Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3418/18.9T8LSB.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: TRANSPORTE FERROVIÁRIO
OBRIGAÇÃO PRINCIPAL
OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA CP – COMBOIOS DE PORTUGAL, EPE, E PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA HS
Sumário: I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados.
II – Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo de poder apresentar a respetiva transcrição.
III – Tal como em qualquer contrato de transporte, também o de transporte ferroviário se configura como uma relação obrigacional complexa que não se esgota na obrigação de deslocar pessoas e coisas de um local para outro mediante uma determinada contrapartida.
IV – Para além dessa obrigação principal e típica, a empresa transportadora está ainda vinculada a outras obrigações de prestação secundárias, acessórias e sem autonomia relativamente à prestação principal e a obrigações laterais, de proteção, de consideração e de cuidado com a pessoa e património da contraparte.              
V – Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
HS, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CP – COMBOIOS DE PORTUGAL E.P.E., pedindo a condenação desta no pagamento de despesas médicas e medicamentosas no total de 742,59€, do montante respeitante a perdas de rendimentos que neste momento se cifra em 1085,00€, mas que aumentará todos os meses enquanto não puder voltar a trabalhar, e ainda na quantia de 150 000,00€ a título de compensação pelos danos não patrimoniais, passados, presentes e futuros, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenou a ré a pagar à autora a título de indemnização, a quantia de 6767,59€, acrescendo à quantia de 1767,59€ os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Inconformada, veio a autora apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
77. Deverão ser aditados aos factos dados como provados os seguintes:
78. A) As portas do material circulante usado pela CP nos comboios intercidades são de acionamento manual, fabricadas com material homologado, sendo a data do fabrico de 1986 e ainda continuam a existir em alguns comboios.
79. A este respeito, veja-se o depoimento da testemunha PF aos minutos 1 a 1.45, 2.41 a 3.15, 3.23 a 3.38.
80. B) O material circulante da CP nos comboios intercidades ainda é composto por este tipo de material de acionamento mecânico.
81. A este respeito, o depoimento da mesma testemunha ao minuto 3.23 a 3.40.
82. C) Este tipo de material, entretanto, foi descontinuado, sendo as novas portas de acionamento automático.
83. A este respeito o depoimento da mesma testemunha ao minuto 6.00 a 8.30.
84. D) A articulação das portas não está travada no momento da entrada ou saída de passageiros.
85. A este respeito o depoimento do Perito Engenheiro PP ao minuto 2.00 a 3.20.
86. E) As portas das composições dos comboios intercidades não dispõem de mecanismo que impeça a sua movimentação quando sujeitas a esforços.
87. A este respeito veja-se o depoimento do Perito Engenheiro PP ao minuto 15.18 a 15.47.
88. Entende a A. que o aditamento destes factos demonstra que a responsabilidade da R. será maior, atento o facto de ainda usar material circulante que tem sido progressivamente descontinuado e, claro, não oferece as mesmas garantias de segurança no acesso dos passageiros às carruagens.
Danos não patrimoniais
89. Relativamente aos danos não patrimoniais, as declarações de parte da A. (7.00 a 7.30, 7.50 a 8.30, 9.10 a 10.20, 11.35 a 14.00, 20.00 a 22.10), o depoimento da testemunha MC (7.10 a 7.47, 14.11 a 14.45, 15.00 a 15.17) são eloquentes quanto ao intenso sofrimento suportado pela A.
90. Este sofrimento prolongou-se, não apenas durante alguns meses, tal como decorre da sentença, mas persistiu durante muitos anos e tudo indica que irá acompanhá-la até ao fim da vida.
91. A incapacidade para o trabalho e a impossibilidade de fazer uma vida normal serão uma constante da vida da A., retirando-lhe qualidade de vida, autoestima e obrigando-a a tomar medicação, seja para controlar as dores seja para a depressão, a qual já existia e se agravou com o acidente.
92. As perspetivas futuras são de pouca ou nenhuma melhoria porque o joelho nunca mais ficará no estado normal que permitia à A. exercer uma atividade profissional ou organizar a sua vida, executar as tarefas de higiene e limpeza doméstica.
93. Cirurgias, medicação, fisioterapia serão uma constante para o resto da vida.
94. A indemnização atribuída a este título é manifestamente irrisória, devendo,
portanto, ser revista em conformidade.
Danos futuros
95. No que diz respeito aos danos futuros, é igualmente credível e impressionante o testemunho da A. (12.50 e o minuto 15.00, 19.00 a 20.00, 25.00 a 26.00, 26.50 a 28.00), bem como os depoimentos da testemunha MC (15.10 a 16.10, 19.00 a 29.35) e da filha IT (8.00 a 8.35).
96. A incapacidade para o trabalho e para as tarefas domésticas, os problemas de mobilidade, a necessidade permanente de tomar analgésicos e antidepressivos serão uma constante do resto da vida da A., tal como se pode concluir não apenas dos depoimentos, mas do quadro clínico em que se encontra a A.
97. Deste modo, a douta sentença não valorou devidamente os depoimentos credíveis da A. e das suas testemunhas, quer quanto aos danos físicos e psicológicos que ocorreram após o acidente, quer quanto às sequelas posteriores que acompanharão a A. para o resto da sua vida.
98. Nesta conformidade, deverão ser aditados aos factos dados como provados os acima descritos pela razão de que justificam e agravam a responsabilidade da R., a qual decorre não apenas da legislação sobre o transporte ferroviário, mas também da obsolescência do material circulante, o qual ainda tem um sistema de abertura de portas com acionamento
mecânico.
99. Assim, deve o quantum indemnizatório ser revisto em conformidade com as razões aduzidas no presente recurso, sendo a douta sentença recorrida revogada e substituída que por outra decisão que tenha em conta os efetivos danos sofridos pela A. bem como o agravamento da
responsabilidade da R. pelos motivos acima indicados.
A ré não contra-alegou.
Inconformada, veio também a apelar da sentença, tendo extraído das alegações que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES:
A) A matéria de facto apurada e que serviu de base à procedência da ação não teve na devida consideração as provas constantes dos autos, designadamente a peritagem e os documentos juntos pelas partes, para fixação da matéria de facto;
B) O acidente/incidente não se ficou a dever ao mau funcionamento, ou avaria, da porta mas a incúria e inconsideração da A.
C) Por isso se solicita que, nos termos do disposto no art. 662º do CPC, a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto seja censurada, eliminando-se da mesma os mencionados nºs 2, 5 e 7 dos Factos Provados e 15 dos Não Provados, que devem ser eliminados, ou simplesmente alterados, por forma a não deixar dúvidas, nem permitir interpretações dúbias, sobre alegações conclusivas, e que incorporam a própria questão a decidir na ação;
D) A Ré-apelante ilidiu a presunção de culpa que impendia sobre os seus agentes ou comitidos, quer esta seja considerada extracontratual ou contratual - art°s. 503º, nº 3, 500º, nº 1, 799º do Código Civil;
E) Está afastada a culpabilidade da R. quanto à sua responsabilidade por facto ilícito;
F) A R. também não faltou culposamente ao cumprimento da sua obrigação de transportadora – artº 798º do Código citado;
G) E não violou ilicitamente, com dolo ou mera culpa, os direitos da A. – artº 483º do invocado Código;
H) O acidente é imputável à A. – artigo 570º ainda do mesmo diploma;
I) A responsabilidade do transportador ferroviário pelos danos causados a passageiros prevista no Decreto-Lei nº 58/2008, de 26 de março, está também totalmente afastada pelo que nele se dispõe, em particular no respetivo artigo 25º;
J) Julgando em contrário a, aliás douta, sentença recorrida violou as disposições legais invocadas nas presentes conclusões.
A autora não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões dos recursos apresentados por HS e, CP – COMBOIOS DE PORTUGAL, E.P.E., ora apelantes, que os seus objetos estão circunscritos às seguintes questões:
1.) Saber se deve ser reapreciada toda a matéria de facto impugnada.
2.) Saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual por danos causados em transporte ferroviário de passageiros.
3.) Saber qual o montante da indemnização a título de compensação por danos não patrimoniais.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. A A. adquiriu um bilhete de transporte ferroviário com saída do Porto (Campanhã) pelas 19h 52 m e destino a Santarém no dia 9 de junho de 2017.
2. Sucedeu que, ao subir do primeiro degrau da carruagem para o segundo, a A. agarrou-se aos dois puxadores da porta da carruagem, esta cedeu e bateu-lhe fortemente no joelho esquerdo.
3. O acesso à carruagem não pode ser feito de outra forma que não seja a de as pessoas se apoiarem nos puxadores metálicos das portas.
4. A A. é uma pessoa de constituição forte, trazia uma mochila às costas e teve que se apoiar em ambos os puxadores.
5. Não é normal que as portas cedam quando as pessoas se apoiam nos puxadores para subirem os degraus.
6. De imediato, a A. sentiu enormes dores, tendo dificuldade em deslocar-se até ao seu lugar na carruagem.
7. Quando o Revisor passou, a A. queixou-se do sucedido, mas este não deu importância ao que lhe foi dito.
8. Durante a viagem, a A. sentiu imensas dores e a perna esquerda inchou.
9. Quando o comboio estava a chegar perto de Santarém, a A. ligou para dois amigos, que viviam e vivem em Caldas da Rainha, para a irem buscar pois já não podia andar.
10. Chegados a Santarém, os dois amigos da A. dirigiram-se à carruagem para a ajudar a sair.
11. A A. foi transportada em braços e ficou sentada no banco de espera da plataforma da Estação.
12. Os amigos da A. chamaram o INEM.
13. A A. foi transportada para o Hospital de Santarém onde foi assistida por gonalgia mais a nível da interlinha articular externa.
14. Do Hospital de Santarém foi encaminhada para a área da sua residência para aí ser seguida.
15. A A. foi seguida na Clínica do Montepio Rainha D. Leonor em Caldas da Rainha até 4 de Setembro de 2017
16. A partir de 21 de Agosto de 2017 recebeu subsídio de doença de €6,78 por dia.
17. Nesta altura, já está a ser seguida pela consulta de ortopedia do Centro Hospitalar do Oeste e já fez os exames que foram pedidos.
18. Na sequência do embate, a A. sofreu uma lesão no menisco.
19. Sofreu de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente até, pelo menos, 04-09-2017.
20. No mês de Outubro de 2017 a Autora ainda se encontrava de baixa médica, não tendo recebido qualquer remuneração da sua entidade patronal
21. Continua a deslocar-se com dificuldade.
22. Neste momento, a A. já se debate com problemas de artrose, continua a sentir dores e a tomar analgésicos para as conseguir suportar, tem dificuldade em encontrar posição para dormir devido às dores.
23. Aguarda que seja marcada uma operação ao menisco e que sejam agendadas mais consultas de ortopedia.
24. Por carta datada de 23/01/2018, a Segurança Social notificou a Autora para apresentar resposta à intenção dos serviços de fazer cessar o subsídio de doença.
25. Tal facto ficou a dever-se à não comparência à junta médica marcada para o dia 19-09-2017.
26. A A. teve de andar de canadianas durante vários meses e continua a não poder ter uma vida normal.
27. O quadro depressivo da A. agravou-se com o acidente que teve ao subir para o comboio.
28. Na Clínica do Montepio Rainha D. Leonor a A. suportou as seguintes despesas:
29. Consulta de Clínica Geral no Montepio Rainha D. Leonor em 10-06-2017, dia seguinte ao do acidente - €39,00 (Vide Doc. 8).
30. Nos dias 12-06-2017 (Vide Doc. 9), 3-07-2017 (Vide Doc. 10) e 7-08-2017 (Vide Doc. 11), consultas de ortopedia no Montepio Rainha D. Leonor com o custo de €70,00 cada.
31. Raio X no Montepio Rainha D. Leonor - €60,00 – 12-06-2017 (Vide Docs. 12 e 13).
32. Exame de ressonância magnética no Hospital da CUF em 27/06/2017: €300,00 (Vide Doc. 14).
33. Joelheira adquirida na Ortopedia Rainha, Lda. em 12/06/2017: €49,00 (Vide Doc. 15).
34. Meloxicam, Algimate e canadianas (Vide Docs. 16 a 18): €24,59.
35. A A. enviou reclamações por email em 12-06-2017 (Vide Doc. 19), 13-06- 2017 (Vide Doc. 20) e 16-06-2017 (Vide Doc. 21).
36. A 23-06-2017 enviou uma carta à R. expondo a ocorrência (Vide Doc. 22 – Cópia da carta, Doc. 23 – talão de registo e Doc. 24 – aviso de receção).
37. A 29-06-2017 teve uma resposta da CP (Vide Doc. 25).
38. Em resposta essa missiva enviada por email a A. reagiu com duas mensagens (Vide Docs. 26 e 27).
39. Com data de 3-07-2017 recebeu uma resposta da R. na qual esta afasta qualquer
responsabilidade pelo sucedido (Vide Doc. 28):
40. “A situação em apreço não foi motivada por qualquer facto imputável a esta empresa, pelo que não lhe compete proceder ao pagamento de qualquer despesa.”
41. A A. deslocou-se duas vezes a Lisboa, tendo apresentado uma reclamação em 18-07-2017 (Vide Doc. 29) e outra em 27-07-2017 (Vide Doc. 30).
42. Na carta datada de 8 de agosto de 2017 (Vide Doc. 31), a R. reitera a posição anteriormente manifestada.
43. A A. auferia a remuneração ilíquida mensal de 557,00 euros (Vide Doc. 32).
44. A A. sofreu dores no dia do acidente e nos meses seguintes.
45. Tem vivido muito angustiada, com momentos de depressão e desgosto por recear que a sua vida nunca mais volte a ser o que era.
46. A A. trabalhava, conduzia e tinha a sua vida autónoma.
47. As portas de acesso às carruagens do serviço InterCidades são portas de uma folha com articulação assimétrica e com corrimão adicional, normalizadas segundo a ficha nº 560 da UIC (Union International des Chemins de Fer) - “Doors, footboards, windows, steps, handles, and handrails of coaches and luggage vans” precisamente para utilização em carruagens.
48. O manípulo de abertura da porta exterior permite destrancar a porta e,  consequentemente, abri-la, e os corrimões têm por função auxiliar o embarque dos passageiros.
49. As carruagens do serviço InterCidades possuem dois corrimões no acesso exterior e interior, sendo que em ambos um deles é o corrimão existente na porta articulada que na posição aberta permite essa função, também normalizados segundo a ficha UIC 560.
50. A Carruagem 2097022 que circulou com o nº 25 na composição do comboio Intercidades – IC 526 - do dia 9 de junho de 2017, é exatamente como se descreve e pode ser observada no documento que ora se junta e dá por reproduzido – cfr. doc. nº 1.
51. As carruagens são objeto de manutenção regular, não havendo qualquer registo de anomalias relacionadas com as portas exteriores, ou outro tipo de falhas, o que atesta a conformidade daquela unidade para o serviço comercial – cfr. lista de Intervenções do Plano de Manutenção e Km´s percorridos no período de 09.05.2017 a 20.06.2017 da Carruagem 20097022, assim como a documentação comprovativa do cumprimento do Plano de Manutenção por parte do Prestador de Serviço de Manutenção e registo de avarias/anomalias nas datas próximas do alegado evento – cfr. docs. nºs 2 a 6 que ora se juntam e dão por reproduzidos.
52. No dia 9 de Junho de 2017, encontravam-se em serviço no comboio IC 526 o Operador de Revisão e Venda, JF e o Maquinista, FB.
53. O Chefe da Estação é trabalhador do gestor da infraestrutura ferroviária, a quem pertencem as estações, a empresa Infraestruturas de Portugal, S.A.
54. O contrato de seguro do ramo responsabilidade civil que vigorava à data de 09/06/2017 entre a R. CP – Comboios de Portugal, E.P.E. e a Interveniente Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal é o contrato titulado pela apólice nº …;
55. Por força desse contrato a Ré CP transferiu para a Zurich a responsabilidade civil que, nos termos da Lei, lhe seja imputável em consequência de danos causados a terceiros na prestação de serviços de transporte ferroviário de passageiros, tudo como melhor consta da Apólice que se junta como Doc. 1 e cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido.
56. Tal seguro foi contratado com um capital máximo de indemnização por sinistro e anuidade de € 10 000 000,00 (dez milhões de euros) – Cft. Doc. 1, ora junto;
57. Tendo sido contratada uma franquia, a cargo da segurada, aplicável em todo e qualquer sinistro, no valor de € 1 000 000,00 (um milhão de euros).
58. A Interveniente Fidelidade – companhia de seguros, SA celebrou com a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. um contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela Apólice n.º RC …, cujas Condições Gerais, Particulares e Especiais se juntam como Docs. 1 e 2 e se dão por reproduzidos.
59. Resulta das Condições Gerais do contrato de seguro celebrado com a Ré
INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. que este tem por fim a cobertura da responsabilidade
civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado, no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições Especiais ou Particulares da apólice – Cfr. Artigo 2º.
60. De acordo com a previsão do Ponto 4 das Condições Particulares e Especiais, a actividade segura consiste na “Gestão da infraestrutura rodoferroviária nacional portuguesa, incluindo, nomeadamente, os trabalhos de construção, montagem, remodelação, conservação e financiamento, exploração, manutenção, requalificação e alargamento de rede rodoferroviária; e, bem assim, quaisquer outras atividades conexas ou correlacionadas com as atrás referidas.”
61. Por seu turno, decorre do disposto no Ponto 8.1.6 das Condições Particulares e Especiais, que está coberto pelo contrato de seguro o pagamento de indemnizações decorrentes dos riscos de “…utilização ou propriedade da rede de infraestrutura rodoferroviária, estações de passageiros, seus edifícios e outras instalações, parques de estacionamento, garagens, instalações de abastecimento de combustível, terminais de mercadorias, estações de triagem, instalações de formação das composições, feixes de resguardo, instalações de manutenção e outras instalações técnicas, linhas de telecomunicações, instalações elétricas (incluindo linhas aéreas ou subterrâneas, transformadores, geradores).”
62. O contrato de seguro em apreço prevê como limite máximo de indemnização anual, por todo e qualquer sinistro verificado nessa anuidade, o montante de 100 000 000,00 € (cem milhões de euros) – Cfr. Ponto 11 das Condições Particulares e Especiais.
63. Por seu turno, por sinistro e só num contexto de danos materiais, ficou contratualmente ajustado, quanto à Responsabilidade Civil Geral, que existe uma franquia a cargo dos segurados de 100 000,00 € (cem mil euros) - Cfr. Ponto 12 das Condições Particulares e Especiais.
64. Consagra o Ponto 9, alínea a) das Condições Particulares e Especiais que, em caso de sinistro coberto, estão excluídas as responsabilidades “… decorrentes de atos ou omissões dolosos dos Segurados ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis” – e cfr., a contrario, art. 1.º n.º 1, alínea a) do Ponto 222 das Condições Especiais.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1. Em Santarém, os amigos da A. foram falar com o Chefe da Estação que lhes respondeu: “Não tenho nada a ver com isso! A Senhora devia ter ficado no Porto e queixar-se lá!”
2. E à pergunta se não poderia chamar o INEM, o Chefe da Estação respondeu que não lhe competia visto que a A. estava acompanhada.
3. Foi informada pelo médico que, após os exames feitos, ficaria numa longa lista de espera até ser operada.
4. Entretanto, as poucas economias da A. esvaíram-se com os tratamentos, tendo já pedido ajuda financeira a amigos e familiares.
5. A porta cedeu quando a A. se apoiou para subir os degraus por estar avariada.
6. Tal avaria ficou a dever-se a uma falha na manutenção das portas de acesso às carruagens.
7. Teve que suportar do seu próprio bolso despesas com transporte de táxi pelo facto de não poder conduzir.
8. A sua empregadora não lhe renovou o contrato de trabalho que terminou a 30 de novembro de 2017 pelo facto de estar de baixa já há cinco meses.
 9. A A. crê que este problema no menisco e nos ligamentos lhe trará problemas para o resto da sua vida, podendo mesmo ser declarada a sua incapacidade parcial.
10. A A. não tem perspetivas nenhumas de recuperação total da sua atual situação de incapacidade para o trabalho, dores na perna e dificuldades na locomoção.
11. O cenário mais provável será a sua reforma por incapacidade para o trabalho.
12. A A. teve igualmente de suportar os custos de duas viagens de táxi da sua localidade até Caldas da Rainha de modo a estar presente nos tratamentos.
13. A A. recorda-se de não poder ter viajado no comboio do horário precedente porque o mesmo estava cheio e lembra-se ainda de notar uma grande afluência de passageiros naquele dia.
14. A Autora faltou à junta médica de 19/09/2017 porque tinha mudado de residência e, devido à sua impossibilidade de se deslocar e conduzir, não chegou a tempo de levantar o aviso dos CTT que foi depositado na caixa de correio da sua anterior morada.
15. O incidente/acidente em causa ficou a dever-se a incúria e inconsideração da A.
2.3. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE DEVE SER REAPRECIADA TODA A MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADA.
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – art. 662º/1, do CPCivil.
Pretendeu a Reforma de 2013, “reforçar” os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Assim, a Relação, para além de manter os poderes cassatórios (ou de anulação) da decisão recorrida decorrente de uma fundamentação indevida, insuficiente, obscura ou contraditória, passou a ver substancialmente incrementados os poderes-deveres de reapreciação fáctica, ordenado, quer a renovação (repetição) dos meios de prova pessoal, quer a produção de novos meios de prova”. Poderes esses (de utilização oficiosa), não só de caracter inquisitório, como também de carácter instrutório, em ordem ao proclamado e aludido desideratrum do alcance da verdade material[8].
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 640º/1/b, do CPCivil.
No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – art. 640º/2/a, do CPCivil.
O recorrente tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida[9].
Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo de poder apresentar a respetiva transcrição[10].
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º/1 do CPCivil, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º/3 do mesmo código[11],[12],[13],[14].   
Nas conclusões das suas alegações, basta que o recorrente refira, de forma sintética, os pontos de facto que considera incorretamente julgados e a resposta alternativa que, em sua opinião, se impõe, não cabendo ao recorrente voltar a cumprir nessas conclusões o ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem uma diversa decisão sobre aqueles pontos[15].
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Vejamos se as apelantes, HS e, CP – Comboios de Portugal, E.P.E, cumpriram os ónus de especificação/ identificação que se referem no art. 640º/1/2, do CPCivil.
Aditamento de factos
A apelante, HS, alegou que “deverão ser incluídos nos factos dados como provados os seguintes:
A) As portas do material circulante usado pela CP nos comboios intercidades são de acionamento manual, fabricadas com material homologado, sendo a data do fabrico de 1986 e ainda continuam a existir em alguns comboios.
B) O material circulante da CP nos comboios intercidades ainda é composto por este tipo de material de acionamento mecânico.
C) Este tipo de material, entretanto, foi descontinuado, sendo as novas portas de acionamento automático.
D) A articulação das portas não está travada no momento da entrada ou saída de passageiros.
E) As portas das composições dos comboios intercidades não dispõem de mecanismo que impeça a sua movimentação quando sujeitas a esforços”.
Vejamos a questão.
Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas – art. 5º/1, do CPCivil.
Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar – art. 5º/2/a/b, do CPCivil.
Na relação entre a atividade das partes e a atividade cognitiva do juiz, de destacar que este só pode servir-se dos factos articulados pelas partes (integradores da causa de pedir ou em que se baseiam as exceções), só podendo, pois, fundar a decisão nos factos essenciais (principais) alegados pelas partes nos articulados, sem prejuízo dos poderes de cognição oficiosa (e consideração) dos factos complementares e instrumentais que lhe são conferidos pelo nº 2 do art. 5º[16].
Ora, pretendendo a apelante aditar matéria de facto, tem de indicar se tal factualidade corresponde a factos alegados pelas partes e/ou resultem da instrução da causa, indicar os concretos meios de prova com base na qual a mesma deve ser considerada provada e, consequentemente, poder ser aditada e, também, indicar a decisão alternativa que propõe sobre essa questão de facto.
A apelante limita-se a alegar que “deverão ser incluídos nos factos dados como provados determinados factos”.
Ora, não se sabe de tal alegação, se tal factualidade corresponde a factos alegados pelas partes e/ou resultem da instrução da causa.
Assim sendo, não cumprindo a apelante tal ónus, não se pode apreciar o pretendido aditamento de factos.
Concluindo, não se conhece do recurso nesta parte, pois das conclusões da apelação (e nem das suas alegações), não se mostra alegado quais são os factos pretendidos aditar que resultam de factos alegados pelas partes, ou, da instrução da causa.
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões 77) a 88), do recurso de apelação.
Indemnização por danos morais e danos futuros
A apelante, HS, alegou que “sofreu graves danos físicos e morais em consequência da lesão no joelho, os quais não duraram apenas quatro meses, mas prolongaram-se até ao presente e o prognóstico é o de que jamais terão fim, muito embora, pontualmente, possa haver uma redução ou eliminação da dor”.
Mais alegou que “quanto aos danos futuros, os mesmos resultam dos depoimentos referidos e, a incapacidade para o trabalho e para as tarefas domésticas e de higiene afigura-se irreversível”.
Assim, concluiu que “deverão ser aditados os factos que agravam a responsabilidade da R., a qual decorre não apenas da legislação sobre o transporte ferroviário, mas também da obsolescência do material circulante, o qual ainda tem um sistema de abertura de portas com acionamento mecânico”.
Em relação a tal matéria de facto, o tribunal a quo deu como não provado que:
- A A. crê que este problema no menisco e nos ligamentos lhe trará problemas para o resto da sua vida, podendo mesmo ser declarada a sua incapacidade parcial – facto provado nº 9.
- A A. não tem perspetivas nenhumas de recuperação total da sua atual situação de incapacidade para o trabalho, dores na perna e dificuldades na locomoção – facto provado nº 10.
- O cenário mais provável será a sua reforma por incapacidade para o trabalho – facto provado nº 11.
O tribunal a quo fundamentou as suas respostas negativas “por não haver elementos nos autos que confirmem a existência de qualquer desvalorização em
consequência da lesão sofrida, pressuposto fundamental para a concessão de uma indemnização a título de danos futuros”.
Vejamos a questão.
Pretendendo a apelante que eventualmente se proferisse decisão sobre matéria de facto, teria que indicar os pontos de facto que considerava incorretamente julgados.
Assim, a apelante não cumpriu os ónus de especificação/ identificação que se referem no art. 640º/1/2, do CPCivil, pois ao alegar que “sofreu graves danos físicos e morais em consequência da lesão no joelho, os quais não duraram apenas quatro meses, mas prolongaram-se até ao presente”, não indicou os pontos de facto que considera incorretamente julgados.
Acresce dizer que também a apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada no art. 640º/2/a do CPCivil[17].
Temos, pois, que a apelante, nas suas alegações (e nem o faz nas suas conclusões) de recurso, não especifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
Haverá, pois, de concluir que não especificando a apelante os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não cumpriu os ónus de especificação/identificação que se referem no art. 640º/1/a/b/c/2/a, CPCivil[18],[19].
Assim sendo, não especificando a apelante os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não pode esta Relação reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada.
Concluindo, nesta parte, não se conhece do recurso, pois não constam das conclusões da apelação (nem das alegações de recurso), os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, nos termos estatuídos no art. 640º, do CPCivil[20].
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões 89) a  99), do recurso de apelação.
Pontos 2 e 5 dos factos provados
A apelante, CP – Comboios de Portugal, E.P.E., alegou que “os factos dados por provados sob os nºs 2 e 5, são não só descrições ou alegações conclusivas,
como incorporam a própria questão a decidir na ação”.
Mais alegou que “o que está em causa, como se pode facilmente perceber,
para além da credibilidade da A., que a R. põe em questão, como se deduz da apresentação de mais de uma versão para o sucedido, é o raciocínio da Mma. Juiz que face à prova inquestionável de uma lesão dá como assente qual foi a sua causa, porque o funcionamento de uma porta de comboio que, por mero acaso até está internacionalmente
homologada “não é normal que ceda””.
Assim, concluiu que “As afirmações conclusivas e/ou subjetivas, como são os nºs 2 e 5 dos factos assentes, não devem constar daquele elenco de factos, como se poderá constatar pela audição dos depoimentos da A. e da própria testemunha”.
Em relação a tal matéria de facto, o tribunal a quo deu como provado que:
- Ao subir do primeiro degrau da carruagem para o segundo, a A. agarrou-se aos dois puxadores da porta da carruagem, esta cedeu e bateu-lhe fortemente no joelho esquerdo – facto provado nº 2.
- Não é normal que as portas cedam quando as pessoas se apoiam nos puxadores para subirem os degraus – facto provado nº 5.
O tribunal a quo fundamentou as suas respostas “nas declarações de parte da Autora que o confirmaram, tendo tais declarações sido julgadas credíveis havendo elementos probatórios de suporte das mesmas, tendo-se conjugado estas com as
declarações da testemunha MC, amiga da Autora que veio com o companheiro esperar a Autora em Santarém e que declarou tê-la visto sem poder andar e a queixar-se do joelho, assim como com o relatório de assistência da Autora nos serviços de urgência na parte final do dia 9 de Junho que comprovam a existência duma situação clínica carecida de tratamento e encaminhamento médico assim como de assistência médica futura. Foram ainda tidos em conta para dar como provada a dinâmica do acidente o relatório de peritagem, fotografias da porta, videograma junto pela Autora e os esclarecimentos do perito signatário em audiência de julgamento dos quais se retira que os factos descritos pela Autora podem ocorrer se for exercida uma força lateral sobre a porta, embora não seja normal que esta ceda, o que implica reconhecer que a versão do acidente que foi contada pela Autora é compatível com o funcionamento que a porta da carruagem do comboio pode ter, ou seja, basta que o passageiro, ao tentar equilibrar-se
ou içar-se se incline para trás ou para o lado, apoiando-se no puxador colocado no lado articulado da porta, para que esta possa ceder. As queixas da Autora e local do corpo onde estas se concentram, assim como o tratamento médico e medicamentoso seguido, são igualmente compatíveis com a versão do acidente contada pela Autora”.
Vejamos a questão.
Em relação a tal matéria, em declarações de parte, a autora, HS, referiu, nomeadamente, que “Depois…eu quando vinha par abaixo…portanto…vinha para Santarém novamente…porque era lá que eu tinha a minha viatura…quando venho para Santarém…ao subir o comboio…do primeiro para o segundo degrau…portanto…eu pus o pé…2.25…direito…e levantei o pé esquerdo …e agarrei-me aos puxadores para subir; Dum lado e do outro. Eu trazia uma mochilinha às costas…que era a minha mochila às costas e agarrei-me assim…a porta do lado esquerdo embateu-me… cedeu…2.47…fez isto…cedeu e bateu-me no joelho…eu fiquei aflita…era uma dor muito forte…mas ninguém me disse nada…eu só disse…”ai o meu joelho!”…as outras pessoas pareciam loucas…”vamos embora…”…e…”vamos embora…o comboio vai embora”…eu tive que…não sabia o que fazer…sentei-me… passado um pouco…3.09…comecei a ter muita dor…muita dor…e a sentir a perna a inchar e eu a fazer massagens com a perna…o que valeu…que eu ainda tinha um ben uron ou dois ben uron na mala…foi o que tomei…sempre a massajar a perna e a perna inchou muito…muito mesmo…quando o…quando o senhor revisor para cobrar os
bilhetes …portanto para ver os bilhetes eu disse-lhe…”ai…bati com a porta ou a porta
bateu-me…pronto…no meu joelho e dói-me tanto…”…e o senhor estava a cobrar os
bilhetes aqui e a olhar para ali…para um outro casal que ia à frente…3.40…não me
deu resposta…não sei se se o senhor não percebeu…se o senhor não ouviu…a minha…a minha aflição era tanta que o senhor não devia ter percebido…digo eu…pronto…não posso estar aqui a mentir…uma coisa que eu também não sei…sei que o senhor não me deu resposta…quando vínhamos…entretanto seguimos caminho…quando já estávamos a chegar perto de Santarém…já assim com alguma brevidade…eu tinha muita dor e telefonei para a minha amiga e disse: “oh mana…”…a gente trata-se por mana…mas não somos nada mas tratamo-nos por manas…”oh mana…vem ao meu auxílio que eu não vou ser capaz de sair do comboio porque eu estou com tanta dor…4.20…estou tão aflita … tenho a perna tão inchada…eu não vou  conseguir…”…e o comboio costuma parar na linha x…não sei se é na primeira se é na segunda…agora já não me lembro o tempo que vai…e ela veio…na altura tinha um companheiro…e ela veio ao meu encontro…veio ao meu encontro…eu ainda consegui vir agarrada com muito custo até quase à porta…o Sr. R… na altura era uma pessoa possante…deitou-me as mãos e praticamente tirou-me a quase em peso de dentro do comboio…4.46…vim agarrada assim…a eles portanto…pelos dois braços…e a D. HS pediu para…ao senhor da…do comboio para me chamar uma ambulância porque a amiga estava ali muito aflita deitada em cima dum banco…de pedra num…no acesso ao comboio…o senhor respondeu: “oh minha senhora…não sou eu que tenho que chamar uma ambulância…então se a senhora está acompanhada porque é que eu tenho que chamar uma ambulância?!”…e não quis chamar a ambulância …portanto foi depois…eu já não sei se foi o companheiro atual…na altura…da minha amiga se foi ela que chamaram depois o 112…o qual está no processo uma prova em como o 112 foi chamado…5.36…em como ele me levou ao hospital…portanto há provas disso…um documento dos Bombeiros, em resposta à pergunta: “Aos dois? Dum lado e doutro?”.
Em esclarecimentos prestados na audiência de discussão e julgamento, o perito, PP, referiu, nomeadamente, que “1.08 – Bom…é a minha opinião obviamente…uma porta é um dispositivo móvel …como dispositivo móvel mecânico que é tem um determinado percurso…que nesse percurso pode eventualmente encontrar alguém ou algo nesse percurso…mas é algo inevitável ou seja…qualquer porta…chamemos-lhe assim…tem um determinado trajeto a percorrer …obviamente há que ter alguma precaução na sua utilização…nada é cem por cento seguro mas penso que é um tipo de portas perfeitamente usual até noutro tipo de transportes…os autocarros têm portas também semelhantes…de atuação um bocadinho diferente …mas também com um trajeto…tem que ter algum cuidado na utilização das portas…mas que tem um nível de segurança que me parece relativamente adequado desde que tenha algum cuidado na utilização delas…2.06; Normalmente tem a ver com o fabricante…não com a entidade que faz a manutenção…a manutenção normalmente dedica-se a manter em condições de funcionamento um determinado com as condições que ele traz de fábrica…não quer dizer que não possa fazer alterações, mas, à partida, quando se faz uma carruagem…quando se faz algum equipamento…as coisas são pensadas para funcionar de uma determinada maneira e, à partida, deve ser um funcionamento adequado…3.11…portanto, poderíamos era por a questão se o fabricante não deveria ter previsto outro tipo de fixação…isso aí é discutível; Existe…existe um suporte…digamos assim…que deve suportar o apoio do passageiro…ou seja…quando alguém se apoia…ele deve ter capacidade de suportar uma determinada carga… obviamente depende da carga que se aplicar no puxador; 5.51 - Eu estive junto às carruagens…estive na Estação de Santa Apolónia…junto de dois comboios diferentes...em alturas diferentes…e tive oportunidade de ver as portas abertas e os puxadores…tive oportunidade de verificar…de agarrar num e ver; 6.37- Sim…a questão mais técnica… tem a ver com forma de movimentação da porta…a porta obviamente como qualquer corpo mexe-se por ação de forças; E para ser móvel…por um mecanismo que a própria carruagem tem…que o comboio tem…tem que, a partir de determinada força, mexer… agora essa força pode ser aplicada internamente no mecanismo do comboio ou pode ser aplicada externamente…portanto…se eu aplicar determinadas forças em determinadas direções…obviamente a porta vai ter que se mexer, não é?…ou existe, de facto, previsto um dispositivo mais complexo…para imobilizar …para travar…o fecho…digamos assim….o movimento da porta…ou então aplicando uma força…a porta mexe-se… portanto…há determinadas forças que a porta suporta…a partir de determinada altura …7.23…começa a mexer, não é?; Pode mexer… pode movimentar-se…não ceder porque não fica com o puxador na mão…não parte…mas terá tendência obviamente… com uma força dessas…com um peso desses…obviamente se aplicarmos esse peso à porta a porta vai-se mexer, em resposta à pergunta: “Imaginemos realmente um passageiro muito constituído com…para aí 120 quilos…esta porta pode ceder, não?”; Aguentar o peso da pessoa…acredito que sim…agora tem a ver com a ver com a forma como ele aplica o peso…se ele aplicar numa forma em que mantenha o eixo no plano de aplicação da carga…ele vai suportar…se ele rodar provavelmente não suporta; Independentemente de se apoiar do lado esquerdo…do lado direito tem a ver com a forma como ele se apoiava…ou seja…se ele puxar a porta para si…é natural que a porta rode…se ele puxar a porta para trás mantendo o eixo de rotação da porta nesse plano em que ele faz a força...a porta não mexe…aguenta com ele; Não…era exatamente essa questão que eu estava a falar há pouco…há um mecanismo de acionamento da porta … que faz com que a porta rode…e a porta tem que se mexer…digamos assim … 10.06 …obviamente se existir um determinado tipo de forças…independentemente de ser aplicada pelo mecanismo que aciona a porta ou por uma pessoa ou por outra entidade externa… chamemos-lhe assim…a porta vai-se movimentar…portanto, não é…digamos assim…uma avaria…é uma caraterística da própria conceção do sistema; Sim, em resposta à questão: O Senhor Engenheiro na resposta à primeira questão…diz que as portas das composições dos comboios intercidades que teve oportunidade de estar não dispõem de mecanismo que impeça a sua movimentação quando sujeitas a esforços… assim quando sujeitas ao tipo de esforço que se encontra no vídeo…apresentarão um comportamento como o que foi filmado”; Há orientações para as forças…a porta quando recolhe fica numa posição, digamos assim, vertical…e tem um eixo…e roda em torno desse eixo…portanto se eu fizer uma força na porta onde está o puxador…que tenha este eixo no plano de força para se eu fechar a porta…para mim a porta não mexe… obviamente se eu puxar a porta duma forma mais lateral…a porta vai rodar…16.45… independentemente de ser puxada por mim…pode ser um mecanismo do comboio que a vai fazer fechar…é isso tipo de força que faz a porta rodar…portanto...se eu puxar a porta nesse sentido…a porta vai mexer… portanto ao aplicar esse tipo de esforço… digamos assim…na porta…obviamente ela não tem a resistência suficiente…tem que se mexer…pelo próprio dispositivo em si, não é?; E, portanto, vai-se mexer…e, portanto, ao fazerem esse tipo de esforço…digamos assim…à porta…ela mexe…no fundo aquilo que era retratado no vídeo…17.12…era a aplicação de um esforço…não na vertical… chamemos-lhe assim…mas mais descentrado…que obviamente vai fazer a porta rodar; É um movimento descentrado…ou seja…não queria entrar em grandes pormenores técnicos, mas qualquer força que esteja desviada do eixo vai ter um movimento…vai ter uma capacidade de rotação…17.45…se a força for aplicada de facto como pode acontecer…para a pessoa se levantar…mais lateralmente … ela vai causar aí alguma rotação…digamos…alguma possibilidade de rotação…se a pessoa for mais corpulenta …chamemos-lhe assim…tem mais peso… obviamente que a força é maior…faz mais força…portanto mais tendência terá para rodar… digamos assim; puxar para si…digamos assim…a porta aguenta e não cede; Não cede…se rodar …se eu puxar para subir… lateralmente…obviamente ela vai rodar…ou vai ter tendência a rodar; Pronto…portanto …se eu por absurdo fizer aquela…essa força que está a referir ela vai rodar…com um bocadinho mais de força ou menos força…tem a ver com a força que a pessoa tem…com a massa ela vai rodar obviamente…não quer dizer que esteja mal concebida…está concebida para isso…para rodar perante a presença duma determinada força”.
Por outro lado, a testemunha, PF, referiu, nomeadamente, que “As portas…este material é de 86…e as portas são portas de acionamento manual…quer na abertura quer no fecho…ou seja como uma porta em casa…a pessoa acionou o trinco…abre a porta…e para fechar ela também pode ser fechada manualmente…e também pode ser comandado o fecho à distância…por questões de segurança é possível ordenar o fecho…apenas o fecho…1.45…mas estando
impossibilitada a abertura da porta, não é?...quando o comboio para ele permite que a porta seja aberta…ela comporta-se como uma porta que agora usei para entrar no Tribunal…ou seja…tem umas dobradiças e abre e fecha em torno dum eixo… livremente …pronto…2.00; Sim…como uma porta em casa…ou seja se a puxarmos no sentido de fazer a porta rodar ela pode novamente fechar, em resposta à pergunta: “2.03 –Sim…e portanto…se um passageiro a puxar ela pode…pode ceder…digamos assim…o termo é esse?”.
Analisando o videograma junto pela autora, pode-se constatar que uma pessoa ao se apoiar na porta do comboio para aceder ao seu interior (00:03), esta porta da composição pode movimentar-se em direção ao membro inferior esquerdo do corpo (00:06), embatendo nesse membro do corpo (00:09).
Por sua vez, o relatório de exame pericial concluiu que “As portas das composições dos comboios intercidades, não dispõem de mecanismo que impeça a sua movimentação quando sujeitas a esforços. Assim, quando sujeitas ao tipo de esforço que se encontra no vídeo, apresentarão um comportamento como o que foi filmado. O puxador existente no lado esquerdo da porta, não deve ceder quando um passageiro se apoia nele”.
A prova pericial é sempre livremente apreciada pelo tribunal, juntamente com as restantes provas que forem produzidas sobre os factos que dela são objeto[21].
A perícia é a atividade de avaliação dos factos relevantes realizada por quem possui especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos e tem lugar quando a perceção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos[22].
Temos, pois, que perante o depoimento de parte, esclarecimentos prestados pelo perito, depoimento testemunhal, conjugados com o relatório pericial e videograma, não se pode concluir, como pretende o apelante, nomeadamente, que “a porta da carruagem não cedeu e não bateu no joelho esquerdo da autora”.
Ora, era ao apelante que cumpria convencer o tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova.
Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.
Importará averiguar se o tribunal a quo incorreu, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
Ora, esta demonstração, não a logrou efetuar a apelante, pois nem a parte, nem o perito, nem a testemunha, nada disseram que possam alterar as respostas dadas, ou, por não haver outros elementos de prova que infirmem tais respostas, não há erro de julgamento, não havendo por isso, nesta parte, que alterar as respostas dada pelo tribunal a quo.
A própria apelante reconhece que “não está em questão que a autora possa ter batido com o joelho e que tenha contraído uma lesão ao entrar para o comboio e tenha chegado ao destino com dores, em consequência de um embate com o joelho”.
Verifica-se assim, que o tribunal a quo fundamentou devidamente as respostas à matéria de facto, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou, sendo esta análise e conclusão o resultado encontrados segundo o princípio da livre convicção e apreciação da prova, que aqui não cabe censurar.
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “os factos descritos pela Autora podem ocorrer se for exercida uma força lateral sobre a porta”.    
Assim sendo, por não haver outros elementos de prova que infirmem tais respostas, não há erro de julgamento, não havendo por isso, nesta parte, que alterar as respostas dada pelo tribunal a quo.
Destarte, nesta parte, improcede a conclusão C), do recurso de apelação.
Ponto 7 dos factos provados
A apelante, CP – Comboios de Portugal, E.P.E., alegou que “o facto dado por provado sob o nº 7, são não só descrições ou alegações conclusivas, como incorpora a própria questão a decidir na ação”.
Assim, concluiu que “o facto nº 7 não deve constar daquele elenco de factos, porque nem sequer é verdadeiro, como se poderá constatar pela audição dos depoimentos da A. e da própria testemunha”.
Em relação a tal matéria de facto, o tribunal a quo deu como provado que:
- Quando o Revisor passou, a autora queixou-se do sucedido, mas este não deu importância ao que lhe foi dito – facto provado nº 7.
O tribunal a quo fundamentou as suas respostas “nas declarações de parte da Autora que o confirmaram, tendo tais declarações sido julgadas credíveis havendo elementos probatórios de suporte das mesmas, tendo-se conjugado estas com as
declarações da testemunha MC, amiga da Autora que veio com o companheiro esperar a Autora em Santarém e que declarou tê-la visto sem poder andar e a queixar-se do joelho, assim como com o relatório de assistência da Autora nos serviços de urgência na parte final do dia 9 de Junho que comprovam a existência duma situação clínica carecida de tratamento e encaminhamento médico assim como de assistência médica futura. Foram ainda tidos em conta para dar como provada a dinâmica do acidente o relatório de peritagem, fotografias da porta, videograma junto pela Autora e os esclarecimentos do perito signatário em audiência de julgamento dos quais se retira que os factos descritos pela Autora podem ocorrer se for exercida uma força lateral sobre a porta, embora não seja normal que esta ceda, o que implica reconhecer que a versão do acidente que foi contada pela Autora é compatível com o funcionamento que a porta da carruagem do comboio pode ter, ou seja, basta que o passageiro, ao tentar equilibrar-se
ou içar-se se incline para trás ou para o lado, apoiando-se no puxador colocado no lado articulado da porta, para que esta possa ceder. As queixas da Autora e local do corpo onde estas se concentram, assim como o tratamento médico e medicamentoso seguido, são igualmente compatíveis com a versão do acidente contada pela Autora”.
Vejamos a questão.
Ora, ao indicar o depoimento de parte e testemunhal em que funda a reapreciação da prova gravada, a apelante não o faz por referência às passagens da gravação em que se baseia, v.g., indicando o seu início e termo.
Temos, pois, que a apelante não indicou com exatidão as passagens da gravação em que fundava a sua impugnação da matéria de facto, pois o que fez, foi simplesmente apresentar “uma resenha” ou, aquilo “em suma”, do que a parte e/ou testemunha terão referido[23].
Neste caso, não se está senão perante a interpretação dada pela apelante aos depoimentos em causa, e não, como é devido, perante uma transcrição objetiva do teor desses depoimentos.
Não vale como transcrição uma “resenha” ou aquilo que “em suma” terão referido as pessoas de cujos depoimentos o recorrente se quer fazer valer. Neste caso não se está senão perante a interpretação dada pelo recorrente aos depoimentos em causa, e não, como é devido, perante uma transcrição objetiva do teor desses depoimentos[24].
Porém, o que conta é a avaliação do tribunal em face do próprio depoimento tal como foi produzido, ao qual tem de aceder na sua objetividade e, não a “resenhas” ou “súmulas”, apresentadas pela apelante.
Assim, a apelante com tal alegação não cumpriu o ónus de especificação/identificação que se referem no art. 640º/1/b/2/a, do CPCivil, pois relativamente ao depoimento em que funda a reapreciação da prova, não indicou as passagens da gravação em que
funda o recurso[25],[26],[27],[28],[29],[30],[31],[32].
Concluindo, como a apelante não indicou com exatidão as passagens da gravação em que funda a sua impugnação da matéria de facto, não cumpriu o ónus de especificação/identificação que se referem no art. 640º/1/b/2/a, do CPCivil.      
Assim sendo, nesta parte, não se conhece do recurso, pois relativamente ao depoimento em que funda a reapreciação da prova, não são indicadas pela apelante as passagens da gravação em que funda o recurso, nos termos estatuídos no art. 640º/1/b/2/a, do CPCivil.
Destarte, nesta parte, improcede a conclusão C), do recurso de apelação.
Ponto 15 dos factos não provados
A apelante, CP – Comboios de Portugal, E.P.E., alegou que “o facto dado por não provado sob o nº 15, incorpora a própria questão a decidir na ação”.
Assim, concluiu que “não deve constar daquele elenco de factos”.
Em relação a tal matéria de facto, o tribunal a quo deu como não provado que:
- O incidente/acidente em causa ficou a dever-se a incúria e inconsideração da
A. – facto não provado nº 15.
O tribunal a quo fundamentou a sua resposta “por não ter ficado demonstrada, por falta de elementos de prova para tal, qualquer atitude negligente da Autora que se limitou a subir como pôde para a carruagem do comboio onde ia viajar”.
Vejamos a questão.
Os factos provados só devem conter matéria de facto, devendo estar rigorosamente expurgados de tudo quanto sejam questões de direito: de tudo quanto envolva noções jurídicas. Os factos materiais que possam interessar a estas noções é que devem ser respondidos.
Por vezes, o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum. Nas respostas à matéria de facto deve arredar-se o emprego desses termos. Quando tal lá figure algum deles, deve entender-se que foi tomado no seu sentido vulgar, pelo menos quando este seja bem claro e preciso[33].
É admissível a utilização, na descrição dos factos provados de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio[34].
Por outro lado, a conclusão negativa acerca de um determinado ponto temático probatório apenas significa não se ter provado esse ponto, não que se tenha provado o facto contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido sequer alegado (articulado)[35].
A inclusão de um determinado facto no rol dos não provados apenas permite assumir que o mesmo não se comprovou, sem que daí se possa inferir algum valor positivo para a demonstração de outra factualidade.
Pese embora o facto não provado nº 15, poder incorporar matéria de direito, o mesmo torna-se irrelevante porquanto ao ser dado como não provado, permite apenas assumir que o mesmo não se comprovou, sem que daí se possa inferir algum valor positivo para a demonstração de outra factualidade.
Assim sendo, pese embora o facto poder conter matéria de direito, torna-se irrelevante para a decisão da causa, que conste da relação dos factos não provados.
Destarte, nesta parte, improcede a conclusão C), do recurso de apelação.
Deste modo, não importa, pois, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e que ficou consagrada na decisão proferida em 1ª instância, por não se mostrar verificado o condicionalismo previsto no art. 662º/1, do CPCivil.
2.) SABER SE ESTÃO VERIFICADOS OS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL POR DANOS CAUSADOS EM TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS.
A apelante, CP – Comboios de Portugal, E.P.E., alegou que “para que haja obrigação de indemnizar tem que se perceber em que é que os agentes da R. atuaram contra as normas de conduta que lhes estão impostas”.
Mais alegou que “essa prova não só não se fez, nem era possível fazer-se, porque a A. só se pode ter magoado sem qualquer intervenção dos agentes ao serviço da
R. e/ou de outros passageiros”.
Alegou ainda que “se a A. embateu com o joelho na porta, o acidente em causa  ficou-se a dever, unicamente, à sua manifesta incúria e inconsideração, pelo que lhe cabe a exclusiva culpa na respetiva produção”.
Assim, concluiu que “não se pode dizer que o serviço foi prestado com inobservância dos deveres de proteção, de cuidado e consideração com a pessoa do passageiro, não configurando um cumprimento defeituoso da prestação”.
Está provado que:
– A A. adquiriu um bilhete de transporte ferroviário com saída do Porto (Campanhã) pelas 19h 52 m e destino a Santarém no dia 9 de junho de 2017 – facto provado nº 1.
– Sucedeu que, ao subir do primeiro degrau da carruagem para o segundo, a A. agarrou-se aos dois puxadores da porta da carruagem, esta cedeu e bateu-lhe fortemente no joelho esquerdo  – facto provado nº 2.
– O acesso à carruagem não pode ser feito de outra forma que não seja a de as pessoas se apoiarem nos puxadores metálicos das portas  – facto provado nº 3.
– Não é normal que as portas cedam quando as pessoas se apoiam nos puxadores para subirem os degraus  – facto provado nº 5.
Vejamos a questão.
O operador obriga-se a transportar os passageiros munidos de títulos de transporte ou de outro meio de prova, nos termos do presente decreto-lei – art. 4º/1, do Decreto-Lei nº 58/2008, de 26-03[36].
São obrigações do operador, designadamente, prestar o serviço objeto do contrato de transporte com segurança e qualidade, nos termos da legislação aplicável – art. 4º/2/g, do Decreto-Lei nº 58/2008, de 26-03.
O operador é responsável pelos danos causados ao passageiro e a bens por este transportados durante a viagem, nos termos do presente decreto-lei e do Regulamento (CE) n.º 1371/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, sem prejuízo do direito de regresso sobre o gestor da infraestrutura ferroviária caso os danos resultem de defeito dessa infraestrutura ou avaria dos respetivos elementos – art. 25º/1, do Decreto-Lei nº 58/2008, de 26-03.
Fica excluída a responsabilidade do operador quando o passageiro não tenha
observado os deveres e obrigações a que está obrigado, designadamente a aquisição do título de transporte e demais deveres relativos à segurança a respeitar relativa ao transporte, bem como nos casos previstos no n.º 2 do artigo 26.º do anexo I ao Regulamento (CE) n.º 1371/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007 – art. 25º/2, do Decreto-Lei nº 58/2008, de 26-03.
Sob reserva do presente capítulo, a celebração e execução de um contrato de transporte e a prestação de informações e fornecimento de bilhetes regem-se pelos títulos II e III do anexo I – art. 4º, Regulamento (CE) n.º 1371/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro de 2007 relativo aos direitos e obrigações dos passageiros dos serviços ferroviários.
O transportador é responsável pelo prejuízo resultante de morte, de ferimento ou de qualquer outro dano causado à integridade física ou psíquica de um passageiro por motivo de acidente relacionado com a exploração ferroviária ocorrido durante a permanência do passageiro nos veículos ferroviários, à entrada para ou à saída dos mesmos em qualquer infraestrutura utilizada – art. 26º/1, do Apêndice A  da Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF) de 9 de Maio de 1980, alterada pelo  Protocolo de 3 de Junho de 1999 que altera a Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários, do Anexo I Extrato das regras uniformes relativas ao Contrato de Transporte Internacional Ferroviário de Passageiros e Bagagens(CIV).
O transportador fica isento dessa responsabilidade se o acidente for causado por circunstâncias alheias à exploração ferroviária que não obstante a diligência requerida segundo as particularidades do caso, o transportador não pudesse evitar e a cujas consequências não pudesse obviar e, na medida em que o acidente se deva a uma falta do passageiro – art. 26º/2/a/b, do Apêndice A  da Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF) de 9 de Maio de 1980,alterada pelo  Protocolo de 3 de Junho de 1999 que altera a Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários, do Anexo I Extrato das regras uniformes relativas ao Contrato de Transporte Internacional Ferroviário de Passageiros e Bagagens(CIV).
Em caso de ferimento ou de qualquer outro dano causado à integridade física ou psíquica do passageiro, a indemnização compreende, as despesas necessárias, designadamente as referentes ao tratamento e ao transporte, e a reparação do prejuízo causado, quer por incapacidade total ou parcial para o trabalho quer por um acréscimo das necessidades do passageiro – art. 28º/a/b, do Apêndice A  da Convenção relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF) de 9 de Maio de 1980. 
Pelo contrato de transporte, o transportador obriga-se, mediante remuneração, a deslocar ou fazer deslocar pessoas ou mercadorias alheias de um lugar para outro[37],[38],[39].
O contrato de transporte é fonte de uma pluralidade de direitos e obrigações para todos os intervenientes na respetiva relação jurídica, aqui particularmente o transportador e o destinatário[40].
No que toca ao primeiro salienta-se o direito ao pagamento do frete; no que toca ao segundo salienta-se o direito ao transporte do próprio e bagagens que tiver consigo em segurança, bem como o de ser atempadamente colocado no local de destino[41].
No caso dos autos, conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “a Autora havia adquirido o respetivo bilhete para utilização do comboio que a levasse do Porto a Santarém pelo que, celebrou com a Ré CP um contrato de transporte, e, como tal tinha direito a ser transportada com a devida segurança”.
Porém, o contrato de transporte celebrado entre a autora e a ré[42] não se esgota nem se cumpre apenas com a mera deslocação daquela da estação de origem para a de destino – esta será a prestação principal a que a ré se vinculou[43] – mas, como relação jurídica complexa que é, inclui, para além de deveres principais de prestação (a deslocação propriamente dita de um local para outro), deveres secundários de prestação autónoma da prestação principal, deveres secundários de prestação, acessórios da principal (sem autonomia em relação ao dever principal da prestação, mas ao serviço do interesse subjacente à prestação principal - interesse de cumprimento), deveres laterais ou de proteção, deveres de consideração, deveres de cuidado (com a pessoa e património da outra parte), deveres de lealdade, deveres de notificação e de informação, direitos potestativos, sujeições, ónus, etc.[44].
Entre os deveres laterais ou de proteção, incluem-se, pois, os de consideração e de cuidado com a pessoa e património da contraparte, neste se analisando a cláusula tácita e implícita de incolumidade[45],[46] que, visando a segurança do passageiro, vincula o transportador a prevenir e evitar danos na integridade pessoal e patrimonial deste quer durante a viagem propriamente dita, quer no período de tempo compreendido entre o momento em que o passageiro se confina à área da estação ou apeadeiro para a viagem e o momento em que, chegado ao destino, deixa essa área e a reparar os danos que se verifiquem com violação desse dever[47],[48].
As regras sobre acionamento da abertura das portas das carruagens visam, no mínimo, a concretização, em termos de procedimentos, do cumprimento dos deveres laterais e acessórios de consideração, cuidado, segurança e proteção da pessoa dos passageiros.
Ora, está provado que “a autora ao subir do primeiro degrau da carruagem para o segundo, agarrou-se aos dois puxadores da porta da carruagem, esta cedeu e bateu-lhe fortemente no joelho esquerdo” (facto provado nº 2).
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “Sobre a conduta da autora, nada foi em concreto alegado que permita concluir que foi um qualquer seu comportamento negligente que deu causa ao embate da porta com o seu joelho. A Autora limitou-se a subir para a carruagem apoiando-se em ambos os manípulos da porta, o que não se afigura ser um comportamento anormal ou imprudente”.
A violação dos deveres laterais de proteção e de cuidado com a pessoa e bens da contraparte (por ação ou omissão) equivale ao cumprimento defeituoso do contrato[49].
O cumprimento defeituoso ou a “violação contratual positiva”, podem, portanto, resultar do não cumprimento dos deveres laterais e dos deveres secundários de prestação[50],[51],[52],[53].
Subjacente à perfeição do cumprimento da prestação principal a que, por força do contrato de transporte ferroviário, o transportador está vinculado, está o direito de acesso pelos passageiros ao interior das carruagens ser feita com a devida segurança.
Cláusula de incolumidade que, visando a segurança do passageiro, vincula o transportador a prevenir e evitar danos na sua integridade pessoa quer durante a viagem, quer no período de tempo compreendido entre o momento em que o passageiro se confina à área da estação para a viagem e o momento em que, chegado ao destino, deixa essa área.
O que não aconteceu no caso, pois “a autora ao subir do primeiro degrau da carruagem para o segundo, agarrou-se aos dois puxadores da porta da carruagem, esta cedeu e bateu-lhe fortemente no joelho esquerdo”.
Competia, pois, à ré, diligenciar e prevenir que quando do acesso ao interior das carruagens dos comboios e,  apoiando-se o utente nos puxadores da porta para aí aceder, esta cedesse, e desta maneira, atingisse alguma parte do corpo do mesmo.
Para tal, deveriam as portas de acesso ao interior das carruagens dispor de um mecanismo que impedisse a sua movimentação quando sujeitas a esforços e, deste modo, embaterem por essa via no seu utilizador.
Ora, a ré/apelante nunca providenciou nem diligenciou para que as portas de acesso às carruagens dispusessem de um mecanismo que impedisse a sua movimentação quando sujeitas a esforços, pese embora não ter havido qualquer registo de anomalias das mesmas e, estarem licenciadas para o serviço comercial (sem que daqui se possa retirar que não haja uma violação dos deveres acessórios, pois não deveriam estar licenciadas para esta situação, o que só diminuiu a ilicitude).
Assim, a ré/apelante cumpriu defeituosamente o contrato de transporte que com a autora/apelada celebrara, porquanto esta não acedeu com a devida segurança ao interior da carruagem que a iria transportar, pois a porta cedeu quando se agarrou aos puxadores da mesma e, deste modo, embateu no seu joelho esquerdo[54].
Aliás, tal responsabilidade do transportador decorre do art. 26º/1, do citado Apêndice A, pelos danos ocorridos durante a permanência do passageiro nos veículos ferroviários, à entrada para ou à saída dos mesmos em qualquer infraestrutura utilizada.
Por força do art. 799º/1, do CCivil, era à ré/apelante, como devedora, que incumbia provar que o cumprimento defeituoso da obrigação não procedia de culpa sua[55].
Ora, a ré/apelante, não logrou demonstrar que o acidente não se deveu a culpa sua; logo, presumindo-se e não tendo sido afastada, a culpa (presumida) deve ter-se por “provada” e, logo, também a sua responsabilidade decorrente do facto de ter assumido a obrigação de efetuar o transporte, mesmo concedendo que se entenda haver ela demonstrado a falta de culpa dos seus funcionários[56].
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “mostram-se verificados, nos termos expostos, os pressupostos da responsabilidade civil
em relação à Ré CP, já que a factualidade alegada em relação à responsabilidade do funcionário da Ré Infra- estruturas de Portugal SA não ficou demonstrada. Mostrando-se determinado o seu nexo de causalidade com as lesões causadas pelo embate da porta do comboio, deverá a Ré CP ser condenada no seu pagamento”[57].
Destarte, nesta parte, improcedem as conclusões D) a J) do recurso da apelante, CP – Comboios de Portugal, E.P.E..
3.) SABER QUAL O MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
A apelante, HS, alegou que “a incapacidade para o trabalho e a impossibilidade de fazer uma vida normal serão uma constante da sua vida, retirando-lhe qualidade de vida, autoestima e obrigando-a a tomar medicação, seja para controlar as dores seja para a depressão, a qual já existia e se agravou com o acidente”.
Assim, concluiu que “o quantum indemnizatório fixado a título de danos morais no valor de €5000,00, é irrisório face aos reais danos morais passados, presentes e futuros sofridos”.
O tribunal a quo atribuiu à autora, HS, uma indemnização de 5000,00€, a título de compensação por danos não patrimoniais.
Vejamos a questão.
Danos não patrimoniais (conceito)
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º/1, do CCivil.
O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores – art. 496º/4, do CCivil.
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem – art. 494º, do CCivil.
A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º/1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais[58].
Danos não patrimoniais serão os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização[59],[60].
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
Danos não patrimoniais (danos indemnizáveis)
No âmbito dos danos de natureza não patrimonial, destacam-se ainda, face ao estreitamento do seu âmbito, as dores, sofrimentos e desgostos, os traumatismos físicos, as fraturas, os tratamentos e reabilitações necessários à regeneração da pessoa, vítima, no caso concreto, de acidente de viação[61],[62].
São abrangidos por esta nomenclatura os atos lesivos que atinjam, a título de exemplo, a honra, o bom nome, a saúde, a integridade e dores físicas, a liberdade, entre outros elementos de cariz não patrimonial[63].
Danos não patrimoniais (cálculo do montante indemnizatório)
Embora o artigo 496º do CC faça referência expressa à atribuição de uma indemnização pela verificação de danos não patrimoniais resultantes do ato lesivo de terceiro, segundo Jorge Sinde Monteiro e Júlio Gomes a doutrina nacional tem sido unânime ao referir que, perante impossibilidade de valoração pecuniária dos bens em causa, não estaremos aqui perante uma verdadeira indemnização, mas sim uma compensação. Esta compensação terá como finalidade primacial a satisfação do lesado pelo sofrimento causado pelo evento traumático atendendo, no entanto, à natural dificuldade em fixar um valor primário idêntico ao bem lesado até porque, na maioria das vezes e tendo em conta a natureza dos bens jurídicos que estão aqui em causa, verifica-se não uma dificuldade na quantificação do dano, mas sim uma natural impossibilidade de atribuir um valor à dor ou vida humana[64].
A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo apenas atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é suscetível de equivalente.
Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do art. 496.º/4, do CCivil, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
O art. 496.º/1, do CCivil atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.
Na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respetivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada na mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos arts. 496º/1/3 e 494º, ambos do CCivil[65].     
A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante.
A gravidade do dano não patrimonial tem que ser aferida por um critério objetivo, tomando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, e não, através de um critério subjetivo, devendo o montante da indemnização ser fixado, segundo padrões de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, à do lesado e titular da indemnização, e às flutuações do valor da moeda, proporcionalmente, à gravidade do dano, nos termos do disposto pelo artigo 496º/3, do CC[66],[67].
Para que o dano não patrimonial seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifique a sua satisfação ou compensação pecuniária[68],[69].
O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC[70],[71].
Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º/3, do CCivil[72].
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No caso dos autos, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente à autora, HS, revestem gravidade, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais.
Por serem graves, tem a autora, HS, direito a ser indemnizada por eles, cabendo determinar qual o quantum a atribuir.
Ora, de harmonia com o princípio geral expresso no artigo 562.º, do CCivil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (cfr. n.º 2 do art. 566.º).
Porém, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado.
E se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos, permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que nenhuma.
Nos termos do art. 496.º/4, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifique ponderar. Este tipo de indemnização será fixado segundo o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objetivos a que se alude no artigo 494º.
Tal compensação deve ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Está provado que:
– A A. sentiu enormes dores, tendo dificuldade em deslocar-se até ao seu lugar na carruagem – facto provado nº 6.
– Durante a viagem, a A. sentiu imensas dores e a perna esquerda inchou – facto provado nº 8.
– Na sequência do embate, a A. sofreu uma lesão no menisco – facto provado nº 18.
–  Sofreu de incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente até, pelo menos, 04-09-2017 – facto provado nº 19.
– Continua a deslocar-se com dificuldade – facto provado nº 21.
– Neste momento, a A. já se debate com problemas de artrose, continua a sentir dores e a tomar analgésicos para as conseguir suportar, tem dificuldade em encontrar posição para dormir devido às dores – facto provado nº 22.
–  Aguarda que seja marcada uma operação ao menisco e que sejam agendadas mais consultas de ortopedia  – facto provado nº 23.
– A A. teve de andar de canadianas durante vários meses e continua a não poder ter uma vida normal – facto provado nº 26.
– O quadro depressivo da A. agravou-se com o acidente que teve ao subir para o comboio – facto provado nº 27.
– A A. sofreu dores no dia do acidente e nos meses seguintes – facto provado nº 44.
– Tem vivido muito angustiada, com momentos de depressão e desgosto por recear que a sua vida nunca mais volte a ser o que era – facto provado nº 45.
– A A. trabalhava, conduzia e tinha a sua vida autónoma – facto provado nº 46.
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Conforme entendimento do tribunal a quo, “a Autora, à data do acidente era uma mulher autónoma para todas as atividades da vida diária, suportou limitações na sua mobilidade durante, pelo menos, quatro meses, que a impediram de trabalhar, encontrando-se, à data da entrada da ação em juízo, a aguardar operação ao joelho e desconhecendo se vai voltar a ter a mobilidade anterior ao acidente, tendo tais circunstâncias agravado a sua depressão”.
Ora, perante a matéria de facto provada, atendendo, v.g., à experiência traumática e perturbadora que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, os períodos de convalescença e os tratamentos a que teve de se submeter, afigura-se-nos equitativamente adequada, equilibrada e justa uma compensação no valor de  20 000,00€ (vinte mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais por ela sofridos (aumentando-se assim a compensação fixada pelo tribunal a quo no montante de 5000,00€).
Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos (cf. artigo 8º/3, do Código Civil), o valor alcançado não se mostra irrazoável face ao
dano verificado[73],[74],[75],[76],[77],[78],[79],[80],[81],[82],[83],[84],[85],[86],[87],[88].
Por outro lado, conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “A título de danos futuros (danos morais, perda de rendimentos ou perda da capacidade de ganho) pede ainda a Autora uma indemnização no valor de 100.000,00 euros. Porém, não há elementos nos autos que confirmem a existência de qualquer desvalorização em consequência da lesão sofrida, pressuposto fundamental para a concessão de uma indemnização a título de danos futuros”.
Destarte, nesta parte, procede, a conclusão 99), do recurso da apelante, HS.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar improcedente o recurso interposto pela apelante, CP – Comboios de Portugal, E.P.E.;
b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela apelante, HS e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida, condenando-se a apelada, CP – Comboios de Portugal, E.P.E., a pagar à apelante, HS, a título de indemnização, a quantia total de 21 767,59€ (vinte e um mil, setecentos e sessenta e sete euros e, cinquenta e nove cêntimos), acrescendo à quantia de 1767,59€ (mil, setecentos e sessenta e sete euros e, cinquenta e nove cêntimos) os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custa pela apelada, CP – Comboios de Portugal, E.P.E. (na vertente de custas de parte, por outras não haver[89]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida[90].
                    
Lisboa, 2023-09-14[91],[92]
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Laurinda Gemas
_______________________________________________________
[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[7] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º/3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[8] FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 535/36.
[9] LEBRE DE FREITAS – ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Artigos 676º a 943º, volume 3º, Coimbra Editora, 2003, p. 53.
[10] ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 797.
[11] A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso – AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333).
[12] Como resulta claro do art. 640º, nº 1, do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. O que denega, de todo em todo, a ideia da possibilidade de prolação de um despacho de aperfeiçoamento. Manifestamente que a lei não quis impasses e tergiversações em matéria de impugnação do julgamento dos factos, impondo neste domínio rigor e autorresponsabilidade à parte recorrente. Aliás, só pode ser aperfeiçoado o ato processual da parte que, tendo sido praticado, se apresente como deficiente, obscuro ou complexo. Não o ato processual que pura e simplesmente não foi praticado – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2016-10-27, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[13] A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c), do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPCivil (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2015-05-26, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.
[14] Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objeto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes) – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[15] TEIXEIRA DE SOUSA, Blogue do IPPC, “Recurso de apelação; alegações de recurso; conclusões das alegações”.


[16] FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 408.
[17] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-05-28, Relatora: MARIA DOS PRAZERES BELEZA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[18] É que expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão - FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., abril de 2003, pp. 154/5.
[19] Deverá rejeitar-se o recurso em que se impugna a decisão da matéria de facto quando o recorrente, invocando embora como fundamento do erro na apreciação das provas depoimentos gravados cujas passagens relevantes transcreveu no corpo da minuta, não levar às conclusões, não apenas a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorretamente julgados pelo tribunal recorrido, mas também daqueles que, de harmonia com os fundamentos apontados, reputa demonstrados - Ac. Rel. Coimbra de 25-05-99, proc. JTRC61/2, Relator: NUNO CAMEIRA, http://www. dgsi.pt/jtrc.nsf/.
[20] O recorrente não aduziu argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilidade dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente -
ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 797.


[21] LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 344.
[22] Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2017-05-24, Relator: VASQUES OSÓRIO, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[23] Não vale como transcrição uma “resenha”  ou aquilo que “em suma” terão referido as pessoas de cujos depoimentos o recorrente se quer fazer valer – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-06-18, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[24] Não cumpre os ónus da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC o recorrente que mais não faz do que mencionar, sem qualquer outra particularização ou esclarecimento, o início e o termo das horas em que se processaram os depoimentos das pessoas em que se apoia, tudo como constante (com ligeiríssima diferença) do que consta da ata da audiência. A alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil deve ser interpretada no sentido de que a impugnação da matéria de facto com base em prova gravada tanto se pode fazer mediante a indicação dos concretos segmentos da gravação como mediante a transcrição deles – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-06-18, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[25] A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-09-05, Relator: GONÇALVES ROCHA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[26] Não tendo o recorrente especificado os concretos pontos da matéria de facto, nem os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado, relativamente a cada um desses pontos da matéria de facto, nem indicado qual a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnados, e bem assim não fundamentou a respetiva discordância, especificando criticamente as suas razões, assentes nos concretos meios de prova constantes do processo ou que nele foram registados e que são determinantes de uma decisão diversa, não cumpriu o ónus processual prescrito no art.º 640.º/1, alíneas a), b) e c) do C. P. Civil, justificando a não reapreciação da matéria de facto – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2018-09-13, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[27] A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-12-19, Relator: RIBEIRO CARDOSO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[28] Não cumpre os ónus da alínea b) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC o recorrente que mais não faz do que mencionar, sem qualquer outra particularização ou esclarecimento, o início e o termo das horas em que se processaram os depoimentos das pessoas em que se apoia, tudo como constante (com ligeiríssima diferença) do que consta da ata da audiência. A alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil deve ser interpretada no sentido de que a impugnação da matéria de facto com base em prova gravada tanto se pode fazer mediante a indicação dos concretos segmentos da gravação como mediante a transcrição deles – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-06-18, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[29] Nos quadros do artº. 640º, nºs. 1, alín. b) e 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, o ónus a cargo do Recorrente, no que concerne aos meios de prova devidamente registados ou gravados, cumpre-se com a indicação, com exatidão, na motivação apresentada, das passagens da gravação relevantes e, caso assim o entenda, através da transcrição dos excertos que considere oportunos ou relevantes – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2018-09-06, Relator: ARLINDO CRUA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[30] A indicação com exatidão das passagens da gravação em que o recorrente funda o seu recurso (al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC) tem o seguinte significado: indicação do segmento da gravação onde está contida a informação que o recorrente entende apoiar o seu ponto de vista. Assim, a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento não cumpre a exigência legal.– Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-09-18, Relator: JOSÉ RAÍNHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[31]  É de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, por violação do disposto no artº 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e 2 do CPC, quando não se particulariza, determina ou individualiza cada matéria de que se discorda e a decisão em concreto que deva ser proferida para cada uma dessa matéria e não se precisa qualquer parte de depoimento que se pretende utilizar para a impugnação – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2018-10-18, Relator: EDUARDO AZEVEDO, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[32] Não indicando a parte, nas suas alegações recursivas, e no que tange aos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte ouvidas em audiência de julgamento, com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, não cumpre o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do C.P.C., assim não permitindo localizar corretamente tais depoimentos ou declarações de parte, o que determina a rejeição do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto – Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2018-02-20, Relator: RUI MACHADO E MOURA, http://www.dgsi.pt/jtre.
[33] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, p. 187.
[34] LEBRE DE FREITAS, A Acão Declarativa Comum, À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, p. 170.
[35] FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª ed., p. 409.
[36] No plano interno, o Decreto-Lei n.º 58/2008, com as suas particularidades em relação ao diploma comunitário, aplicar-se-á, em suma, a alguns serviços ferroviários de passageiros sujeitos ao Regulamento n.º 1371/2007/CE, em determinadas matérias em que o mesmo admite isenções, que foram feitas por Portugal, e até ao termo do período de validade dessas isenções (nas situações em que este termo existe), e também se aplicará, sem qualquer limite temporal a certas empresas que, não estando sujeitas às regras de licenciamento da Diretiva n.º 2012/34/CE, não estão subordinadas aos preceitos do Regulamento. De acordo com o art. 2.º/3/a), do Decreto-Lei n.º 217/2015 – que transpõe esta Diretiva para a ordem jurídica portuguesa –, tais empresas são aquelas que efetuem apenas serviços de transporte de passageiros em infraestruturas locais e regionais autónomas (v.g. serviços de transporte ferroviário de passageiros com fins exclusivamente turísticos ou históricos) – SILVA MORAIS, Notas sobre a proteção do passageiro no transporte ferroviário, Revista de Direito Comercial, p. 368.

[37] PEDRO PAIS DE VASCONCELOS – PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, Volume I, 2ª edição, p. 295.
[38] O contrato de transporte pode definir-se como sendo aquele mediante o qual uma das partes (o transportador) se compromete/ obriga perante outro (que poderá ser o passageiro ou o carregador/expedidor) a fazer deslocar (por si ou recorrendo aos serviços de outrem) por cuja prestação responderá – transportar – pessoas ou coisas de um lugar para o outro – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: TÁVORA VICTOR, http://www.dgsi.pt/jstj.
[39] O contrato de transporte é a convenção pela qual uma das partes (o transportador) se obriga, perante a outra (o expedidor/ /passageiro/interessado), tendencialmente, mediante retribuição, a deslocar pessoas ou coisas, de um local para outro – CARLOS LACERDA BARATA, Contratos de transporte terrestre: formação e conclusão, M. Januário da Costa Gomes (coord.), Temas de Direito dos Transportes, Vol. III, Coimbra, Almedina, p. 620.
[40] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: TÁVORA VICTOR, http://www.dgsi.pt/jstj.
[41] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: TÁVORA VICTOR, http://www.dgsi.pt/jstj.
[42] Segundo a Convenção, no transporte ferroviário de passageiros o transportador obriga-se a fazer deslocar o passageiro (e, eventualmente, bagagens e veículos) até ao local estipulado como lugar de destino do transporte. Da Convenção não resultam quaisquer exigências especiais, quanto à forma ou ao modo de formação do contrato de transporte ferroviário de passageiros. À luz da COTIF, o título de transporte não é requisito formal de validade: a ausência, irregularidade ou perda do título não afeta a existência nem a validade do contrato (6.º/2 do apêndice A) – CARLOS LACERDA BARATA, Contratos de transporte terrestre: formação e conclusão, M. Januário da Costa Gomes (coord.), Temas de Direito dos Transportes, Vol. III, Coimbra, Almedina, p. 652.
[43] No contrato de transporte, o dever de deslocar constitui a obrigação principal e nuclear (a cargo do transportador), correspondendo ao cerne do objeto negocial, permitindo, assim, distinguir este tipo contratual de outros – CARLOS LACERDA BARATA, Contratos de transporte terrestre: formação e conclusão, M. Januário da Costa Gomes (coord.), Temas de Direito dos Transportes, Vol. III, Coimbra, Almedina, p. 622.
[44] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-31, Relator: FERNANDO BENTO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[45] O Direito dos Transportes é um Direito de pessoas – que devem ser transportadas com “segurança, conforto, higiene, tranquilidade e dignidade –, como este será o melhor ponto de partida para uma análise do transporte ferroviário de pessoas. Num âmbito mais geral, que engloba, igualmente, o transporte de mercadorias, não há dúvida de que a mais importante caraterística do contrato de transporte é a existência de uma “cláusula de incolumidade” – SILVA MORAIS, Notas sobre a proteção do passageiro no transporte ferroviário, Revista de Direito Comercial, pp. 354/55.
[46] O dever de proteção do passageiro surge como decorrência natural da obrigação de deslocação, estando, pois, no mesmo plano hierárquico para efeitos de responsabilidade do transportador em caso de incumprimento – HUGO RAMOS ALVES, A disciplina europeia da sobre reserva: entre o dever de proteção e a pena legal, Temas de Direito dos Transportes, Vol. V, cit., pp. 361-411.em particular, pp. 367/368 Apud SILVA MORAIS, Notas sobre a proteção do passageiro no transporte ferroviário, Revista de Direito Comercial, p. 355. 
[47] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-31, Relator: FERNANDO BENTO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[48] Mas o percurso do trajeto não esgota o objeto do contrato mau grado lhe esteja no cerne, como obrigação de resultado que é; com efeito associados ao contrato encontram-se os chamados “deveres de proteção” Schutzpflicht consistentes de um modo geral em medidas laterais destinadas a conseguir que pessoas e bens cheguem incólumes a bom porto – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: TÁVORA VICTOR, http://www.dgsi.pt/jstj.
[49] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-31, Relator: FERNANDO BENTO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[50] ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10ª ed., p. 1060 Apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-31; BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não cumprimento das Obrigações, 2011, p. 137 e 355 Apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-31.
[51] O cumprimento defeituoso abrange, não só as deficiências da prestação principal ou de qualquer dever secundário de prestação, como também a violação dos deveres acessórios de conduta que, por força da lei (por via de regra, através das normas dispositivas), se integram na relação creditória, em geral, e na relação contratual em especial. Foi exatamente a inclusão dos deveres acessórios de conduta na relação contratual, feita em grande parte por aplicação da regra da boa fé (art. 762.°, 2), que contribuiu em certa medida para a autonomização da figura do cumprimento defeituoso ou da prestação defeituosa – Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., p. 130.
[52] Reconduzindo-se o contrato de transporte ferroviário a um contrato de prestação de serviços, a violação das regras de diligência, de perícia e das lex artis (aliás, neste caso definidas pelo próprio transportador) de que resultam danos para a pessoa transportada consubstancia a violação dos deveres laterais de proteção, de consideração e de cuidado com a pessoa e bens desta com a consequente qualificação do incumprimento contratual como cumprimento defeituoso do contrato de transporte – DIEZ-PICAZO, Fundamentos del Derecho Civiol Patrimonial, II, 1996, p. 669 Apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-31.
[53] Verifica-se que no cumprimento defeituoso a ilicitude resulta ou da violação de deveres secundários ou de deveres acessórios, que acompanham o dever de prestação principal, enquadrando-se, por isso,, no quadro da violação da obrigação, entendida esta como relação obrigacional complexa – MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, 3ª ed., p. 267.
[54] Só que a lei – artigo 799º/1, tratando-se de uma obrigação de facto positiva – efetuar o transporte em segurança - faz impender sobre o Ré a obrigação de ilidir a presunção de culpa que sobre a mesma recaía pelo incumprimento da prestação, já que não há prova da culpa do lesado que a tal poderia obstar – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: TÁVORA VICTOR, http://www. dgsi.pt/jstj.
[55] O contrato de transporte corporiza uma obrigação de resultado, tendo a ré o dever de fazer chegar o autor passageiro incólume ao seu destino. Não o tendo conseguido e estando em causa uma obrigação de facto positiva sobre a ré, impende nos termos do art. 798.º, n.º 1, do CC, a obrigação de provar que a falta de cumprimento não procedia de culpa sua, a qual em princípio se presume – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-09-26, Relator: TÁVORA VICTOR, http://www.dgsi.pt/jstj.
[56] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-31, Relator: FERNANDO BENTO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[57] Se estiver em causa um ferimento ou qualquer outro dano causado à integridade física ou psíquica (que engloba o choque com o acidente) do passageiro, a indemnização compreende as despesas necessárias, nomeadamente, relativas ao tratamento e ao transporte [art. 28.º/a)], bem como a reparação do prejuízo causado pela incapacidade total ou parcial para o trabalho, ou por um acréscimo das necessidades do passageiro [art. 28.º/b)]. Neste último caso, a indemnização também deverá ser paga em capital, embora possa sê-lo através da atribuição de uma renda, nos moldes previstos no art. 30.º/1, já referidos. De acordo com o art. 27.º/1/b), se sobrevier a morte, às despesas indicadas, acrescem àquelas que resultam do art. 27.º/1/a) – SILVA MORAIS, Notas sobre a proteção do passageiro no transporte ferroviário, Revista de Direito Comercial, p. 400.
[58] PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, pp. 88/89, e nota (164).
[59] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 6ª ed., volume l°, p. 571.
[60] Danos não patrimoniais são aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido – MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume I, 14ª edição, p. 328.
[61] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 499 a 502, e VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.
[62] Alguns danos não patrimoniais que têm sido, recentemente, considerados pela jurisprudência merecerem a tutela do direito como: a perceção que o lesado, mesmo em estado de não (pelo menos completa) consciência, possa ter da situação em que se encontra, do grau de irreversibilidade das lesões; a destruição de um projeto de vida de casal; a impotência sexual de que fique a padecer o lesado bem como o consequente dano de seu cônjuge ou companheiro/a; o dano biológico, na vertente da perda de qualidade de vida do sujeito; o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, como integrantes da tutela à integridade física e/ou à saúde e à qualidade de vida; o dano existencial ou de afirmação social; o pretium juventutis, correspondente à frustração do viver em pleno a primavera da vida, e o direito pessoal com a qualidade ambiental – ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Atualizada, volume I, pp. 683/84.
[63] ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 104/05
[64] ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 107/08
[65] O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, objetivamente, apreciado, e não à luz de critérios subjetivos, em função da tutela do direito, tomando-se em consideração, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem que a equidade impeça o julgador de referir o processo lógico através do qual chegou à liquidação do dano - VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.
[66] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 497, 499 a 501 e, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 1970, pp. 428 e 429.
[67] Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objetivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjetividade inerente a particular sensibilidade humana - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-07-13, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[68] A gravidade do dano deve medir-se por um padrão objetivo e não de acordo com fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. - ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6ª ed., p. 571.
[69] Dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade”. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2007-05-24, Relator: ALVES VELHO, http://www.dgsi.pt/jstj.
[70] MARIA MANUEL VELOSO, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542.
[71] O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o da equidade, a  qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (art. 566º, nº 3), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização (artigo 496º, nº 4), bem como quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (como se extrai da remissão para o artigo 494º), critério geral aplicável a quaisquer danos desta natureza, independentemente da fonte da obrigação de indemnizar - BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 101/02.
[72] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 577 e, ANA PINHEIRO LEITE, A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais, FDUNL, Lisboa, 2015.
[73] Resultando da matéria fáctica provada que a autora: (i) tinha 29 anos de idade à data do acidente; (ii) em virtude deste, sofreu pânico e dores corporais; (iii) recorreu, várias vezes, ao serviço de urgência hospitalar, tendo sido submetida a exames, tratamentos e medicação; (iv) usa colar cervical e colete dorsal; (v) continua em tratamento, designadamente medicação, com o mesmo quadro clínico de síndrome pós-traumático, dores lombares e cervicais com intensidade progressiva, irradiação occipital, dores de cabeça, crises de pânico, humor depressivo, angústia e insónia; (vi) o quantum doloris foi fixado no grau 4; (vii) é casada e tem a seu cargo dois filhos menores; (viii) antes do acidente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa; (ix) apresenta uma atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva, expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou, queixando-se do evitamento para a condução e revivências do acidente; (x) não brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes fazia; e (xi) deixou de fazer desporto, caminhadas e de andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e desgostosa, é correto, de acordo com a equidade, o montante de € 30 000 fixado pela Relação a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial (arts. 494.º e 496.º do CC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-26, Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS, http://www.dgsi.pt/jstjhttp://www.dgsi.pt/jstj.
[74] Foi fixada uma compensação pelos dos danos morais sofridos em € 15 000,00, considerando que: “as lesões, posto que incapacitantes, não provocaram senão um dano estético moderado, o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 7 e, como revela o exame objetivo, as lesões da Autora são apenas no joelho direito embora importem a necessidade de medicamentação continuada, sendo certo que durante o período de internamento hospitalar e clínico, bem como com a intervenção cirúrgica e tratamentos a que foi sujeita sofreu dores e incómodos, bem como sentiu receios quando ao seu estado e saúde presente e futuros” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2008-09-30, Relator: FONSECA RAMOS, http://www.dgsi.pt/jstjhttp://www.dgsi.pt/jstj.
[75] Foi fixada no montante de € 15 000,00, a indemnização por danos não patrimoniais, considerando que: “tendo o autor sofrido em consequência do acidente várias intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos e ficou a padecer de várias sequelas definitivas - cicatriz de cerca de 15 cm num dos antebraços, com um dano estético associado de grau 3, e limitação da mobilidade do ombro e do indicador, a qual lhe provoca um quantum doloris de grau 4 - e que o mesmo era um jovem saudável, bem constituído, dinâmico, alegre e jovial” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-28, Relator: OLIVEIRA ROCHA, http://www.dgsi.pt/jstjhttp://www.dgsi.pt/ jstj.
[76] A uma jovem de 21 anos à data do acidente, que esteve internada em sucessivos hospitais durante um tempo considerável, ficando afetada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, foi sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e teve de realizar sucessivos tratamentos, nomeadamente de recuperação, que se prolongaram no tempo, sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, físicas e emocionais e ficou afetada de uma incapacidade parcial permanente de 50%, o STJ considerou não ser exagerada uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 40 000,00 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-06-25, Relatora: MARIA PIZARRO BELEZA, http://www.dgsi.pt/jstjhttp://www.dgsi.pt/jstj.
[77] A um jovem de 26 anos, que na ocasião do acidente ficou inanimado, sofreu várias fraturas torácicas, esteve internado 12 dias, sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas, ficou a padecer de uma IPG de 16%, atribuiu-se uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-27, Relator: GRANJA DA FONSECA, http://www.dgsi.pt/jstjhttp://www.dgsi.pt/jstj.
[78] A um estudante de 19 anos, que sofreu fratura do cotovelo, foi sujeito a intervenção cirúrgica, quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 3 e ficou afetado de IPP de 11,73%, o STJ considerou ajustada uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-29, Relator: MAIA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstjhttp://www.dgsi.pt/jstj.
[79] A um jovem de 22 anos de idade, que sofreu fraturas graves na perna esquerda, esteve internado ao todo nove meses, foi sujeito a seis intervenções cirúrgicas, sofreu quantum doloris de grau 5, precisou de tratamento psiquiátrico e ainda não atingira o equilíbrio emocional, ficou a sofrer de IPP de 15%, futuramente ampliada em mais 10%, o STJ considerou adequada uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 500,00 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2011-06-01, Relator: MANUEL BRAZ, http://www.dgsi.pt /jst.
[80] Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000 (e não de € 18 000 como foi fixado pela Relação) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-04-07, Relatora: MARIA GRAÇA TRIGO, http://www.dgsi.pt/jstjhttp://www.dgsi.pt/jstj.
[81]  Resultando dos factos provados que o autor, à data do acidente de viação, tinha 30 anos de idade e era uma pessoa saudável e cheio de vida e que, em consequência  do acidente, sofreu várias fraturas; esteve internado durante 14 dias, tendo  sido submetido a diversas intervenções e tratamentos médicos durante cerca de 4 meses;  teve um período global de cerca de 2 anos e 2 meses de gravidade decrescente de incapacidade, 9 meses dos quais  com incapacidade absoluta e a necessitar de ajuda de terceira pessoa; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%;  teve dores quantificáveis em 4 numa escala de gravidade crescente até 7; ficou com dificuldades de ereção no relacionamento sexual; deixou de poder praticar atividades desportivas e de lazer; perdeu um ano escolar e continua a necessitar, pontualmente, de tomar medicação antiálgica, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00 – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-06-07, Relatora: ROSA TCHING, http://www.dgsi.pt /jst.
[82] Fixou-se a quantia de 14 000,00 a um sinistrado que sofreu fratura da clavícula direita e do polegar esquerdo; tendo sofrido um internamento hospitalar de quatro dias, regressou a casa e permaneceu acamado mais duas semanas; foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao polegar esquerdo; andou durante dois meses com o ombro direito imobilizado, precisando do auxílio de terceira pessoa, até para se alimentar; teve de se deslocar por diversas vezes ao Hospital de Santa Maria, no Porto, a fim de aí receber tratamentos; ainda continua a sentir dores quando move o ombro direito e na base do polegar esquerdo, sofrendo ainda dores cervicais e lombares ocasionais, o que se agrava com as mudanças do tempo – a perícia médico-legal calculou o quantum doloris no grau 4, numa escala que vai até 7; no momento do acidente e nos instantes que o precederam receou pela própria vida. Resultou ainda provado que o A. não teve culpa nenhuma na produção do evento danoso, que só ocorreu por negligência do condutor do outro veículo; antes do acidente era saudável e as sequelas que lhe resultaram das lesões causam-lhe desgosto – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2012-07-11, Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[83] Manteve-se a indemnização fixada pela 1ª instância no montante de 10 000,00, ao A. que não teve culpa nenhuma na produção do evento danoso, que só ocorreu por negligência da condutora do veículo atropelante; era uma pessoa saudável, dinâmico e de grande vigor físico; sentiu um grande nervosismo e ansiedade, com perturbação do seu descanso, da sua paz interior e da estabilidade da sua vida familiar; teve o braço esquerdo imobilizado por suspensão ao pescoço durante 96 dias, com os incómodos que daí decorrem para a execução das mais pequenas tarefas da vida diária; ficou totalmente incapaz para o trabalho desde a data do acidente – 25/04/2007 – até 21/03/2008; sentia dores intensas nos braço e ombro esquerdos quando precisa de os levantar na execução de um qualquer trabalho – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2012-06-19, Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[84] Foi arbitrada uma indemnização de 20 000,00 a um lesado com 38 anos de idade, vítima de atropelamento de um acidente de viação com contornos especialmente violentos e traumatizantes, a quem um pesado passou por cima das pernas, sofreu diversas fraturas, nomeadamente do tornozelo esquerdo e do tornozelo direito, que constituem lesões fortemente limitativas do seu modo de locomoção, que é um aspeto essencial, quer para o exercício de uma atividade profissional, quer para a prática da generalidade dos atos da sua vida quotidiana e que tiveram uma repercussão permanente, apresentando o Autor rigidez dos tornozelos e do joelho e dano estético. O Autor foi internado; permaneceu em casa dependente da esposa; foi novamente internado para intervenção cirúrgica; foi seguido em ambulatório; fez fisioterapia e reeducação; tudo isto, ao longo de um significativo período de tempo – pelo menos, 422 dias e suportou um quantum doloris de 4 numa escala de 1 a 7 – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2014-07-03, Relator: MANUEL BARGADO, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[85] Fixou-se uma indemnização por danos não patrimoniais na quantia de 12 500,00 a um lesado, com 49 anos e que sofreu traumatismos lombares, dorsais e cervicais, nos membros inferiores e no membro superior esquerdo e um período de incapacidade temporária de oito meses – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2011-03-22, Relatora: TERESA PARDAL, http://www.dgsi. pt/ jtrg.
[86] Foi atribuída uma indemnização de 12 500,00 a uma lesada de 19 anos, com uma IPG de 7 pontos e que ficou imobilizada com colar cervical durante 2 meses, em consequência da lesão apresenta cervicalgias com contratura paravertebral cervical, mais acentuada à direita, com dor à apalpação, sem irradiação da mesma; limitação da mobilidade na flexão anterior, extensão, rotação direita, inclinação direita e contratura paravertebral da região dorsal, antes do acidente gozava de saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais, era uma jovem robusta, dinâmica e muito trabalhadora, desenvolvia a atividade de dança e de futebol, o que lhe dava satisfação pessoal e bem-estar físico; depois do acidente passou a sentir constantemente dores ao ombro direito, na face posterior do pescoço e região da omoplata direita; e, diminuição de força muscular nos membros inferiores, o que sucede ao longo do dia e em repouso; sente dores constantes na face posterior do pescoço e região da omoplata direita com a permanência na mesma posição melhorando com a posição de decúbito; em consequência das dores que sente a autora deixou de praticar natação; as dores que sente impossibilitam-na de praticar dança e futebol; por sentir dores no pescoço a autora passou a ter dificuldades em passar a ferro, estender roupa, lavar a loiça, lavar o chão, fazer a cama, levantar e suster objetos; a autora sente-se diminuída nas suas capacidades físico-motoras, no seu bem-estar pessoal, o que a faz sentir triste e deprimida e a tornou facilmente nervosa e irritável o que afeta as suas relações sociais e familiares e que se agrava por saber que essas lesões são irreversíveis; quando retomou o trabalho de costureira após o período de baixa sentiu dores que a obrigaram a parar de trabalhar e foi despedida – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2014-05-05, Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[87] Foi fixada uma indemnização de 25 000,00 a uma lesada de 40 anos de idade e uma IGP de 6 pontos e que foi atropelada quando retirava uma das suas filhas do interior do seu veículo, por condutor que se pôs em fuga, deixando-a inanimada, com duas crianças de 9 anos e 9 meses no interior do veículo, ficando a. com lesões que determinaram internamento durante 9 dias, duas cirurgias, prolongados tratamentos de fisioterapia e a impossibilidade de se bastar a si própria e à sua família, tendo de se alojar em casa dos pais e sogros e confiar a outrem a filha mais velha, ficando ainda impossibilitada da prática desportiva a que se dedicava, com cicatrizes que determinaram um dano estético fixado em dois pontos e um quantum doloris no grau 4 e um prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau três, todos numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2014-01-16, Relatora: ANA AZEREDO COELHO, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[88] Fixou-se uma indemnização de €15 000,00 por Danos não Patrimoniais a uma lesado de um acidente de viação, que não ficou com qualquer défice funcional permanente, mas que sofreu traumatismo no tórax, face, nariz, hematoma do músculo tríceps de um braço e fratura de dois dedos do pé, imobilização com aparelho gessado durante seis semanas, repouso forçado com pé elevado durante uma semana, necessidade do uso de canadianas durante alguns meses, submissão a fisioterapia, consultas, exames e injeções, dores muito intensas principalmente durante as primeiras duas semanas e tristeza, insónia, perda de apetite e vergonha pelas limitações físicas – Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2014-01-23, Relator: ESTELITA DE MENDONÇA, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[89] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[90] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.
[91] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[92] Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.