Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2674/21.0T8VFX.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I- Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxime das funções efectivamente exercidas.

II- A circunstância de existirem diferentes níveis de empenho, de competência e de confiança da parte hierarquia relativamente a algum dos seus trabalhadores face a outros (como sucederia com a Autora), tais diferenças serão valoráveis em sede de avaliação ou progressão profissional dentro da mesma categoria profissional, não implicando por si só, a inclusão do trabalhador em questão numa categoria profissional distinta.

III- Para efeitos de aplicação do princípio de a trabalho igual salário igual, cabe ao trabalhador alegar e provar que o seu trabalho e os dos trabalhadores com os quais se compara é desempenhado em condições de igual natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilidade, exigência técnica conhecimento, capacidade, prática e experiência) e quantidade (duração e intensidade).

IV- No presente caso, competia à Autora demonstrar que as funções por si desempenhadas eram iguais às desempenhadas pelas suas colegas (técnicas licenciadas), com os contornos assinalados em termos de duração, quantidade e qualidade. Não bastando para esse efeito provar, como sucedeu, que a mesma, em certas ocasiões, substituiu colegas suas e que estas a substituíram a ela, visto se ignorarem os concretos termos da prestação laboral de uma e de outras.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

1.1. A, intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra CP – COMBOIOS DE PORTUGAL, EPE, pedindo que seja esta condenada a: a) A atribuir-lhe a categoria de Técnica Licenciada, colocando-a no nível (160) devido, caso tivesse sido corretamente reclassificada em 2010; b) A pagar-lhe doravante a retribuição devida por tal reenquadramento profissional, no montante atual de 2.595,34 mensais; c) A pagar-lhe todas as diferenças remuneratórias relativas ao diferencial entre aquilo que a Ré, erradamente lhe pagou e aquilo que deveria ter pago; d) A pagar-lhe, a título de danos morais, montante não inferior a 7.500,00 €; e) A pagar juros de mora sobre os montantes indicados nas alíneas b) e c), até integral pagamento.
Para o efeito alegou, em suma, que começou a trabalhar para a Ré em 1 de abril de 1998 como comercial. Em junho de 2009 terminou a sua licenciatura em geografia. Desde então passou a desempenhar as funções correspondentes à categoria de Técnica Licenciada, idênticas à de outros Técnicos Licenciados. Contudo, a Ré mantém a Autora classificada como Técnico Comercial II. Desde, pelo menos, 15 de março de 2010, a Autora vem desempenhando funções próprias de Técnico Licenciado, sucedendo e sendo substituída por outros Técnicos Licenciados. Para além das diferenças remuneratórias e progressão de carreira a Autora peticiona ressarcimento das consequências psicológicas e anímicas do tratamento discriminatório.  
Realizou-se a audiência de partes, sem conciliação.
A Ré contestou. Alegou, em síntese, que as tarefas praticadas pela Autora ao serviço da Ré são realizadas sem autonomia de execução. Sendo antes tarefas vinculadas. Funções que se enquadram no descritivo funciona de Técnico Comercial II. Sendo que a habilitação literária não é relevante para as tarefas exercidas. A Autora não alega em que medida as tarefas exercidas correspondem ao núcleo de funções próprio de Técnico Licenciado. Por outro lado, inexiste qualquer diferença de tratamento que não esteja devidamente sustentada. Concluiu pela absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência prévia, bem como a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Teve lugar a audiência final.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
“Por tudo quanto se deixa exposto o Tribunal decide julgar a ação improcedente por não provada e, consequentemente, absolver a Ré do pedido”.

1.2. Inconformada com esta decisão dela recorre o Autor, formulando as seguintes conclusões:
1.º A sentença recorrida erra de facto e de Direito e baseia-se numa errada concepção do papel do Julgador em Processo do Trabalho, e como tal deve ser revogada.
2.º Os princípios essenciais do Direito do Trabalho (substantivo), tais como o da tutela da contraente mais débil, do predomínio da materialidade sobre a formalidade e de uma robustecida exigência da busca da verdade dos factos, têm também (e não poderiam deixar de ter) plena e necessária consagração e aplicação no Direito Processual do Trabalho,
3.º Determinando que o Juiz do Trabalho não só não deve permitir que a desigualdade real das partes (intrínseca à relação de trabalho subordinado) possa de algum modo prejudicar a averiguação da materialidade das situações, isto é, a busca da verdade dos factos.
4.º Impondo-lhe a obrigação (o poder/dever) de remover todos os obstáculos ou pretextos, designadamente de natureza formal, que possam fazer obstar a que se chegue ao apuramento da materialidade do mérito da causa, convidando as partes a corrigirem os articulados se porventura entender que não foram articulados factos relevantes para a boa decisão da causa.
5.º Como também, e consequentemente, e numa robustecida concepção do inquisitório, própria do mesmo Processo do Trabalho, impondo-lhe também que remova todos os obstáculos formais e que promova, mesmo que só oficiosamente, todas as diligências de provas necessárias à boa decisão da causa, bem como que considere todos os factos para tal relevantes, inclusive os que não foram articulados (cfr. art.º 27.º e 72.º, n.º 1 do CPT),
6.º Tudo isto sempre tendo em vista a garantir a igualdade substancial das partes, e logo também agindo com escrupuloso respeito pelo princípio do contraditório, e consequentes direitos das partes.
7.º Todas estas questões são mais relevantes ainda quando se está perante uma situação como a dos presentes autos, com uma simples cidadã comum, trabalhadora, de um lado, e uma logística e financeiramente poderosa empresa do outro, com o ónus da prova e as dificuldades inerentes à obtenção e produção da mesma a recaírem sobre a primeira.
8.º A A. requereu oportunamente logo na p.i. – e tal foi deferido expressamente no despacho saneador – que a Ré fosse notificada para juntar aos autos inúmera e relevante documentação em seu poder, mas decisiva para a boa decisão da causa,
9.º A saber, “cópia integral do processo individual da A. desde 2000, contratos, cartas de denúncia, nomeações, registos de categoria e remunerações, correspondência trocada” (sic), bem como “pareceres elaborados pela DRH e pelo SJR sobre a questão de qualificação profissional da A.”.
10.º O que não é legalmente inaceitável é que o Julgador não exerça o poder/dever consagrado no art.º 27.º, n.º 2, al. b) do CPT de convidar a parte Autora que supostamente deixou de alegar factos que podem interessar à decisão da causa para vir completar e corrigir o seu articulado alegando tais factos, para depois, e de forma surpreendente, julgar improcedente a acção, precisamente sob o pretexto da pretensa insuficiência que ele, Julgador, e ao invés do que devia, não convidou a corrigir.
11.º Os factos dados na sentença como “não provados” sob o n.º 4.º, 5.º, 11.º e 12.º foram-no erradamente, porquanto, tendo sido alegados, respectivamente nos art.º 47.º a 59.º, 79.º e 73.º a 79.º em especial 71.º a 75.º da p.i., e sendo do conhecimento pessoal e directo da Ré não foram por esta devida e especificamente impugnados e, logo, têm de ser considerados admitidos por acto.
12.º Os factos dados como “não provados” sob os n.º 1, 2 e 3 correspondem a um notório e claro erro do M. Juiz a quo na apreciação da prova, já que a sua demonstração resulta, e de forma absolutamente inequívoca, dos depoimentos prestados, com grande espontaneidade, convicção e veracidade, pelas testemunhas da A., todas elas Técnicas Licenciadas, há largos anos ao serviço da Ré e com directo, pessoal e amplo conhecimento dos factos sobre que depuseram.
Assim,
13.º O facto dado como “não provado” sob o n.º 1 foi-o erradamente, pois a sua prova resulta, inequivocamente, do depoimento de 28/11 da testemunha B, aos minutos 00:28; 00:47; 01:44; 02:46; 02:49; 3:32 a 03:37; 03:52 a 03:56; 04:21 e 04:36,
14.º E que demonstra que as funções que a A. vinha desempenhando desde 08/05/2014 foram todas transmitidas à referida testemunha B , Técnica Licenciada, que as passou a desempenhar a partir de Dezembro (e não Novembro) de 2017.
15.º O facto dado como não provado sob o n.º 2 foi-o erradamente pois o mesmo resulta inequivocamente provado pelo depoimento da testemunha C, Técnica Licenciada, nos trechos do minuto 02:48 a 07:23 e do minuto 10:48 ao minuto 14:27, prestado no dia 28/11, 
16.º Depoimento esse claramente comprovador de que, na nova estrutura orgânica da Ré, foi também atribuída à A. a gestão das Parcerias Permanentes, a qual, até à reestruturação de Novembro de 2017, lhe esteve atribuída em absolutamente paralelo com a referente Colega e Técnica Licenciada C .
17.º Rigorosamente o mesmo se devendo dizer do facto erradamente dado como “não provado” sob o n.º 3, e que resulta afinal comprovado, de forma absolutamente clara e convincente, pelo depoimento da já citada testemunha e Técnica Licenciada B  no seu depoimento de 28/11, dos minutos 00:21 a 00:47 e de 01:06 até 04:36. Por outro lado,
18.º O facto dado pela M.º Juiz a quo, sob o n.º 30 como “provado” foi-o, mesmo na parte não conclusiva, erradamente,
19.º Já que todas as testemunhas da A. inquiridas sob a respectiva matéria, todas Técnicas Licenciadas e com larga experiência ao serviço da Ré, confirmaram, de forma peremptória e muito clara a iniciativa, proactividade e capacidade de criação da A.,
20.º Sendo tal o que resulta do depoimento de 28/11 da testemunha D  , aos minutos 07:25 a 11:08, B , aos minutos 06:02 a 06:34 e aos minutos 07:19 a 08:42.
21.º Mas também, para não dizer sobretudo da Técnica Licenciada, com funções de Chefia, G , no seu depoimento de 28/11, minuto 03:41 a 10:39 e 13:06 a 14:59.
22.º E ainda do depoimento de 28/11 da testemunha Técnica Licenciada C  ao minuto 05:00 a 07: 23 e 09:25 a 11:24,
23.º Pondo todas elas a claro a total inveracidade da versão, consagrada erradamente na decisão impugnada, de que a A. não passaria de uma simples executante material de meras e concretas tarefas pré-definidas a cada momento,
24.º E confirmando todas em absoluto que a autonomia de que a A. dispunha era exactamente igual à das suas Colegas Técnicas Licenciadas e que, naturalmente, estas têm de seguir as orientações superiores e de ver as suas tarefas validadas superiormente, sem que tal signifique que quer elas quer a A. não tenham autonomia, iniciativa ou grau de responsabilidade.
25.º O M.º Juiz invoca que a A. não teria alegado o tipo de funções que constituiria o núcleo característico do Técnico Licenciado quando, por um lado, sabe que perfeitamente que não existe em vigor da Ré qualquer descritivo funcional para essa categoria e, por outro, se considerava esse facto invocado relevante e que a A. não o alegara, o que deveria era ter convidado a mesma A. a corrigir tal insuficiência e não abster-se de o fazer para vir (só) agora invocá-lo como razão para julgar improcedente a acção.
26.º É legalmente inaceitável e facticamente errado o relevo que o M. Juiz a quo procura dar ao depoimento de parte do legal representante do Réu, para mais quando este confessou estar na Empresa apenas desde 2020 e não ter sido ele a elaborar a pretensa “análise de funções”, que também jamais apareceu à luz do dia,
27.º Além de que todas as 4 testemunhas da A., Técnicas Licenciadas da Ré e com muitos anos ao serviço desta, foram absolutamente inequívocas na comprovação não só da autonomia e responsabilidade do A. como da circunstância de que estas, eram, em tudo idênticas às das suas colegas com a referida categoria de Técnico Licenciado,
28.º Como foi o caso da testemunha E – respectivo depoimento aos minutos 03:54 e de 06:07 a 08:56 – e da testemunha C  aos minutos 04:19 a 11:50, e 13:07 a 14:23,
29.º Bem como da testemunha D   (minutos 02:33 a 02:54 e 04:38 a 05:56) e até da testemunha da Ré F   (minuto 02:24 a 03:50) e até da testemunha da Ré F   (minuto 02:24 s 03:50).
30.º As quais, todas bem demonstraram que toda a equipa, incluindo a A., tinha competências para realizar todas as tarefas e estas eram distribuídas por todas equitativamente, em função das disponibilidades de cada uma,
31.º Bem como que as funções desempenhadas e a iniciativa e responsabilidade assumidas pela A. eram idênticas, que a A. foi mesmo substituída na sua actividade pela Dra. B , e que, quando a A. passou para o serviço IR e Regional, fazia exactamente o mesmo que aquela fazia no serviço AP e IC.
32.º Por outro lado, o “argumento” do M. Juiz a quo de que ficou sem saber se, no caso da A., era esta que fazia as funções de Técnica Licenciada ou os trabalhadores com esta categoria que executavam apenas de Técnica Comercial não só não tem qualquer correspondência com a verdade material dos factos que resulta efectivamente comprovada.
33.º Sendo mesmo gritante, a desconformidade entre, por um lado, o absurdo “resumo” que o M. juiz a quo faz de tais depoimentos a título de fundamentação da sua decisão e, por outro, o exacto teor das mesmas declarações,
34.º Como esquece e oblitera o correcto entendimento, há muito consagrado na doutrina e na jurisprudência, de que, não havendo um núcleo funcional claramente demarcado mas uma certa indiferenciação funcional nas tarefas atribuídas a um dado trabalhador (entre as relativas a uma categoria superior e outras referentes a uma categoria inferior), ao mesmo trabalhador deverá ser reconhecida a categoria superior.
35.º E tal princípio não pode ser afastado nem pela mera invocação de um AE celebrado há mais de 40 anos com um sindicato em que a A. não está filiada.
36.º Nem pela teoria de que não teria sido alegada e demonstrada uma pretensamente necessária conexão directa da habilitação da A. (licenciatura em geografia) e as funções desempenhadas, porquanto.
37.º Não só a A. invocou (designadamente nos n.º 23.º a 25.º da p.i. e nos n.º 11.º e 12.º da resposta à contestação) como demonstrou essa conexão e a relevância para o desenvolvimento da actividade da Ré.
38.º Também não é verdade – ao invés do que uma vez mais erroneamente, se afirma na decisão decorrida, a qual, apesar de tudo, tem de reconhecer a sua existência – que essas funções (nomeadamente de análises estatísticas, levantamento e uso de dados, identificação das características geo-socio-económicas de cada região) fossem isoladas ou limitadas no tempo, pois, ainda hoje, fazem parte integrante das atribuídas à A.,
39.º Tal como confirmou também a própria testemunha da Ré F   (no seu já referido depoimento de 29/11, minuto 02:24 a 03:50).
40.º Por outro lado, da prova realizada resultam inequivocamente demonstradas inúmeras tarefas e responsabilidades assumidas pela A. que de todo não se inscrevem no descritivo funcional da categoria de Técnico Comercial.
41.º A saber, a criação de novos produtos, a sua concretização, desde a respectiva negação até à sua estrutura ao nível dos concursos de venda, atributos e características, frequência, preço, serviços a considerar, validade, horários, mercados e concorrência, produtos e serviços associados, perfil do actual cliente, público-alvo, comportamentos da empresa, objectivos de Marketing e Comunicação,
42.º E, mais e tal como a A. os faz também, a permanente de resultados, análises estatísticas de dados, para avaliar o grau de concretização dos objectivos pretendidos, actualização de informação e validação de instruções comerciais bem como de textos para o site da R. com vista a dar a conhecer o produto.
43.º É evidente que nomeadamente as funções desempenhadas pela A., elencadas v.g. no art.º 24.º da p.i. e amplissimamente comprovadas pelas testemunhas inquiridas não encontram, pelo nível de complexidade e pelo grau de autonomia e de responsabilidades, qualquer paralelo como as definidas para a categoria de Técnica Comercial onde a Ré vem erradamente
44.º Demonstrado que assim ficou que à A. é pela Ré atribuído trabalho igual – em termos de quantidade, qualidade, complexidade e nível de responsabilidades – ao que a mesma R. atribui às suas Colegas Técnicas Licenciadas, às quais paga uma retribuição superior, manifesta se torna a violação do constitucional princípio de igualdade (desde logo da própria qualificação profissional), e em particular o do “a trabalho igual, salário igual”.
45.º Tendo a A. alegado (e provado) que faz o mesmo que as suas Colegas Técnicas Licenciadas às quais, todavia, a Ré atribui uma categoria formal e uma remuneração diferente e superior, manifesto se torna – ao invés do que pretende o M. Juiz a quo – que até por força do art.º 25.º, n.º 5 do CT, era à R. – e não à A. – que incumbia o ónus de demonstrar que tal diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação, demonstração essa que de todo a R. não fez.
46.º O caso dos autos configura uma situação – que a mais elementar sensibilidade jurídica não pode tolerar e a nossa Lei e Constituição não admitem – em que a Ré ao longo de anos e anos, coloca uma trabalhadora como a A. a fazer as mesmas funções e a assumir as mesmas responsabilidades que as suas Colegas com a categoria profissional de Técnicas Licenciadas mas, pelo subterfúgio de lhe atribuir formalmente uma categoria inferior e de pretender que não há maneira de definir prévia e normativamente o que compete a umas e a outras fazer, pagando-lhe uma remuneração bem menor.
47.º A decisão recorrida consubstancia assim, e como se vem de demonstrar, uma decisão relativamente à matéria de facto multiplamente errónea, com a criação, a título de fundamentação dessa mesma decisão, de uma realidade virtual que nada tem que ver com a materialidade dos factos provados pela A., e que resulta das passagens da gravação da prova testemunhal produzida pela A. supra-indicada com exactidão,
48.º E uma decisão de Direito errónea a vários títulos, violadora designadamente dos art.º 27.º, n.º 1 e n.º 2, al. b) e 72.º, n.º 1 do CPT, 25.º, n.º 5 e 118.º, n.º 1 do CT e 13.º e 59.º, n.º 1, al. a) da CRP.

1.3. A Ré contra-alegou com vista ao não provimento do recurso

1.4. O recurso foi admitido com o efeito e regime de subida adequados.

1.5. Remetidos os autos a esta Relação foi aberta vista, tendo o Ministério Publico emitido parecer no sentido da manutenção da sentença recorrida. A esse parecer respondeu a Autora, mantendo a posição vertida no seu recurso.

1.6.  Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir

2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.º s 3, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil - CPC), impondo-se ainda referir que o juiz não está sujeito às alegações das partes no respeitante à matéria de direito (art.º 5.º n.º 3, do CPC), apenas se lhe impondo conhecer das questões e não dos argumentos, teses ou pareceres suscitados pelas partes (art.º 608.º,  n.º 2, do CPC). Assim, as questões colocadas a este tribunal consistem na impugnação da matéria de facto, em aquilatar se devia ter sido observado o disposto nos artigos 27.º e 72.º do Código de Processo do Trabalho; se  à Autora deve ser atribuída a categoria de técnico licenciado e se ocorre violação do princípio de trabalho igual salário igual.

3. Fundamentação de facto

3.1. Encontram-se provados os seguintes factos:
1. Em 1 de abril de 1998, a A. entrou ao serviço da Ré para, sob as ordens e direcção desta, exercer as funções de Comercial.
2. Entretanto, em julho de 2009, a A. concluiu a sua licenciatura….
3. A Ré mantém a Autora classificada como Técnico Comercial II.
4. Desde 15 de Março de 2010, que a A. passou a colaborar diretamente com a responsável do serviço de Gestão de Produto Alfa e Intercidades, Dra. G .
5. Entre 15 de março de 2010 e 8 de maio de 2014, a A. desempenhou funções na, Gestão de Produto Alfa e Intercidades, com a Dra. C  e, a partir de 2013, com a Dra. D  , Técnicas Licenciadas.
6. Ao serviço da Ré na Gestão de Produto Alfa e Intercidades a Autora desempenhou as seguintes funções: i) Propor e implementar desenvolvimento de Produtos e Serviços com base nos diversos inputs da Unidade de Negócio, nomeadamente na informação recolhida das necessidades do Mercado, através do serviço de Pós-Venda; ii) Gerir os contratos associados aos vários Produtos comercializados pela Ré, nomeadamente os serviços e conteúdos de bordo, restauração e publicações, bem como controlar a respetiva execução e validação diária das penalizações decorrentes do não cumprimento por parte dos concessionários/prestadores de serviço; iii) Validação das grelhas quinzenais de conteúdos de programas, sugeridos pela empresa adjudicada, que são disponibilizados nos circuitos internos dos comboios Alfa Pendular; iv) Acompanhar e analisar os serviços prestados a bordo dos comboios Longo Curso, com vista a garantir a qualidade dos mesmos em todas as suas vertentes, nomeadamente no que concerne ao atendimento e apoio ao cliente; v) Colaborar na definição da política comercial da referida Unidade de Negócio, com enfoque no desenho do Produto e na política tarifária, em articulação com a estratégia global da empresa e gerir parcerias e acordos comerciais, com o objetivo de acrescentar valor aos produtos e captar mais procura, no âmbito do “antes, durante e após” a viagem; vi) Identificar as necessidades de comunicação de cada produto e realizar Inquéritos e estudos de Benchmarking para avaliação do nível de satisfação e aferição da necessidade de adequação dos Produtos; vii) Analisar e apresentar resultados de inquéritos efetuados aos clientes do LC (Longo Curso); viii) Promover e comercializar os produtos junto de Empresas, Instituições, etc.; ix) Colaborar na definição e execução de ações de promoção e comunicação do produto e proceder ao levantamento e análise de informação estatística dos produtos; x) Apresentar propostas de melhoria do serviço prestado, com o objetivo da satisfação do cliente.
7. No âmbito da Gestão de Produto Alfa e Intercidades, a A. realizou um trabalho/estudo sobre potencialidades de clientes na linha da Beira Alta, efetuado com base na utilização de dados dos censos, com o objetivo de caracterizar a população envolvente em cada estação da Ré (CP) do referido eixo e identificar necessidades de deslocação e locais agregadores de movimentos pendulares (escolas, empresas, locais de interesse cultural, social, desportivo etc.).
8. Procedeu à recolha, tratamento, analise e elaboração de relatório de resultados dos Inquéritos realizados aos clientes CP (Questionário CP Lounge - Dezembro 2011 – 1ª e 2ª fase, Questionário Wi-Fi – agosto 2012, Questionário Serviço a Bordo AP – maio 2012 e Questionário Intercidades – março 2014).
9. A A. ministrou, também, formação aos colaboradores do novo Call Center em conjunto com a responsável do serviço (Dra. G )
10. E procedeu à angariação de parceiros com elevada capacidade de movimentação de clientes a nível nacional, valorizando o valor percebido pelo cliente CP (…, etc.).
11. Em 8 de Maio de 2014, em face de uma reestruturação interna ocorrida na Ré, o já referido serviço de Gestão de Produto Alfa e Intercidades passou a ser denominado serviço de Gestão de Produto.
12. Na sequência, foi efectivada uma reorganização funcional da equipa, tendo a A. concretizado e gerido parcerias e acordos comerciais, com o objetivo de acrescentar valor aos produtos e captar mais procura, no âmbito do “antes, durante e após” a viagem.
13. Do mesmo modo, concebeu e geriu os contratos associados às referidas parcerias, nomeadamente contratos com outros Operadores e/ou Entidades, e procedeu à validação da faturação associada a esses mesmos contratos.
14. Procedeu à identificação das necessidades de comunicação das parcerias e definição do reforço de comunicação, de forma a aumentar a procura de clientes, bem como à promoção e comercialização dos produtos junto de parceiros e entidades e/ou empresas.
15. Definiu as ações de promoção e comunicação do produto, procedeu ao levantamento e análise de informação estatística de gestão do referido produto, efectuou a apresentação de propostas de melhoria do serviço prestado com o objetivo da satisfação do cliente, acompanhou “comboios especiais” e/ou eventos, ao abrigo das parcerias estabelecidas.
16. Em 1 de Novembro de 2017, o referido serviço passou a ser denominado serviço de Gestão de Produto InterRegional e Regional (GPIR/R), em face de nova restruturação interna, ocorrida na Ré, e a equipa passou a integrar apenas a A. e a sua chefia direta, no caso, a Técnica Licenciada Dra. F  .
17. A Autora concebeu produtos/parcerias e rotas turísticas enquadradas na política comercial da unidade e na política de comunicação CP, com o objetivo de acrescentar valor aos produtos e captar mais procura, no âmbito do “antes, durante e após” a viagem e geriu os contratos associados às parcerias/produtos e rotas turísticas, nomeadamente contratos com outros Operadores e/ou Entidades,
18. A Autora validou a faturação associada aos contratos com outras entidades e/ou operadores no âmbito das parcerias/produtos e rotas Turísticas e promoveu e comercializou parcerias/produtos/rotas junto de entidades e/ou empresas. Paralelamente,
19. Elaborou o plano de comunicação de cada produto/parceria/rota e procedeu à validação das peças/conteúdos e, igualmente, ao acompanhamento da sua implementação, e à identificação das necessidades de comunicação das parcerias/produtos/rotas já existentes e à proposta de reforço de comunicação, de forma a aumentar a procura.
20. Angariou novos clientes através da dinamização das relações comerciais com novos parceiros, monitorizou informação estatística de gestão de produto e concorrência e elaborou propostas de melhoria do serviço prestado, com o objetivo da satisfação do cliente.
21. Apresentou proposta de objetivos e linhas de atuação enquadrados na estratégia comercial da unidade para o serviço InterRegional e Regional e procedeu ao acompanhamento e avaliação dos serviços prestados, com vista a garantir a qualidade dos mesmos em todas as suas vertentes, nomeadamente no que diz respeito ao estado de limpeza e conforto do material circulante, em articulação com as restantes áreas.
22. Propôs e negociou com as entidades locais e operadores rodoviários os planos de transporte para aumento dos rebatimentos na rede de serviços CP.
23. Solicitou a elaboração de Regulamentação Comercial e criação do produto/parceria/rota turística no sistema de vendas e monitorizou e validou a informação;
24. Analisou a informação relativamente a alterações na circulação, em particular em períodos de greve, as alterações ao serviço em períodos de interdições na via por motivo de obras e as implicações das alterações ao horário de verão e inverno e articulação de propostas comerciais com as operações da DEX.
25. Entretanto, em 5 de março de 2020, na mais recente restruturação interna da Ré, o serviço passou a ser denominado Gestão de Produto Alfa Pendular.
26. No âmbito das funções desempenhadas pela A. agora no serviço de Gestão de Produto Alfa Pendular, foram-lhe atribuições as seguintes tarefas: i) Conceção de produtos/parcerias enquadradas na política comercial da unidade e na política de comunicação CP, com o objetivo de acrescentar valor aos produtos e captar mais procura, no âmbito do “antes, durante e após” viagem; ii) Conceção e gestão dos contratos associados às parcerias/produtos, nomeadamente contratos com parceiros; iii) Promoção e comercialização de parcerias/produtos/rotas junto de entidades e/ou empresas; iv) Elaboração do plano de comunicação de cada produto/parceria e validação das peças/conteúdos e acompanhamento da sua implementação; v) Identificação das necessidades de comunicação das parcerias/produtos já existentes e proposta de reforço de comunicação, de forma a aumentar a procura; vi) Angariação de novos clientes através da dinamização das relações comerciais com novos parceiros; vii) Monitorização da informação estatística das parcerias; viii) Elaboração de propostas de melhoria do serviço prestado, com o objetivo da satisfação do cliente; ix) Acompanhamento e avaliação dos serviços prestados, com vista a garantir a qualidade dos mesmos em todas as suas vertentes, nomeadamente no que diz respeito ao estado de limpeza e conforto do material circulante, em articulação com as restantes áreas; x) Solicitação e elaboração de Regulamentação Comercial, criação do produto/parceria no sistema de vendas e monitorização e validação da informação; xi) Monitorização diária da procura do serviço Alfa Pendular, análise e propostas de alteração, sempre que se justifique, por via das condicionantes/medidas governamentais associadas à pandemia Covid 19.
27. As funções a desenvolver pela A. agora no departamento de Compras Logística, são: i) Assegurar o reporting da atividade do Órgão, bem como a informação na Intranet; ii) Controlar junto da Direção os tempos de execução dos processos das várias áreas, nomeadamente as compras, com análise da performance na ótica da eficiência, eficácia e qualidade dos procedimentos; iii) Coordenar o processo de Avaliação de fornecedores no âmbito da aquisição de bens e serviços assegurando o cumprimento das disposições aplicáveis.
28. A A. foi excluída de um concurso, pelo facto do seu curso superior não estar considerado nas condições de admissão do mesmo.
29. No Regulamento de Carreiras da Ré de maio de 1999 são definidas as funções de Técnico Comercial II da seguinte forma: “Executar e coordenar actividades de prospecção de mercado, serviços especiais de venda ou pós-venda e o controlo da qualidade dos serviços comerciais da Empresa, nomeadamente: Verificar a actividade e a instrução técnica do pessoal em exercício de actividades comerciais ou de agentes e subconcessionários; Prospectar oportunidades comerciais e assegurar a informação sobre as caracteristícas, a qualidade e os preços dos serviços prestados ou a prestar, ou outras, no âmbito da assistência a clientes; Assegurar a assistência pós-venda, nomeadamente a informação aos clientes sobre os condicionamentos na execução dos serviços; Acompanhar e controlar a execução dos planos de venda e de publicidade ou a gestão de contratos de prestação de serviços por terceiros; Organizar e acompanhar os serviços especiais ou transbordos; Executar ou colaborar em estudos pesquisa de mercado, de oferta e procura, ou da qualidade do serviço prestado e satisfação dos clientes; Colaborar na elaboração de normas e outros documentos regulamentares no âmbito da sua actividade e competência; Realizar e/ou participar na realização de inquéritos sobre acidentes, incidentes ou outros, em matérias da sua competência profissional; Assegurar a representação da Empresa junto dos clientes, instituições ou eventos; Colaborar na formação de trabalhadores em matérias da sua competência profissional.”
30. As funções exercidas pela Autora foram-no sem autonomia de execução ou iniciativa da própria, correspondendo à execução de tarefas que lhe eram/são cometidas, a cujas instruções estava/está vinculada, com obrigação de reporte caso a caso e sempre sujeito à validação da respetiva chefia.
31. O trabalho referido em 7. e 8. era para ser realizado inicialmente por um Técnico Licenciado que, entretanto, mudou de serviço e que, por essa razão, a citada responsável do referido serviço (Dra. G ), designou a A. para o substituir.

3.2. Factos não provados

Não se provou que:
1. As funções que a Autora vinha desempenhando desde 8 de maio de 2014, passaram, a partir de 1 de novembro de 2017, a ser desempenhadas pela Técnica Licenciada Dra. B .
2. Nesta nova estrutura orgânica, foi também atribuída à Autora a Gestão das Parcerias Permanentes, serviço que esteve sob a responsabilidade da Autora — em paralelo com uma colega Técnica Licenciada — até à supra referida anterior reestruturação de 1 de novembro de 2017
3. Ou seja, nessa data (1 de novembro de 2017), a referida função de Gestão de Parcerias Permanentes passou a ser desempenhada por uma Técnica Licenciada.
4. E, em 5 de março de 2020, passou a estar, de novo, sob a responsabilidade da A. Além disso.
5. A colega com a qual realizou a troca, técnica licenciada, passou a assegurar as funções que mantinha na Gestão de Produto Alfa Pendular.
6. A manutenção da Autora na categoria de Técnico Comercial II vem causando à mesma A. um profundo sentimento de injustiça, bem como de humilhação e até descriminação,
7. Em particular relativamente aos colegas com a categoria de Técnico Licenciado (quer os que a possuem há mais tempo quer aqueles a quem ela foi recentemente reconhecida e atribuída),
8. Determinando uma marcada alteração da normalidade da vida, desde logo, profissional da A.,
9. Mas também da sua vida pessoal e familiar,
10. Desconsiderando-a e abatendo-a psicologicamente de forma muito marcada.
11. A Ré CP procedeu a um aditamento à Nota de Abertura nº …do Recrutamento Interno para Técnico Licenciado.
12. No dia 1 de julho 2021 a A. passou a colaborar no departamento para o qual não foi selecionada no concurso, mas por troca direta com outra colega de categoria Técnica Licenciada, com funções de apoio à direção e controlo da gestão.
13. Este processo decorreu após uma análise ao currículo profissional e após uma entrevista com a Diretora do departamento de Compras e Logística. 14. A colocação a partir de julho de 2021 da A. nas Compras e Logística foi para cumprir uma fase de aprendizagem.

4. Fundamentação de Direito

4.1. Da impugnação da matéria de facto
(…)
4.2. Se deviam ter sido observados o disposto nos artigos 27.º e 72.º , Código de Processo do Trabalho
Pretende a Autora que o Mmo. Juiz devia ter exercido poder-dever consagrado no art.º 27.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo do Trabalho (CPT), convidando a Autora, a completar e corrigir o seu articulado, alegando os factos em falta, ao invés de ter julgado improcedente a acção.
Nos termos do art.º 27.º do CPT (Dever de gestão processual)
“1- Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz deve, até à audiência final:
a) Mandar intervir na ação qualquer pessoa e determinar a realização dos atos necessários ao suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação;
b) Convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova”.  
Este normativo consagra no âmbito do processo do trabalho o principio de gestão processual, cabendo ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso processual que cabe às partes, tomar as medidas necessárias de agilização processual que se afigurem necessárias com vista à justa composição do litígio em prazo razoável.
O referido dispositivo traduz um reforço do principio do inquisitório, devendo, por isso, o juiz até à audiência final, para além do mais ali prescrito, “convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.” (n.º 2, alínea b)).
Sucede, porém, que ao contrário do sustentado pela Autora, entendemos que não estava o juiz vinculado a proferir despacho de aperfeiçoamento.
Com efeito, o disposto no citado art.º 27.º do CPT, não pode deixar de harmonizar-se com o principio do dispositivo, também vigente no processo do trabalho (art.º 5.º do CPC, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2, alínea e), do CPT). Como é sabido, o principio dispositivo traduz, essencialmente, a liberdade que cabe às partes de decidir sobre a instauração do processo e sobre a conformação do seu objecto - manifestando-se tal princípio também através da responsabilidade que cabe àquelas em alegarem os factos destinados a constituir os fundamentos da decisão. Embora mitigado pelo princípio do inquisitório, o principio da auto responsabilização das partes, decorrente do dispositivo, também vigora no âmbito processual laboral, pelo que o autor e o réu são os responsáveis pelo processo e pela orientação que lhe imprimem em execução da estratégia por si delineada (Cfr. Rita Lobo Xavier e Outros, “Elementos de Direito Processual Civil, Teoria Geral, Princípios, Pressupostos”, 2.ª Edição, Universidade Católica,  págs. 151 e 152).
Nesse plano, a Autora, invocou ser licenciada em geografia. Alegou ter realizado vários trabalhos (decorrentes dessa licenciatura) enquadráveis na categoria de técnico licenciado a que cabe retribuição superior. Indicou também o IRC aplicável de onde emanam tais funções. Para além disso, enumerou, ainda, um conjunto de funções que tanto ela como as suas colegas com a categoria de técnicas licenciadas, que identificou, têm vindo a desempenhar. Partindo dessa alegação, invocou a Autora ter direito à categoria de técnico licenciado, com a inerente retribuição, e também direito a tal retribuição por via da aplicação do princípio de a trabalho igual salário igual, visto desenvolver funções idênticas às desempenhadas pelas suas indicadas colegas.
Deste modo, embora possa considerar-se não exaustiva a alegação da Autora, no concernente à categoria pretendida e à violação do princípio da paridade retributiva, a mesma traduz com suficiência a causa de pedir e pedidos deduzidos, não se impondo in casu ao juiz a prolacção do despacho de aperfeiçoamento. Conforme assinalado no acórdão do STJ de 18-10-2006, a “restrição do próprio do direito processual laboral ao princípio do dispositivo tem também os seus limites. Não pode o tribunal impor à parte que invente ou crie factos (…)” Não sendo “de exigir à parte que crie factualidade só para preencher um vazio de alegação”.
Segundo o art.º 72.º do CPT,
“1- Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
(…)”
O referido dispositivo legal consagra também no âmbito do processo do trabalho, um reforço do princípio do inquisitório, na medida em que permite ao juiz considerar na decisão factos não alegados que sejam relevantes para a boa decisão da causa. Este preceito legal é motivado pela indispensabilidade de uma decisão justa, subvalorizando os aspectos formais face ao carácter público e de conteúdo social subjacente às normas processuais do trabalho.
Conforme assinalado no Ac. TRE de 16-03-2017, proc. 480/14.7T8STB.E1, sumário “Em processo laboral, a matéria de facto relevante para a decisão de mérito deve também considerar os factos que, embora não articulados, o tribunal tenha apurado nos termos do art.º 72.º, ns.º 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho”).
Sucede, porém, que o recurso à importação fática ali previsto pressupõe o procedimento a desencadear na 1.ª instância, em sede de audiência de julgamento, que, conforme resulta da respectiva  acta não foi ali observado (Vd. os acórdãos do STJ de 18-04-2018, proc. 205/12.1TTGRD, do TRL de 16-03-2016, proc. 37/13.0TBHRT, de 07-10-2019, proc. 3633/17.2T8VFR, do TRE de 26-04-2018, proc. 491/17.0T8EVR e do TRC de 28-04-2017, proc. 2282/16.7T8LRA, publicados in http://www.dgsi.pt).
A isso acresce a circunstância de a ter-se verificado a omissão do incumprimento do referido normativo legal, tal situação integra(ria) a prática de nulidade processual (art.º 195.º do CPC), que deveria ter sido arguida nos termos do mencionado art.º 199.º, do mesmo diploma legal, o que se não demonstra tenha ocorrido, pelo que também sempre seria de considerar sanada tal nulidade. 
Com base no exposto, apenas nos resta concluir pela improcedência da presente questão.

4.3. De à Autora dever ser atribuída a categoria de técnico licenciado
Pretende a Autora a sua reclassificação como técnica licenciada desde 2010, visto desde essa altura desempenhar funções correspondentes a essa categoria.
Em termos de enquadramento, cumpre assinalar o seguinte:
A posição do trabalhador na organização em que se integra define-se a partir daquilo que lhe cabe fazer, isto é, o conjunto de tarefas serviços e tarefas que formam o objecto da prestação de trabalho, que se determina a partir da actividade contratada com o empregador (art.º 115.º n.º 1, do Código do Trabalho). É neste contexto que surgem as referências à categoria do trabalhador e ao seu “direito à categoria”. A definição da actividade contratada, isto é, daquele conjunto de tarefas e serviços que formam o objecto do contrato de trabalho, pode ser feita por remissão para a categoria constante de regulamentação colectiva aplicável ou de regulamento interno da empresa (art.º 118.º n.º 2, Código do Trabalho).
Sucede que a categoria profissional integra vários sentidos entre os quais se contam os de categoria-função ou contratual e de categoria-estatuto ou normativa.
A categoria-função ou contratual do trabalhador corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho e pelas alterações ocorridas no seu âmbito, constituindo a dimensão qualitativa da prestação do trabalho, ou seja, o conjunto de tarefas que constituem o objecto da prestação de trabalho por parte do trabalhador e à qual corresponde normalmente uma designação (Vd., o  Ac. do STJ de 9-10-2013, proc. 961/09.4TTVNG.P1.S1 e Menezes Cordeiro, “Manual de Direito do Trabalho”, Almedina, pág. 665).
A categoria-estatuto ou normativa define a posição do trabalhador na organização da empresa através da correspondência das suas funções a uma determinada categoria cujas tarefas típicas se descrevem na lei ou nos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, daí decorrendo a aplicação do regime laboral previsto para essa situação, por exemplo, em matéria de progressão salarial e de posição na estrutura hierárquica da empresa (Vd. Ac. do STJ de 09-10-2013, proc. 961/09.4TTVNG.P1.S1 e também Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, 2010, pág. 439).  
A categoria–estatuto revela, pois, o posicionamento sócio profissional do trabalhador, não sendo despiciendo recordar que os conceitos de função e de categoria são incindíveis: a categoria decorre das funções e estas impõem uma categoria.
A categoria profissional de um trabalhador só é vinculativa para a entidade empregadora quando institucionalizada, isto é, quando prevista na lei, regulamento ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.  Por outro lado, afere-se pelas funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional (núcleo “duro" de funções) que caracteriza ou determina a categoria em questão; é irrelevante, pois, a denominação ou "nomen juris" atribuído unilateralmente pela entidade empregadora (Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-07-2001, proc. 0036604, e de 15-02-2012, proc.  830/06), assim como a denominação ou "nomen juris" feito constar do instrumento a que tenha sido reduzido o contrato de trabalho ou verbalmente fixado entre as partes.  Mais do que saber qual foi a designação formal que a empregadora e o trabalhador atribuíram (verbalmente ou por escrito) ao “conteúdo funcional” a que o trabalhador se obrigou e de que a empregadora se tornou credora, o que realmente importa determinar é qual “conteúdo funcional” que o trabalhador realmente desempenhou no cumprimento do contrato de trabalho, sendo que, para efeitos de enquadramento numa determinada categoria profissional, em caso de divergência entre aqueles “conteúdos funcionais”, o segundo prevalece sobre o primeiro (Vd. Ac. do TRC de 08-06-2018, proc. 1065/17.1.T8LRA.C1).
Segundo António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 14.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 200, “A categoria exprime, assim, um «género» de actividades contratadas - Há-de caber nesse género, pelo menos na sua parte essencial ou característica, a função principal que ao trabalhador está atribuída na organização (art.º 118.º), e que é já uma aplicação ou concretização da «actividade contratada»
Como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado do Direito do Trabalho, Dogmática Geral”, 4.ª Edição Almedina, 2015, pág. 459, “A situação jurídica do trabalhador no contrato de trabalho envolve também uma componente vertical, que tem a ver com a posição que ele ocupa no seio da organização do empregador.(..) Por força da componente organizacional do contrato de trabalho, o trabalhador integra-se necessariamente na organização do trabalhador e essa integração tem efeitos na sua situação jus laboral”.
Pode assim dizer-se, parafraseando Monteiro Fernandes, “Op. Cit.” pág. 200, que “A categoria constitui um fundamental meio de delimitação de direitos e garantias do trabalhador – ou, noutros termos, de caracterização do seu estatuto profissional na empresa. É ela que define o posicionamento do trabalhador na hierarquia salarial, é ela que o situa no sistema de carreiras profissionais, é também ela que funciona como referencia para se saber o que pode e o que não pode a entidade empregadora exigir ao trabalhador” (Ac. do TRP de 12-09-2022, proc. 1533/21.0T8MAI.P1).
Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador (Vd. os Acórdãos do STJ de 23-02-2012, proc. 4535/06.3TTLSB.L1.S1 e de 03-02-2010, proc. 436/06.3TTSTS.S1, disponíveis em www.stj.pt).
À luz do regime legal aplicável, impõe-se, assim, que haja correspondência entre as funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador e o seu estatuto profissional e económico, assim se alcançando a tríplice correspondência entre a categoria função e a categoria normativa e a retribuição relativa a esta (Ac. do TRP de 26-04-2010, proc. 17/07.4TTLMG.P1).
Posto isto, retomemos o presente caso.
Anota-se, desde já, que a categoria de técnico licenciado reivindicada pela Autora apenas consta referida expressamente na Cláusula 169.ª do AE celebrado entre a Ré e o Sindicato dos economistas, publicado no BTE n.º 3, de 22-01-1981.
Como aí consta, “Técnico Licenciado – É o trabalhador que tendo direito ao reconhecimento geral da formação de licenciado, desempenha funções inerentes aos respectivos cursos e ou outras funções em que haja acordado com a empresa como adequadas ao seu nível intelectual e profissional, a inserir numa futura definição de funções
A dita categoria, embora sem menção descritiva, está também prevista na Revisão do Regulamento de carreiras dos quadros técnicos licenciados e bacharéis da Ré, pelo que se terá em consideração o referido descritivo.
A Autora invoca, como se disse, que desde 2010 vem desempenhando funções enquadráveis na categoria de técnico licenciado. Está provado que a mesma é licenciada em Geografia …. Sendo essa a sua habilitação académica, importa aquilatar se as funções que a mesma tem vindo a desempenhar na Ré se enquadram no respectivo curso.
A esse respeito, conforme assinalado na decisão recorrida, podem considerar-se como integrantes dessa licenciatura as funções relacionadas com os  dados dos censos, a que se referem os n.ºs 7 e 8 dos factos provados (7. No âmbito da Gestão de Produto Alfa e Intercidades, a A. realizou um trabalho/estudo sobre potencialidades de clientes na linha da Beira Alta, efetuado com base na utilização de dados dos censos, com o objetivo de caracterizar a população envolvente em cada estação da Ré (CP) do referido eixo e identificar necessidades de deslocação e locais agregadores de movimentos pendulares (escolas, empresas, locais de interesse cultural, social, desportivo etc.). 8. Procedeu à recolha, tratamento, analise e elaboração de relatório de resultados dos Inquéritos realizados aos clientes CP (Questionário CP Lounge - Dezembro 2011 – 1ª e 2ª fase, Questionário Wi-Fi – agosto 2012, Questionário Serviço a Bordo AP – maio 2012 e Questionário Intercidades – março 2014).
Acontece, porém, que o exercício de tais funções teve lugar em tempo limitado, quando é certo a Autora invoca que desempenhou funções da reclamada categoria de técnica licenciada por mais de 10 anos. A isto acresce a circunstância de grande parte das funções exercidas pela Autora ao longo do indicado período dizerem respeito ao conteúdo funcional da categoria profissional que lhe está atribuída, tal como surge descrita no Regulamento de Carreiras da Ré de Maio de 1999.
À categoria de técnico comercial, correspondem as funções a seguir descritas, constantes do facto provado n.º 29, a que se aditam, em parenteses, os pontos de facto referentes às funções concretamente exercidas pela Autora que, no geral, àquelas correspondem.
Assim, ao técnico comercial cabem as seguintes funções:
Executar e coordenar actividades de prospecção de mercado, serviços especiais de venda ou pós-venda e o controlo da qualidade dos serviços comerciais da Empresa, nomeadamente (com correspondência ao facto provado 6, i); Verificar a actividade e a instrução técnica do pessoal em exercício de actividades comerciais ou de agentes e sub concessionários (com correspondência ao facto provado 6, ii, iii, iv); Prospectar oportunidades comerciais (com correspondência aos factos provados 6 viii, ix, x, xiv,  xv, xvii e xviii, 12, 17 e 19) e assegurar a informação sobre as caracteristícas, a qualidade e os preços dos serviços prestados ou a prestar, ou outras, no âmbito da assistência a clientes (com correspondência ao facto provado 6, v, vi, viii e xii,) ; Assegurar a assistência pós-venda, nomeadamente a informação aos clientes sobre os condicionamentos na execução dos serviços (com correspondência ao facto provado 6, v); Acompanhar e controlar a execução dos planos de venda e de publicidade ou a gestão de contratos de prestação de serviços por terceiros (com correspondência ao facto provado 6 ii,); Organizar e acompanhar os serviços especiais ou transbordos; Executar ou colaborar em estudos pesquisa de mercado, de oferta e procura, ou da qualidade do serviço prestado e satisfação dos clientes (com correspondência aos factos provados 6 vii,  viii, e 21); Colaborar na elaboração de normas e outros documentos regulamentares no âmbito da sua actividade e competência (com correspondência ao facto provado 19). Realizar e/ou participar na realização de inquéritos sobre acidentes, incidentes ou outros (com correspondência aos factos provados 6 vi e 8), em matérias da sua competência profissional; Assegurar a representação da Empresa junto dos clientes, instituições ou eventos (com correspondência ao facto provado 18); Colaborar na formação de trabalhadores em matérias da sua competência profissional (com correspondência ao facto provado 9).
Como se referiu na sentença recorrida e se subscreve, as “funções especialmente focadas pela Autora como representativas de especial complexidade estão previstas nesta definição como sejam ministrar formação, representar a Ré, fazer pesquisa de mercado, fazer a gestão de contratos por terceiros, etc.
Nesta avaliação não se pode ignorar que existem distinção de grau, de complexidade e de autonomia associadas dentro da mesma categoria profissional. Tais diferenças estão associadas a diferentes níveis de empenho, de competência e de confiança da parte hierarquia. Tais diferenças, valoráveis em sede de avaliação ou progressão profissional dentro da mesma categoria profissional, não implicam, por si só, a inclusão do trabalhador numa categoria profissional distinta” (sublinhados nossos).
Destarte, não se demonstrado que a Autora tenha desempenhado com carácter preponderante as funções correspondentes à categoria de técnico licenciado, impõe-se concluir pela improcedência da presente questão.

4.4. Da violação do princípio de a trabalho igual salário igual
Sustenta a Autora que lhe tem sido atribuído trabalho igual em termos de quantidade, qualidade, complexidade e nível de responsabilidades – relativamente ao que é atribuído às suas colegas técnicas licenciadas, auferindo estas retribuição superior, reclamando idêntico tratamento remuneratório.
Prescreve o art.º 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa o seguinte:
“1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; (…)”.
A propósito deste normativo referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora 2007, pág. 770, que o mesmo “estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) ela deve ser conforme à quantidade de trabalho (i. é, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. é, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do trabalho (i. é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade); (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores; (c) a retribuição deve garantir uma existência condigna, ou seja, deve assegurar não apenas o mínimo vital; mas, também condições de vida, individuais e familiares, compatíveis com o nível de vida exigível em cada etapa do desenvolvimento económico e social (…).” Realçam ainda os referidos autores que “a igualdade de retribuição como determinante constitucional positiva (e não apenas como princípio negativo de proibição de discriminação) impõe a existência de critérios objetivos para a descrição de tarefas e avaliação de funções necessárias à caracterização de trabalho igual (trabalho prestado à mesma entidade quando são iguais ou de natureza objetivamente igual as tarefas desempenhadas) e trabalho de valor igual (trabalho com diversidade de natureza das tarefas, mas equivalentes de acordo com os critérios objetivos fixados)”.
Segundo Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho”, Almedina, 16.ª Edição, pág. 387, consagra-se no referido dispositivo constitucional, para além do princípio da suficiência da retribuição, o da “equidade” da retribuição, por via do qual não pode por nenhuma das vias possíveis (contrato individual, convenção colectiva, regulamentação administrativa, legislação ordinária), atingir-se o resultado de, numa concreta relação de trabalho, ser prestada retribuição desigual da que seja paga, no âmbito da mesma organização, como contrapartida de “trabalho igual”. Idêntica remuneração deve corresponder a dois trabalhadores que na mesma organização, ocupem postos de trabalho iguais, isto é que desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes em idêntica quantidade (duração). Realça, contudo, que identidade ou semelhança de funções não é necessariamente trabalho igual, visto a prestação concreta de cada trabalhador poder ser diferente: um rende mais do que o outro, realiza as tarefas com mais perfeição ou com mais autonomia, etc. Mais referindo que o dito princípio traduz uma directriz imediatamente operatória, não apenas enquanto critério de validade da regulamentação legal, mas, sobretudo, como critério de licitude da prática contratual concreta. A identidade ou semelhança de funções, não traduz, pois, necessariamente, “trabalho igual.  Com efeito, mesmo considerando dois postos de trabalho absolutamente idênticos, a prestação de actividade em cada um deles pode ser diferente: um dos trabalhadores é mais pontual do que o outro, dá mais rendimento ou realiza com maior perfeição técnica ou autonomia as suas tarefas. (Nossos sublinhados).
Por ser assim, têm sido assinalados os contornos em que o dito princípio deve ser interpretado.  
João Leal Amado, inContrato de Trabalho”, Coimbra Editora, 2009, págs. 307 – 308, aduz que em “termos gerais, parece adquirida a afirmação de que com tal princípio não se visa alcançar um qualquer igualitarismo extremo. O que este princípio proíbe não é a diferenciação salarial, mas sim a discriminação salarial, ou seja, a diferenciação injustificada, baseada, p. ex., em factores como o sexo, a raça, a nacionalidade, a religião, as convicções políticas, etc. Já constituem fundamento bastante para a diferenciação e títulos legitimadores da mesma os factores ligados à distinta quantidade (duração ou intensidade, p. ex.), natureza (dificuldade ou penosidade, p. ex.) e qualidade (mérito ou produtividade, p. ex.) do trabalho prestado. Há, pois, diferenças admissíveis e diferenças inadmissíveis, traduzindo-se o princípio da igualdade de tratamento na exigência de um fundamento material para a diferenciação salarial. O que aqui se proíbe, repete-se, são desde logo as práticas discriminatórias, são as distinções desprovidas de uma justificação razoável e aceitável (bem como, acrescente-se, o tratamento indiferenciado de situações objectivamente desiguais). Sublinhe-se, no entanto, que o princípio da igualdade retributiva não compreende apenas um conteúdo negativo (a proibição de discriminações) mas comporta também uma vertente positiva, reclamando a igualdade substantiva de tratamento dos trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho (trabalho igual ou de valor igual), aferido este pelos critérios da quantidade, natureza e qualidade, critérios objectivos e sufragados pela CRP. Proibição do arbítrio, proibição de discriminação e obrigação de diferenciação, eis, na lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, as principais dimensões do princípio constitucional da igualdade.”
Maria do Rosário Ramalho, inTratado de Direito do Trabalho”, II Volume, Almedina, pág. 643, refere que o princípio da igualdade, na sua dimensão remuneratória, «não impede diferenças remuneratórias entre trabalhadores, mas apenas um tratamento remuneratório discriminatório. Por outras palavras, apenas estão aqui contempladas as situações em que, perante um trabalho igual ou de valor igual, a retribuição seja diferente, sem uma causa de justificação objectiva”
O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado sobre esta temática nos seguintes termos: (…), para trabalho igual, salário igual “[…] apenas censura a diferenciação retributiva sem fundamento material razoável, que não se confina, neste domínio, à diferente quantidade, natureza e qualidade do trabalho” (Acórdão n.º 339/2017) – “ (…) o que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentaram em critérios objetivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias” (Acórdão n.º 313/89).
O princípio da igualdade reclama que se trate igual o que é essencialmente igual e desigual o que é essencialmente diferente.
Nessa linha, “o que o princípio da não discriminação proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material (unfair discriminations), desde logo, as que assentam em meras categorias subjectivas ou as que não respeitam os princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade. (…)” “Na perspectiva da proibição do arbítrio, o principio da igualdade identifica-se com a proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas, por um lado, à ordem constitucional de valores e, por outro, à situação fáctica que se pretende regulamentar ou ao problema que se deseja decidir”. (Vd. Catarina Santos Botelho, “Algumas Reflexões sobre o Princípio da Paridade Retributiva”, in Estudos Dedicados ao Professor Mário Fernandes Campos Pinto, Liberdade e Compromisso”, Vol. II, Universidade Católica, págs. 100 e 101).
Refira-se ainda que a identidade de funções não significa a existência de trabalho igual, impondo-se apurar se existe também identidade ou equivalência em termos de quantidade e qualidade do trabalho realizado.
Sobre a temática da desigualdade salarial se tem pronunciado a jurisprudência em diversas ocasiões. Considera-se, nomeadamente, que o princípio de trabalho igual salário igual não decorre da existência de idêntica categoria profissional, similitude de funções ou recebimento de igual salário. Para além da paridade formal das funções exercidas ao abrigo de certa categoria profissional deve, existir também identidade ou equivalência no plano da quantidade ou qualidade do trabalho produzido Vd., entre outros, os Acórdãos do STJ de  02-01-1993, proc. 00341, de 22-09-1993, CJ/STJ, 3.º Vol. pág. 269, de 23-01-2001, proc. 003401,e in www.dgsi.pt., de 06-02-2002, proc. 1441/2001, in www.stj.pt/Sumários/Acordãos/Secção Social, de 07-05-2003, Revista 4396/4.ª Secção, de 24-09-2003, proc. 03S1193, de 02-11-2005, proc. 05S1589 e de 13-09-2006, proc. 06S575, bem como os Acórdãos do TRL de 02-06-2004, proc. 1435/2004, disponíveis em www.dgsi.pt).
Para além disso, no presente caso, não tendo a Autora invocado desigualdade salarial com base em qualquer um dos factores de descriminação elencados no art.º 25.º, do Código do Trabalho, incumbe à mesma, nos termos do art.º 342.º do Código Civil, provar que a diferenciação salarial é injustificada em virtude de o trabalho por si desenvolvido ser igual ao dos restantes colegas em termos de natureza, quantidade e qualidade.
Isto é, cabe à trabalhadora alegar e provar que o trabalho é desempenhado em condições de igual natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilidade, exigência técnica conhecimento, capacidade, prática e experiência)e quantidade (duração e intensidade) – Cfr. Acórdão do STJ de 25-06-2008, AD, 563, pág. 2179. No mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos do TRL de 02-06-2004, proc. 1435/2004, de 22-09-2004, proc. 1431/2004-4, e do TRC 23-10-2008, proc. 469/06.0TTCBR.C1, in www.dgsi.pt).
No presente caso, competia à Autora demonstrar que as funções por si desempenhadas eram iguais às desempenhadas pelas suas colegas (técnicas licenciadas), com os contornos assinalados, em termos de duração, quantidade e qualidade. Não bastando para esse efeito provar, como sucedeu, que a Autora, em certas ocasiões, substituiu colegas suas e que estas a substituíram a ela, visto se ignorarem os concretos termos da prestação laboral de uma e de outras.
Conclui-se, assim, pela improcedência da presente questão.

5. Decisão

Em face do exposto,
Concede-se parcial provimento ao recurso na vertente da matéria de facto.
Nega-se provimento ao recurso na sua vertente jurídica e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela Autora.
Notifique e Registe.


Lisboa, 2023-10-11


Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte