da exequente, destinavam-se à reforma da livrança anteriormente preenchida (artigo 18º);
A relação contratual entre a exequente e o executado cessou em Agosto de 2008, data na qual, segundo a exequente, para além da livrança dada à execução com o valor de 11 500,00 €, encontrar-se-ia em dívida o valor de 3 975,00 €, conforme extracto emitido pela exequente (documento n.º 1) (artigo 19º);
A conta corrente junto da exequente estava caucionada por conta de depósito a prazo no valor de 150 000,00 € (artigo 22º);
Em Agosto de 2008, no final da relação, por força da conta corrente n.º 45.......11 encontrar-se-ia em dívida o valor de 278,58 € (artigo 24º);
Em 12/11/2008 o executado procedeu ao pagamento do valor de 500,00 € por conta dos créditos dos quais era devedor perante a exequente, que deverá ser imputado ao valor constante da livrança de 11 500,00 € (artigo 29º);

Tendo o tribunal recorrido apurados os factos do modo que acima se deixou enunciado, apreciou estas questões nos seguintes termos:
“Por um lado, a livrança no valor de 11 500,00€ resulta da reforma de uma anterior de 14 000,00€, como da mesma consta e, aliás, o próprio executado refere: “É usual, no comércio, que, chegada a data do vencimento o devedor, geralmente o aceitante ou sacador conforme os casos, proceda ao pagamento da letra (ou livrança) enviando ao portador um a letra por si aceite de montante correspondente parcialmente à quantia a pagar e o remanescente em dinheiro, ou nos casos da chamada “reforma por inteiro”, que lhe envie aceite uma letra pelo montante do total do montante anterior. A letra originária extingue-se por cumprimento e surge uma nova letra autónoma da primeira.
(…) ocorre a dação de uma nova letra (ou se se preferir, a assunção de uma nova obrigação cambiária) em função do cumprimento parcial ou total duma outra pré-existente (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, p. 92).

Não resultam em concreto as circunstâncias da reforma (ou o negócio causal que originou a livrança inicial), porquanto as partes (mormente o executado, face ao ónus que sobre si impende) nada referem.
O certo é que, sendo a livrança em causa a reforma de uma anterior, não tem qualquer aplicação a este caso o alegado quanto ao pacto de preenchimento e preenchimento abusivo.
Ao tratar-se da reforma de uma livrança, foi desde logo subscrita pela co-executada e avalisada pelo embargante com aquele valor, não estando em causa qualquer livrança em branco.
Já no que respeita à livrança no valor de 17 218,00€ constitui uma livrança em branco, cuja previsão legal se encontra no art. 10 da LULL (aplicável às livranças ex vii do art. 77 da LULL).
[…]
Uma das funções da livrança de câmbio em branco é, exatamente, servir de garantia de cumprimento: “por vezes, na prática bancária, pretende-se constituir caução pela entrega de uma livrança em branco com acordo de preenchimento” (Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias do Cumprimento, Almedina, 1994, p. 27).

A livrança em execução garante o cumprimento do contrato de crédito sob a forma de conta corrente, no montante de 150 000,00€, celebrado entre exequente e co-executada, a despeito do que o executado alega, embora sem concretizar qualquer facto.
Como resulta da própria livrança esta refere a “Titulação do contrato de crédito conta corrente nº. 45.......11”.
A livrança tem data de emissão correspondente à da celebração do contrato (30.11.2006).
O contrato refere a subscrição e aval de livrança em garantia do seu cumprimento (cláusula especial 9).
Portanto, dúvidas não restam de que a livrança garante o cumprimento deste contrato, inexistindo qualquer factualidade alegada pelo executado relativa a alegada reforma em relação a esta livrança.
A livrança em branco destinar-se-á a ser preenchida pelo seu beneficiário, acompanhada da atribuição de poderes para esse preenchimento - o acordo ou pacto de preenchimento.

Tal acordo pode ser expresso ou tácito: “Esse acordo pode ser expresso – quando as partes estipularam certos termos em concreto – ou tácito – por se encontrar implícito nas cláusulas do negócio subjacente à emissão do título.” (Ac. TRL de 4.06.2009, processo nº. 64872/05.1YYLSB-B.L1-8, relatado pela Desembargadora Ana Luísa Geraldes, disponível em dgsi.pt).

À partida, a convenção de preenchimento é celebrada entre o beneficiário da livrança o seu subscritor, não tendo o mesmo de ser subscrito pelo avalista, até porque o aval, como todos os outros atos cambiários tem por base uma relação subjacente, sendo esta “constituída pela relação jurídica que funda a prestação do aval e que pode ser invocada nas relações entre o avalista e o avalizado.” (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, p. 128.).

Portanto, a relação subjacente ao ato de aval é a estabelecida entre o avalista e o avalizado (subscritor).
Porém, no caso deste livrança – e contrariamente ao invocado pelo executado – não só existe pacto de preenchimento expresso, como o próprio embargante/avalista o subscreveu.
Assim, no contrato já referido, encontra-se inserta a cláusula especial 9, de que resulta que, em caso de incumprimento contratual da executada/subscritora, o exequente fica “expressamente autorizado, através de qualquer um dos seus funcionários, a preenche-la, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas por V. Exª(s) perante o banco, acrescido de todos os encargos com a selagem”.
O embargante assinou o contrato enquanto avalista”, pelo que subscreveu a referida convenção de preenchimento.
Posto, isto temos que o executado tanto alega a inexistência de pacto de preenchimento como alega o preenchimento abusivo por parte do exequente, o que é absolutamente contraditório, uma vez que o preenchimento abusivo mais não é que o desrespeito no preenchimento do título de câmbio face àquilo que ficou convencionado na autorização de preenchimento: verifica-se um preenchimento abusivo sempre que se viole a autorização que lhe fixa os limites (ou acordo de integração), quer por ação, quer por omissão” (Conde Rodrigues, a Letra em branco, AAFDL, 1989, p. 61).

Ora, se não existe convenção de preenchimento, nunca poderia existir o abuso de preenchimento da mesma: “o executado/oponente, para demonstrar o preenchimento abusivo, tem que demonstrar (1.º) a existência de um acordo e (2.º) que o tomador/portador da livrança, ao preenchê-la (ao completar o respectivo preenchimento), desrespeitou tal acordo. E, natural e logicamente, só demonstra o desrespeito quem, antes e previamente, tiver alegado e demonstrado um acordo” (ac. TRC de 18.12.2013, proc. 1445/11.6TBCBR-A.C1, relatado pelo Desembargador Barateiro Martins, disponível em dgsi.pt).

De todo o modo, alegando o preenchimento abusivo, sempre teria o executado que alegar factualmente em que consistiu tal desrespeito, nos termos do art. 342 nº. 2 do C. Civil: “Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, aquele a quem é pedido o pagamento e que invoca o preenchimento abusivo da letra ou da livrança, tem de alegar os termos do acordo cuja inobservância permita concluir pela violação do pacto de preenchimento, pois tratando-se de um facto impeditivo do direito invocado pelo exequente/portador do título, constituindo uma excepção peremptória, terá, não só de alegar, como de provar os respectivos factos (artºs 493º, nº. 3 do CPC e 342º, nº. 2 do Código Civil)” (ac. TRE de 24.04.2014, processo nº. 1544/12.7TBLLE-B.E1, relatado pela Desembargadora Cristina Cerdeira, disponível em dgsi.pt).

O certo é que não fez, limitando-se a referir abstratamente o preenchimento abusivo.
Quanto aos alegados valores, a sua alegação é meramente conclusiva.
Na realidade, o executado nada alega factualmente que possa pôr em causa os montantes constantes das livranças.
É consabido que, como título de crédito que é, a livrança caracteriza-se pela abstração: “o direito proclamado vale, como tal, sem que seja possível ou necessária a fundamentação em qualquer modo legítimo de adquirir. Verifica-se, assim, a característica da abstracção, que dá solidez máxima aos títulos de crédito porque esta não está sequer dependente da correcção da sua génese substantiva.” (Oliveira Ascensão, Direito Comercial, vol. III, FDL, 1992, pp. 33 e 34).

E também se caracteriza pela literalidade:quer isto dizer que os títulos de crédito são sempre documentos escritos e que das palavras e algarismos escritos no documento (litteris) consta ou resulta o direito nele documentado. O conteúdo e extensão do direito incorporado no título são aqueles que dele constarem escritos. O direito vale precisamente com esses conteúdo e extensão, o que permite a quem examinar o título ter conhecimento completo preciso do direito incorporado possibilita a sua mobilização e circulação” (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, AAFDL, 1990, p. 6).

Assim, basta à exequente em sede de ação executiva apresentar o título, sem ter de invocar a convenção de preenchimento ou o negócio subjacente, nem justificar o cálculo do valor aposto na livrança.
Cabe ao executado alegar e provar o pagamento da quantia titulada por cada livrança.
Relativamente à livrança no valor de 11 500,00€, alega um pagamento no valor de 500,00€, efetuado em 12.11.2008, remetendo para um documento (fls. 11), relativo a um “depósito normal” em numerário na conta bancária da co-executada naquele montante, de que não resulta de todo qualquer entrega desse valor ao exequente para efeitos de pagamento parcial da referida livrança.
No mais, limita-se a alegar que a dívida seria no valor de 3 975,00€, não alegando qualquer facto de que resultasse o pagamento das quantias tituladas pelas livranças, nem se tal valor respeitaria a uma livrança, ou às duas.
Note-se que ao longo do seu articulado, o executado tanto refere uma livrança, como a outra, como as duas, como alega que a livrança de 17 218,00€ não garante o contrato de crédito em conta corrente, como acaba por referir que a co-executada tinha uma conta corrente no valor de 150 000,00€ (precisamente decorrente do referido contrato).
Caberia ao executado/avalista alegar e provar factos dos quais decorresse a extinção total ou parcial da dívida, por se tratar de facto impeditivo do direito do exequente, nos termos do art. 342 nº. 2 do C. Civil: “aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 4ª. edição p. 306).
Portanto, relativamente a cada livrança, teria de alegar e provar o seu pagamento (total e parcial), deduzindo factos de que se pudessem retirar tais pagamentos (que valores, em que datas, por que meios).
O certo é que o executado apenas apresenta argumentos conclusivos.
Pelo exposto, improcede alegado.”

Confrontado com esta decisão, vem o apelante argumentar, em sede de recurso, o seguinte:
O executado alegou que subscreveu apenas uma livrança, objecto de sucessivas reformas, pelo que não podiam ser dadas à execução duas livranças, uma vez que se tratava do mesmo contrato de crédito;
A livrança previamente subscrita deveria ter sido inutilizada, pelo que foi preenchida abusivamente pela exequente;
O crédito sob a forma de conta-corrente referido em 4. foi garantido por uma livrança subscrita em branco, subscrita em 30-11-2006;
Aquele crédito foi objecto de sucessivos pagamentos e por cada pagamento efectuado, o executado preenchia nova livrança reformada;
De ambas as livranças consta o número 45.......21, conta-corrente objecto do contrato de crédito que está na origem das livranças subscritas;
O exequente confessa que não existe qualquer obrigação subjacente à livrança reformada;
Existe um único empréstimo, o contrato de conta corrente n.º 45.......11, sendo que a livrança emitida a 30-11-2006 foi preenchida a 22-02-2010, ou seja, depois da sua própria reforma;
O pagamento do empréstimo era efectuado mediante depósitos na conta de depósitos à ordem onde foram depositados 500,00 €, pelo que esta quantia tem se imputar na quantia exequenda.

Do confronto da matéria alegada na petição inicial dos embargos de executado e aquela outra que o recorrente convoca na motivação do seu recurso constata-se manifesta divergência entre o afirmando inicialmente e a alegação recursória, o que se revela pelo seguinte:
  • O embargante admite na petição inicial que deu o aval para garantia de créditos concedidos pela exequente que não sabe precisar;
  • Nunca subscreveu (simultaneamente, depreende-se, embora tal não tenha sido expressamente alegado), duas livranças;
  • Tinha um crédito e ia procedendo à reforma da livrança;
  • A livrança com o valor de 17 218,00 € não é uma reforma de livrança anterior, nunca serviu de garantia do crédito emergente do contrato de conta corrente n.º 45.......11 e nunca subscreveu uma livrança para garantia do crédito decorrente desse contrato, que estava caucionado por conta de depósito a prazo no valor de 150 000,00 €.

Diversamente, em sede de recurso, vem o recorrente alegar:
  • Subscreveu uma livrança, sucessivamente reformada, tendo em vista apenas o mesmo contrato de crédito;
  • O crédito sob a forma de conta-corrente 45.......11 foi garantido por uma livrança subscrita em branco, com data de 30-11-2006;
  • O crédito foi objecto de sucessivos pagamentos e por cada pagamento efectuado, preencheu nova livrança reformada;
  • Ambas as livranças reportam-se ao mesmo contrato de crédito de conta corrente;
  • Não há qualquer obrigação subjacente à livrança reformada.
Para além da admissão vertida já na petição inicial de que avalizou diversas livranças, mas nunca assinar duas simultaneamente, tratando-se de livranças sucessivas por via da reforma da anterior, verifica-se que em sede de recurso o apelante pretende introduzir nos autos factos que previamente não alegou e outros manifestamente contrários aos por si aduzidos na petição inicial.

Com efeito, o embargante sustentou inicialmente que nem sabe ao certo quais os créditos celebrados com a exequente, porque esta não lhe entregou os contratos de crédito, para vir agora afirmar que apenas existe um único empréstimo, que é o relativo ao contrato de conta corrente com o número 45.......11; afirmou que nunca subscreveu uma livrança para garantia deste contrato, e agora refere que o cumprimento do crédito emergente da conta-corrente n.º 45.......11 foi garantido por uma livrança subscrita em branco, com data de 30-11-2006; mais alega que existiram sucessivos pagamentos deste crédito e por cada pagamento efectuado preencheu nova livrança de reforma e que ambas as livranças se reportam ao mesmo contrato de crédito de conta corrente, sendo que a livrança de reforma dada à execução não tem qualquer obrigação subjacente.

Todas estas afirmações constituem matéria de facto inovatoriamente introduzida em sede de alegações de recurso, as quais, para além de revelarem manifesta contradição com o anteriormente alegado, não podem ser apreciadas por esta Relação.

Com efeito, como é sabido, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os art.ºs 627.º, n.º 1, 631, n.º 1 e 639.º, do CPC) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2016, processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1 “[…] não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1”.

Na verdade, no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação, ou seja, visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí afirmar-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-01-2014, processo n.º 154/12.3TBMGR.C1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2014, processo n.º 1206/11. 2TBCHV.S1 – “os recursos visam a reapreciação de anteriores decisões, sendo excepcional a possibilidade de neles ser vertida ou apreciada matéria nova, de modo que a mencionada limitação do objecto do processo se reflecte directamente na limitação do objecto do recurso.”

Como tal, na apreciação das questões jurídicas colocadas pelo recorrente e, desde logo, para efeitos de ponderação da suficiência dos elementos probatórios trazidos aos autos para proferir uma decisão de mérito, em face daquela que é a posição do embargante, haverá apenas que atender aos factos alegados em sede de petição inicial e contestação e não já aos que inovatoriamente foram introduzidos em sede de alegação de recurso.

A oposição à execução por embargos constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado no processo executivo e dele dependente, através do qual o executado requer ao tribunal a improcedência total ou parcial da execução, mas não deixa, contudo, de tomar o carácter de uma contra-acção destinada a impedir a produção dos efeitos do título executivo, sendo estruturalmente autónoma, ainda que funcionalmente ligada à acção executiva.

O art. 10º, n.º 4 do CPC estatui: “Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o autor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida.”
E o n.º 5 deste normativo legal acrescenta: “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.”

Por norma, a acção executiva prescinde da apreciação sobre a existência ou configuração do direito exequendo, daí que a realização coactiva duma prestação devida dependa de dois tipos de condição:
a)-a existência de título executivo – o dever de prestar tem de constar de um título, constituindo este pressuposto formal que condiciona a exequibilidade do direito, conferindo-lhe o grau de certeza que se entende suficiente para admitir a execução (exequibilidade extrínseca);
b)-a prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida - certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material (exequibilidade intrínseca).

José Lebre de Freitas qualifica a certeza, exigibilidade e liquidez como “condições da acção executiva, enquanto características conformadoras do conteúdo duma relação jurídica de direito material”, que, porém, só constituirão requisitos autónomos da acção executiva “quando não resultem já do título executivo (art. 802); caso contrário, diluem-se no âmbito das restantes características da obrigação e a sua verificação é, tal como elas, presumida pelo título […]” – cf. A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª edição, pág. 26.

A acção executiva pressupõe o incumprimento da obrigação que emerge do próprio título dado à execução e que o direito nele inscrito esteja definido e acertado.
É certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou individualizar) e, contrariamente, não o é aquela em que a determinação (ou escolha) da prestação, entre uma pluralidade, esteja por fazer (cf. art.º 400º do Código Civil).

A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação ao devedor, seja por acordo das partes ou por força da regra supletiva do art.º 777º, n.º 1 do Código Civil; contrariamente, não será exigível a prestação quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como sucede com a obrigação de prazo certo em que este ainda não decorreu (cf. art.º 779º do Código Civil).

A obrigação é ilíquida quanto tem por objecto uma prestação cujo quantitativo ainda não está apurado – cf. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva…, pp. 100-102.
O título executivo contém a definição da relação jurídica, constituindo a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva – cf. art. 10º, n.º 5 do CPC.
“Temos assim que a relevância especial dos títulos executivos que resultam da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo o que permite dispensar a prévia indagação sobre se existe ou não o direito de crédito que consubstancia e faz presumir a existência e exigibilidade da obrigação exequenda. O título constitui condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito nas suas vertentes fáctico-jurídicas. Nesta conformidade o título executivo é condição necessária e suficiente da acção. Necessáriaporque não há execução sem título. Suficiente porque, repete-se, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere. Efectivamente a obrigação exequenda tem de constar no título o qual, como documento que é, prova a existência de tal obrigação. O título executivo é um pressuposto da acção executiva na medida em que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal acção.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9-10-2018, processo n.º 154/17.7T8ALD.C1.

Determinando o fim da execução e definindo os seus limites, atenta a sua função documentadora da obrigação, o título executivo “deve definir de forma rigorosa o fim e os limites da execução, não sendo, por isso, permitido ao exequente apelar à relação causal ou a uma hipotética obrigação implícita para, através dessa via, procurar suprir as eventuais insuficiências ou imprecisões do título. Do mesmo modo, uma vez que a obrigação exequenda deve estar consubstanciada no próprio título, é irrelevante tudo aquilo que o exequente alegue no requerimento executivo e que extravase o âmbito do título.” – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, pp. 54-55.

Neste enquadramento pode entender-se que, sendo requisito essencial da acção executiva, o título deve constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, ou seja, reitera-se, deve, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo, constituindo prova do acto constitutivo da dívida, sem prejuízo da possibilidade de o executado provar que apesar do título a dívida não existe (a obrigação nunca se constituiu ou foi extinta ou modificada posteriormente) – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-11-2013, processo n.º 3381/12.0TJCBR.C1.

Nos autos de execução de que os presentes embargos constituem apenso a exequente apresentou como títulos executivos duas livranças subscritas pela sociedade C e avalizadas pelo executado/opoente Emanuel ....., com os valores inscritos de 11 500,00 €, com data de vencimento de 10 de Agosto de 2008 e de 17 218,00 €, com data de vencimento de 22-02-2010.
Os títulos de crédito, como é o caso da livrança, constituem títulos executivos passíveis de basearem uma execução, atento o estatuído no art. 703º, n.º 1, c) do CPC.
A mencionada alínea c) do n.º 1 do art. 703º do CPC decompõe-se em duas normas com previsões distintas, quais sejam: à execução podem servir de base títulos de crédito e à execução podem servir de base títulos de créditos, meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Quanto à primeira previsão estão em causa “documentos que incorporam certo direito de crédito – o crédito não existe sem o título-,caracterizados pela literalidade,autonomiae abstração. Eles valem nos estritos limites objetivos e subjetivos do que enunciam e independentemente das vicissitudes que afetem a relação subjacente que lhes dá causa. Por isso […] a causa de pedir da sua execução consiste no facto aquisitivo do direito à prestação pecuniária – cambiária, diga-se – e não a relação subjacente (causa debendi) correspondente a esse direito.” – cf. Rui Pinto, A Acção Executiva, 2019 Reimpressão, pág. 193.

No campo da segunda previsão caem os “títulos de crédito” que não reúnem os requisitos legais ou estão prescritos, isto é, que não podem servir para a acção cambiária, como aqueles que foram apresentados a pagamento fora de prazo ou sem subsequente protesto, situação em que o exequente fica obrigado a alegar no requerimento executivo a relação jurídica subjacente à entrega desse título (obrigação causal), alegando os factos concretos que permitam determinar o tipo de relação jurídica que foi estabelecida entre as partes.

Uma das características do negócio cambiário, para além da formalidade, é a sua abstracção, ou seja, embora pressupondo uma relação jurídica anterior (subjacente ou fundamental), e podendo desempenhar uma diversidade de funções económico-jurídicas[4] é independente da sua causa, da função determinada que visa.

No entanto, embora seja abstracto, o negócio cambiário radica sempre numa causa, sucedendo, apenas, que esta é separada daquele, decorrendo não dele próprio, mas de uma convenção subjacente, extracartular, sendo que os vícios de que esta padeça não poderão ser opostos ao portador mediato de boa-fé, mas já o poderão ser ao portador imediato.

Nas relações imediatas tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, ficando sujeita às excepções que se fundamentam nessas relações pessoais.

O art. 75º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças[5] estabelecida pela Convenção internacional assinada em Genebra em 7 de Junho de 1930, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23 721, de 29 de Março de 1934, e ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação, no suplemento do “Diário do Governo”, n.º 144, de 21 de Junho de 1934 enuncia os requisitos essenciais da livrança.

A livrança é uma promessa de pagamento que o emitente deve cumprir, mas não é, contrariamente à letra, um título aceitável, dado que não admite a figura do sacado.
A pessoa que emite ou passa a livrança chama-se emitente, subscritor ou passador.
Na livrança também existem o tomador, os endossantes, os endossados, os avalistas e o portador.
Enquanto título de crédito, a livrança incorpora um direito de crédito o que implica que este direito não pode ser exercido sem a posse do documento. Assim, o crédito incorporado na livrança existe independentemente do crédito causal que lhe serve de base e pode transmitir-se separadamente (autonomia do direito cartular).
Sucede que esta autonomia nem sempre é total no âmbito dos títulos de crédito, pois variará conforme o tipo de título.

O art. 78º, primeiro parágrafo do LULL estipula que “O subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra.

Daqui decorre que o emitente da livrança é um obrigado principal, pelo que o tomador da livrança tem direito a haver do seu subscritor a respectiva importância, acrescida de juros e despesas, a não ser que tenha ocorrido qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação assumida com a subscrição desse título de crédito.

Nas letras e livranças, o art. 17º da LULL permite que ao portador que surge a cobrar o título possam ser opostas excepções decorrentes da relação subjacente que correlacione o demandado com o demandante.
Por força da promessa de pagamento em que se resolve a declaração cambiária de subscrição, a sociedade subscritora Baytown Associates Limited Sucursal Portugal obrigou-se a pagar as livranças ao portador no vencimento, isto é, a entregar-lhe a quantidade de espécies pecuniárias nelas inscritas – cf. art. 28º ex vi art. 78º da LULL.
No caso em apreço, a exequente instaurou acção executiva contra o avalista das livranças, invocando a qualidade destas como título de crédito, alegando delas ser portadora e indicando o respectivo valor, a data de vencimento e o seu não pagamento.
Além disso, preencheu o formulário electrónico de requerimento executivo onde consignou que os factos que justificam o pedido executivo constam exclusivamente dos títulos dados à execução, procedendo depois à liquidação da obrigação, com enunciação do capital, dos juros de mora vencidos e do imposto de selo sobre estes juros, concluindo pelo montante exequendo que entende estar em dívida.
Atente-se, assim, que sendo os títulos executivos constituídos por duas livranças, estão em causa relações cartulares.
Ainda que uma dessas livranças seja uma livrança emitida “em branco”, que deve ser acompanhada por um pacto de preenchimento, por via do qual o credor fica autorizado a completá-la com os elementos em falta (designadamente, quanto à determinação do montante em dívida e à data do vencimento) antes de a apresentar a pagamento, não está o exequente obrigado a juntar ao requerimento executivo o pacto de preenchimento, dado que o título executivo é a livrança e não o pacto.

Ademais, tal como decorre do acima exposto, por força dos princípios da abstracção e da incorporação, a livrança, enquanto título de crédito, dispensa o exequente de invocar a relação jurídica subjacente à sua emissão, pois que no negócio abstracto os respectivos efeitos são separados da sua causa, daí que uma livrança, enquanto título de crédito, possa ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.

Com efeito, a literalidade (é o que consta no título que delimita o conteúdo do direito nele incorporado) e a abstracção (a obrigação cambiária não depende da validade ou regularidade da obrigação subjacente) da livrança, enquanto título de crédito, justificam a desnecessidade de invocação pelo exequente da relação jurídica subjacente – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2020, processo n.º 18694/19.1T8LSB-A.L1-2 e de 22-10-2019, processo n.º 1666/17.8T8ALM-A.L1-7; do Tribunal da Relação de Évora de 16-01-2020, processo n.º 4922/17.1T8STB-A.E1 e de 28-06-2017, processo n.º 172/15.0T8CBA-A.E1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-04-2018, processo n.º 133/14.6TBBCL-A.G1.

Cabe, nestas circunstâncias, ao executado, no âmbito da relação imediata, o ónus de alegar e de provar factos concretos e objectivos que sejam susceptíveis de colocar em crise a validade, eficácia ou existência da relação fundamental subjacente à livrança, o que sucede, por exemplo, quando o executado alega que a livrança foi emitida em branco e que o credor procedeu ao seu preenchimento de forma abusiva, em violação das convenções estabelecidas entre as partes no respectivo pacto – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 95.

De acordo com o disposto no art. 728º do CPC o executado pode opor-se à execução, sendo que, quando esta não se baseie em sentença, pode alegar, para além dos fundamentos enunciados no art. 729º do mesmo diploma legal, quaisquer outros que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração - cf. art. 731º do CPC.

Na situação em apreço, independentemente da existência e cumprimento de pacto de preenchimento da livrança entregue em branco, o embargante, numa peça processual que revela uma clara desorganização (desorientação?) na apresentação de argumentos para afastar a sua responsabilidade pelo pagamento dos valores inscritos nos títulos de crédito, afirmou, desde logo, que não poderiam existir duas livranças por si avalizadas e em dívida, porquanto apenas teria assinado livranças de reforma, desconhecendo, contudo, quais os contratos de crédito que mantinha com a exequente, mas afirmando que a única livrança válida só poderia ser a que contém o valor de 11 500,00 €, porque a outra, com o valor de 17 218,00 €, nunca serviu de garantia ao contrato de crédito em conta corrente, como dela consta, não existindo qualquer pacto de preenchimento que autorizasse o preenchimento de livrança em branco; mais aduziu que à data da cessação da relação contratual com a exequente, apenas estaria em dívida o valor de 278,58 € relativamente à conta corrente, para além de um valor atinente à utilização de cartão de crédito (2 344,97 €), conforme extracto bancário que juntou, sendo que relativamente à livrança no valor de 11 500,00 €, sempre teriam de ser abatidos 500,00 € relativos a um depósito que efectuou na conta associada.

Assim, não obstante a literalidade, a abstracção e a autonomia das livranças, o embargante, confrontado com o pedido exequendo, teve a iniciativa de ampliar a discussão para além dos factos não inscritos no documento, vindo colocar em crise a própria existência dos títulos, por um lado e, por outro, a existência da obrigação emergente da relação subjacente à sua emissão.

Na sua contestação, o banco embargado sustenta que o embargante teve conhecimento de todos os contratos, tanto mais que era representante legal da sociedade executada, assim como existe pacto de preenchimento, que foi respeitado aquando do preenchimento da livrança, referindo ainda que dela não consta qualquer menção a reforma.

Se o executado parece estar, ele próprio, enredado na confusão quanto à destrinça das relações materiais subjacentes a cada uma das livranças dadas à execução, pretendendo demonstrar que apenas assinou livranças de reforma, nunca tendo emitido uma livrança em branco para garantia do contrato de crédito sob a forma de conta corrente, a exequente, por sua vez, não cuidou de atentar nos dois títulos de crédito que apresentou à execução, vindo a juntar o contrato de crédito sob a forma de conta corrente, com pacto de preenchimento (junto em 6 de Dezembro de 2019, cf. Ref. Elect. 24869013), solicitando prazo para junção do outro pacto atinente à livrança no valor de 11 500,00 €, para depois, apenas em 4 de Fevereiro de 2020, vir dar conta que afinal não existia tal pacto, porquanto se tratava de uma livrança de reforma (cf. Ref. Elect. 25420152).

Seja como for, nada disto afecta aquela que foi a factualidade dada como provada e tão-pouco o enquadramento jurídico efectuado pelo tribunal recorrido.

Desde logo, quanto às livranças mencionadas nas alíneas a. e b. do ponto 1. dos factos provados - que reflectem tão-somente, aquilo que emerge dos títulos -, o embargante limitou-se a afirmar desconhecer qual ou quais os créditos que visavam garantir, sem que em algum momento justifique por que razão teria avalizado livranças sem estar ciente da razão subjacente a essa emissão, para além de invocar a prestação de aval em livranças sucessivas, com vista à reforma de livrança anterior, sem concretizar em que consistiu tal operação e, mais do que isso, sem indicar qual a livrança original, o seu valor e razão da sua emissão, restando por alegar um qualquer para um quadro factual objectivo e suficientemente concretizado passível de ser submetido ao crive da produção de prova.

Conforme decorre do supra expendido, estando em causa títulos executivos constituídos por títulos de crédito, competia ao executado, ora recorrente, alegar e provar factos concretos e objectivos que colocassem em crise a validade, eficácia ou existência da relação fundamental subjacente às livranças, pois que, à partida, a obrigação cujo cumprimento coercivo se pretende na execução está plasmada no título.

Em síntese, o executado alega que apenas avalizou livranças para reforma de uma livrança prévia e que a livrança que tem a referência “titulação do contrato de crédito conta corrente n.º 45.......11”, nunca serviu de garantia a tal contrato.

Reitere-se que, estando em causa a relação cartular, a exequente não tinha de justificar os valores inscritos nas livranças.

Ora, na petição inicial de embargos o embargante limitou-se a invocar a inviabilidade de ter subscrito simultaneamente duas livranças, porquanto apenas o fez para “reforma” de livrança anterior, sem indicar um qualquer dado concreto e objectivo de como se processou essa substituição de livranças e menos ainda qual foi a livrança inicial, o seu montante e sua razão de ser, que teria originado toda uma sucessão de livranças, a que o próprio alude genericamente no artigo 4º da petição[6], sendo certo que, para além de ter referido que não entregou uma livrança em branco para garantia do contrato de crédito, aquela nunca poderia ser susceptível de reforma se nunca tivesse chegado a ser preenchida.

Letra ou livrança de reforma é aquela que substitui outra de igual montante e com as mesmas assinaturas, sem ter havido um pagamento em numerário; tudo se passa como se o devedor pagasse, efectivamente, a primeira letra (letra reformada), obrigando-se de seguida novamente a uma prestação cambiária idêntica. Essa substituição visa diferir o pagamento da obrigação constante da letra renovada, implicando, afinal, uma espécie de pagamento – cf. Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada, 7ª Edição, pp. 212-213.

Reformar uma livrança equivale, pois, a substituir uma livrança anterior, sem ter tido lugar o seu pagamento integral, deixando esta de ter eficácia; se a livrança anterior se mantiver em circulação, a segunda não produz qualquer efeito.

A reforma de uma livrança não importa novação da obrigação cambiária, a não ser que essa vontade seja manifestada de modo inequívoco (cf. art.ºs 857º e 859º do Código Civil).

A propósito da impropriamente designada reforma de letra/livrança discorre o acórdão do Tribunal da Relação de 17-11-2016, processo nº 200/11.8TBMTR-A.G1, nos seguintes termos:
“A impropriamente chamada, no giro comercial, reforma de letra (já que, em sentido próprio, corresponderá à reconstituição de um título de crédito, destruído ou perdido) consiste na substituição, pelos sujeitos cambiários, de uma letra inicial por outra, ou outras […].
O seu objectivo precípuo é permitir ao devedor uma gestão das suas dívidas, o que pode ser conseguido através do diferimento da data de vencimento, da amortização parcial do débito - com emissão de uma nova letra de montante inferior -, ou da divisão do montante inicial por várias novas letras.
Com efeito, «é usual, no comércio, que chegada a data do vencimento, o devedor, geralmente o aceitante ou o sacador, conforme os casos, proceda ao pagamento da letra (ou livrança) enviando ao portador uma nova letra por si aceite de montante correspondente parcialmente à quantia a pagar e o remanescente em dinheiro, ou nos casos da chamada “reforma por inteiro”, que lhe envie aceite uma letra pelo montante do total montante anterior. A letra originária extingue-se por cumprimento e surge uma nova letra autónoma da primeira» (Pais de Vasconcelos).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, nesta «aceção, a reforma tem por fim diferir o pagamento da obrigação constante da letra renovada, traduzindo-se numa espécie de pagamento, porque com a letra nova se amortizou a antiga. Esta reforma “contratual” resulta do facto de o devedor cambiário não poder pagar a letra, total ou parcialmente, no prazo do vencimento, entregando ao banco ou ao portador um título novo» (Ac. da RC, de 13.01.2015, Maria João Areias, Processo nº 6/12.1TBTBU-A.C1 […]. No mesmo sentido, José Gonçalves Dias, Da Letra e da Livrança, segundo a Lei Uniforme e o Código Comercial, Vol. I, pág. 4016, Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 7ª edição, Petrony, p. 212, e Pinto Coelho, Lições Direito Comercial, 2. Vol., Fascículo VI, As Letras, 2ª parte, pág. 67).

Resulta do referido que «o elemento fundamental da reforma é a substituição de uma letra (letra reformada) por outra (letra de reforma), o que poderá ser motivado por diversas circunstâncias como o simples diferimento da data do vencimento, alteração do montante, a intervenção de novos subscritores ou a eliminação de algum dos anteriores»; e como motivo mais frequente encontrar-se-á «a amortização parcial do débito, passando a constar da nova letra o montante ainda em dívida, o que poderia, porém, ser obtido através de um meio mais simples, ou seja, da menção na letra inicial do pagamento parcial (artigo 39 da citada L.U.L.L.)» (Ac. do STJ, de 26.03.1996, Martins da Costa, Processo nº 088003, […]). […]

Precisa-se, porém, que a «reforma de letra não implica a multiplicação efectiva da obrigação que determinou a emissão do título, referindo-se a letra primitiva e a letra renovada à mesma relação subjacente e à satisfação de um único interesse patrimonial» (Ac. do STJ, de 07.10.2003, Afonso de Melo, Processo nº 03A2320).

Logo, «não haverá novação da obrigação cambiária incorporada no título primitivo se, de acordo com o art. 859º do C.C., não houver vontade expressamente manifestada nesse sentido» (Ac. da RG, de 29.03.2011, Maria da Conceição Saavedra, Processo nº 3715/09.4TBBRG-A.G1).

Diz-se, por isso, que, em princípio, a simples substituição de uma letra (letra reformada) por outra (letra de reforma) corresponde ao conceito de alteração, e não ao de novação, já que a novação objectiva da obrigação - a substituição de uma obrigação por outra - pressupõe que se expresse claramente essa vontade (arts. 857º e 859º, ambos do C.C.).
Precisa-se ainda que, no caso de substituição de uma letra por outra de valor inferior, a reforma da letra constitui uma operação complexa, em que figura não só a substituição da letra mas, também, o pagamento da reforma, isto é, da diferença entre a letra reformada e a letra da reforma: esta «operação jurídico-cambiária só deve dar-se como perfeita quando as duas suboperações estiverem realizadas»
(Ac. do STJ, de 28.01.2003, Quirino Soares).

Logo, para que o novo título opere uma função substitutiva daquele que o antecede, e para que essa substituição produza efeito, torna-se necessário que a operação de reforma seja completada com sucesso, isto é, que o credor embolse o quantitativo referente à amortização e seja apresentada nova letra (devidamente aceite) pelo diferencial entre o pagamento e a dívida primitiva.”

Tendo presente a complexidade inerente à letra de reforma e ao processo que envolve, fácil se torna concluir que a alegação do embargante constante da petição inicial não tem a menor virtualidade de introduzir nos autos dados factuais que permitam apurar, ainda que se prosseguisse para julgamento, o condicionalismo inerente à emissão das livranças, a eventuais pagamentos, totais ou parciais, e, menos ainda à sua substituição.

Com efeito, e desde logo, o embargante alega indistintamente factos diversos, seja quanto à emissão de livranças de reforma, seja quanto a falta de pacto de preenchimento e preenchimento abusivo de livrança em branco, sem identificar cabalmente a qual das livranças se reporta e qual ou quais foram objecto de eventual substituição, afirmando apenas generalidades sem qualquer virtualidade de identificar, em concreto, quais os montantes que entende estar em dívida ou se os valores exequendos estão totalmente pagos, num arrazoado confuso, atabalhoado e desconexo.

O único dado que se pode retirar é que, para o executado, apenas deveria existir uma livrança, porquanto, se avalizou mais do que uma, fê-lo com vista à substituição de uma anterior.

Mas se assim é, fica por alegar (e demonstrar):
Qual a livrança inicial por si avalizada;
Em razão de que contrato ou relação subjacente;
Qual o seu valor, data de emissão e data de vencimento;
Em que data teve lugar a sua substituição e com que fundamento: com vista ao diferimento da data de vencimento, para a amortização parcial do débito, com emissão de uma nova de montante inferior; ou para divisão do montante inicial por várias novas livranças;
Quantas substituições ocorreram, quantas livranças de reforma avalizou;
Quais os valores amortizados, em que datas e de que modo;
Qual o valor em dívida após a substituição sucessiva da livrança ou se teve lugar o seu pagamento integral, quando e de que modo.
Também no que concerne à livrança com a menção de que visou a titulação do contrato de crédito conta corrente n.º 45.......11, com o valor inscrito de 17 218,00 €, relativamente à qual o embargante alega apenas que é uma “nova livrança, sem que tenha por base a reforma de livrança anteriormente preenchida” (cf. artigo 10º da petição inicial), referindo que nunca serviu para titular tal contrato, não existindo também qualquer pacto de preenchimento, tal alegação, perante os factos dados como provados sob os pontos 1., b., 4., 5. e 6. da matéria de facto, apresenta-se totalmente inconsistente para infirmar a valia da obrigação cartular, posto que os documentos juntos aos autos apontam decididamente pela subscrição do pacto de preenchimento pelo próprio avalista, ora recorrente, e pela entrega da livrança em branco, com data de emissão coincidente com a data da celebração do contrato de crédito sob a forma de conta corrente concretamente identificado na livrança dada à execução (factos que, aliás, posteriormente, já em sede de recurso, se mostram confessados pelo apelante).

Ora, como se viu, o título de crédito enquanto título executivo faz presumir a existência da dívida, pelo que não cabe à exequente alegar (ou provar) a dívida subjacente ao valor inscrito na livrança.

Pelo contrário, compete ao embargante demonstrar o contrário, isto é, alegar o pagamento ou o preenchimento abusivo da livrança, no caso de ter intervindo no pacto de preenchimento, hipótese em que terá de, com base nos termos do contrato celebrado entre a exequente e a subscritora da livrança (como é o caso), demonstrar que a exequente estaria a incluir na livrança valores acima do crédito devido, ou seja, cabia-lhe alegar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de crédito da exequente titulado nas livranças, nos termos do art. 342º, n.º 2 Código Civil.

Não foi isso o que o embargante/recorrente fez, posto que se limitou a invocar um desconhecimento genérico quanto aos créditos subjacentes à emissão destas livranças, uma sucessão de letras de reforma, que tão-pouco concretizou, a inexistência de pacto de preenchimento quanto à livrança em branco, que, em manifesta contradição com o alegado, está claramente demonstrada nos autos, não tendo mencionado factos concretos relevantes que permitam aferir ou basear uma incorrecção no preenchimento ou um desrespeito pelas condições em que aquele deveria ter lugar, sendo que qualquer ulterior produção de prova não poderia suprir a manifesta falta de alegação de factos impeditivos ou extintivos do direito da exequente.

Ainda que a livrança tenha sido emitida e assinada pelo avalista/oponente em branco, quando a execução foi instaurada, encontrava-se devidamente preenchida, apresentando todos os requisitos definidos pelos art.ºs 75º e 76º da LULL, podendo servir de base à execução.
E, como se disse acima, face à presunção de existência do direito contido num título executivo, o executado/oponente não pode assentar a sua defesa em afirmações conclusivas ou genéricas, referindo apenas não dever ou desconhecer se o valor aposto no título de crédito corresponde ou não ao valor em dívida ao exequente, pelo que os factos alegados se afiguram insuficientes para afastar a sua responsabilidade quanto ao pagamento das livranças exequendas – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 9-04-2013, processo n.º 199/12.3YYPRT-A e de 14-05-2020, processo n.º 1775/18.6T8LOU-A.P1.

De todo o modo, sempre se dirá que a prova documental carreada para o processo permite infirmar as vagas alusões a uma utilização indevida de uma letra reformada que não teria sido inutilizada, porquanto estaria em causa apenas um único contrato de crédito, e não dois ou mais contratos (alegação que se vem a concretizar apenas em sede de motivação do recurso e que não se deixou claramente imprimida na petição inicial), sendo que ambas as livranças respeitariam à mesma relação subjacente.

Com efeito, se se atentar no conteúdo do contrato de crédito sob a forma de conta corrente junto aos autos em 6 de Dezembro de 2019, verifica-se que este foi celebrado com data de 30 de Novembro de 2006, data que coincide com a data de emissão aposta na livrança com o valor de 17 218,00 €, o que demonstra que esta foi emitida, de facto, para garantia desse contrato, sendo que na sua cláusula 2. ficou estipulado que o empréstimo funcionaria através de uma conta aberta em nome da sociedade executada com o número 45.......11, ou seja, precisamente o número que consta à frente da menção “titulação de contrato crédito conta corrente” aposta no rosto da livrança.

Se é certo que no ponto 2. da cláusula 9. ficou estipulada, como garantia das responsabilidades assumidas, a constituição de um penhor sobre aplicações financeiras, tal não afasta o facto de no ponto 1. dessa mesma cláusula estar prevista também a entrega de livrança, com autorização para preenchimento, como caução do bom cumprimento do contrato.

Por outro lado, o prazo deste empréstimo foi fixado em 345 dias, vencendo-se em 10-11-2007, prorrogando-se por períodos sucessivos de 90 dias, salvo indicação em contrário (cf. cláusula 3.), sendo a taxa de juro anual correspondente à Euribor a 90 dias, acrescida de 1,50 pontos percentuais, arredondada para a fracção 1/8 de ponto percentual igual ou superior, o que corresponderia, à data, a uma taxa de juro nominal anual de 5.25000% e uma taxa anual efectiva de 5.43062% (cf. cláusula 6., ponto 6.1.).

Ora, a data de vencimento aposta na livrança é de 22-02-2010, o que indica que o contrato foi prorrogado e que à data da sua cessação existia em dívida o montante inscrito na livrança.

No entanto, o embargante, referindo apenas que a relação contratual com a exequente cessou em Agosto de 2008, não esclarece como chegou ao fim essa relação, limitando-se a dizer que pediu a liquidação das suas obrigações e que, quanto a este contrato, estaria em dívida apenas o valor de 278,00 €, conforme extracto emitido pela exequente que juntou, mas sem qualquer indicação do modo, momento e termos da cessação do contrato e menos ainda da utilização efectuada do montante disponibilizado (sendo certo que de acordo com o acordado, esta facilidade de crédito destinava-se ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria, tendo o limite máximo de 150 000,00 €, sendo que a disponibilização de fundos dependia de pedido a formular pela mutuária e sujeito a decisão do mutuante – cf. cláusula 1. do contrato).

Serve isto para demonstrar que, tal como entendeu o tribunal recorrido, a livrança em referência garante o cumprimento do contrato de crédito sob a forma de conta corrente, sendo que o montante desse crédito era de 150 000,00 €, entendido como montante máximo de crédito a conceder pelo banco, em qualquer momento, no prazo de vigência acordado, dependendo sempre da análise que a exequente efectuasse de cada pedido de utilização de fundos e sua concessão, conforme cláusula 1. do mencionado contrato. Ora, relativamente ao modo de utilização e montante efectivamente utilizado pelo executado, este nada alegou ou esclareceu, limitando-se a concluir ser absurdo o montante aposto na livrança, o que, como é evidente, não constitui alegação factual que possa ser objecto de produção de prova.

Portanto, a relação subjacente à emissão desta livrança acaba por estar perfeitamente delineada e suportada pela prova documental trazida ao processo, sendo certo que a alegação vaga e genérica de que nenhuma livrança foi avalizada ou de que nenhum pacto de preenchimento foi subscrito ou previsto, mostra-se claramente refutada por tal prova.

Já no que diz respeito à livrança que contém a menção “reforma de livrança de 14 000,00 €”, diversamente do que o embargante vem introduzir inovatoriamente no presente recurso, não consta qualquer referência que ateste que diz respeito ao mesmo contrato de crédito sob a forma de conta corrente supra mencionada, sendo evidente da sua análise que a aposição do número 45.......21 - que de igual forma figura na outra livrança -, nada tem que ver com a relação contratual ou concessão de crédito a que respeita esta última, mas sim com a indicação do local de pagamento/domiciliação, pois que esse número corresponde ao número da conta de depósitos à ordem titulada pela sociedade executada e onde eram efectuados os movimentos a débito e a crédito, tal como se retira seja do conteúdo do contrato de conta corrente, seja dos documentos n.ºs 1 a 5 juntos com a petição inicial de embargos de executado, ou dos documentos juntos pela embargada em 6 de Agosto de 2018 (cf. Ref. Elect. 19861966).

Note-se, mais uma vez, que o recorrente insiste que apenas avalizou uma livrança que foi sendo sucessivamente reformada, mas não cuidou de indicar qual a livrança inicial, o seu valor e data de vencimento, modificando entre a petição inicial e as alegações de recurso a relação material que lhe estaria na base, numa argumentação confusa e inconsistente, sem qualquer dado concreto proveitoso para infirmar a validade e eficácia das livranças dadas à execução.

Ademais, basta atentar no conteúdo do documento emitido pela exequente, junto aos autos em 6 de Agosto de 2018, que contém a data de 9 de Junho de 2008 e a menção “Reforma de efeitos Tipo 4 – Reforma de efeitos”, com a identificação do cliente como sendo a sociedade C e que alude a um crédito com um limite de aprovação de 20 000,00 €, estando utilizados 14 000,00 €, e um limite disponível de 6 000,00 €, contendo ainda a indicação “Rem. NU.: 10.......58 – Tp. Op. 29 – Reforma de livranças” e a referência ao montante de 11 500,00 €, com data de vencimento de 10 de Agosto de 2008 (que corresponde precisamente à data de vencimento inscrita na livrança dada à execução), figurando como valor da operação inicial o de 25 000,00 €, com data de crédito de 11 de Julho de 2007, a uma taxa de 13,5%, para se verificar que a livrança com o valor de 11 500,00 € não tem por relação subjacente o contrato de crédito sob a forma de conta corrente, seja pela data do crédito, seja pelo valor inicial considerado, pelo prazo do mútuo, seja ainda pela taxa de juro aplicável.

E se é certo que não se apurou, em concreto, a relação material subjacente à emissão da livrança reformada e, por consequência da livrança de reforma, seguro é que o embargante não convocou essa relação, pois que nada aduziu para justificar as sucessivas livranças de substituição que disse ter tido lugar, afastando, por um lado, a emissão de qualquer livrança por referência ao contrato de crédito sob a forma de conta corrente e admitindo, por outro, que apenas a livrança de reforma poderia ser válida (sem sequer o aceitar), mas sem cuidar de explicar em que relação material assentaria a sua emissão.

Mas se o não fez, nem por isso se deve considerar validamente impugnada a valia da livrança como título executivo, porquanto não resulta infirmada a sua correcta subscrição e aval prestado, que tão-pouco o embargante impugnou, sendo que os documentos juntos aos autos permitem até configurar que tal livrança corresponde a um simples mútuo, que não propriamente um desconto bancário.

Com efeito, o desconto bancário é o contrato pelo qual um banco (descontante) se obriga a entregar ao cliente (descontário) a importância de um crédito pecuniário não vencido sobre terceiro, em troca da transferência da titularidade do crédito e do pagamento das competentes comissão e juros compensatórios. Normalmente, o desconto funciona sobre títulos de crédito, isto é, o cliente cede ao banqueiro um título que incorpora o débito do terceiro – cf. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 1998, pág. 543.

A função primacial do desconto bancário reside em permitir ao portador de um título de crédito ainda não vencido antecipar o recebimento da respectiva quantia pecuniária junto de um banco: o cliente transfere a propriedade do título para o banco mediante endosso, e em contrapartida este entrega-lhe o valor nominal do crédito titulado deduzido da competente comissão bancária e dos juros correspondentes ao tempo a decorrer até ao vencimento
O desconto (mencionado no art. 362º do Código Comercial) traduz-se, assim, num mútuo especial, existindo entre o beneficiário do desconto – o descontário – e o banco descontador uma relação de empréstimo que pode ser accionada.

Não há, contudo, verdadeiro desconto na operação em que o banco adianta importâncias à própria subscritora, pois que nesse caso se estará perante um simples mútuo, situação que, à luz da análise do documento acima referido, se configura como mais próxima da entrega da livrança de reforma com o valor de 11 500,00 €, do que a sua conexão com o contrato de conta corrente, aliás expressamente refutada pelo executado na petição inicial, constituindo-se a relação jurídica subjacente a partir do adiantamento de uma quantia certa em dinheiro, com a obrigação de ser restituída em determinada data – cf. A. Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 545; acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18-12-2012, processo n.º 14210/16.5T8PRT.P1 e do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-10-2016, processo n.º 684/14.2T8CBR-A.C1.S1.

Assim, nada há a apontar à decisão recorrida quando considerou a existência dos títulos executivos e a valia das respectivas obrigações cartulares, sendo certo que, conforme acima se aduziu, o embargante nada de concreto alegou que coloque em crise o preenchimento de uma ou de outra dessas livranças.

***

3.2.4.–Do pagamento da quantia exequenda
Por fim, no que concerne aos montantes inscritos nos títulos de crédito, também aqui o embargante se coibiu de alegar quais os valores que já teriam sido pagos, em que datas, por que meio e quais os valores em falta.
Com efeito, no artigo 19º da petição inicial, o executado admite que em Agosto de 2008 estava em dívida o montante de 11 500,00 €.
Além deste, apenas estaria em dívida a quantia de 3 975,00 €, cuja origem não explica, referindo depois, quanto à conta-corrente, que estaria em dívida apenas 278,58 €, conforme um aviso de débito de despesas de Agosto de 2008, e ainda um crédito emergente da utilização de cartão de crédito, no valor de 2 344,97 €.
Mais aduziu que efectuou um depósito, em 12 de Novembro de 2008, no valor de 500,00 €, que tem de ser abatido ao valor da livrança de 11 500,00 €.
Todas estas afirmações não passam de interpretações erróneas ou enviesadas dos documentos juntos com a petição inicial cuja leitura não as autoriza.
O extracto combinado 2008/007 a que o embargante alude (cf. documento n.º 1), referente à conta de depósitos à ordem da sociedade executada com o n.º 45.......21, identifica como empréstimo o montante de 150 000,00 € e efeitos descontados, o montante de 11 500,00 €, valores negativos, mencionando como activo uma aplicação financeira, no valor de 150 000,00 €.

Atente-se que conforme cláusula 2. do contrato de conta corrente acima referido, este empréstimo funcionaria através da conta com o número 45.......11, que seria sempre movimentada a crédito e a débito única e exclusivamente por transferências a ordenar pelo executado e a autorizar, em cada caso, pelo banco, por contrapartida na conta de depósitos à ordem n.º 45.......21 (cf. cláusula 5.).

Isto é, nesta conta a que se reporta o extracto combinado são reflectidos os movimentos a débito e a crédito do empréstimo sob a forma de conta corrente.
Ao contrário do que pretende o recorrente demonstrar com a junção de tal extracto, dele se retira que o valor de 278,58 € surge como “débito despesas efeito rem. 10......58”, que corresponde precisamente à remessa de efeitos da livrança de reforma, conforme decorre do acima exposto e se afere do documento junto aos autos em 6 de Agosto de 2018 (cf. Ref. Elect. 19861966) e, bem assim, do documento n.º 2 (Aviso de débito de despesas), junto pelo próprio embargante com a petição inicial, pelo que nada tem que ver com um suposto valor em dívida por referência ao contrato de crédito sob a forma de conta corrente.

Por sua vez, os documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial nada provam quanto à alegada cessação da relação contratual entre o embargante e a embargada, porquanto correspondem a extracto relativo à conta cartão 4988002-266406-00-0, com um limite de crédito de 2 500,00 €, ou seja, reporta-se à utilização de cartão de crédito e não à globalidade da relação bancária existente entre as partes.

Finalmente, quanto ao alegado pagamento parcial de 500,00 €, não se vê como dissentir da apreciação efectuada pela 1ª instância que considerou, a este propósito, o seguinte:
“Cabe ao executado alegar e provar o pagamento da quantia titulada por cada livrança.
Relativamente à livrança no valor de 11 500,00€, alega um pagamento no valor de 500,00€, efetuado em 12.11.2008, remetendo para um documento (fls. 11), relativo a um “depósito normal” em numerário na conta bancária da co-executada naquele montante, de que não resulta de todo qualquer entrega desse valor ao exequente para efeitos de pagamento parcial da referida livrança.
No mais, limita-se a alegar que a dívida seria no valor de 3 975,00€, não alegando qualquer facto de que resultasse o pagamento das quantias tituladas pelas livranças, nem se tal valor respeitaria a uma livrança, ou às duas.
Note-se que ao longo do seu articulado, o executado tanto refere uma livrança, como a outra, como as duas, como alega que a livrança de 17 218,00€ não garante o contrato de crédito em conta corrente, como acaba por referir que a co-executada tinha uma conta corrente no valor de 150 000,00€ (precisamente decorrente do referido contrato).
Caberia ao executado/avalista alegar e provar factos dos quais decorresse a extinção total ou parcial da dívida, por se tratar de facto impeditivo do direito do exequente […]
Portanto, relativamente a cada livrança, teria de alegar e provar o seu pagamento (total e parcial), deduzindo factos de que se pudessem retirar tais pagamentos (que valores, em que datas, por que meios).”
Ora, argumenta o recorrente, depois de alegar que este valor visou proceder ao pagamento parcial da livrança de 11 500,00 € e que nunca subscreveu qualquer livrança que visasse a garantia dos créditos emergentes da conta corrente n.º 45........11, que afinal tal depósito corresponde a uma movimentação na conta associada a este contrato, tal como previsto na respectiva cláusula 5., em manifesta contradição com o anteriormente afirmado e pretendendo que seja abatido esse montante no valor inscrito numa livrança que, segundo disse, nada poderia ter que ver com o contrato de crédito sob a forma de conta corrente.
A alegação do recorrente constitui uma mescla de afirmações contraditórias e incongruentes, sem uma cabal explanação factual dos valores mutuados, dos montantes utilizados, dos valores pagos, relativamente a cada um dos títulos de crédito, como realçou a decisão recorrida, com a qual se concorda e que importa confirmar.
Improcedem, assim, todas as conclusões das alegações do recorrente e improcede integralmente a apelação devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.

***

Das Custas
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais[7], considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que o apelante decai na pretensão recursória estaria, em princípio, obrigado ao pagamento das custas devidas.
No entanto, o apelante litiga com benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono (cf. ofício de 6 de Março de 2018 com a Ref. Elect. 18159633 dos autos de execução).
Nestas circunstâncias, não há sequer lugar a elaboração de conta de custas, nos termos do art. 29º, n.º 1, a) do RCP, o que sucede pelo facto de a parte vencida beneficiária do apoio judiciário na mencionada modalidade não poder ser condenada no pagamento de custas (taxa de justiça, encargos e custas de parte).
Como tal, não há lugar ao pagamento de custas seja pelo recorrente, seja pelo recorrido.

***

IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Sem custas.
*



Lisboa, 11 de Janeiro de 2022[8]



Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro



[1]Adiante designado pela sigla CPC.
[2]Acessíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[3]A decisão-surpresa que a lei pretende afastar é aquela que revela uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, ou seja, não podem ser confrontadas com decisões com que não poderiam contar, o que não abrange os fundamentos utilizados pelo tribunal para fundamentar decisões que eram previsíveis ou que as partes devessem esperar ou admitir como possíveis. Assim, a decisão-surpresa não se confunde com “a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ter ou tiveram em conta” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018, relator Hélder Roque, processo n.º 177/15.0T8CPV-A.P1.S1.
[4]A obrigação cambiária pode ser assumida “pro soluto” ou “pro solvendo”, com uma função de garantia ou de pagamento, com ou sem eficácia novadora, e pode ser assumida em face das mais diversas relações jurídicas: compra e venda, mútuo, etc.” – A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III Letra de Câmbio, pág. 47.
[5]Adiante designada pela sigla LULL.
[6]“Com efeito, ao longo da sua relação contratual, exequente e executada iam procedendo à reforma da livrança emitida anteriormente à medida que se procedia ao pagamento do crédito em dívida, dando o executado o respectivo aval.”
[7]Adiante designado pela sigla RCP.
[8]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.