Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
172/12.1TTFUN.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO POR MORTE
ASCENDENTE
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - De acordo com o preceituado nos arts. 49. nº1, d) e 57, nº1, d) da Lei 98/2009, de 4.09, só têm direito a pensão por morte do sinistrado o ascendente que aufira rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com o seu cônjuge ou pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro desse valor.
II - Assim, e adoptando a actual lei infortunística laboral um critério distinto da anterior LAT (art. 20, nº1, d) da Lei 100/97, de 13.09), ainda que se prove que o sinistrado contribuía regularmente para o sustento dos ascendentes e que estes careciam desse auxílio, desde que os rendimentos destes excedam esses valores, não lhe assiste o direito a pensão por morte do primeiro.

(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:I - RELATÓRIO
AA e BB vieram instaurar contra CC, Lda e DD – Companhia de Seguros, SA, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, pedindo que o acidente
relatado nos autos seja declarado acidente de trabalho, com o consequente pagamento de uma pensão anual e vitalícia a cada um dos autores, a partir do dia seguinte ao falecimento do seu filho; a quantia de €1.844,57, por despesas de funeral; o valor de €40,00, a título de despesas de transporte para o Tribunal e uma indemnização no valor de €10.000,00 a título de ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como juros, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação.
Para fundamentar a sua pretensão alegam, em síntese, o seguinte:
(…)
A Ré “CC” apresentou contestação, invocando a sua ilegitimidade, tendo em conta que transferiu toda a responsabilidade para a Ré seguradora.
 A Ré seguradora contestou alegando, em síntese, que efectivamente existiu um acidente de trabalho, mas os Autores não têm direito a qualquer pensão, uma vez que não se encontram preenchidos os pressupostos para terem a qualidade de beneficiários.
Acrescenta que desconhece se estes despenderam quantias com o funeral do sinistrado e em deslocações ao Tribunal.
Refere ainda que não é devida a indemnização reclamada pelos Autores, sendo que jamais se recusou a ressarcir os danos resultantes do sinistro.
Foi proferido despacho saneador, julgando-se procedente a excepção de ilegitimidade da Ré “CC”, sendo a mesma absolvida da instância. Efectuada a selecção da matéria de facto com elaboração da base instrutória, não foi a mesma objecto de reclamação.
Tendo prosseguido os autos para julgamento, a audiência decorreu com a observância do ritualismo legalmente previsto, tendo o Tribunal fixado a matéria de facto, a qual não mereceu reclamações.
Seguidamente foi prolatada a sentença, na qual foi proferida a seguinte
Decisão
Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de direito supra mencionados, decido:
a) Qualificar como acidente de trabalho o acidente ocorrido a 11-03-2012, de que foi vitima mortal EE;
b) Condenar a Ré “DD - Companhia de Seguros, SA” a pagar aos Autores as despesas que estes suportaram com a realização do funeral de EE, em valor a apurar em sede de liquidação de sentença;
c) Absolver a Ré “DD - Companhia de Seguros, SA” de todos os demais pedidos.
Custas a cargo dos autores
Valor: €37.747,22
Registe e notifique, incluindo o FAT.
Inconformados interpuseram os Autores recurso para esta Relação, no qual formularam as seguintes
CONCLUSÕES
(…)
Contra-alegou a Ré seguradora pugnando pela improcedência do recurso.
Subidos os autos a esta Relação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, a única questão suscitada é a de saber se os Autores têm direito a pensão por óbito do sinistrado.

III – FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. – O trabalhador EE, exercia as funções de Motorista, sob autoridade, direcção e fiscalização de “CC, Lda”.
2. – O Trabalhador sinistrado auferia o salário anual de Eur 10.868,72 (Eur 687,01xl4 + Eur74,82x 11 + Eur 35,63 x 12) referente a salário base, subsídio de alimentação e outras remunerações, que está integralmente transferido para Ré seguradora através da apólice AT 23219758.
3. – No dia 11 de Março de 2012, pelas 09h39m, o Trabalhador EE quando circulava na Via Expresso da Camacha, no sentido Norte-Sul (descendente), em direcção ao seu local de trabalho localizado no Caniço (Zona das Eiras) foi vítima de um acidente de viação.
4. – O Trabalhador sinistrado conduzia o motociclo de matrícula (…) e o acidente ocorreu mais concretamente ao Km. 1,4, no interior do Túnel das Eiras, na freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz.
5. – O acidente de viação envolveu o motociclo de matrícula (…) conduzido pelo Trabalhador e um veículo ligeiro de passageiros, de matrícula (…).
6. – O acidente de viação consistiu num embate entre os dois veículos, que provocou ao sinistrado lesões que foram causa directa e necessária da morte no próprio dia do acidente.
7. – O Trabalhador sinistrado faleceu no local em que ocorreu o acidente, concretamente no interior do Túnel das Eiras.
8. – O sinistrado no dia 11-03-2012 pelas 09h39m encontrava-se no trajecto de ida da sua residência, sita em Santa Cruz, para o local de trabalho, localizado nas Eiras-Caniço (estaleiro onde se encontram os reboques), onde iniciava a sua prestação laboral por voltas das 10h da manhã.
9. – Tendo-se realizado a tentativa de conciliação no dia 17/12/2012, com a presença dos legais representante da Ré seguradora e dos AA. não houve conciliação, porquanto:
• A Ré seguradora aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente;
• O representante da R. seguradora declarou ainda que aceita que a responsabilidade pela reparação das consequências deste acidente estava integralmente transferida para a sua representada até ao limite do salário acima indicado, mas não aceita pagar qualquer pensão pois entende que a Lei não confere direito à pensão aos pais nem tão pouco à irmã do sinistrado pelo que não se concilia com os beneficiários legais do sinistrado;
• O representante da Ré seguradora ainda aceitou proceder ao pagamento para o FAT de 3 anos de pensão (Eur 10.868,72 x 3anos= Eur32.606,16).
10. – O sinistrado faleceu no dia 11 de Março de 2012, no estado de solteiro, não deixando descendentes.
11. – Foram declarados herdeiros do falecido EE os Autores AA e BB, na qualidade de ascendentes, conforme certidão do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros numero 516/2012 que se encontra junta aos autos.
12. – O pai do sinistrado o Autor AA  nasceu em 22- 02-1959.
13. – A mãe do sinistrado a Autora BB nasceu em 12-02-1959.
14. – O sinistrado residia juntamente com os pais, aqui AA, e com a irmã FF, nascida em 22-12-1988, (…), em Santa Cruz.
15. – O sinistrado sempre viveu com os seus pais até à data do seu falecimento.
16. – O Autor AA exerce a sua actividade profissional na Câmara Municipal de Santa Cruz onde aufere o vencimento mensal liquido de Eur773,81.
17. – A Autora BB é doméstica e não aufere, nem nunca auferiu, qualquer rendimento, pensão e/ou subsídio social.
18. – A mãe do sinistrado -a aqui Autora - é diabética, necessitando de cuidados médicos e medicação mensal.
19. – A irmã do sinistrado à data do seu falecimento havia terminado os estudos, mas encontrava-se desempregada, pelo que a sua subsistência e despesas eram asseguradas pela família, concretamente pelo pai e irmão.
20. – Os Autores têm despesas mensais com o pagamento de água, luz e gás, bem como com a sua alimentação.
21. – O sinistrado entregava todos os meses aos pais -aqui Autores – a quantia de trezentos euros para efeitos de pagamento das despesas mensais do agregado familiar, nomeadamente consumos mensais de água, luz, gás, TV Cabo, parte da alimentação.
22. – Os Autores tiveram de suportar o custo de deslocações ao Tribunal e outras deslocações em consequência do acidente de trabalho.
23. – Os Autores tiveram de suportar despesas com a realização do funeral do filho.
24. – Os Autores encontram-se profundamente tristes e deprimidos com a morte do filho.
25. – A instauração de um processo judicial acarreta custos, reuniões, deslocações ao escritório do Advogado.
Encontrando-se provado documentalmente, adita-se ainda um novo ponto, com a seguinte redacção:
26. – Os Autores e pais do sinistrado são casados entre si.
No mais aceita-se a factualidade dada como provada pela 1ª instância, que se considera definitivamente assente.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A sentença recorrida, tendo qualificado o acidente dos autos como acidente de trabalho, concluiu que os Autores não reuniam os requisitos necessários para serem considerados beneficiários para efeitos do direito à reparação, nos termos previstos no art. 49, nº1, d) da Lei 98/2009, de 4.9, condenando a Ré seguradora a pagar ao FAT as importâncias devidas nos termos do art. 63 deste diploma.
Os Apelantes impugnam tal apreciação sustentando que faz incorrecta aplicação da lei.
O acidente participado nos autos ocorreu em 11.3.2012.
Mostra-se assim aplicável o regime previsto na Lei 98/2009, de 4.9.
De acordo com o disposto no art. 57, nº1, d) desta lei, em caso de óbito do sinistrado, a pensão por morte deste é devida aos ascendentes que, nessa data, se encontrem nas condições previstas na al. d) do nº1 do art.49.
Por sua vez, dispõe esta norma, que se considera pessoa a cargo do sinistrado “O ascendente com rendimentos individuais de valor inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com os do seu cônjuge ou de pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro deste valor”.
Assim a qualidade de beneficiário ascendente depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) no caso do ascendente ser casado ou viver em união de facto, a soma dos rendimentos de ambos não pode exceder o dobro do valor da pensão social;
b) nos restantes casos,  o seu rendimento individual terá de ser inferior ao valor da pensão social.
O legislador teve aqui em consideração que o grupo de ascendentes casados ou que vivam em união de facto é sempre composto por um par de indivíduos, em que, eventualmente, ambos auferem rendimentos, enquanto que, nos restantes casos, o ascendente terá de contar apenas com o seu rendimento individual.
O reconhecimento do direito a pensão por morte aos beneficiários previstos no actual art 57 da Lei 98/2009 (anterior art. 20 da Lei 100/97, de 13.9), em que se incluem os ascendentes, constitui uma emanação dos princípios gerais em matéria de obrigação de alimentos (arts. 2003 e 2004 do CC), que tem semelhanças com a situação em apreço, segundo os quais a atribuição do direito a alimentos depende das possibilidades de quem houver de prestá-los e da necessidade de quem houver de recebê-los. É o que igualmente acontece com os ascendentes do sinistrado que pretendam obter o reconhecimento do direito a pensão, pois que esta representa um sucedâneo daquela obrigação alimentícia, visando ressarcir os ascendentes da perda de rendimentos que a morte do sinistrado representou para eles.
Assim, na legislação anterior, de acordo com o art. 20, nº1, d) da Lei 100/97 e 45, nº1, c) da Lei 143/99, os ascendentes de vítima mortal de um acidente de trabalho só tinham direito à pensão se, para além de provarem a qualidade de beneficiário, demonstrassem ainda o contributo regular do sinistrado para o seu sustento e a carência do seu auxilio.
A actual lei infortunística laboral adoptou um critério distinto, que é objectivo e quantificável.
Tomando como referência o valor da pensão social (quantitativo mensal das pensões de invalidez e de velhice do regime não contributivo), destinada a garantir um mínimo de bem estar e de segurança económica, independentemente da sua expressão contributiva, o legislador presume que os ascendentes que se encontram nas circunstâncias a que alude o art. 49 da Lei 98/2009, carecem do auxílio do sinistrado, desonerando-os da prova dessa necessidade e do contributo efectivo deste para o seu sustento. E, a contrario sensu, afasta da qualidade de beneficiários os que disponham de rendimentos superiores aos previstos na norma.
No caso vertente concorrem à pensão por morte do sinistrado os seus ascendentes, casados entre si.
Resulta da factualidade assente que os Autores, em conjunto, têm um rendimento líquido mensal de €773,81.
Ora, considerando o valor da pensão social fixada para o ano de 2012 pela Portaria nº 320-B/2011, de 30.12 (€195,40), verifica-se que o rendimento mensal do casal é superior ao dobro dessa pensão (€390,809).
Deste modo, não estando preenchidos os requisitos legais necessários para os Autores assumirem a qualidade de beneficiários legais do sinistrado, não têm direito a receber a pensão por morte deste (neste sentido, vejam-se os Acs. da R.C. de 28.11.2013 e da R.E. de 7.1.2013, disponíveis em www.dgsi.pt).
Pela mesma razão, não lhes assiste o direito às despesas de transportes efectuadas nas deslocações ao Tribunal (art.39,nº 6 da Lei 98/2009).
Não merece, pois, censura a decisão recorrida, que é de manter.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes
Lisboa, 9 de Julho de 2014

Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
Isabel Tapadinhas
Decisão Texto Integral: